Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a matéria do jornalista Elio Gaspari, intitulada "A Guerra no Rio é uma metáfora cavilosa".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre a matéria do jornalista Elio Gaspari, intitulada "A Guerra no Rio é uma metáfora cavilosa".
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2009 - Página 53927
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JORNALISTA, DENUNCIA, DIVULGAÇÃO, CRISE, FALTA, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FORMA, DESVIO, ATENÇÃO, DIVERSIDADE, SITUAÇÃO, GUERRA, ESTADOS, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, DIVERSIDADE, GUERRA, DESRESPEITO, CRIANÇA, DOENTE, ANALFABETO, IDOSO, APOSENTADO, MEIO AMBIENTE, CULTURA, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BAIXA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL, DESTRUIÇÃO, NATUREZA, COMPROMETIMENTO, FUTURO, PAIS.
  • DEFESA, PRIORIDADE, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, PRESERVAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EQUILIBRIO ECOLOGICO, GARANTIA, MELHORIA, FUTURO, BRASIL, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, CIDADÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, fico feliz em vê-lo na Presidência neste momento; Srªs Senadoras, Srs. Senadores, pedi para fazer esta comunicação inadiável, provocado por uma matéria, que saiu hoje, assinada pelo grande jornalista Elio Gaspari, que tem o título: “A guerra no Rio é uma metáfora cavilosa”. O que ele quer dizer neste artigo, muito bem escrito, é que estamos usando a guerra, que hoje acontece no Rio - ou que parece acontecer -, como desculpa para não mostrar as outras guerras que este País enfrenta.

            Durante a campanha presidencial de 2006, cheguei a dizer que a maneira de enfrentar a crise da segurança no Rio de Janeiro era declarar que o Brasil vive uma guerra civil e que as Forças Armadas não deveriam entrar na luta contra bandidos, porque o papel das Forças Armadas é lutar contra invasores, estrangeiros, e não contra brasileiros, mesmo bandidos. Esse é o papel da polícia. E continuo com essa posição. E continuo achando que a gente precisa fazer um gesto mais enfático do ponto de vista de dizer que ali não é apenas uma questão de segurança; é uma questão de uma verdadeira guerra, o que ficou provado pela derrubada do helicóptero nestes últimos dias.

            Entretanto, o jornalista Elio Gaspari tem toda razão. Nós concentramos de tal forma, Senador Colombo, a ideia de luta contra os bandidos no Rio de Janeiro, que estamos esquecendo que há outras guerras acontecendo. E quando ele diz “metáfora cavilosa”, ele quer dizer no sentido de esconder o que existe.

            Não podemos, por causa da guerra contra a violência no Rio de Janeiro, esquecer que este País está em outras guerras que parecem não haver, parecem não ser vistas. Estamos em guerra com as crianças do Brasil. Nosso País vive em guerra com as suas crianças. Vive em guerra com as suas crianças maltratadas, assassinadas inclusive. Vive em guerra com as suas crianças abandonadas, muitas vezes, nas ruas, pela desarticulação familiar, pela falta de cuidado. Nosso País vive em guerra com as crianças pela falta de escolas ou pela má escola, o que às vezes se confunde. Uma má escola é apenas um pouquinho melhor do que uma não escola. Nós vivemos em guerra contra crianças que não se matriculam - porque ainda temos 5% que não se matriculam - e contra crianças que se matriculam e abandonam a escola. Isso é uma guerra contra elas. Ou crianças que ficam na escola e, no final, saem sem ter aprendido praticamente nada do que é necessário para enfrentar o mundo de hoje.

            Nós estamos em guerra contra os doentes do Brasil. Nós estamos em guerra, porque os nossos doentes não são atendidos, morrem em filas, ficam em filas; filas para esperar uma cirurgia. Isso é uma guerra! Aliás, Senador Flávio, nas guerras, os hospitais, às vezes, funcionam melhor do que estão funcionando no Brasil para as camadas mais pobres.

            Nós estamos em guerra contra 14 milhões de brasileiros que não sabem ler. É uma guerra o que estamos fazendo com eles. Nós os estamos tratando como inimigos. Mesmo que não se diga, mesmo que não se veja, é uma guerra contra eles. E o artigo do Elio Gaspari, sem citar o que eu estou falando, passa essa idéia, e foi ele quem me inspirou.

            Nós estamos em guerra contra o meio ambiente ao destruir rios e mais rios, o que as indústrias de São Paulo fazem. E aqui eu até aproveito para lembrar que nós falamos tanto das florestas da Amazônia - e eu também me preocupo com elas -, mas esquecemos a destruição dos rios que é feita pelas indústrias. A crise ambiental contra os rios é tão grave quanto a crise ambiental contra as florestas.

            Nós estamos em guerra contra os aposentados brasileiros, que sofrem para receber seus direitos, que não conseguem os reajustes corretos no momento certo.

            Nós estamos em guerra contra a cultura. Essa semana, queimou... Não se pode dizer que a culpa do incêndio é do Governo brasileiro, mas o fato é que aquela obra do Oiticica estar daquela forma, guardada por familiares, sem condições de manter a qualidade da segurança, é uma guerra contra a cultura, até porque não é a primeira vez que a obra de um pintor desaparece nas chamas por falta de um cuidado especial.

            Nós estamos em guerra, sim, contra muitos aspectos da sociedade brasileira, da natureza brasileira. Mas eu quero falar, sobretudo, que essas guerras todas podem ser resumidas em uma só. Nós estamos em guerra contra o futuro do Brasil, porque, presos ao imediatismo, presos às soluções só de hoje, presos à publicidade em torno de projetos que virão no futuro, como o caso do pré-sal e do PAC, todos esses que, distantes de nós, parecem trazer vantagens, deixamos de investir naquilo que de fato hoje serviria para construir o futuro do Brasil, que é sobretudo a revolução na educação e a garantia de um desenvolvimento sustentado, mantendo o meio ambiente equilibrado para servir às próximas gerações e mantendo uma escola igual, para garantir oportunidades iguais para a geração de hoje.

            Nós estamos em guerra com o futuro, em guerra com os aposentados, em guerra com os doentes, em guerra com os produtos culturais, em guerra com o patrimônio cultural brasileiro, sendo destruído todos os dias. Nós estamos em guerra contra as crianças, em guerra contra os doentes. Mas só tem aparecido a guerra contra os bandidos e, mesmo assim, aparentemente, estamos perdendo a capacidade de controlar o crime no Rio de Janeiro e em quase todas as outras cidades do País.

            Por isso, termino esta minha comunicação inadiável antes da extensão do prazo que o senhor me deu, dizendo que, felizmente, há no Brasil jornalistas que de vez em quando nos despertam para fenômenos que nós tendemos a não ver.

            De tanto ver assassinatos no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades, de tanto ver o escândalo que é feito - corretamente - com a derrubada de um helicóptero, deixamos de ver o escândalo da desigualdade social, o escândalo da má educação, o escândalo da exclusão social, o escândalo da depredação ambiental, o descaso com que o Brasil é tratado e como o seu futuro é construído a partir de hoje.

            Fica aqui esta minha comunicação, com os meus agradecimentos ao jornalista Elio Gaspari, que, com seu artigo de hoje na Folha de S.Paulo, permitiu que eu despertasse para algo mais grave do que aquilo que a gente vê: as guerras invisíveis que infestam o quadro brasileiro de hoje.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2009 - Página 53927