Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as inundações nos estados de Pernambuco e Alagoas e alerta para a necessidade de investimentos em infraestrutura.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Preocupação com as inundações nos estados de Pernambuco e Alagoas e alerta para a necessidade de investimentos em infraestrutura.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2010 - Página 31353
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, CALAMIDADE PUBLICA, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), MOTIVO, INUNDAÇÃO, ADVERTENCIA, FALTA, INFRAESTRUTURA, MUNICIPIOS, CONTENÇÃO, EXCESSO, CHUVA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, OBRA DE ENGENHARIA, CRITICA, NEGLIGENCIA, PODER PUBLICO, POPULAÇÃO CARENTE, AUSENCIA, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, OMISSÃO, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • ADVERTENCIA, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, POLITICO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NECESSIDADE, ELEIÇÃO, CANDIDATO, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, como somos os últimos, eu poderia pedir mais tempo. Ao contrário: como somos os últimos, vou ver se falo menos, para podermos cumprir nossas outras agendas, que não são pequenas.

            Mas vou falar, nesse pouco tempo, Senador Mão Santa, sobre o que acontece hoje no meu Estado de Pernambuco - meu Estado mãe ou pai, embora hoje eu seja um cidadão, porque estou aqui há mais de 30 anos, do Distrito Federal, com uma pergunta: por que, Senador Mão Santa, as chuvas não gostam dos pobres? Por quê?

            Veja bem. Quando tem uma inundação, uma cheia, a água cai em todos os lugares, mas a chuva só prejudica os pobres. Os outros, que têm uma casa sólida, raramente perdem as suas casas. Veja que, no caso dos tufões que a gente vê na televisão, rodando o vento, nos Estados Unidos, leva casa de pobres e ricos. As inundações, raramente. Elas levam casa dos pobres, com as chuvas. Por quê? É a chuva que não gosta dos pobres? Ou é o sistema social que não os protege, para que, quando haja chuva, eles sobrevivam na mesma situação, sofrendo, porque sofre também o rico onde tem inundação. E eu, que não posso dizer que fui pobre quando criança, sofri cheias diversas vezes na rua onde morava, no bairro dos Aflitos, em Recife, pertinho do rio Capibaribe, e perdíamos muitas coisas, mas a casa ficava, a comida não faltava. A gente conseguia recomprar as roupas que perdia porque a inundação as destruía praticamente, recomprar os livros, que eram destruídos. Sofríamos, mas dentro dos limites toleráveis. Os pobres perdem a casa, perdem o pouco que têm e não têm dinheiro para repor.

            Por que a chuva não gosta dos pobres? E veja, Senador Mão Santa, que também a chuva não gosta dos pobres no lugar onde se precisa de chuva, que é morador do campo, que sofre da seca. O pobre, quando mora no campo, sofre da seca. Quando mora na cidade, sofre da chuva. Por que a chuva não gosta dos pobres? Porque nós, os cidadãos deste País, não agimos corretamente para proteger a população que sofre com as cheias ou com a falta de chuva também. Por exemplo, no caso da seca, ao longo da história, nós desviamos a produção que se adapta ao semiárido para uma produção que exige mais chuva do que o necessário. Nós deslocamos a produção, por exemplo, dos animais pequenos que sobrevivem mesmo com pouca chuva para o gado que exige muita chuva, porque a pecuária grande, de animais de porte, exige muito mais água. Quando vem a seca, a população pobre fica carente. Passamos a produzir produtos que não são adaptados à realidade do semi-árido e mesmo da região mais árida.

            É um equívoco de todos nós querermos submeter a natureza àquela produção que desejamos, ao invés de submetermos a produção que fazemos às características da natureza. Escolhemos um desenvolvimento desequilibrado ecologicamente e depois reagimos dizendo que a chuva não gosta de pobre. Nós é que escolhemos um sistema produtivo que não convive com as oscilações pluviométricas, com as oscilações de chuvas maiores e chuvas menores.

            Além disso, a tecnologia hoje já permite você tirar a água que está no subsolo dos Estados. O Estado do Piauí, do Senador Mão Santa, é um dos mais ricos Estados em água de todos que se conhece. Não é verdade, Senador Mão Santa? Algumas imensas reservas...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Nós temos dezenove rios, seis perenes, cem lagoas, e lugar que jorre água, mais subsolo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Exatamente, mas a gente não usa a capacidade para isso. Há Estados do Nordeste, Senador Mão Santa, que até há muito pouco tempo - não sei se ainda é assim -, em que, quando a Petrobras procurava petróleo e encontrava água, ela tapava o poço, porque só tem valor o petróleo.

            Por isso, depois, a gente diz que as chuvas não gostam dos pobres, porque a água que existe ali dentro não tem valor para a economia que existe funcionando neste País. O valor está no petróleo, não está na água. A população fica pisando na seca com água debaixo dos pés, porque não usamos a tecnologia para trazer essa água e usar essa água para produzir aquilo que sobrevive, que cresce com pouca água.

