Discurso durante a 73ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise dos possíveis desdobramentos para o prestígio internacional do Brasil e do Presidente Lula, a depender dos resultados que vierem a ser alcançados no diálogo com o Irã sobre a questão nuclear. Esperança de que o Brasil consiga alguma concessão do governo iraniano para tranquilizar o mundo inteiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Análise dos possíveis desdobramentos para o prestígio internacional do Brasil e do Presidente Lula, a depender dos resultados que vierem a ser alcançados no diálogo com o Irã sobre a questão nuclear. Esperança de que o Brasil consiga alguma concessão do governo iraniano para tranquilizar o mundo inteiro.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2010 - Página 21455
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ELOGIO, LIDER, OPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, APOIO, PROVIDENCIA, GOVERNO, ORGANIZAÇÃO, CONTAS, IMPORTANCIA, UNIÃO, PERIODO, CRISE, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, DESTINAÇÃO, URANIO ENRIQUECIDO, CRIAÇÃO, ARMAMENTO NUCLEAR, EXPECTATIVA, ORADOR, INFLUENCIA, GOVERNO BRASILEIRO, PREVENÇÃO, CONFLITO, UTILIZAÇÃO PACIFICA, MATERIAL NUCLEAR, ELOGIO, PRIORIDADE, BRASIL, DIALOGO.
  • CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, AUSENCIA, GARANTIA, DIREITOS, MULHER, INSUFICIENCIA, LIBERDADE DE CRENÇA, FALTA, LIBERDADE DE IMPRENSA, REPRESSÃO, HOMOSSEXUAL, NECESSIDADE, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª, como sempre, foi muito gentil.

            Sr. Presidente, os jornais de hoje estampam algumas coisas que me chamam a atenção. Uma delas é o fato de que o líder da oposição em Portugal foi à imprensa e ao Parlamento português pedir desculpas por que apoiava o governo em duras medidas de austeridade. Veja que lição para todos nós, primeiro, por ele apoiar o governo; segundo, por ele apoiá-lo em medidas de austeridade para pôr em ordem as contas do governo português; terceiro, porque ele mostra que, em momentos de dificuldades, o país tem de estar unido, o país não se divide; e, finalmente, por ele pedir desculpas, porque reconhece que são medidas contra os trabalhadores e contra o consumo, mas que são medidas necessárias e que é preciso tomá-las.

            Fiquei perplexo e admirado de ver como, em alguns momentos, um sentimento nacional pode prevalecer acima de interesses contraditórios entre situação e oposição. Nessas horas, o País tem de estar unido em nome dos interesses nacionais. Considero esse não apenas um gesto de grandeza, mas também um gesto de estadismo que a gente nem sempre vê. Se, em algum momento no passado, quando éramos oposição, houvesse a necessidade de apoiar o governo de então em nome do País, tenho minhas dúvidas se meu Partido e nossos Partidos que hoje estão no Governo teriam feito esse gesto, como tenho muitas dúvidas se a atual oposição seria capaz de um gesto igual, apoiando medidas necessárias que, por acaso, viessem a ser tomadas pelo atual Governo do Brasil. Fico triste que tenhamos dificuldades nessa visão suprapartidária na hora de defender os interesses nacionais.

            Aqui, Senador Mão Santa, quero tocar em uma questão que, hoje, não em termos de ação, mas pelo menos em termos de expectativa, precisamos abordar.

            Senador Alvaro Dias, o Presidente Lula está fazendo uma viagem, neste momento, ao Irã, e tenho a impressão de que não percebemos ainda a importância disso. Percebemos apenas os riscos. Ainda não percebemos as possibilidades, percebemos os riscos. Falemos dos riscos. Não há dúvida alguma de que é um risco muito grande tomar uma posição contra a corrente que hoje existe quase no mundo inteiro de proteger o mundo contra a proliferação das armas nucleares. Há uma dúvida que paira sobre todos nós, com muita razão, porque ninguém tem certeza do que vai fazer o Irã com o urânio enriquecido. É claro que, de repente, ele, como qualquer outro país, pode transformar uma destinação pacífica numa destinação bélica. É claro que o mundo inteiro tem de estar preocupado. É verdade! O Irã ou qualquer outro país pode fazer isso. Na verdade, os países que têm armas nucleares deveriam destruir essas armas todas. Por isso, é melhor que aquele que ainda não tenha arma nuclear não venha a adquiri-la. E o mundo inteiro tem razão de estar preocupado com o que será feito no Irã no que diz respeito ao controle das técnicas necessárias para o enriquecimento do urânio, que pode servir para curar doenças, que pode servir para gerar energia ou que pode servir para fazer bombas.

