Discurso durante a 226ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, no transcurso do cinqüentenário de sua criação, dia 30 de dezembro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Homenagem ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, no transcurso do cinqüentenário de sua criação, dia 30 de dezembro.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2009 - Página 62687
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, AMERICA LATINA, DETALHAMENTO, HISTORIA, ATIVIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, GARANTIA, REDUÇÃO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, MODERNIZAÇÃO, INTEGRAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, CONFIRMAÇÃO, DADOS, PROGRAMA, INVESTIMENTO, QUALIDADE, EX SERVIDOR.
  • EXPECTATIVA, INCLUSÃO, DIRETRIZ, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), NECESSIDADE, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, BEM ESTAR SOCIAL, COMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, INSUFICIENCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRITICA, VINCULAÇÃO, PROGRESSO, CONSUMO, ESPECIFICAÇÃO, AMERICA LATINA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Uma boa-tarde a cada uma e a cada um.

            Senador Gerson Camata, que preside esta sessão; Exmo Embaixador Glanzer, da Áustria, que nos prestigia; prezado amigo, que representa o representante do Banco Interamericano, Sr. Jaime Mano; meu caro amigo Heitor Gurgulino, que comparece aqui a esta homenagem; cumprimento também uma figura que me liga profundamente ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, que mora aqui em Brasília, o Engenheiro Fernando Caldas, funcionário por muito anos do Banco, e que me apresentou ao Banco décadas atrás, que, contudo, não pôde estar presente aqui. Seria uma pessoa que eu teria o maior prazer também de cumprimentar especialmente. Saúdo os senhores e as senhoras que trabalham no Banco, e que aqui vieram; saúdo também o meu prezado Eduardo Gutierrez, representante do Pnud; e todos os demais aqui presentes.

            Senador Gerson Camata, fui o primeiro signatário, e teria diversas razões para sê-lo. Como Governador que fui de um Estado brasileiro, é óbvio que tenho de prestar uma homenagem ao Banco Interamericano pela colaboração que este Banco deu a diversos projetos que estão em andamento no Distrito Federal; como brasileiro, é claro que tenho de agradecer o que o Banco fez pelo desenvolvimento do nosso País; como economista, agradeço tudo o que fez o Banco para ajudar a formar uma geração inteira de brasileiros e latino-americanos, que passaram a entender o processo de desenvolvimento de uma maneira que antes não víamos; como amigo pessoal do Enrique Iglesias, é claro que eu também teria a justificativa de convidá-lo para esta homenagem, pela vinculação dele, tanto quanto os outros Presidentes do Banco. Porém, na verdade, o que de mais importante me levou a fazer isso foi uma razão sentimental: foi a minha relação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento durante seis anos, nos quais eu, de certa forma, constrangido a morar fora do meu País, fui absorvido pela comunidade latino-americana em Washington, em Tegucigalpa e em Quito, os lugares onde servi.

            Essa é uma razão que toca sentimentalmente, mas não é talvez a mais importante numa solenidade como esta. A mais importante é lembrarmos que, nesses 50 anos, o Banco Interamericano, como outras instituições, mudaram a face do Continente. Mudaram a face transformando um Continente, que, naquela época, era subalterno completamente nas relações comerciais internacionais, que era, de certa maneira, um Continente quase que primitivo na sua estrutura econômica - agrícola, rural -, em um Continente que, podemos dizer, do ponto de vista econômico, hoje, é completamente diferente - e, ao final, eu vou dizer como acho que deveriam ser os próximos 50 anos do Banco.

            Lembro, quando voltei - não faz muito tempo - a Quito, onde estive no começo dos anos 70, como funcionário do Banco, que pude perceber como aquele país havia mudado radicalmente, assim como o Brasil mudou e como todos os países mudaram. Isso, graças a uma longa história, razão por que, numa solenidade como esta, que tem a ver não apenas com os que estão presentes, mas com os que nos estão assistindo agora e outras vezes se repetirão ao longo da semana, pela TV Senado, vale a pena fazer um pequeno histórico.

