Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a entrega ao Presidente da França de documento de autoria dos economistas Joseph Stiglitz e Amartya Sen, propondo a adoção de um novo índice de medição da riqueza produzida, mais abrangente que o Produto Interno Bruto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários sobre a entrega ao Presidente da França de documento de autoria dos economistas Joseph Stiglitz e Amartya Sen, propondo a adoção de um novo índice de medição da riqueza produzida, mais abrangente que o Produto Interno Bruto.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2010 - Página 26571
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, ENTREGA, ECONOMISTA, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, DOCUMENTO, ENCOMENDA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, PROPOSTA, ALTERNATIVA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INCLUSÃO, MEDIDA, BEM ESTAR SOCIAL, APOIO, ORADOR, DEBATE, EXCESSO, VALORIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, QUALIDADE DE VIDA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DIVERSIDADE, CULTURA, SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • QUALIDADE, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, PROMOÇÃO, AUDIENCIA, DEBATE, INCLUSÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS, BUSCA, BEM ESTAR SOCIAL, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, CIDADANIA, COMENTARIO, ANTERIORIDADE, TRABALHO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), METODO, AVALIAÇÃO, TEMPO, LIBERDADE, CIDADÃO.
  • PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, GRUPO, INDIO, LOBBY, CAMPING, ESPLANADA (BA), MINISTERIOS, CONTESTAÇÃO, DECRETO FEDERAL, REFORMULAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DENUNCIA, CONLUIO, OCUPAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Suplicy, eu creio que é uma muito boa coincidência que o senhor esteja presidindo esta sessão - apesar de que seja também negativo, porque o senhor não vai poder fazer um aparte, a não ser que, hoje à tarde, a gente esteja livre para isso.

            Eu vim falar de um assunto que, eu tenho certeza, o senhor está perfeitamente a par e simpatizando. É o fato de que, nesses dias, o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, junto com outro Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, entregaram ao Presidente da França, o Presidente Sarcozy, um extenso documento - fala-se em trezentas páginas - em que eles propõem uma alternativa ao Produto Interno Bruto. Eles mostram que a ideia de riqueza baseada apenas na produção e na produção material dos setores econômicos não basta para definir o bem-estar de uma sociedade.

            Parece até óbvio, mas é algo que a maioria se recusa a ver. A maioria da população, a maioria de todos nós, os políticos, baseados nessa visão economicista - eu fico satisfeito porque o Suplicy é um economista, como eu também me considero, apesar de inicialmente ser um engenheiro -, influenciamos de tal maneira o pensamento que prevalece que todos se sentem mais felizes quando abrem o jornal e leem: o Produto Interno Bruto cresceu 2%, 3%, 5%, 10%.

            Sem olhar, Senador Eurípedes, que por trás disso, às vezes, estão custos que não são vistos e que também algumas outras ações não se percebem os benefícios que vêm.

            Por exemplo, do ponto de vista puramente econômico, diz-se que a renda mínima é uma transferência de renda. Não é só uma transferência de renda. Ao transferir renda de uma população mais rica para uma população mais pobre, o bem-estar sobe. Há um salto positivo com a renda mínima, independente de qualquer outro efeito, independente, inclusive, dessa visão que cada vez mais prevalece de que há um crescimento pela base, em substituição a um crescimento pelo topo. Toda a economia brasileira foi baseada no crescimento de cima para baixo. Basta ver que todos dizem que o carro-chefe da economia é a indústria automobilística, que é um crescimento por cima. Começou num pequeno triangulozinho aqui, foi aumentando, mas continua sendo o de cima, quando o crescimento poderia ser de baixo para cima: mais ônibus, melhor transporte público. E isso chega em cima, ao invés da ideia de que de cima chega abaixo. Não vem chegando como se espera até embaixo. O modelo foi concentrador ao longo de décadas e ainda hoje é concentrador, apesar de algumas medidas pequenininhas, como, por exemplo, o Bolsa Família, que é uma espécie de renda mínima, só que não para todos.