            Há anos, tem havido um esforço imenso para controlar - com certeza, não apenas confiando na palavra do governo iraniano - essa tecnologia nas mãos do Irã, para que seja usada apenas para fins pacíficos. Por isso, o Presidente Lula, o Governo brasileiro faz uma viagem contra a corrente mundial. Entretanto, quem lê com cuidado os jornais percebe a diferença da reação ocorrida há algum tempo e da reação de hoje. Apesar do incômodo, da perplexidade de grandes países, a gente já vê o governo americano e o governo francês dizendo, pela primeira vez, que o governo brasileiro - e cita especificamente o Presidente Lula - é a última chance do Irã. Ou seja, surgiu a possibilidade de que, no Irã, o Governo do Presidente Lula, por meio dele e do Ministro Celso Amorim, consiga alguma concessão do governo iraniano para tranquilizar o mundo inteiro. Se o Presidente Lula e o Ministro Celso conseguirem a concessão do Irã, o Brasil terá dado o maior salto de protagonismo nas negociações mundiais pela paz em toda a história.

            O Senador Mão Santa sempre cita Rui Barbosa, que teve protagonismo, sim, em Haia, mas foi um protagonismo jurídico, em um encontro em nível das ideias, em um encontro em nível da organização do mundo, não em nível de desarmar bombas nucleares.

            Se essa viagem conseguir trazer a paz, se conseguir fazer o mundo respirar com tranquilidade diante do que vai fazer o governo iraniano daqui para frente com seu poder de controlar a tecnologia do enriquecimento do petróleo, se o Governo brasileiro, se o Presidente Lula e o Ministro Celso conseguirem fazer o mundo respirar aliviado, a presença lá fora será graças a eles, mas também do Brasil inteiro.

            Daí minha lembrança do que fez o líder da oposição em Portugal ao apoiar o governo português em medidas duríssimas e do que precisamos fazer neste momento. Não podemos agir, não podemos influenciar, mas podemos pelo menos torcer para que, nessa viagem, o Brasil se afirme internacionalmente, até porque, se o Brasil se afirmar internacionalmente com o Governo Lula, o próximo Presidente vai se beneficiar dessa posição nova. E também o Presidente Lula, hoje, só consegue fazer isso por que o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma política externa que lhe permitiu adquirir respeitabilidade. A estabilidade monetária conseguida em 1994, especialmente entre 1995 e 1998, pelas medidas do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Malan e aquela política externa permitiram adquirir respeitabilidade internacional. Mas, hoje, há um salto de qualidade. Hoje, temos de reconhecer que há a possibilidade de um grande salto no protagonismo, na presença, na influência brasileira nos assuntos internacionais.

            Temos sido um País marginal nas decisões internacionais. Quanto a essa viagem mesmo ao Irã, quando a gente analisa o que vai ser feito, a maior parte é de protocolos entre o Irã e o Brasil, de interesse apenas dos dois países, apenas dos dois países! Um único item é de interesse mundial. Um único assunto faz com que o Brasil não apenas negocie seus interesses com outro país, mas faça com que esse país, por algum gesto, tranquilize o resto do mundo.

            Espero que, amanhã ou depois, possamos ler nos jornais que o Brasil teve um papel fundamental desta vez, na medida em que conseguiu que o governo iraniano tivesse feito um gesto na direção de não apenas garantir, mas de dar garantias - o que é muito diferente, pois “garantir” é a palavra, e “dar garantias” são instrumentos - que permitam dizer, graças ao Governo Lula, graças ao Presidente Lula, graças ao Brasil e à sua participação e intervenção no cenário internacional: “Pelo menos este país, o Irã, não vai continuar como um risco de proliferação de armas nucleares”.