            Desde que houve, em 1890, a primeira Conferencia Interamericana, realizada em Washington, foi aprovada uma resolução pedindo a criação de um banco que funcionasse como instituição de desenvolvimento concentrada nos prementes problemas da região. Ou seja: esses 50 anos seriam multiplicados por mais de duas vezes se a gente for lá à raiz da ideia de uma entidade financeira do Continente.

            Em 1954, a Conferência Econômica Interamericana, realizada em Petrópolis, no Brasil, elaborou as propostas que viriam a ser a base do convênio constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

            Em 1958, o mesmo Presidente que fundou Brasília, Juscelino Kubitschek, escreveu ao então Presidente Norte Americano Eisenhower, sugerindo que os países do hemisfério ocidental lancem um decidido esforço de cooperação para promover o desenvolvimento econômico social da América Latina. A proposta encontrou grande receptividade e, pouco depois, uma comissão especial da Organização dos Estados Americanos redigiu o convênio que serviu de base para o Banco Interamericano. Ou seja: Juscelino, nosso Presidente, teve papel fundamental na constituição do BID.

            Então, em 1959, o convênio foi ratificado por 18 países, sendo concedida a autorização inicial de US$1 bilhão para o capital ordinário e fundo para Operações Especiais.

            Em 1960, foi realizada a Primeira reunião anual, em El Salvador.

            Em 1961, o BID concede o seu primeiro empréstimo, destinado a melhoramento do sistema de água e esgoto de Arequipa, no Peru. Ou seja, o primeiro empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento foi para o setor social, apesar de o Banco ter-se caracterizado tanto como financiador da infraestrutura econômica.

            Em 1964 é aprovado o primeiro aumento dos recursos no capital ordinário para US$1,3 bilhão, com linhas de crédito para as exportações, que beneficiariam Argentina, Brasil, Chile e México, os principais países que tínhamos à época.

            É claro que não está escrito, na cronologia histórica do BID, que, em 1973 eu ingressei no Banco - no histórico, obviamente, isso não aparece. Isto mostra como aquilo que é tão importante para uma pessoa é absolutamente irrelevante para as instituições às quais pertencemos. Passa-se aqui para o ano de 1974, quando é assinada a Declaração de Madri, que formalizou o ingresso de diversos países industrializados. Deixa, pois, o BID de ser uma instituição apenas latino-americana e norte-americana e passa a ser também europeia, asiática, servindo a todos os países.

            Em 1976, o primeiro grupo de países europeus, além de Israel e Japão, filia-se ao Banco.

            Logo depois, entre 1976 e 1993, 18 países extrarregionais ingressaram no BID.

            Em 1978, a Assembleia de Governadores, autoridade máxima na qual estão representados todos os países-membros, geralmente nas pessoas dos Ministros de Fazenda, presidentes de bancos centrais e autoridades, estipulou que 50% das operações deveriam beneficiar os grupos de baixa renda. Outro dado que a gente esquece na estrutura e na política do Banco Interamericano: esse compromisso com a baixa renda. E aí entrou um programa de pequenos projetos de ajuda para agricultores e pequenos negócios.

            Em 1985, é concluído o convênio constitutivo da Corporação Interamericana de Investimentos, voltada para o desenvolvimento do setor privado e mercado de capital.

            Em 1988, é criado o Fundo Especial do Japão para assistência técnica.

            Em 1990, são aprovados os primeiros empréstimos setoriais e para microempresas. E é também criada a rede regional de pesquisas sobre política econômica.

            Em 1993, começam as operações do Fundo Multilateral de Investimentos, para promover o crescimento abrangente por meio do desenvolvimento do setor privado.

            Em 1988, é criado o mecanismo para empréstimos de emergência com aprovações anuais de créditos que chegam a alcançar US$10 bilhões.

            Em 2005, é lançado o mecanismo de moeda local.

            Em 2009, em 12 de janeiro, a República Popular da China é admitida como membro do banco, da Corporação Interamericana de Investimentos e do Fundo Multilateral de Investimentos.