            Pois bem, o documento do Stliglitz começa mostrando que o Produto Interno Bruto não reflete a totalidade do bem-estar da população e que, em alguns casos, reflete o mal-estar da população, ao mesmo tempo que aumenta a produção, que até aumenta a renda de todos. Mas renda não é sinônimo de bem-estar nem de qualidade de vida. E eles propõem novas formas de medir, incluindo, por exemplo, o óbvio, que é o meio ambiente. O valor de um móvel feito com a árvore não pode ser medido ignorando o valor da árvore, como hoje ignora-se. Considera-se apenas o valor da madeira depois de a árvore derrubada. Na economia brasileira, na economia que prevalece hoje no mundo, árvore em pé não tem valor, só depois de derrubada, a não ser que seja uma fruteira. Aí não é a árvore; é a fruta que sai da árvore.

            O que eles propõem é que o meio ambiente seja levado em conta e que, na hora de calcular o produto com “P” maiúsculo, diminuamos as perdas do meio ambiente para que aquele produto tenha existido. É o óbvio, mas não se pratica.

            O que eles defendem é que a gente meça também a quantidade de tempo livre da sociedade. Discute-se, hoje, por exemplo, a ideia de 40 horas em vez de 44. Eu nem quero aqui chegar já defendendo essa ideia, mas temos que criticar aqueles que acreditam que a redução na jornada de trabalho é uma perda. Como é uma perda, se o trabalhador vai ter mais quatro horas livres? Então, não é perda. Pode-se dizer que, para que ele tenha esse benefício de quatro horas mais, a sociedade está perdendo produção. Isso, sim, pode ser dito. Pode-se dizer que o trabalhador vai ter mais quatro horas de descanso, mas vai haver quatro horas menos de produto para consumir ou todo mundo vai perder um pouco, porque haverá um aumento dos preços para que o empresário compense o aumento de salário que ele vai ter que fazer na sua folha.

            Muito bem. Então analisemos, do ponto de vista do aumento do custo financeiro, a repercussão do ponto de vista do custo econômico, mas levando em conta um benefício, que é a redução no tempo de trabalho.

            É isto que está no documento que o Professor Stiglitz está apresentando: levar em conta o tempo livre como um benefício e não como hoje - como uma perda. A redução da jornada de trabalho traz vantagens que podem vir acompanhadas de custos. Mas hoje a gente considera apenas custo. Eles acrescentam também o que acontece com a sociedade educada e põem a sociedade educada em si, independente de qualquer impacto econômico. A sociedade educada significa um aumento no bem-estar da coletividade.

            Nem falo o que deveria ser óbvio: aumentou a educação, aumenta a produção. Não. Esqueçamos esse lado e analisemos pura e simplesmente a educação em si como forma de riqueza que o produto interno bruto não consegue refletir.

            A França está na frente do Brasil na medida em que o Presidente da República pediu esse documento a dois Prêmios Nobel, que, depois de meses de estudos, quase um ano, o entregaram nesta semana. Eles levam em conta também - e isso é muito interessante - a eliminação de filas. Não se colocam, na hora de ver o produto interno bruto, quantas horas do dia se passou em filas. A fila é um sinônimo de mal-estar, mas não entra. Não se considera que alguém que perde um dia numa fila perdeu 24 horas ou dez horas da sua vida, que é o valor mais fundamental que cada um tem. O valor da vida não entra em conta na hora do PIB. E, aí, a redução da mortalidade infantil não aparece como enriquecimento da sociedade que conseguiu isso. Não se coloca. O estudo deles começa a colocar a redução da mortalidade infantil, o aumento da esperança de vida, a melhoria na qualidade dos indicadores de saúde - tudo isso nesse novo indicador que eles estão propondo para medir o bem-estar de uma sociedade.

