Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento a favor do ingresso da Venezuela no Mercosul.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Posicionamento a favor do ingresso da Venezuela no Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2009 - Página 56156
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, TRATADO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PREVISÃO, ADESÃO, MEMBROS, ASSOCIAÇÃO LATINO AMERICANA DE INTEGRAÇÃO (ALADI), AMBITO, NEGOCIAÇÃO, BUSCA, CONTRIBUIÇÃO, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA POLITICA, REFORÇO, DEMOCRACIA, ANALISE, DEBATE, CONGRESSISTA, QUESTIONAMENTO, REGIME, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, CONDUTA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, APRESENTAÇÃO, ORADOR, DADOS, DESENVOLVIMENTO POLITICO, DESMENTIDO, ACUSAÇÃO, REGISTRO, ATENDIMENTO, PRE REQUISITO, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, GOVERNO ESTRANGEIRO, VENEZUELA, PRIORIDADE, INCLUSÃO, POPULAÇÃO, REDUÇÃO, POBREZA, CONFLITO, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, CONTESTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RESPEITO, ORDEM CONSTITUCIONAL.
  • IMPORTANCIA, INGRESSO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PROTEÇÃO, INTERESSE, EMPRESA NACIONAL, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, REGISTRO, DADOS, SUPERIORIDADE, COMERCIO EXTERIOR, BALANÇA COMERCIAL, FAVORECIMENTO, BRASIL, EXISTENCIA, ACORDO, COOPERAÇÃO, DIVERSIDADE, AREA, PREVISÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FAIXA DE FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, BENEFICIO, INTEGRAÇÃO, CONTINENTE, DEFESA, APROVAÇÃO, SENADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. INÁCIO ARRUDA (PC do B - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há quase um ano tramita no Congresso brasileiro o Projeto de Decreto Legislativo que aprova o texto do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, assinado em Caracas, em 4 de julho de 2006, pelos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e da Venezuela.

            Estou plenamente convencido de que esta Casa deve aprovar o Tratado que outorgará status de membro pleno do Mercosul à Venezuela. De início, invoco o texto constitucional que, no parágrafo único do artigo 4°, dispõe sabiamente que o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina visando a formação de uma comunidade latino americana de nações. A criação, consolidação e ampliação do Mercosul é uma resposta efetiva à elevada diretriz da Carta brasileira. 

            O Mercosul, Sr. Presidente, é um organismo dotado de personalidade jurídica e de ordenamento legal próprio. Essa organização internacional foi constituída com o ideal de permanência; sua continuidade é imprescindível, sobretudo diante da necessidade de solidificar os avanços até aqui verificados e expandir suas fronteiras, a exemplo do que sucede em outros blocos regionais.

            A integração das nações sul-americanas acompanha uma inescapável tendência do mundo atual. Trata-se de uma iniciativa de alcance estratégico, de largo e profundo impacto, não de um mero episódio conjuntural; estamos frente a uma grave questão de Estado, não de governo.

            A humanidade, nas duas guerras mundiais do século XX, conheceu bem os efeitos da agressividade inerente aos Estados nacionais que não tinham olhos para a cooperação entre os povos. A competição desenfreada instigou o sentimento imperialista e gerou a barbárie. Após a Segunda Guerra, assistimos a inadmissível divisão do mundo em dois grandes blocos. Este esquema ruiu, dando vez a amplas rearticulações das relações entre Estados e sociedades nacionais. Agora presenciamos movimentos estruturais da maior significação: a formação de blocos que privilegiam trocas em múltiplas dimensões, com destaque para as que dinamizam as relações comerciais e a adoção de políticas públicas de efeitos abrangentes.

            De fato, não há alternativa promissora para os povos sul-americanos fora da integração continental. É o que demonstra, em fase mais recente, a dinâmica das relações internacionais. A supressão de certos entraves econômicos e democráticos impulsiona a aproximação entre povos e Estados. A questão essencial é saber quais os efeitos da integração para os países envolvidos e, em especial, para os seus nacionais.