            Por conseguinte, posso dizer hoje que o Banco Interamericano de Desenvolvimento, apesar do nome interamericano e da finalidade interamericana, conta com 26 países-membros mutuários e 22 países-membros não mutuários. Conta com 46 países na sua grande associação.

            E, neste momento, apesar da crise econômica mundial, pode-se dizer que, com um volume recorde de empréstimos, os governadores comemoram o 50º aniversário em Medellín, na Colômbia.

            O Banco Interamericano é o maior e mais antigo dos bancos regionais do mundo. Pouca gente lembra e percebe isso. É um banco anterior ao Banco Asiático de Desenvolvimento; é anterior ao Banco Africano de Desenvolvimento. Portanto, é um banco que tem servido de padrão para muitos outros que tenham a característica de regional e de desenvolvimentista.

            Sua fundação resultou de um conceito ousado e original, pois, contrariando a tendência da época, criou-se um banco de devedores. Os que iam tomar empréstimos eram os donos do banco. Essa é uma visão radialmente diferente da tradição em que o banco tem como dono os que emprestam e não os que tomam o dinheiro emprestado.

            Os fundadores, sobretudo o seu primeiro Presidente, Felipe Herrera, um grande economista latino-americano, percebiam que as necessidades da América Latina eram muito diferentes daquelas referentes à reconstrução das infraestruturas do Japão e dos países europeus, que motivaram a criação do Banco Mundial depois da Segunda Guerra Mundial.

            Ele, Felipe Herrera, percebeu, com seus trabalhos, com a assessoria do grande economista brasileiro Celso Furtado, que as características eram diferentes, que não servia um banco que repetisse o Banco Mundial, porque senão nem seria necessário. Era preciso um banco que falasse a língua do Continente latino-americano. Não a língua do ponto de vista do espanhol, do português e de outras línguas de países do Caribe, mas que falasse a língua do ponto de vista da concepção de desenvolvimento.

            É claro que, de lá para cá, algumas mudanças forçam que o Banco Interamericano se readapte, dê um salto adiante. Na América Latina, a população era predominantemente rural, como disse; precisava ter acesso a educação e serviços sanitários essenciais; precisava desenvolver a ciência e a tecnologia, criar e fortalecer instituições públicas e privadas. Diferente do Banco Mundial, diferente do Plano Marshall para recuperar a Europa, onde as escolas já existiam, água e esgoto já estavam em todas as casas e o que precisava era apenas recuperar a infraestrutura destruída pela guerra. Aqui, a infraestrutura não havia sido destruída pela guerra, a infraestrutura ainda não havia sido criada, pelo obscurantismo dos dirigentes do nosso Continente ao longo dos quatro séculos anteriores. A nossa guerra não foi uma guerra de bombas, foi uma guerra de omissões.

            Urgia, portanto, melhorar as políticas econômicas e utilizar o planejamento, técnica que ninguém conhecia na época - e foi para isso que eu ingressei no banco como professor de elaboração e avaliação de projetos e de planejamento; estimular a industrialização e fortalecer o setor privado e a pequena empresa. Era preciso construir infraestrutura, incentivar núcleos agrícolas e promover reformas. Era preciso, portanto, fazer uma revolução, uma revolução pela economia. Na mesma época em que se falava numa revolução pelo social do ponto de vista político, o banco falava numa revolução social do ponto de vista dos investimentos.

            Os empréstimos, garantias e doações disponibilizados pelo BID ajudaram a financiar projetos de desenvolvimento e, até hoje, respaldam estratégias para reduzir a pobreza, expandir o crescimento, ampliar o comércio e o investimento, além de promover a integração regional, o desenvolvimento do setor privado e a modernização do Estado.

            Na presidência de Antonio Ortiz Mena, mexicano eminente que ficou dezoito anos na presidência, o Banco aumentou sua contribuição ao fortalecimento da infraestrutura da região. Sob a liderança de Enrique Iglesias, de 1988 a 2005, apoiou os processos de reestruturação das economias regionais.

