Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação acerca da emenda introduzida pelo Senado no projeto conhecido como "Ficha Limpa". Considerações sobre o desempenho do Presidente Lula no cenário internacional, em razão do acordo conseguido com o Primeiro-Ministro turco, em relação ao Irã.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Manifestação acerca da emenda introduzida pelo Senado no projeto conhecido como "Ficha Limpa". Considerações sobre o desempenho do Presidente Lula no cenário internacional, em razão do acordo conseguido com o Primeiro-Ministro turco, em relação ao Irã.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2010 - Página 22715
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, POLEMICA, ERRO, REDAÇÃO, PROJETO, INELEGIBILIDADE, REU, CORRUPÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROMOÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, TURQUIA, GARANTIA, UTILIZAÇÃO PACIFICA, URANIO ENRIQUECIDO, ENERGIA NUCLEAR, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, EXTERIOR, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, MEDIAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, ANALISE, RISCOS, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, ACORDO.
  • IMPORTANCIA, LIDERANÇA, GOVERNO BRASILEIRO, ABERTURA, PARTICIPAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, DECISÃO, NATUREZA POLITICA, AMBITO INTERNACIONAL, CONTRIBUIÇÃO, PACIFICAÇÃO, MUNDO, LUTA, IMPEDIMENTO, DIFUSÃO, ARMA NUCLEAR, CRITICA, PAIS INDUSTRIALIZADO, AUSENCIA, CONFIANÇA, ACORDO INTERNACIONAL, DEFESA, NECESSIDADE, FISCALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, CUMPRIMENTO, ACORDO.
  • SUGESTÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LIDERANÇA, CAMPANHA, AMBITO INTERNACIONAL, COBRANÇA, PAIS INDUSTRIALIZADO, CUMPRIMENTO, ACORDO, DESARMAMENTO, GARANTIA, PAZ, MUNDO.
  • ELOGIO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, FRUSTRAÇÃO, INSUCESSO, POLITICA, SETOR, EDUCAÇÃO, EXTINÇÃO, ANALFABETISMO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Mão Santa, mais uma vez, obrigado pela sua generosidade.

            Srªs e Srs. Senadores, hoje eu gostaria de falar apenas de um tema, que é a melhor maneira de a gente deixar marcado o discurso, mas não posso deixar de fazer uma pequena introdução sobre o problema que, hoje, está dominando a mídia, está dominando os nossos contatos nas chamadas redes sociais. Refiro-me à mudança do tempo do verbo na Lei Ficha Limpa. Estou de acordo com o Senador Demóstenes, com o Senador Dornelles, de que essa mudança não pode, não deve e nem servirá para passar a mão na cabeça de ninguém. A lei, seja “foram”, seja “forem”, vai, sim, impedir a continuação de fichas sujas. Estou de acordo com eles, de que a gente não pode fazer um golpe linguístico, depois de termos feito os golpes militares neste País.

            Eu quero deixar claro isso aqui. Mas quero também trazer um outro assunto: como é que nós, 81 Senadores, com centenas de assessores, não percebemos que essa mudança geraria dúvidas, Senador Paulo Duque? Como foi possível isso? Como é que cochilamos ao ponto de não perceber que, mesmo com a convicção do Senador Dornelles, do Senador Demóstenes, de todos nós - eu acredito -, essa mudança no tempo do verbo não iria macular a Lei Ficha Limpa? Como é que deixamos passar sem perceber os riscos que isso traria, não apenas do ponto de vista legal - que eu creio que não haverá -, mas do ponto de vista da imagem da Casa, que ganhou um destaque tão positivo naquela noite ao aprovar por 76 votos a zero a Lei Ficha Limpa? Depois, no outro dia, já se levantaria a suspeita de que houve um golpe lingüístico e que, em vez de armas, usou-se o português? Quero deixar registrado isso.