            Nesse sentido, vale recordar brevemente alguns dados que exemplificam a importância do movimento integracionista na América do Sul. Desde o ponto de vista econômico, o comércio do Brasil com a Argentina cresceu de 6% para mais de 20%; inversamente, a Argentina passou de 3,5% para 11% do nosso comércio.

            De uma perspectiva política, pode-se dizer que a chamada “cláusula democrática” evitou o fracionamento da ordem constitucional no Paraguai em, pelo menos, duas oportunidades. No aspecto educacional, é visível o incremento no número de estudantes do idioma espanhol no Brasil e do português nos demais países membros. Os exemplos mostram a relevância do bloco regional estabelecido entre argentinos, brasileiros, paraguaios e uruguaios.

            Sr. Presidente, não vejo razão para retardar a adesão de novos membros ao Mercosul. A ampliação, inclusive, está prevista no Artigo 20º do Tratado de Assunção que prescreve a adesão, mediante negociação e após cinco anos de sua vigência, dos demais países-membros da ALADI.

            A ampliação do Mercosul representa a possibilidade de firmar uma instituição regional capaz de formular suas normas com maior autonomia, elaborar um projeto de cooperação a partir de interesses e aversões comuns, incorporar múltiplas dimensões ao processo integracionista, ter uma presença ativa do Estado nacional e uma concepção da região como ator internacional de peso.

            Propostas de adesão ao Mercosul devem, portanto, ser analisadas na perspectiva da contribuição que os países podem oferecer uns aos outros. Não se trata de alianças governamentais transitórias, mas de acordos estratégicos entre Estados nacionais. O processo integracionista está hoje assentado na prevalência de regimes democráticos e da economia de mercado. Esses princípios fundamentais denotam a necessidade de se buscar o equilíbrio entre as dimensões políticas e econômicas. Privilegiar uma em detrimento da outra, não é uma perspectiva construtiva.

            Muitos de nossos parlamentares demonstram uma inquietação superlativa com o atual panorama político venezuelano; delineiam o cenário interno de um país fortemente vinculado à personalidade de seu presidente e com traços de regime que não estaria respeitando os dois pilares mencionados.

            Convém recordar, porém, que na Venezuela, até 1989, governadores e prefeitos eram escolhidos diretamente pelo Presidente da República. Apenas com a assunção de Hugo Chávez passou a vigorar um regime político constitucional democrático que propiciou nada menos que 12 eleições até hoje. Das disputas eleitorais, o atual governo foi derrotado uma única vez, talvez a mais importante: o plebiscito da Constituição da Venezuela. Nesta consulta popular, ocorrida em 2 de dezembro de 2007, foram convocados mais de 16 milhões de eleitores. A proposta previa modificações em 69 artigos da Carta Magna. Os cidadãos venezuelanos, de modo livre e soberano, rejeitaram todas as alterações propostas. Um Programa de Acompanhamento Internacional para assistir ao Plebiscito da Reforma Constitucional foi criado para assegurar a legitimidade dos resultados. À vista do desfecho, o Presidente Hugo Chávez reconheceu a vitória de seus adversários e os parabenizou. Percebe-se, no episódio, a grande mudança ocorrida naquele país no campo político em curtíssimo espaço de tempo.

            Vale lembrar, ainda, que a Constituição Venezuelana em vigor prevê em seu artigo 72º a realização de um “referendo revocatório”, destinado a possibilitar ao cidadão a oportunidade de anular o mandato de titular de cargo público eletivo. Quando acionado, este mecanismo paradigmático assegurou legalmente a permanência do Presidente Chávez.

            Sr. Presidente, todos esses fatos demonstram claramente que o sistema político venezuelano preenche o requisito da democracia. Portanto, não cabe utilizar a “cláusula democrática” como argumento para negar o ingresso da Venezuela no bloco sul-americano. Em nações tidas como democráticas e desenvolvidas, o tempo médio de permanência de um governante é razoavelmente longo, como no caso da França (sete anos de mandato do presidente, com direito à reeleição) ou da Inglaterra (sem restrições ao número de anos do primeiro Ministro, vide Margaret Thatcher e Tony Blair).