            Enrique Iglesias, que ficou menos tempo do que Ortiz Mena, foi, entretanto, o presidente que deu o norte a esse novo tempo, que deu a linha para esse mundo que mudou completamente a partir do começo da década de 80.

            Ao longo dos anos, o Banco se transformou em importante catalisador da mobilização de recursos para o desenvolvimento da região. As principais funções são utilizar capital próprio, fundos captados nos mercados financeiros e outros recursos disponíveis para financiar o desenvolvimento dos países-membros mutuários; suplementar investimentos privados na falta de capital privado, em termos e condições razoáveis, e proporcionar assistência técnica para a preparação, financiamento e execução de projetos de desenvolvimento.

            E aqui eu quero dizer que, quando se inaugura uma estrada, todo mundo vê; quando se inaugura um porto, uma hidrelétrica financiada por um banco, como o Banco Interamericano, todos vêem; mesmo quando se inaugura uma universidade as pessoas percebem. Todavia, uma contribuição dada pelo banco, que ninguém sabe, ninguém vê, é porque foi dentro da massa cinzenta dos técnicos brasileiros, graças à assistência técnica, ensinando os jovens brasileiros que havia uma racionalidade na maneira como nós devemos investir os recursos públicos, que o investimento público não deve ser o resultado apenas de uma opção pura e simplesmente da vontade política do dirigente, mas que o dirigente político tem que combinar isso com a racionalidade. Racionalidade que significa avaliação de benefício-custo, que significa planejamento no uso dos recursos, que significa um cronograma que permita que os investimentos sejam feitos de maneira que venham os resultados e não apenas que sumam os recursos como muitas vezes aconteceu em investimentos feitos nos nossos países.

            Essa assistência técnica, Sr. Representante, é uma contribuição invisível que o Banco deu a uma geração inteira de brasileiros e de latino- americanos da qual eu faço parte. Fui trabalhar, mas fui um aluno. Fui trabalhar, mas aprendi, graças a uma filosofia que foi surgindo no Continente, graças aos que dirigiram o banco, o Felipe Herrera, ao Ortiz Mena, ao Enrique Iglesias e a outros economistas do calibre de Celso Furtado.

            No desempenho de sua missão, o Banco mobilizou financiamento para projetos que representam um investimento total de US$377 bilhões. De US$294 milhões em 1961, que foi quando começou, o volume anual de empréstimos cresceu exponencialmente, hoje chegou a US$377 bilhões, ou seja, mais de mil vezes do que o seu começo.

            As operações do Banco abrangem o espectro completo das atividades de desenvolvimento econômico e social. No passado, os empréstimos deram ênfase mais aos setores produtivos da agricultura e da indústria, aos setores de infraestrutura de energia e transporte e aos setores sociais de saúde pública e ambiental, educação e desenvolvimento urbano. Entre as prioridades atuais, estão a redução da pobreza e a equidade social, a modernização e a integração, e o meio ambiente.

            O Banco está empenhado em garantir que suas operações de empréstimo beneficie diretamente as populações de baixa renda. O inovador Programa de Financiamento de Pequenos Projetos procura proporcionar pequenos financiamentos a microempresários e a pequenos agricultores e, desde 1990, o BID ampliou seu apoio ao setor informal. Na última década do século passado, o Banco financiou empréstimos para reforma setorial e programas de redução da dívida financeira. Em 1995, começou a emprestar até 5% dos recursos do capital ordinário diretamente ao setor privado, sem necessidade de garantia dos governos, como uma forma de aliviar a dívida pública que nossos países sempre tiveram.

            O Banco também conta com o Fundo para Operações Especiais, que dá empréstimos concessionais a países classificados como economicamente menos desenvolvidos no cenário do Continente, os países ditos mais pobres.

            O Banco levanta fundos para as suas operações nos mercados de capital da Europa, do Japão, da própria América Latina e do Caribe e dos Estados Unidos. Os seus títulos de dívida recebem, desde a sua fundação, das primeiras agências de classificação de crédito, a classificação mais alta que existe, que é a AAA, a triple A, graças à solidez do apoio de seus acionistas, a seus coeficientes financeiros e à prudência de suas políticas.

