Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2010 - Página 20236
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • QUALIDADE, AUTOR, REQUERIMENTO, SESSÃO, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESCRITOR, DIPLOMATA, NECESSIDADE, RECONHECIMENTO, JUVENTUDE, IMPORTANCIA, PERSONAGEM ILUSTRE, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, ELOGIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, CONDUTA, ETICA, PATRIOTISMO, COMPROMISSO, FUTURO, DEFESA, REFORMA AGRARIA, INGRESSO, REDE ESCOLAR, FILHO, ESCRAVO, SAUDAÇÃO, ORADOR, ENTENDIMENTO, ACESSO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, LIBERDADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Sarney, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, cada um aqui dos presentes, especialmente a família do símbolo que considero da política com “p” maiúsculo no Brasil, Joaquim Nabuco, acho que vale à pena começar se perguntando por que, cem anos depois da morte de um brasileiro, nós nos reunimos para homenageá-lo. Que razão leva o Senador a pedir que os trabalhos sejam suspensos, para que nos dediquemos a lembrar uma figura que já nos deixou cem anos atrás?

            O que me moveu a fazer isso, além de uma admiração profunda pela figura de Joaquim Nabuco, foi querer aproveitar para dar uma lembrança aos jovens de hoje de quem foi esse cidadão. Nossos jovens precisam hoje, talvez mais do que em qualquer outra época da história, de bandeiras, de causas, de crenças e de respeito pela atividade política. Que maneira melhor do que lembrar uma figura como Joaquim Nabuco?

            Em primeiro lugar, lembrar que já houve, neste País, políticos com causas. Ele foi um político com causa; um homem que colocava sua causa acima das eleições e que, por isso, perdeu, inclusive, a eleição; que colocava uma causa nacional acima do local em que tinha seus votos, lá em Pernambuco. Por isso, perdeu a eleição, mas não perdeu o eixo, não perdeu a causa.

            Hoje, quando a gente olha o mundo político, dá-se-nos a impressão de que muitos de nós funcionamos como uma biruta de aeroporto e não como uma agulha de bússola. Joaquim Nabuco estava mais para agulha de bússola. Ele apontava para um norte. E as coisas se moviam ao redor dele. Mas ele apontava na direção do norte e não ficava mudando, conforme soprava o vento que permitia o poder. Ele queria o poder, disputava eleições, para mudar o Brasil.

            Ele não aceitava mudar a si para continuar no poder. Ele não mudou ao longo de sua vida. Não mudou nem mesmo naquilo que poderia ser um modismo positivo, como a República. Continuou monarquista e defendeu a causa do monarquismo, porque, para ele, a realidade estava acima do próprio regime. Não só ele era capaz de estar acima dos partidos, acima do eleitor local e circunstancial: ele conseguiu estar acima do regime e não titubear em conseguir a abolição da escravatura na Monarquia e continuar monarquista depois que acabou a Monarquia.

            Esse lado de um político com causa é algo que eu gostaria que os jovens que, por acaso, venham a assistir a esta sessão se lembrem. Nós hoje estamos comemorando uma figura cem anos depois da sua morte, porque essa figura fez política com uma causa, com “p” maiúsculo, como lembrou aqui o Senador Marco Maciel, que o Joaquim Nabuco representava.

            Nós temos que reconhecer que ele teve até mesmo a grandeza, em nome da sua causa, de se retirar um pouco na hora da aprovação, deixando que fosse o governo do Partido Conservador que apresentasse o projeto da Lei Áurea que ele lutou por tantas décadas. Ele não teve constrangimento de deixar que fossem os seus adversários que apresentassem a sua proposta. Porque o que ele queria era a proposta, não era o voto de ter defendido a proposta. O que ele queria era mudar o Brasil, não era aumentar a quantidade de votos na urna em seu nome. E, mais do que ficar tranquilo, sem constrangimento, quando o Partido Conservador apresentou, ele, em dez dias, conseguiu que a lei fosse aprovada aqui. Dez dias desde o pronunciamento do trono, até que, três dias depois, se apresentasse a lei e mais sete dias a lei fosse aprovada.