            Espero que o Presidente Lula tenha sucesso, que o Ministro Celso Amorim tenha sucesso. Por meses e meses, eles devem estar trabalhando em coisas até que a gente não sabe, em determinações de que a gente não tem conhecimento, porque é assim. Que as conversas que eles devem estar tendo com o Departamento de Estado norte-americano, com o Ministério das Relações Exteriores francês, com a Rússia, que todas essas negociações que a gente nem sabe deem fruto e que o Brasil e nós todos, brasileiros, possamos dizer: “Nós participamos de uma decisão positiva para o Brasil”.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Professor Cristovam, V. Exª me permite?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Peço-lhe um minuto, Senador. Posso concluir? Penso que o que vou dizer agora é importante.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Perfeito.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Feito isso, comemorado isso, aí creio que o Governo Lula precisará dar o passo seguinte, porque não são somente as armas nucleares que nos incomodam nas mãos do Irã e nas mãos de qualquer país, mas também o fato de um governo ferir os direitos humanos. Aí creio que o Presidente Lula deve dar o passo seguinte. Não sei se daria para misturar as questões ou não agora, porque esses são detalhes, mas o Governo Lula precisa, então, entabular negociações e conversas, com a discrição que, talvez, tenha assumido em relação às armas nucleares, se isso der resultado.

            É claro que devem ser respeitadas todas as especificidades religiosas do Irã. É direito de cada povo ter suas crenças religiosas, ter seus livros sagrados. Não temos de impor a país algum o seu livro sagrado, mas, de qualquer maneira, dentro do que é necessário, esses livros sagrados nunca devem ser contra os direitos humanos. Que os direitos humanos, da maneira como a gente vê nessas últimas décadas e até mesmo nesses últimos séculos, possam ser respeitados também no Irã! Espero que a gente não pense apenas nas armas nucleares, mas também no fato de que os direitos humanos precisam ser respeitados. É inadmissível que as mulheres não tenham seus direitos, é inadmissível que não haja liberdade para opção sexual de qualquer pessoa, que a liberdade religiosa não seja absolutamente plena, que cada um dos direitos humanos não seja respeitado em qualquer país. E o Irã é um desses países, um país com cinco mil anos, um país com a importância que tem. Precisamos ajudá-lo ou cobrar dele que os direitos humanos sejam respeitados.

            Mas, de qualquer maneira, nessa viagem, no que se refere ao que está na pauta - a gente não vê os outros países falando em direitos humanos nem lá, nem em outros países; a gente não vê ninguém criticando a falta de direitos humanos nos países que são ligados ao ocidente -, que façamos esta grande campanha, esta grande cruzada pelos direitos humanos e pela não proliferação das aramas nucleares! Pelo menos no que se refere à não proliferação das armas nucleares, pelo menos nisso, esperamos que, nesse fim de semana, o Brasil tenha um protagonismo e que aqueles que nos representam, o Ministro das Relações Exteriores e o Presidente do Brasil, transformem-se, representando o Brasil e os brasileiros, em fazedores da paz. Desejo isso e, mais do que o desejo, tenho a esperança de que haverá algum gesto da parte do Irã na direção de permitir que o mundo respire e de que nós, brasileiros, possamos ficar na histórica como aqueles que, representados pelo Presidente Lula e pelo Ministro Celso Amorim, ajudaram neste momento de tensão, de medo - justificado, inclusive - de que mais um país possa ter o controle das armas nucleares. Não falo somente do Irã, mas de qualquer outro país. Qualquer que seja o país, a gente tem de fazer com que ele não tenha mais o controle de armas nucleares, nem a vontade de fazer bombas atômicas.

            Fica aqui meu desejo de que esse fim de semana seja, sim, positivo para o mundo e de que o Brasil colha um pouco dessa conquista do mundo, como um país que ajuda a fazer a paz no mundo.

            O Senador Alvaro Dias quer pedir um aparte.

            O Senador Mão Santa não pede a palavra. O senhor é o Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Vamos fazer aqui um debate qualificado. Este é um dos melhores Senado da história da democracia. V. Exª trouxe à pauta esse assunto. Este Senado é glorioso, porque tem uma Comissão de Relações Exteriores presidida hoje - e V. Exª já a presidiu - pelo Senador Eduardo Azeredo. E V. Exª preside a de Direitos Humanos.

            Em boa hora, advertimos o nosso Ministro das Relações Exteriores a respeito de figuras como V. Exª. Como no passado convidaram Rui Barbosa, Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco - eles não aprenderam com a história -, eles deveriam ter convidado V. Exª.