            Embora a Assembleia de Governadores seja a autoridade máxima do Banco, ela delega muitas de suas atribuições operacionais à Diretoria Executiva, composta de 14 membros titulares e 14 suplentes, nos quais o Brasil tem estado sempre presente.

            No fim de 2008 - começo a concluir esta parte da história -, o Banco tinha aprovado US$169 bilhões em empréstimos e garantias, para financiar projetos com investimentos que somam, como já disse, US$377 bilhões.

            Em 2008, o grupo do BID executou um programa operacional de empréstimos, garantias, operações não reembolsáveis e investimentos de US$12 bilhões. Essa cifra inclui as duas primeiras operações do novo Programa de Liquidez para Sustentabilidade do Crescimento, aprovadas no fim do ano. Cresceu o número de projetos coerentes com as prioridades estratégicas definidas em anos anteriores - as iniciativas de Água Potável e Saneamento, Energia Sustentável e Mudança Climática e Oportunidades para a Maioria.

            O BID preocupou-se, por fim, em ajustar a sua estrutura às necessidades da região, a curto e a longo prazo. Para enfrentar a crise imediata, o Banco sabe que precisará continuar a usar os recursos disponíveis no quadro de suas políticas financeiras e definir um programa de empréstimos compatível tanto com as necessidades da economia da região como com a capacidade do próprio Banco e de todo o Continente.

            Era isso, Sr. Presidente da Mesa, senhores convidados, que gostaria de colocar como uma pequena lembrança do que foi o Banco do ponto de vista de seus números financeiros.

            No que se refere às áreas prioritárias, na redução da pobreza, que é uma das metas fundamentais, do montante total em financiamento aprovado em 2008, US$3,9 bilhões - 34,8% do total - destinaram-se a projetos que incluíram componentes para reduzir a pobreza e fortalecer a equidade social - um número próximo à meta recomendada, que é de 40% do volume total, dirigido ao enfrentamento do problema da pobreza.

            Na energia sustentável em mudança climática, o Banco participa dos objetivos fundamentais da iniciativa de energia sustentável em mudança climática, visando a expandir o desenvolvimento e o uso de fontes de energia renovável, promover tecnologias e práticas de eficiência energética e fortalecer o financiamento de carbono na América Latina e no Caribe, além de fomentar e financiar a adaptação de estratégias para reduzir a vulnerabilidade da região à mudança climática que vamos ter adiante. Por isso, o Banco é uma presença fundamental, pessoal ou não, naquilo que vamos discutir daqui a 15 dias em Copenhague.

            O BID gera valor agregado por meio de empréstimos programáticos, com base em políticas para ajudar os governos da região a implementar suas agendas relacionadas à mudança climática. E é um grande fato estarmos fazendo esta homenagem no dia seguinte à aprovação, nesta Casa - ontem à noite -, da lei que vai cuidar da maneira como o Brasil participará das mudanças climáticas, lutando contra elas.

            Na infraestrutura hídrica e outras, para corrigir as deficiências em serviços de água e saneamento no futuro próximo, o BID lançou, em 2007, a Iniciativa da Água Potável e Saneamento, com produtos financeiros especiais para apoiar as soluções às necessidades de cada país. No fim de 2008, o Banco havia aprovado projetos em 70 cidades, incluídas em um programa chamado 100 Cidades, criado para proporcionar água e saneamento a comunidades pobres em cidades com mais de 50 mil habitantes, e em 720 das três mil comunidades rurais que administram seus próprios sistemas de água e saneamento.

            O Banco aprovou também, em 2008, quase US$1,2 bilhão em empréstimos e US$11,2 milhões em operações de cooperação técnica para projetos de água e esgoto.