            O outro assunto de que quero falar, Senador, é que, mais uma vez, trago aqui a posição desempenhada pelo Presidente Lula no cenário internacional, com o acordo que ele conseguiu, junto com o Primeiro Ministro turco - não foi só o Lula, nem só o Brasil -, em relação ao Irã, Senador Paulo Duque.

            Muitos aqui sabem que lamento muito que o Presidente Lula não tenha escolhido ficar na história como o Presidente que erradicou o analfabetismo no Brasil. Ele poderia ter iniciado a revolução educacional e ter resolvido o problema do analfabetismo. É com a mesma convicção que lamento que o Presidente Lula não fique na história como o alfabetizador do Brasil, que eu digo que o Presidente Lula ficará como o Presidente que colocou o Brasil no cenário internacional, rompendo a barreira da hegemonia das grandes potências nos assuntos internacionais.

            O acordo que foi feito no dia 17, em Teerã, foi saudado, por exemplo, pelo Le Monde, como uma data a ser marcada na história. Porque, o Le Monde, que levanta desconfianças se o acordo vai ser cumprido ou não pelo Irã, diz que, independentemente de vir ou não a ser cumprido, o simples fato de um acordo desse porte ser feito por potências emergentes - quer dizer, então, não potências -, ser feito por países que ficam à margem das grandes decisões, somente isso já põe aquele acordo como fato importante na história do Brasil.

            Creio que isso não se pode diminuir. Desde sempre, mas especialmente a partir da II Guerra Mundial, o mundo todo é regido pela reunião de um pequeno grupo de países, as chamadas superpotências, que tomam as decisões, e nós seguimos atrás cumprindo. Essas decisões que essas potências tomam já nos levaram à beira da tragédia, da catástrofe, da hecatombe nuclear. Por pouco, nessas décadas, não tivemos uma hecatombe. Mesmo assim, tivemos o uso da bomba em Hiroshima e Nagasaki.

            As mesmas decisões ou omissões dessas grandes potências estão nos deixando hoje na beira da catástrofe ecológica, que pode fazer menos barulho do que a nuclear, mas pode ter consequências iguais e mais amplas até do que a catástrofe nuclear.

            Chegou a hora de outras potências, algumas outras, emergentes ainda, assumirem também um papel importante no cenário mundial. Até aqui, as poucas Nações que não são parte das grandes potências e que assumiram posição de destaque foram aquelas que conseguiram explodir bombas atômicas de forma experimental. Foi o Paquistão; foi a Índia; foi a China; países que passaram a ser respeitados por explodirem bombas atômicas, por dominarem a tecnologia da produção das bombas.

            O Brasil, a Turquia são os dois primeiros que assumem posições de destaque pela luta contra a bomba atômica. E, nesse ponto, a gente não pode deixar de reconhecer o papel do Primeiro-Ministro Erdogan e do Presidente Lula. Os dois, e os seus Ministros das Relações Exteriores, conseguiram fatos surpreendentes, independentemente das consequências positivas que, espero, venham a ocorrer. Por isso, acho lamentável que a gente veja as grandes potências reagindo contra o acordo em vez de cobrarem realizações com base nesse acordo.

            Não estou querendo que as grandes potências saiam dizendo que está resolvido o assunto do Irã. Cobrem do Irã, mas cobrem conforme o acordo que foi feito; coloquem novas condições de novos acordos e não apenas sanções no sentido de tentarem dobrar todas as outras Nações do mundo à vontade deles próprios.

            O Presidente Obama escreveu um livro magistral chamado Audácia da Esperança. Parece que ele não está hoje usando a palavra “esperança” nem a palavra “ousadia”, que o Presidente Lula teve e o Primeiro-Ministro da Turquia também.

            Na verdade, o que vivemos hoje é uma espécie de esperança da ousadia no lugar da proposta do Obama, de ousadia da esperança. A esperança da ousadia de dois países menores de dizerem: “Nós existimos, nós queremos participar. E nós queremos participar não fazendo explodir bombas, como o Paquistão e a Índia fizeram, mas querendo impedir que haja novas bombas”.