            Precisamos dar esse salto. Não é possível, na sociedade do Século XXI, continuarmos prisioneiros de um conceito de medição do bem-estar que já tem mais de 200 anos, que é o Produto Interno Bruto. Depois da crise que vivemos do meio ambiente, da percepção que temos hoje dos riscos ambientais e da percepção de que o aumento da riqueza não significa redução da pobreza, depois de perceber que o bem-estar é algo diferente da renda, não é possível que continuemos ainda hoje prisioneiros de um velho conceito, como estamos.

            Agora mesmo, eu estava, Senador Suplicy, reunido com um grupo de indígenas, que me trouxeram um problema que levaram ao senhor, que creio talvez tenha sido o único a visitá-los no local onde estão acampados, aqui na Esplanada dos Ministérios. Eles me trouxeram o problema deles numa visão diferente da que eu estava discutindo nas últimas semanas com eles. Até aqui, a gente discutia o assunto do ponto de vista administrativo. Eles contestam o decreto presidencial que reformula a Funai - e o senhor está a par disso.

            Hoje, eles me trouxeram diferente, Senador. Hoje eles me mostraram que, na ótica deles - preciso analisar com mais detalhes, porque acabo de vir da reunião -, este decreto faz parte de uma estratégia de ocupação dos territórios hoje ocupados pelos indígenas. E aí entra o tema do que eu falo. Na verdade, que desenvolvimento é esse que descarta povos inteiros? Porque nós temos três maneiras de tratar os povos indígenas: uma, incluindo-os na sociedade moderna e desfazendo as suas características sociais e culturais - o que eu não defendo, essa inclusão na marra; o outro, é a pura e simples destruição desses povos, como o Brasil fez ao longo de tanto tempo; e o terceiro, que está sendo praticado, é o descarte deles.

            Essas três não são a maneira correta. A maneira correta é você incorporá-los, respeitando a diversidade que eles representam como parte da riqueza de um povo. Um povo que tem grupos étnicos variados é um povo mais rico do que um povo unitário, em que todo mundo é a mesma coisa. A diversidade é riqueza. Isso é um indicador novo que a gente precisa ter na substituição do velho, cansado Produto Interno Bruto.

            No Brasil, cada vez que se ocupam territórios indígenas, destruindo aquela população nas suas culturas, expulsando essa população de onde vivem, inundando suas terras, o Produto Interno Bruto aumenta, é verdade. Mas aumentou a riqueza nacional de um país que deveria ter diversidade cultural? Não, não aumentou a riqueza; aumentou a produção. Mas produção não pode continuar sendo sinônimo de riqueza. Não é possível riqueza sem produção, mas é possível produção sem riqueza. E a nossa produção de hoje não está sendo uma produção de riqueza, uma produção de bem-estar, uma produção que nos permita dizer: “Nós somos hoje mais ricos que antes”.

            É nesse sentido que eu vim aqui comemorar algo que se passa tão longe, que é o documento do professor Stiglitz e do professor Amartya Sen entregue ao Presidente da França, Sarkozy, propondo um novo conceito, uma nova forma de medir a produção daquele país no que se refere ao aumento do bem-estar, ao aumento da riqueza e ao aumento da palavra felicidade no país inteiro.

            Não faz muito, um grupo de artistas, de intelectuais e de publicitários do Brasil me procurou para que fizéssemos um debate sobre a incorporação, no art. 5º da Constituição, onde está lá “é direito a todos educação, saúde e habitação” incorporar “é direito a todos a busca da felicidade, por meio da educação, da saúde, da habitação” etc.

            Esse item “a busca da felicidade” tem sido, inclusive, ridicularizado em muitos lugares. Já espalharam que eu apresentei essa proposta de emenda à Constituição. Primeiro, nenhum Senador apresenta, ele tem que buscar mais 26 apoios. Eu não procurei apoio de ninguém nem preparei essa emenda ainda. O que eu fiz, e estou muito satisfeito, foi promover, na Comissão de Direitos Humanos, da qual sou Presidente, uma audiência para discutir se isso faz sentido ou não, se isso é correto ou não e se isso é oportuno ou não.