            Na infraestrutura vinculada ao meio ambiente, o Setor de Infraestrutura e Meio Ambiente é um departamento do Banco que procura o uso eficiente dos recursos hídricos. Talvez, o mais grave dos problemas que vamos ter no futuro, muito mais do que como aproveitar a riqueza do petróleo, será como evitar o desperdício de água. Se a gente fica sem petróleo, readapta-se; se fica sem água, morre. Nesse sentido, o Banco tem tido a preocupação da busca de uso de recursos hídricos de maneira eficiente, reorientando uma tendência de décadas atrás de ver a água apenas como geração de energia elétrica ou como fluxo de transporte de mercadorias nos rios. Água também é para beber. E é incrível que, durante décadas, esquecemos que a água era também para beber, imaginando que água era apenas para iluminar, que água era apenas uma via de transporte.

            Ao todo, em 2008, o banco aprovou US$3,9 bilhões em empréstimos para outras infraestruturas, além de água e saneamento: US$2,5 bilhões com garantias de governos e US$1,4 para investimentos sem essas garantias.

            Faço questão, apesar do tempo que estou tomando nesta fala, Sr. Presidente, de falar de educação e inovação.

            Na área da educação, em 2008, o BID aprovou cinco empréstimos, além de 15 operações não reembolsáveis para países e outras três para projetos regionais, no total de US$890 milhões. Ou seja, quase US$1 bilhão na área da educação. Aprovou dois empréstimos para ciência e tecnologia no valor de US$63 milhões. Em 2008, ainda, lançou uma iniciativa para inovação na área de inclusão social, ajudando grupos desfavorecidos a usarem tecnologia de telefonia celular para melhorar o acesso a informações sobre saúde e serviços públicos.

            Por meio desses investimentos, pode-se dizer que o Banco tem dado uma contribuição para garantir aquilo que ele chama de Oportunidades para a Maioria. Com a iniciativa Oportunidades para a Maioria, o BID tinha em mente os 360 milhões de habitantes, quase 70% da população que vive com menos de US$300 por mês.

            Com esta iniciativa, Oportunidades para a Maioria, o BID procura envolver comunidades de baixa renda e o setor privado na criação de empregos e no desenvolvimento de produtos e serviços de qualidade, bem como incorporar a maioria da população ao circuito econômico do setor produtivo.

            Foram aprovados os quatro primeiros projetos no âmbito desta iniciativa, Oportunidades para a Maioria, no total de US$49 milhões.

            Para o Brasil, para não dizer que não falamos nele:

a)     BNDES: em 2008, é o terceiro programa para o apoio a micro, pequenas e médias empresas, no montante de US$1 bilhão;

b)     Programa de consolidação da estabilidade fiscal para desenvolvimento do Estado da Bahia, no valor de US$409 milhões;

c)     Programa de recuperação de rodovias no Estado de São Paulo, que está na fase III, no montante de US$194 milhões;

d)     Programa de transporte urbano para o Distrito Federal, no montante de US$176,8 milhões.

            Em 2009, o Banco Interamericano está comprometido com a promoção da igualdade de gênero e a inclusão étnica como princípios para melhorar as condições de vida e com o fundo não reembolsável para apoiar medidas sanitárias destinadas ao controle e à eliminação de doenças infecciosas negligenciadas na América Latina e no Caribe. Para isso, em colaboração com a Organização Pan-Americana de Saúde e a Rede Global para Doenças Tropicais Negligenciadas, o Banco está planejando uma ação vigorosa, para combater as chamadas doenças negligenciadas, que afetam as populações mais pobres da região, em particular os nossos indígenas e afrodescendentes.

            É por isso, Sr. Presidente, senhores e senhoras, que não via a possibilidade de passarmos os 50 anos do Banco Interamericano sem uma homenagem. Não por razões pessoais, pelo meu vínculo, pela minha dívida pessoal. Há bancos aos quais devemos dinheiro; há bancos aos quais devemos o abrigo que recebemos, quando precisamos ficar fora do Brasil. E recebermos aí a chance de trabalhar, de desenvolver o Continente e de aprender muito. Por isso esta homenagem, que não pode ser feita sem a fala do Senador que olha o futuro, e não os 50 anos passados; que olha os próximos 10, 20 anos; e, quem sabe, com sorte, se atravessarmos os próximos 10, 20 anos, os próximos 50 também.