            Isso demonstra que, além de ele ter sido um político de causa, um político de grandeza, um político com “p” maiúsculo, ele sabia fazer os trâmites necessários dentro do Parlamento para que o projeto de lei caminhasse fluidamente, rapidamente, aqui dentro. Dez dias apenas, e graças a ele, às suas articulações, às suas mudanças, quando foram necessárias, às suas conversas e a lei que mais revolucionou este País até hoje foi aprovada. Nenhuma outra lei teve a mesma dimensão que aquela, porque quase tudo que transformou o Brasil a partir daquilo não era possível por lei e, sim, por um processo iniciado por lei, mas que levava anos, como, por exemplo, no dia em que fizermos a revolução educacional não vai ter um dia para comemorar, porque vai ser um longo processo.

            A abolição teve uma data.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas, mais que isso...

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - Senador, eu peço desculpas a V. Exª para interrompê-lo, porque se encontra presente nesta Casa o Sr. Ministro Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Dr. Elói Ferreira de Araújo, e eu o convido para participar da Mesa dos nossos trabalhos.

            Muito obrigado a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu é que agradeço, Presidente, a interrupção por uma razão tão importante. Sinceramente, é um prazer tê-lo aqui - já tinha observado. Fico muito feliz.

            Além desse exemplo de político com causa, é preciso lembrar para os brasileiros jovens de hoje que Joaquim Nabuco foi um nacionalista cosmopolita. Coisa difícil, porque, ou nós fazemos um cosmopolitismo abandonando a Nação, ou hoje nós fazemos um nacionalismo que não consegue perceber que o mundo ficou global.

            Joaquim Nabuco, cem anos atrás, faleceu, mas ele foi, durante a sua vida, um cosmopolita nacionalista. Ele foi capaz de ter um apego não só pelo Brasil, até mesmo pelo seu Pernambuco, e, ao mesmo tempo, ser um homem do mundo inteiro, não só pelos idiomas que falava, não só pela cultura universal que tinha, mas também pela vivência que ele tinha do que acontecia no resto do mundo. Este sentimento de ser um cosmopolita, sem perder o apego ao local, é um exemplo que nós precisamos seguir no Joaquim Nabuco. A capacidade de saber para onde ia o mundo e querer fazer com que o Brasil, com as suas peculiaridades, caminhasse também nessa velocidade das coisas boas que de lá vinham e que lá fora ele ia buscar. Mas não só isso. A capacidade de perceber que a abolição que ele conseguira estava incompleta, o que muitos ainda não perceberam.

            Joaquim Nabuco foi um ético, não apenas no comportamento de uma vida limpa, mas foi um ético nas prioridades. Ele foi um ético nas prioridades ao lutar pela abolição, Ministro. E, ao mesmo tempo, foi um ético para dizer: “A abolição não estará completa enquanto não fizermos a reforma agrária e colocarmos os filhos dos escravos na escola”. Os outros abolicionistas, em geral, não percebiam isso. Os outros abolicionistas achavam que não ser mais vendido um ser humano bastava para completar a liberdade. E Joaquim Nabuco insistia e dizia: “A liberdade não vem só do direito de você dizer para onde vai, mas de saber como caminhar”. E o como caminhar não vem só da liberdade. O como caminhar vem da educação que o homem livre tem. Joaquim Nabuco foi um homem que colocou a ética nas prioridades como uma razão de ser da sua atividade política. Isso a gente precisa lembrar.

            Hoje em dia já se descobriu, felizmente, a ideia da ética no comportamento, e há uma cobrança geral. Mas a ente não descobriu ainda a ética nas prioridades. Nós não descobrimos ainda que colocar o recurso público sem roubá-lo em obras faraônicas, sem compromisso com as necessidades do povo, é corrupção também. A corrupção não está apenas em agarrar o dinheiro do povo e colocar no bolso. A corrupção está também em pegar o dinheiro do povo e aplicar legalmente, sem apropriação indébita, mas em projetos que não estão de acordo com as necessidades do povo.

            Joaquim Nabuco percebia e lutava para que este País tivesse ética nas prioridades das suas diversas políticas. Mais ainda, Joaquim Nabuco merece ser lembrado como homem que usou a política sofrendo uma atração profunda pelo futuro, em vez da tendência de todos nós de um apego pelo presente. Ele olhava as próximas gerações e não as próximas eleições. Por isso, ele era um estadista e não apenas político. Era muito mais do que um político, era um estadista.