            O debate não deu para a gente chegar a uma conclusão plena, até porque houve posições contrárias a isso. Mas basicamente a ideia é a de que incorporar esse conceito de felicidade, ao mesmo tempo de trazer a crítica ao Produto Interno Bruto, ao mesmo tempo de formular indiretamente a busca de um novo conceito de medição do bem-estar, traz algo fundamental. É uma elevação no nível de consciência das pessoas que hoje não conseguem defender os direitos sociais porque pertencem a todos, e, em uma sociedade como a nossa, o interesse privado prevalece, mas começa a entender: “Eu tenho o direito a buscar a felicidade. Para isso, vou lutar pela educação”. “Eu tenho direito a buscar a felicidade. Por isso, tenho o direito de exigir uma boa saúde”. “Eu tenho o direito a lutar pela felicidade. Por isso, vou brigar contra a passagem de um viaduto em frente à minha casa. Que os outros briguem a favor, porque vai facilitar o transporte deles”. Mas que aquele que está em frente ao viaduto e que vai ser sacrificado, como a gente vê nessas tragédias dos minhocões em cidades brasileiras, entenda que aquilo afeta a sua felicidade.

            A idéia de colocar a felicidade na Constituição, que é um ponto em debate, para inclusive imitar outros países que já têm, é apenas parte dessa luta pela busca de um conceito novo que indique o nível de bem-estar de uma sociedade, levando em conta a educação de seu povo, o atendimento da saúde pública de seu povo, porque, sem saúde privada, não há como buscar a felicidade, mas, sem uma saúde pública de qualidade, é difícil você ter saúde particular.

            A saúde pessoal, a saúde individual depende da saúde coletiva, não apenas porque a maior parte da população não pode pagar uma saúde privada para si, mas também porque grande parte das doenças do mundo de hoje não são fruto de dentro do organismo, mas, sim, do organismo social, criando as doenças como vemos hoje.

            Tudo isso é parte de um grande esforço, Senador Suplicy, porque acho que o senhor - e por isso a coincidência do senhor na Presidência - é sensível ao debate.

            Pena que ainda seja um tema tão distante no Brasil quando a gente compara com, por exemplo, a França, e tão distante do Parlamento quando a gente compara, por exemplo, a alguns meios intelectuais que começam a pensar no assunto.

            Eu fiz questão de trazer hoje aqui a informação desse documento preparado a pedido do Presidente Sarkozy e sugeri que o Presidente Lula faça algo igual, que o Presidente Lula peça a algum grupo de pessoas que traga para ele, ainda nos meses que ele tem adiante, uma proposta alternativa, para que, no Brasil, não fiquemos na idéia de que o velho e cansado Produto Interno Bruto é um indicador pleno do bem-estar de um povo.

            E, quando nós tivermos esse indicador, eu garanto que direitos como esses pelo quais os povos indígenas hoje lutam aqui na Esplanada central, acampados há alguns meses, serão levados em conta. A riqueza da diversidade deles vai ser levada em conta, e a gente vai poder dizer que o Brasil é um país que tem uma política capaz de incorporar os grupos indígenas e não de descartá-los, de excluí-los ou, até pior, conforme eles disseram, de cometer genocídios.