            No Irã - atentai bem! -, há os persas. Os persas me lembram Xerxes, que invadiu Esparta - lembro os 300 de Esparta. Mas sei das preocupações com o urânio, com a bomba, com a guerra. Mas nos preocupa o atraso da civilização, o direito da mulher.

            Ontem, lamentei a ausência de V. Exª, que é um dos homens mais cultos deste País. É o Rui Barbosa dos nossos dias, sabe quase tudo. Fiz um pronunciamento e fui buscar a escrava piauiense Esperança Garcia. Cem anos antes da Princesa Isabel, ela escrevia. Era escrava daquelas fazendas dos jesuítas, até Marquês de Pombal expulsá-los do Brasil. Então, ela aprendeu, alfabetizou-se. O jornalista, o pesquisador e antropólogo Luiz Mott encontrou um documento. É a segunda carta mais velha. Foi escrita, dando os maus-tratos que ela recebia. Ela saiu de uma fazenda perto da cidade de Floriano, uma cidade pujante, para outra próxima a Campo Maior, Nazaré, separando-se do marido, da família. Ela fala das humilhações. Ela disse que era um colchão de pancadas. Não permitiam batizar os filhos, assistir à missa, porque os jesuítas detinham a civilização.

            Mas atentai bem: naquele tempo, em um país novo como o nosso, o Brasil, já havia uma reação como essa. V. Exª acaba de dizer que o Irã - a Pérsia, o Xerxes - tem cinco mil anos. Eu recomendaria a V. Exª, Senador AD, que assistisse a um filme cujo nome não sei, mas que é muito oportuno de se ver e de se mostrar ao Luiz Inácio. É sobre uma jovem do Irã que deseja assistir a um jogo de futebol, e se mostra a complicação, o sofrimento.

            Entendo muito boa a ida do Presidente Lula ao Irã amanhã, mas faltou a companhia de V. Exª, para mostrar a civilização, a educação, o avançar, o respeito à mulher. Foi inspirada essa luta na mulher piauiense Esperança Garcia, que, cem anos antes da Lei Áurea, já lutava por seus direitos e por suas conquistas contra os fortes e contra os poderosos.

            No encontro com Ahmadinejad, V. Exª tem de ser incluído. Vamos dizer ao Luiz Inácio que faça essa nova missão e que V. Exª presida essa delegação, como Rui Barbosa presidiu em Haia - aí, sim, o Brasil ficou reconhecido no Direito Internacional como um partícipe do avanço da paz.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. A ida do Presidente Lula ao Irã será para discutir acordos específicos entre os países e, espero, para discutir - é o que tudo indica - como garantir ao mundo que não haverá uso da ciência e da tecnologia para fins bélicos, no que se refere às armas nucleares. Creio que, quando houver uma viagem em que os direitos humanos estejam em pauta, eu possa ser convidado. A essa eu preferia não ir, Senador Mão Santa.