            Essa atração pelo futuro permitiu-lhe ficar na história como um dos inventores do Brasil. Ele não apenas fez a política do dia a dia, ele fez a política olhando lá na frente, onde o Brasil estaria a serviço das gerações futuras de brasileiros e da humanidade inteira. Foi essa atração pelo futuro que o levou a ser um abolicionista. Foi essa atração pelo futuro que o levou a defender a liberdade de cada ser humano; essa atração pelo futuro e o profundo sentimento humanista que ele carregava dentro dele e que ficam marcados em cada palavra de seus textos. Textos que, ao mesmo tempo de um conteúdo brilhante do ponto de vista do humanismo, têm uma beleza profunda no uso da Língua Portuguesa. Textos que a gente lê se conscientizando e se deleitando, sentindo prazer, ao mesmo tempo que descobre os meandros da vida da Nação brasileira como ele colocava. É por isso que ele não apenas foi uma mente privilegiada do ponto de vista da razão, como, às vezes, dissecava a realidade, mas ele foi um homem de um profundo sentimento de como usar a estética e como usar a ética a serviço de um povo.

            Por isso, cem anos depois de sua morte, estamos nós aqui comemorando a sua vida, comemorando a sua permanência na história do Brasil, comemorando a sua permanência na vida da Nação brasileira, comemorando que ele tenha existido e esperando - como eu espero, ao propor esta sessão, Presidente José Sarney - que os jovens brasileiros, que por acaso venham a tomar conhecimento desta sessão, lembrem-se de que o Brasil teve um homem chamado Joaquim Nabuco. Nome que eu considero tão forte que, por mim, o meu Estado se chamaria PerNabuco e não Pernambuco, para que ficasse marcado, no Brasil inteiro, que ele foi um pernambucano, mas um pernambucano que sentiu, amou e mudou o Brasil. Um pernambucano que teve o sentimento da humanidade, da humanidade inteira e da humanidade sem divisão entre senhores e escravos, sem divisão entre alfabetizados e analfabetos, sem divisão entre educados e não educados, porque todos, para ele, deveriam ter a chance, o acesso a uma escola igual.

            Pena que Joaquim Nabuco não viveu o suficiente para tentar nos convencer, com a sua mente privilegiada, de que o Brasil pode, sim, fazer isto que ninguém quase acredita: ser campeão mundial em educação. A gente não acredita. E mais ainda: neste Brasil, campeão mundial da educação, não haver a menor desigualdade entre a escola do mais rico e do mais pobre, do que mora numa cidade grande ou numa cidade pequena, do branco ou do negro.

            Falta um Joaquim Nabuco hoje para ter a capacidade de convencer-nos disso, que deveria ser muito mais fácil do que convencer um povo que vivia há séculos na escravidão de que era possível viver sem escravidão. Esse talvez tenha sido o maior dos seus méritos: convencer do impossível, de que sem escravos este País não apenas continuaria funcionando, mas funcionaria muito melhor.

            Imagino como devia ser difícil colocar isso na cabeça de todos, inclusive dos escravos: que era possível viver no Brasil sem escravidão. Ele conseguiu. Esse foi o seu maior mérito - e olhe que ele teve tantos outros! - e é por isso que, cem anos depois de sua morte, estamos aqui lembrando dele e querendo que os jovens lembrem que existiu Joaquim Nabuco. Ele vai continuar vivo para sempre na história deste País, porque foi um político com “p” maiúsculo, foi um humanista, foi um estadista e foi um escritor brilhante.

            Felizmente, o Brasil teve um Joaquim Nabuco, e a história de nosso País seria muito diferente se ele não tivesse existido naquele momento. Felizmente, nós temos Joaquim Nabuco para mostrar ao resto do Brasil de hoje que vale a pena fazer política, quando é possível, com “p” maiúsculo; quando é possível, com o sentimento, com a razão, com a lógica, com a causa que teve Joaquim Nabuco.

            Viva Joaquim Nabuco, que continua vivo! (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2010 - Página 20236