            Está na hora de o Brasil descobrir que existe um mundo além da economia. A economia como base, mas não como a totalidade.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - V. Exª...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar. E qualquer um teria direito ao aparte, mas o senhor, como Presidente, ainda mais. Muito me orgulha que o senhor esteja pedindo para fazer um comentário.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-lo, Senador Cristovam Buarque, por trazer esse tema e, sobretudo, pela iniciativa de mencionar dois laureados com o prêmio Nobel de Economia que tão bem têm honrado a profissão dos economistas. Eles são mais do que economistas; eles são extraordinários pensadores, filósofos, cientistas sociais. Tanto Joseph Stiglitz quanto Amartya Sen têm colaborado imensamente para que tenhamos a visão que V. Exª ressalta: a natureza e a qualidade do desenvolvimento econômico e social. Amartya Sen é um dos economistas que mais colaboraram para que as Nações Unidas passassem a ter não apenas a medida de progresso das nações através do Produto Interno Bruto, mas também pelo Índice de Desenvolvimento Humano, que é justamente a briga, indicadores tais como os que V. Exª mencionou: Qual a expectativa de vida ao nascer? Qual o indicador de mortalidade infantil, para cada mil nascidos vivos? Qual o grau de alfabetização? Qual o grau de pessoas que estão nos diversos níveis de ensino em cada sociedade? Então, felizmente, hoje, tanto o Banco Mundial quanto as Nações Unidas sempre têm em seus Relatórios do Pnud esse conjunto de indicadores. E é muito boa a notícia que V. Exª aqui nos traz de que o Presidente da França, Nicolas Sarkozy, tenha solicitado a esses dois eminentes laureados com o Nobel... Quero também registrar que ambos estiveram no Brasil. Eu era Presidente da Comissão de Relações Exteriores quando convidei o Professor Joseph Stiglitz para participar, e aqui ele realizou uma palestra memorável. Ele, no seu livro A Globalização e seus Malefícios, recomenda aos responsáveis pela economia que procurem sempre abrir o ambiente para o debate. Ele traz um depoimento muito interessante: quando ele era Presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Presidente Bill Clinton, havia um ambiente de grande liberdade de pensamento e com as pessoas podendo trazer ideias, concepções novas, assim por diante. Quando se tornou o Vice-Presidente do Banco Mundial interagiu muito com o Fundo Monetário Internacional e percebeu que havia como que uma barreira para as pessoas saírem daquele denominado consenso, daquela visão muito conservadora pela qual se recomendava aos países em desenvolvimento o que nem sempre era o melhor caminho de equilíbrio, digamos, do orçamento em ocasiões em que era necessário promover o desenvolvimento com algumas ações mais ousadas. Eu me lembro de ter dado esse livro ao Ministro Antonio Palocci, logo no início do seu governo, pela relevância das suas observações. E o Professor Amartya Sen, nos seus livros, por exemplo, Desenvolvimento como Liberdade, ao dizer que desenvolvimento, se for para valer, deve significar maior grau de liberdade para todos na sociedade, então ele mostra uma harmonia formidável com o que V. Exª prega, porque, obviamente, ele diz que as pessoas terão muito maior grau de liberdade numa sociedade se elas tiverem maior grau de educação, educação de boa qualidade, e isso precisa ser sempre levado em conta. E como o Presidente Nicolas Sarkozy tem tido uma ótima relação, ainda que nem sempre - o Presidente Nicolas Sarkozy, na França, é visto como um Presidente, digamos, mais conservador em relação aos seus adversários socialistas; portanto, tem uma visão um pouco diferente daquela do Presidente Lula, no seu nascedouro, na sua história. Mas, ambos, todas as vezes em que têm dialogado, têm tido um excelente relacionamento. Então, a sugestão de V. Exª é para que o Presidente Lula se aproveite dessa boa iniciativa do Presidente Sarkozy e solicite que os dois laureados com o Nobel enviem - o próprio Presidente Sarkozy poderia enviar - para o Presidente Lula esse estudo, para, à luz da realidade brasileira, podermos aproveitá-lo da melhor maneira possível. Então, quero muito cumprimentá-lo. Sobre a notícia que V. Exª traz dos índios: é importante que possa haver o aprofundamento do diálogo. V. Exª - e tenho procurado ajudá-lo como Presidente da Comissão de Direitos Humanos - tem insistido para que haja a superação desse impasse. Inúmeras lideranças indígenas propuseram ao Ministro da Justiça e ao Presidente da Funai que possam se sentar e rever o conteúdo desse decreto, pelo menos com a disposição de olhar o outro lado. V. Exª aqui nos traz uma percepção de que esse decreto, segundo diversas lideranças indígenas, poderia significar a diminuição da possibilidade de eles terem o acesso, o direito aos seus territórios. Se isso efetivamente tiver fundamento, é mais um motivo para que o diálogo seja aprofundado. Por isso o cumprimento. Essas lideranças, ainda na semana passada, é fato, pediram-me que lá comparecesse para ver como é que poderia ser feito, uma vez que o Ministério da Justiça solicitou e havia a solicitação para que eles saíssem daquele local - diante do Ministério da Justiça e do Congresso Nacional - para ficarem ou em hotéis, até que se supere toda essa problemática, com alimentação paga pela Funai, ou então, se assim preferissem, ficarem acampados no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Mas havia uma índia que acabara de se tornar moça, estava em seu período menstrual, e só poderia sair dali no domingo, sete dias após. Então o Ministro da Justiça enviou uma comunicação às lideranças indígenas dizendo que iria respeitar o direito de a moça permanecer na oca até o domingo passado; entretanto, pedia a eles que se deslocassem até que houvesse melhor entendimento. Eu não sei hoje como está porque já é segunda-feira. Mas acho que tudo aquilo que pudermos realizar - e como V. Exª é Presidente da Comissão de Direitos Humanos -, terá V. Exª o meu apoio para que o impasse seja superado. Nós ouvimos do Ministro da Justiça, de seus assessores, de seu chefe de gabinete, de seu secretário executivo, e do Presidente da Funai, as razões pelas quais eles avaliaram necessário fazer aquele decreto. Mas nós ouvimos também a outra parte, já que buscaram um possível entendimento. Eu quero lembrar quando houve o IV Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores e essas mesmas lideranças indígenas surgiram com cartazes na hora em que o Presidente Lula estava no Congresso Nacional. Foi o próprio Presidente Lula que mencionou: gostaria de solicitar aos membros de meu Governo que ouçam esse movimento social que quer se expressar, porque na história de nosso Partido - disse o Presidente Lula - nós sempre procuramos ouvir com atenção as lideranças de movimentos sociais. Às vezes é preciso dizer não, às vezes é difícil dizer sim, mas ouvir as pessoas, dialogar, procurar conhecer as suas razões é algo muito importante. Parabéns a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente Suplicy, para concluir, em relação aos índios, o que eles trouxeram hoje é algo mais grave: é que haveria uma conspiração, uma estratégia de ocupação do território deles, o que levaria à dissolução de suas culturas e a um sofrimento social também, pelo deslocamento que eles teriam de fazer por falta de condições de habitação. Isso é mais grave do que o que eles até aqui falavam, que era apenas uma crítica a um decreto que mudava a administração da Funai.