            É como Senador que quero dizer que gostaria de ver o Banco dando uma contribuição do tipo que falei aqui, que era mais importante, que era invisível da assistência técnica, dando uma contribuição na assistência técnica para mudar, senhor representante, a mentalidade que temos no nosso Continente e no mundo; para mudar a mentalidade dos nossos dirigentes, dos nossos técnicos e da nossa população em geral.

            O que está em jogo a partir de agora, na realização, na continuação, na complementação do desenvolvimento, não será realizado se nós mantivermos a ideia de que medimos a performance, o desempenho de um país, com base no índice de seu crescimento econômico. Não basta! O crescimento econômico, levando ao aquecimento global, é como caminhar rápido para saltar de um abismo - não é muito recomendável. Lamentavelmente, a mentalidade que ainda prevalece hoje é a mentalidade de correr depressa, não importando em que direção, mesmo sendo para um desastre.

            Nós precisamos incutir na opinião pública, nos dirigentes, nos técnicos, os custos que nós temos adiante, custos invisíveis, apesar de já perceptíveis, da crise ecológica. Nós precisamos também mudar a mentalidade de que a igualdade de oportunidades vem do aumento da renda. Não! A igualdade de oportunidades vem do aumento da educação para todos. Esse é o objetivo central.

            Fico feliz de ver aqui o Heitor Gurgulino, que tem sido um defensor da ideia da educação como caminho para a igualdade, como Reitor da Universidade das Nações Unidas e como participante fundamental do Clube de Roma. Aqui a gente precisa, Gurgulino, prestar uma homenagem ao Clube de Roma, no momento em que você achar certo.

            Quando o Clube de Roma, em 68 e, depois, em 72, reafirmou as projeções catastróficas para o mundo em função do desenvolvimento, foi tido como um grupo de profetas do absurdo. Precisaram de algumas décadas para dar razão àqueles que, lá em 68, previram que haveria limites ao crescimento - Os Limites do Crescimento, aliás, é o título do livro que foi publicado naquele momento. O Clube de Roma foi a primeira instituição que, de fato, deu o grito do malthusianismo com base científica, o malthusianismo usando os computadores e não a intuição do velho Malthus, quase duzentos anos atrás.

            Nós não teremos futuro se não fizermos uma revolução educacional, e por duas razões. A primeira é porque a revolução educacional - escola igual para todos - é o que vai dar igualdade de oportunidades. Mais fábricas não trarão igualdade de oportunidades, porque só haverá emprego para aqueles que tiverem um mínimo de educação. Então, é preciso educação para termos igualdade de oportunidades. A segunda, porque cada cérebro que não educamos é menos um na busca de alternativas para a felicidade, para o bem-estar e até para o progresso sem poluição, sem destruição. Só educando todos é que vamos ter uma elite de cientistas que serão capazes de inventar transportes não poluentes, energias permanentes.

            Este é o Banco que eu gostaria de ver daqui para frente: o Banco da revolução pela educação, o Banco que conseguiu fazer a revolução da industrialização no Continente, que já foi feita. Quando a gente compara a situação de hoje com a de 50 anos atrás do ponto de vista da industrialização, vemos um País que fez uma revolução, vemos um Continente que fez uma revolução.

            Agora a gente precisa de um banco que ajude a fazer a revolução do século XXI, a revolução do conhecimento, a revolução que é do conhecimento para todos igualmente e a revolução do conhecimento da mais alta qualidade para aqueles que tiverem talento, que tiverem persistência, que tiverem vocação, mas escolhidos entre todos, não apenas escolhidos entre uma pequena minoria que, no nosso Continente, consegue aprender a ler, faz o ensino fundamental, termina o ensino médio, entra numa universidade, faz um bom curso. Pouquíssimos conseguem isso. É lá embaixo que está hoje a crise.