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a entrada da Venezuela no Mercosul é um forte estímulo para que nossos vizinhos persistam trilhando a rota democrática. Até mesmo os opositores do governo Hugo Chávez constatam que a adesão do país ao Mercosul contribui para contornar eventuais fracionamentos da ordem constitucional. No limite, pode-se adotar a exclusão de tal ou qual país do organismo multilateral. A importância da integração para preservar a democracia tem sido demonstrada, em mais de uma ocasião, seja pelos mecanismos adotados pela OEA seja pela União Européia, de maneira inequívoca.

            O presidente Hugo Chávez vem sendo objeto de críticas contundentes devido a suas propostas reformistas voltadas para a inclusão social, de seus confrontos com as elites venezuelanas e de sua contestação sistemática aos EUA. No entanto, seu governo tem se pautado pela estrita observância do ordenamento jurídico venezuelano, conforme os episódios descritos. Em 1998, véspera de sua posse, a pobreza na Venezuela atingia a 50% dos habitantes e a miséria a 20%. Dez anos depois, a pobreza havia diminuido para 20% e a miséria para 9%. Tais avanços sociais incomodam sobremaneira as oligarquias políticas que negaram, ao longo da história do país vizinho, perspectivas promissoras à maioria da população.

            Em resumo, não deve prosperar qualquer argumento que negue a adesão da Venezuela ao Mercosul em virtude de uma pretensa ausência de democracia. O Mercosul não pode ser construído, conforme já afirmamos, ao sabor das diatribes inerentes ao jogo político conjuntural. Afinal não se trata de julgar a postura política de um presidente, mas de consolidar a integração de Estados e sociedades nacionais sul-americanas.

            Em relação às regras do livre comércio, a Venezuela é membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e seus maiores parceiros comerciais seguem sendo os Estados Unidos. Grandes empresas brasileiras como a Odebrechet, Andrade Gutierrez, Gerdau e Braskem estão presentes na Venezula gerando contratos da ordem de US$ 15 bilhões. Por óbvio, é interesse do Brasil proteger esses investimentos. Nesse prisma, não há melhor forma de fazê-lo do que mediante a adesão da Venezuela ao Mercosul.

            Compreende-se a ausência de oposição contundente de setores empresariais brasileiros ao ingresso venezuelano. A lógica do mercado é regida por números e eles são expressivos. Entre 1999 e 2008, as exportações brasileiras para o mundo cresceram 300%. Em relação à Venezuela, elas aumentaram 850%. Esse país, que possui o 3° PIB da América do Sul, representa hoje o maior superávit individual da balança comercial brasileira. O saldo em favor do Brasil é da ordem de US$ 4.6 bilhões. Essa cifra representa mais do que o dobro do superávit com os EUA. Hoje, a Venezuela ocupa a 6ª posição entre nossos parceiros comerciais. As relações econômicas com nosso vizinho representam milhares de empregos formais no Brasil. Obstar sua adesão ao Mercosul seria um contrasenso: significaria operar em contrário aos interesses de empresários e trabalhadores brasileiros.

            Em 2005, o Brasil firmou vinte seis acordos com a Venezuela. Está em curso a cooperação nas áreas de energia, petroquímica, gás, aviação militar, mineração, agricultura, pesca, comunicação, indústria e comércio, ciência e tecnologia, além de empreendimentos conjuntos entre a Petrobrás e a PDVSA para exploração de petróleo na Faixa do Orinoco, da interconexão fluvial Orinoco-Amazonas, da interconexão elétrica Macagua II-Boa Vista, da construção da refinaria binacional em Pernambuco, entre outras.

            Não teria cabimento prejudicar o espírito cooperativo que tem pautado nossas relações com a Venezuela, tanto mais considerando a presteza com que outros tentam garantir o mercado venezuelano para seus próprios produtos. A China é nossa concorrente em bens manufaturados destinados à Venezuela e empreende todos os esforços para ampliar sua participação. Afastar a Venezuela do Mercosul seria de grande valia para nossos concorrentes.