            Senador AD, descobri agora essa maneira de chamá-lo, que o Senador Mão Santa, creio, acaba de inaugurar ou que já era usada, mas não sabíamos. Senador Alvaro Dias, por favor, tem V. Exª o aparte.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Essa é uma criação do Senador Mão Santa.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Eu ficava perplexo com os e-mails que eu recebia, dizendo “Senador AD”. Há um pódio dos políticos, dos que são tratados por siglas, como JK, ACM.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade. Esses são os maiores.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Cristovam, sei que V. Exª é um político moderno e que utiliza a ferramenta do Twitter com muita eficiência. Vou ser um porta-voz daqueles que aqui escrevem e indagam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Certo.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Por exemplo, vou colaborar com V. Exª, para que seja bem interpretado no seu posicionamento, porque eu o considero corajoso ao defender a posição que defende hoje da tribuna, já que o Presidente Lula, quando recebeu aqui o líder iraniano, o déspota iraniano, fez referência a ser a política nuclear daquele País destinada a fins pacíficos, acreditando na palavra daquele que ninguém no mundo ousa acreditar e que praticamente todas as lideranças dos países democráticos do mundo repudiam. Temo que a visita do Presidente Lula possa significar, para muitos, um aval; possa significar, para tantos, um estímulo; possa ser a consagração daquilo que tem de ser repudiado pelos democratas de todo o mundo. Aqui mesmo, há uma indagação. Um cidadão diz: “Em aparte, pergunte ao Senador Cristovam Buarque sobre a liberdade de imprensa e as agressões e mortes de opositores. O líder iraniano tem as mãos cheias de sangue”. E há outras indagações do gênero. A repulsa é pelo autoritarismo, a repulsa é pela violência, pela prepotência, pela desconsideração dos direitos humanos mais elementares. E a visita do Presidente, de certa forma, faz com que isso seja proclamado universalmente. E, se os resultados forem frustrantes, será pior. Rogo a Deus que V. Exª esteja prevendo um final feliz para essa visita. Mas tenho sérias dúvidas sobre os resultados dessa visita. Entendo que o Brasil deveria ter mais cautela na sua política diplomática, quando as relações diplomáticas dizem respeito a déspotas que derramam sangue pelo mundo afora. De qualquer maneira, fiz o aparte de forma educada, para que V. Exª possa ter a oportunidade de esclarecer melhor ainda seu ponto de vista, em atenção às pessoas que fazem indagações aqui.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Dizer que o senhor fez uma intervenção educada é pleonasmo, porque suas intervenções sempre são educadas. Quero parabenizá-lo, porque tenho visto que o senhor usa muito o Twitter. Nós dois, talvez, estejamos entre os políticos que mais usam o Twitter. Acho excelente essa ideia, e é o que tenho feito nas Comissões, dizendo: “O Senador está aqui dizendo tal coisa. Que pergunta você tem a fazer para ele?”. E o faço sempre quando vem aqui um Ministro. Eu nunca tinha feito isso em plenário, mas vou, a partir de agora, fazê-lo. Vou copiá-lo.

            Fico feliz com o fato de esse “twitteiro” ter feito essa pergunta e também de eu ter, de certa maneira, respondido antes, porque, ao final do meu discurso - guardei isso para o final -, eu disse: “Não é só o problema nuclear que nos incomoda na maneira como o Irã governa, mas também o fato de os direitos humanos lá serem tratados muito diferentemente das nossas crenças”.

            Quero lembrar que os dirigentes ingleses, democratas como são, foram à Alemanha nazista tentar impedir a guerra. Eles tentaram impedir a guerra, dialogaram com todas as altas autoridades do regime nazista alemão. E não estou aqui nem um pouquinho comparando a Alemanha nazista com nenhum país de hoje, absolutamente nenhum. Eles foram lá, negociaram; até que, um dia, não deu, e veio a guerra. Mas negociaram! E se tem de negociar! É preciso tentar impedir a guerra, é preciso tentar impedir a proliferação das armas nucleares! Temos de continuar insistindo que os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia, o Paquistão, a França e a Inglaterra destruam suas armas nucleares e, enquanto isso, que nenhum outro país comece a fabricá-las. Não aceito a ideia de que, “como eles têm armas nucleares, vamos fazê-las nós”. Isso não agrega nada, até por que bomba atômica não é a arma com a qual você conseguirá se defender ou ganhar uma guerra hoje, a não ser destruindo tudo. Então, hoje, temos a obrigação de lutar pelos direitos humanos e de lutar pela não proliferação das armas nucleares.

            Essa viagem é para negociar acordos - e muitos, pelo que vi - entre Brasil e Irã e também para tentar trazer do governo iraniano não mais, Senador Alvaro Dias, palavras, mas gestos - aí é que está a importância dessa iniciativa -, não mais apenas palavras, mas garantias formais não nas palavras, mas em atos, para que, a partir de agora, possamos respirar um pouco.

            Já falei das mulheres, dos homossexuais; não falei da liberdade de imprensa, mas coloco aqui a importância disso; não falei do problema da repressão às oposições. Cheguei a achar que o Presidente Lula teria contato com líderes da oposição - é uma pena que não o tenha. Mas, de qualquer maneira, nas relações internacionais, às vezes, é preciso escolher um tema e focar nele. Se você pulveriza, você enfraquece aquele tema. Se é hora de trazer uma grande vitória quanto à não-proliferação das armas nucleares, se é possível trazer uma vitória, para que o mundo respire, sabendo que não haverá mais um país com armas nucleares, creio que a gente terá mais alguns meses para continuar as negociações e tentar influir também nos direitos humanos.