            Esse foi o papel fundamental que o Presidente Lula teve nesse 17 de maio, depois de um processo longo de negociações que ninguém ainda sabe como foi. Um dia vamos saber por livros que serão escritos e teses que serão defendidas para explicar como esses dois países puderam dizer: “Nós existimos, não porque explodimos bombas. Existimos porque lutamos pela paz”.

            Nesse sentido, quero, aqui, Senador Duque, trazer uma sugestão ao Presidente Lula. A ousadia dele ainda foi pequena. A ousadia deve ser agora a de liderar um movimento mundial pela não proliferação das armas, acordo que tem cinco anos parado, e que nem os Estados Unidos e as grandes potências empurram para que a gente avance. Está na hora de a gente fazer uma grande campanha mundial pela não proliferação, mas não apenas para que os que não têm deixem de fabricar a bomba - que devem, assim, não fabricar -, mas para aqueles que têm bombas as destruam num grande acordo mundial.

            O momento é este. Amanhã ou depois, surgem novas revoluções, novas potências começam a se afirmar e, mais uma vez, recomeça todo o problema que hoje está acontecendo em razão do Irã. A Coreia do Norte já tem. Daqui a pouco, vamos fazer de novo com a Coreia do Norte? Os outros vão ter. A África do Sul tinha tecnologia. Foi depois de 1994 que se decidiu parar. O Brasil já poderia ter. Foi a partir da Constituição. E o Presidente Collor teve um papel importante nisso quando mandou parar o que ainda se fazia de pesquisas de bomba. O Brasil poderia ter. A Argentina terá a bomba na hora que quiser; não num minuto, de um dia para outro, mas em alguns anos terá.

            Ninguém vai parar, porque é uma tecnologia que fica cada vez mais fácil, e a única forma de parar é pelo convencimento, pela audácia da esperança e pela esperança da audácia, que teve o Presidente Lula.

            Nós temos que lutar é pela não proliferação em todos os países, e isso só vai acontecer pelo entendimento. As sanções podem conseguir que um país pare, mas não conseguirão que outro pare.

            E se um dia alguém for usar uma bomba atômica no Irã para que o Irã não produza a bomba atômica? Como é que vamos explicar isso? Mas não está longe. Já há pessoas falando por aí no uso de armas nucleares para impedir que o Irã produza suas armas nucleares.

            Não é esse o caminho. O caminho é o que o Presidente Lula e o Primeiro-Ministro da Turquia juntos tiveram a competência e a audácia de levar adiante. Eu creio que precisamos ter esperança de que esse acordo pode dar certo, embora tenha a obrigação da desconfiança.

            E aí eu quero lembrar que as pessoas não tomam conhecimento de que, no Irã, a lei que proíbe que não se faça a bomba atômica não está na constituição do Estado do Irã, mas está em documentos de leis religiosas, porque é um país que tem dois conjuntos legais. Tem as fátuas, que são as leis islâmicas, e tem as leis do Estado do Irã.

            Há uma fátua, uma lei religiosa do tempo do Aiatolá Khomeini, que diz que o Islã é contra a produção e uso da bomba atômica. Vamos explorar esse lado em vez de irmos dizer que eles estão fazendo a bomba. Agora, vamos desse lado de olho, fiscalizando. E aí, para ganhar credibilidade, a fiscalização tem que ser sobre todos os países e não só sobre um ou outro.

            Por que a Rússia tem direito de continuar fazendo o que quiser do ponto de vista de bombas, e o Irã não? O Irã não deve ter; agora, os outros também não! Vamos abrir todas as experiências nucleares. O Senador Duque falou aqui há pouco: o Brasil tem todo o direito de dizer que não abre, porque são segredos. Vamos compartir a tecnologia nuclear no que se refere à saúde, no que se refere à energia e vamos fiscalizar para não permitir todas as pesquisas nucleares para as armas. As duas palavras são: compartir a tecnologia para a paz e não permitir a tecnologia para a guerra. Compartir entre todos os países e não permitir a nenhum. Esse é o caminho. É o caminho do entendimento; do entendimento com fiscalização; e do entendimento com força, quando for preciso, mas não antes da busca do entendimento.