            Sobre o outro aspecto, quero dizer que sugeri ao Presidente Lula... Mas poderíamos no Senado, por uma comissão do Presidente do Senado, começar a trabalhar um documento como esse. Ali mesmo na Universidade de Brasília, há 20 anos, chegamos a elaborar um indicador que tomava por base a quantidade de tempo livre que uma sociedade permitia às suas pessoas usarem esse tempo livremente. E a base era a educação, porque a educação, por meio da tecnologia, é que gera todas as formas de redução do tempo livre. E o uso livre do tempo livre exige educação de cada um para poder usar mais plenamente bem o tempo livre.

            Isso faz 20 anos! A única coisa que eu acrescentaria hoje nesses 20 anos é o aumento do tempo livre para usar livremente esse tempo livre em escala mundial, porque a globalização nos permite hoje que o tempo livre seja usado não apenas nas redondezas onde você está, mas em escala global, pelos meios de conexão que temos hoje.

            Em tudo isso, nós poderíamos ter saído na frente. Como eu digo, o Brasil é o melhor retrato da civilização. Daqui deveriam estar saindo propostas. Lamentavelmente, essa submissão a uma espécie de colonialismo cultural que nos faz viver em um consenso perverso, nos impede de formular essas alternativas.

            De repente surgem aqui, lá fora são desenvolvidas, voltam de lá e começamos a copiar. Está na hora de nós começarmos a criar aquilo que pode ser copiado lá fora.

            Sr. Presidente, era isso o que eu pretendia falar...


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2010 - Página 26571