            As negociações para a adesão da Venezuela ao Bloco Regional, ainda que não estejam inteiramente definidas as condições para o cumprimento dos compromissos previstos no protocolo, dizem respeito ao Conselho do Mercado Comum. Não constituem, portanto, obstáculo para aprovar o protocolo de adesão nos legislativos dos países membros. Os parlamentos da Argentina e do Uruguai aprovaram as respectivas Mensagens Presidenciais derivadas do Protocolo. No Brasil, nem a Constituição nem o regimento do Senado exigem o detalhamento prévio de direitos e deveres para a aprovação de acordos de comércio internacional. Ademais, o governo da Venezuela ao assinar o Protocolo de Adesão ao Mercosul aceitou cumprir todas as suas cláusulas. 

            Do ponto de vista geopolítico, temos com a Venezuela faixa de fronteira expressiva e interesses de defesa assemelhados. Compartilhamos problemas sociais e possuímos economias complementares. Asseguraremos, com a integração, matriz energética ímpar no mundo. Seremos parceiros do detentor da 6ª maior reserva de petróleo comprovada do planeta e da 9ª de gás. Como perder oportunidade igual a esta? Ficaremos ainda mais próximos da América Central e do Caribe. Teremos maiores condições de, junto com os quatro membros fundadores do Mercosul, fortalecer a democracia na região e nossas respectivas economias. O ingresso da Venezuela representa forte estímulo ao desenvolvimento das nações sul-americanas, sendo sua principal contribuição o reforço de um mercado comum com trocas de bens e serviços mais intensas e justas entre os países. Este é o caminho para a redução das desigualdades sociais e para a ampliação do bem-estar de nossas populações.

            Cabe destacar ainda, Sr. Presidente, que a adesão da Venezuela ao Mercosul propiciará inúmeros benefícios para o Brasil, em particular para as regiões Norte e Nordeste. Iniciativas de integração energética, de infraestrutura produtiva e ambiental estão em curso, como a construção das linhas de transmissão elétrica em Roraima e da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco. O ingresso da Venezuela, ao dinamizar os fluxos econômicos com a porção setentrional da América do Sul, hoje concentrados no Cone Sul, possibilitará um maior equilíbrio entre as regiões brasileiras. 

            Existem, pois, motivos de sobra para aprovar o Protocolo. A adesão da Venezuela ao Mercosul reveste-se de importância estratégica para a consolidação do bloco regional, a aceleração do desenvolvimento econômico-social dos países membros e a projeção internacional do subcontinente num mundo multipolar. Constitui etapa decisiva para firmar uma cooperação regional abrangente e inovadora. Rejeitar sua inclusão como membro pleno poderia levar, não apenas ao isolamento desse país no conjunto sul-americano, mas a uma situação de anomalia no Mercosul. É oportuno destacar que a Venezuela participa do Parlasul desde sua criação, em maio de 2007, na condição de “membro em processo de adesão”, com cinco parlamentares “temporários” e sem direito a voto.

            O Senado Federal não pode se furtar a suas obrigações. Não temos o direito de subestimar a importância do Mercosul para nosso país, tampouco o papel que sua ampliação há de ter para futuras gerações de brasileiros. Estamos diante de imperativo constitucional; de salvaguarda de interesses nacionais; da possibilidade de consolidação, em patamar mais sólido, do bloco que se forjou no romper dos anos noventa do século passado.

            Somos desafiados por um projeto de grande alcance estratégico e por um processo inédito de cooperação entre países geográfica e culturalmente aproximados. Após quase dois séculos das guerras de independência, nações de portes variados, assumindo propósitos comuns, outorgam-se o direito de traçar seus próprios rumos, abrem novas perspectivas de desenvolvimento e buscam assegurar reconhecimento internacional e soberania. Portanto votemos, Srs. Senadores, pela aprovação do projeto de adesão da Venezuela ao Mercosul, confiantes de estarmos trilhando o caminho que respeita a vontade de integração dos povos e Estados Sul Americanos.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2009 - Página 56156