            Creio que o Presidente Lula tem toda a razão de ser, hoje, tratado como um Presidente que procura a paz e que usa a esperança da audácia, enquanto o Presidente Obama propôs a audácia da esperança. E, neste momento, é lamentável dizer: não dá para sentir como se ele estivesse usando essa audácia da esperança; não dá para sentir como se ele estivesse, e os demais países das grandes potências, usando um pingo de esperança em relação ao acordo conseguido por países que estão à margem das decisões. E é por isso que a gente precisa deixar claro: há suspeita, pode existir, de que o Irã está procurando a bomba. Claro, é uma suspeita positiva!

            Mas nos dê o direito também de achar que as grandes potências não estão querendo o acordo feito apenas porque não foi feito por eles. A mesma suspeita que eles têm direito de ter em relação ao Irã nós temos o direito de ter em relação a eles. E não dizer também isso de que é o terrorismo que pode tomar aquelas bombas, porque o terrorismo poderia tomar as bombas dos outros países todos, inclusive comprando na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra. Mas, a coisa é mais complicada. O terrorismo não vai usar bomba atômica, que é uma coisa complicada. O terrorismo, quando quiser usar armas de destruição em massa, vai usar bombas químicas, bombas biológicas, que carregam em envelopes, que carregam em cápsulas, e que não necessitam de ser transportados com toneladas pelo ar, por navios.

            A preocupação com terroristas não deve ser em relação a bomba nuclear apenas, nem sobretudo, deve ser em relação a armas químicas, a armas biológicas, que, não vai demorar, estarão à disposição de quase todos que quiseram. Por isso, do terrorismo também. Além da repressão da fiscalização, a grande vitória nossa será por meio do entendimento.

            Esse entendimento, a impressão que se tem é de que os grandes países não o estão querendo procurar. Nem garanto que vamos conseguir e nem que eles conseguirão, mas temos a obrigação de procurar.

            O Brasil precisa continuar na linha que o Presidente Lula trouxe, a esperança da audácia, e cobrar que o Presidente Obama se lembre do seu livro Audácia da Esperança.

            Lamento que o Presidente Lula não fique na história como o alfabetizador do Brasil. Lamento que não fique na história como o iniciador da revolução educacional brasileira. Mas tiro aqui o chapéu e, como brasileiro, orgulho-me de que, a partir de 17 de maio deste ano, o Brasil tenha mostrado que nós existimos no grande cenário mundial.

            Obviamente, como a primeira intervenção, talvez não dê os resultados que a gente espere, talvez ela nem se concretize de fato. Talvez, daqui a pouco, o Irã rasgue o acordo, porque sentiu que ele não foi levado a sério pelas grandes potências. Pode ser, sim. Mas mesmo assim, ninguém vai esquecer que o primeiro passo, aquele que às vezes a gente dá e tem que recuar porque não consegue continuar, foi dado. Primeiro passo no sentido de dizer que não há mais hegemonia para nenhuma potência sozinha no mundo; não há mais hegemonia para o controle da tecnologia nuclear e nem há mais hegemonia para o controle do poder político mundial. Esse poder hoje tem que ser repartido ou ele não terá frutos ou deixará resultados.

            O Governo brasileiro, o Brasil inteiro, o Governo turco, a Turquia inteira, somos hoje povos que podemos dizer: “nós existimos e nós queremos participar”.

            Parabéns ao Brasil, parabéns a Turquia, ao Presidente Lula, ao Primeiro-Ministro Turco, porque nós começamos a mostrar que a hegemonia já não existe, que o poder não é mais de uns poucos países. Outros têm a ousadia, têm a audácia da esperança.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2010 - Página 22715