            Não estou dizendo que sou otimista no sentido de que virá alguma coisa, mas sou otimista no sentido de que é possível que venha algo. Dá para a gente sentir, farejando, que, talvez, já haja alguma coisa acertada. A reação do Governo americano, ao dizer que é a última chance do Irã, e a maneira como os franceses têm falado e como a Rússia tem falado dá a impressão de que estão olhando a presença do Presidente Lula e do Ministro Celso Amorim no Irã. Ou seja, eles estão querendo que saia alguma coisa dali.

            O Presidente Lula - aí, sim, a gente, talvez, tenha de respeitar - vinha tendo um excelente desempenho nas relações com todos os países. De repente, ele começou a ser criticado. Ele correu risco. Isso não é de ser criticado, isso é de ser elogiado. É um Presidente que assume colocar o prestígio que conseguiu em jogo na mesa, para tentar atrair uma concessão do governo iraniano. Ele tem muito a perder. Ele podia ficar quieto, calado, tranquilo. Ele só deve ter feito isso ou por um forte sentimento da possibilidade de ajudar ou pela possibilidade de dar um salto ainda mais para cima e de ser respeitado não pela maneira como conversa, mas por ter conseguido fato determinante no mundo. E, pragmático como sabemos que é o companheiro Lula, se nada der certo, ele poderá dizer muito bem ao mundo inteiro: “Eu tentei. A partir de agora, eu me sento ao lado das nações que querem impor sanções ao Irã, porque, até o último momento, tentei conseguir concessões, mas não consegui. Isso mostra que o governo iraniano, de fato, não quer atender às expectativas mundiais, e o Governo brasileiro passa, a partir de agora, a defender sanções e medidas mais duras”. Mas, até o limite do possível, o Presidente Lula poderá dizer: “Defendi o diálogo, fiz o diálogo, encontrei caminhos [que não sei quais são; fala-se que é o enriquecimento e a troca de combustíveis por meio de um terceiro país, que seria a Turquia], mas não consegui. Mas tentei. Não consegui. Agora, estou ao lado daqueles que defendem as sanções. Só que eu achei que, antes das sanções, que talvez não funcionem [isso é importante dizer, as sanções podem não funcionar], deveríamos tentar. E eu tentei, mas não deu certo. Aqui, estou para defender as sanções”.

            Acho que, no pragmatismo dele, ele é capaz de estar pensando isso, mas, na habilidade dele, ele, talvez, esteja pensando que vai, sim, conseguir uma concessão do Irã. Não sei se vai conseguir isso ou não, mas não sou pessimista ao ponto de achar que não vai, porque os movimentos feitos nos últimos meses, especialmente nas últimas semanas, entre a diplomacia brasileira e a de outros países permitem que a gente ache que alguma coisa talvez já esteja até acertada e a gente não saiba.