            A saída para nós não está, embora ela seja necessária, na indústria. A saída para nós não está, embora ela seja necessária, na agricultura de exportação. A saída para nós está na revolução educacional. E a outra razão para essa revolução educacional é a necessidade de colocar dentro da cabeça das pessoas - e isso é educação - a ideia de que o progresso não está no crescimento necessariamente. O progresso pode estar até no decrescimento, um decrescimento que aumente o bem-estar. Este é o desafio: passar a ideia de que é possível decrescer a economia, crescendo o bem-estar - uma idéia tão revolucionária, hoje defendida por alguns no mundo, que parece até loucura. Nós nos viciamos tanto em identificar crescimento com progresso e com bem-estar que dizer que a gente pode decrescer aumentando o bem-estar parece estupidez . E a gente esquece que maior estupidez ainda é essa ideia de reduzir as emissões de carbono, aumentando a venda de produtos industriais poluentes.

            Todos os dias a gente houve isso: “Vamos reduzir as emissões de dióxido de carbono e vamos aumentar a taxa de crescimento”. Não tem como, a não ser que mude o tipo de crescimento radicalmente. Ou a não ser que agente diga: “Vamos, sim, reduzir as emissões de dióxido de carbono para aumentar o bem-estar”. O bem-estar implica em um meio ambiente sustentável; implica em um bom transporte, implica em uma boa saúde, implica em bom consumo, mas não necessariamente em muito consumo. Essa é a nova mentalidade, e a gente precisa que alguém ajude a fazer.

            O Banco Interamericano mudou a mentalidade do Continente ao trazer a ideia de industrialização, da racionalidade, do benefício-custo. Eu fui parte dessa revolução na mentalidade como professor. Durante os dois primeiros anos no Banco, dos seis, eu fui professor. Fiz assistência técnica até ir para a sede e ficar como analista de projetos.

            Nós fizemos uma revolução, a revolução da racionalidade. Mas essa racionalidade mostrou uma alta dose de irracionalidade do ponto de vista social, do ponto de vista ecológico e até do ponto de vista financeiro - a prova dessa irracionalidade financeira foi a bolha do ano passado, que explodiu, porque a gente tinha de emprestar tanto para o consumo, para poder vender mais, que as pessoas deixaram de pagar e a crise financeira estourou.

            Deixo aqui, Sr. Presidente, além dos meus agradecimentos como brasileiro, como funcionário e como Governador, deixo aqui também uma sugestão - não usei a palavra “cobrança”, porque no dia que a gente faz homenagem não cobra. Deixo aqui esta sugestão: ajudem a mudar a mentalidade absurda associada à idéia de que progresso equivale a mais consumo e de que mais consumo equivale a crescimento.

            Ajudem a trazer a ideia de que é possível até mesmo decrescer melhorando a qualidade de vida, aumentando o bem-estar da população. Ajudem e, aí, o Banco estará cumprindo a sua função, de tal maneira que, daqui a mais cinquenta anos, outros Senadores aqui se lembrem de prestar uma homenagem pelo primeiro centenário do Banco, lembrando tudo que ele fez nos primeiros cinquenta e tudo que terá feito nos cinquenta anos subsequentes.

            Neste momento, eu espero que nós todos, seres humanos - não nós aqui presentes; daqui, talvez, poucos, ainda possamos comemorar o bem-estar. Mas se não fizermos essa revolução, talvez o primeiro centenário não seja comemorado, porque as condições de vida poderão ter tido tal decadência, degradação por força da desigualdade social brutal e por força da degradação ambiental que, talvez, nem haja o que comemorar. Para haver o que comemorar daqui a cinquenta anos é preciso mudarmos hoje a mentalidade como nós vemos, como nós definimos, como nós buscamos o progresso.

            A ideia que o BID teve foi correta, e o BID foi eficiente nos primeiros cinquenta anos. Para ser nos próximos cinquenta, é preciso ajudar a mudar a mentalidade de todos nós.

            Parabéns a todos que fazem o Banco Interamericano aqui e em todo o Continente, e até no mundo inteiro, porque hoje ele tem representações em diversos países fora do Continente. Parabéns e muito obrigado.

            Fica aqui a minha gratidão pelo passado e a minha esperança no futuro. (Palmas.)


            Modelo1 6/26/241:06



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2009 - Página 62687