            O Senador Alvaro Dias pediu a palavra outra vez.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Serei rápido, Senador Cristovam Buarque. Quero dizer que, quase sempre, concordo com V. Exª, mas, nesse caso, ouso discordar. Não ouvi, até hoje, em nenhum momento, uma palavra sequer, uma reação, por menor que fosse, do Presidente Lula em relação ao despotismo que sufoca as liberdades individuais no Irã. Ao contrário, vejo manifestações de amizade. Isso não é pedagógico. Isso contraria as tradições democráticas do nosso País. Essa visita, a meu ver, é um estímulo à política adotada no Irã, uma política da prepotência, do autoritarismo, da violência contra os direitos humanos, os mais elementares. Lamento profundamente que o Presidente passe a mão na cabeça de ditadores pelo mundo afora - é isso que ele tem feito. Isso não corresponde nem mesmo à sua própria história. E isso vem acontecendo não somente em relação ao Irã. A impressão que fica é a de que o Presidente Lula tem uma especial admiração pelos ditadores, é essa imagem que passa seu comportamento, suas atitudes, suas incursões pelos países autoritários. E, evidentemente, o mundo tem de olhar para isso. Creio que os valores fundamentais são os que dizem respeito às liberdades individuais e à liberdade de imprensa, são os valores da ética e do respeito aos direitos humanos. Esses são valores fundamentais, insubstituíveis, intransferíveis, e temos de colocá-los sempre à frente, como prioridade absoluta e indiscutível. Que eu esteja enganado, Senador Cristovam! Mas tenho a impressão de que qualquer resultado que se obtenha no plano econômico, nas relações comerciais... Uma coisa são relações comerciais; outra coisa são relações diplomáticas que avalizam regimes prepotentes. Somos favoráveis às relações comerciais, mas não somos favoráveis às relações de natureza política que possam significar aval àqueles que afrontam as liberdades democráticas em qualquer país do mundo. Imagino que o Presidente Lula poderia evitar essa viagem. Por melhor que seja o resultado dela, certamente, as consequências negativas serão superiores.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O senhor começou dizendo que discordava de mim, mas eu não discordo de quase tudo que o senhor falou. Creio que o Governo brasileiro precisava ter tido posições mais firmes contra diversos países que tomam medidas que ferem os direitos humanos, sem dúvida alguma. Não sabemos se o momento diplomático poderia ser agora ou mais adiante, porque há pontos fundamentais, como os direitos humanos e a não-proliferação de armas nucleares, questões que, eu diria, têm hoje o mesmo nível, porque, se um fere a dignidade humana, o outro ameaça a sobrevivência da espécie - é o caso de uma guerra nuclear - ou de uma parcela importante da humanidade. Então, isso exige que se tomem cuidados especiais na hora de negociar.

            O que temos de ver é o que vai acontecer a partir de segunda-feira. Primeiro, o que o Presidente Lula vai dizer no discurso que, segundo soube pelos jornais, vai fazer no Parlamento iraniano? Como V. Exª mencionou, ele “passará a mão na cabeça” de medidas que ferem os direitos humanos? Nisso a gente tem de prestar atenção. Ou vai manifestar com clareza suas posições de defesa dos direitos humanos, ainda que respeitando a autoderminação dos povos, mas na defesa dos direitos humanos, ao menos como entendemos?

            Se algum país quer entender de forma diferente, que diga que entende de forma diferente. Acho que a pena de morte fere os direitos humanos. Nos Estados Unidos, na China e em outros países, há a pena de morte, mas temos de manter relações com esses países, não podemos romper relações com eles por que lá há pena de morte.

            Isso justifica o risco que o Presidente Lula está correndo, com o prestígio que tinha adquirido? E esse prestígio se manteria se ele ficasse calado, se não fizesse essa viagem. O seu prestígio se manteria. Ele está correndo o risco de esse prestígio desabar. Mas ele está jogando pela possibilidade de esse prestígio crescer em uma dimensão muito maior se ele conseguir ser protagonista. Não estou dizendo que vai conseguir isso. Mas quem ler com cuidado os jornais, sobretudo os de fora, quem tentar falar com pessoas que representam os outros governos terá a sensação de que há alguma coisa positiva acordada. Nas segunda-feira, talvez, muitos tenham de tirar o chapéu. E será bom para a humanidade, será bom para o mundo se a gente tiver de tirar o chapéu para algo que o Presidente Lula está fazendo agora.

            Concluo, dizendo que, do mesmo jeito que é importante que ele critique quem não respeita os direitos humanos, é fundamental criticar o Governo Lula, como faço aqui, por não ter feito a revolução na educação - e eu tinha me comprometido comigo a não falar a palavra “educação” hoje aqui! É preciso criticar, e venho aqui, quase todos os dias, para criticar o fato de, neste País, haver 14,1 milhões de analfabetos. Para mim, isso fere os direitos humanos, porque um analfabeto é uma pessoa sendo torturada todas as horas em que está acordada no mundo moderno. Nós somos um país que não respeita os direitos humanos por não estarmos envolvidos na abolição do analfabetismo.

            Essas críticas têm de ser feitas, mas, de vez em quando, a gente tem de reconhecer que há gestos positivos do Governo, embora haja gesto para uma coisa e não para outra.

            Senador Mão Santa, quando for uma viagem para tratar de direitos humanos, aí, sim, eu até gostarei de participar. A essa viagem, eu não tinha o menor interesse de ir com o Presidente Lula. Prefiro ficar aqui, torcendo como expectador, mas torcendo muito para que, no final, o Brasil apareça como fazedor de paz no cenário internacional. E temos essa chance.


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