            Deixamos de fazer estas duas coisas no campo: adaptar o que a gente produz à realidade climática e procurar a água que existe ou em rios pequenos, que a gente pode perenizar, fazer com que fique permanente, como já existem experiências dessas no Nordeste, com pequenas represas e não grandes represas, ou, ao mesmo tempo, tirar água do fundo, do subsolo, como a gente sabe fazer com petróleo.

            A gente agora vai tirar petróleo a cinco mil metros abaixo do nível do mar e mais 1.500 metros abaixo da terra, do subsolo marinho, mas a gente não tira água de quinhentos ou mil metros abaixo do solo no Nordeste, onde existem reservas grandes.

            Não é que as chuvas que não gostem dos pobres; nós é que, irracionalmente, organizamos o funcionamento da economia desprezando a situação de vida dos pobres.

            E na cidade? Na cidade, abandonamos os serviços públicos nos bairros periféricos onde vivem os pobres. Por isso que, quando chove, são eles que pagam o preço. Não criamos os caminhos para que a água circule. Criamos verdadeiras represas nas ruas asfaltadas, nas casas construídas fora de lugar, na falta de drenagem. Criamos as condições para que a chuva, quando chegue, arraste as casas, as propriedades, poucas propriedades que têm os pobres e até mesmo, como a gente está vendo hoje em Alagoas e Pernambuco, arraste as pessoas.

            Não é a chuva que não gosta dos pobres; nós é que não cuidamos das pessoas como deveríamos. Se as pessoas que moram nos bairros periféricos tivessem drenagem da água, proteção das ladeiras, elas não sofreriam dessa maneira. Na verdade, sofreriam até menos, porque aí não haveria inundação. A água correria sem levar nada com ela. E naquelas áreas planas, obras de engenharia que fossem feitas com o rigor necessário e com o cuidado necessário das populações que ali vivem, essa obras de engenharia acabariam com todo o risco que vem das grandes chuvas. As chuvas cairiam e correriam. Hoje, elas caem e levam.

            Nós precisamos ter obras que cuidem das pessoas em vez de pensarmos que as chuvas não gostam dos pobres. Por que não fazemos isso? Não fazemos isso porque este é um País em que há quinhentos anos que toda nossa história é dividida em duas camadas: uma é chamada de andar de cima e a outra, de andar de baixo. O andar de cima é muito bem cuidado, o andar de baixo é abandonado.

            Não é que as chuvas não gostem dos pobres, nós é que não cuidamos daqueles que vivem em condições de pobreza. Não cuidamos do ponto de vista urbano, não cuidamos do ponto de vista de saúde, não cuidamos do ponto de vista sanitário, não cuidamos do ponto de vista do transporte, e depois dizemos que a chuva não gosta de pobres. Nós que não que não gostamos de cuidar dessa população condenada a viver em condições da periferia. Não é na periferia, mas nas condições da periferia. Viver na periferia é viver longe do centro; viver nas condições da periferia é viver longe das possibilidades que os recursos públicos permitiriam ser usados para dar condições de proteção para que, no dia da chuva, as pessoas não tivessem de perder tudo que lhes pertence, não tivessem de ser levadas, como a gente vê passando na televisão hoje nos Estados de Alagoas e Pernambuco, como víamos, há algumas semanas, no Estado do Rio de Janeiro e. há alguns meses, no Estado de Santa Catarina.

            O mais grave é que nós não despertamos para essa situação. Daqui a mais uma ou duas semanas, passa a chuva. O Presidente da República, que ontem esteve lá, provavelmente vai até esquecer o que está se passando ali. E, daqui a um ano, outro Presidente virá e a gente vai ter a repetição das mesmas cenas, como se a chuva não gostasse dos pobres, quando, na verdade, somos nós que não cuidamos deles. Está na hora de aproveitarmos essas tragédias que acontecem e delas tirarmos um mínimo de proveito, proveito de despertarmos para a realidade de que nós temos hoje os recursos de engenharia, os recursos técnicos e os recursos financeiros no setor público para enfrentarmos essas oscilações climáticas que provocam chuvas torrenciais numa frequência que antes não ocorria.

            Senador Mão Santa, nós somos nordestinos e talvez vivenciemos mais que os outros a crise da falta de chuva e a crise do excesso de chuva. Está nas nossas mãos resolver isso. Com alguns cuidados da engenharia, com alguns recursos das finanças, nós poderíamos ter a nossa população protegida. Agora, antes disso, preliminarmente, é uma questão política. Dizem que política é uma coisa feia, ruim. É feia e ruim quando usada para o lado feio e ruim. O que decide se a engenharia e os recursos financeiros serão usados para proteger a população pobre das chuvas ou se serão usados para beneficiar a população rica é a política. É a política que decide isso. É a política que faz o orçamento, que define para onde vai o dinheiro público, para onde canalizamos a energia da sociedade brasileira. Temos que despertar para a política. Temos que despertar para eleger as pessoas que vão cuidar das prioridades certas, que vão perceber que as chuvas ameaçam a população e que os recursos que nós temos e o conhecimento que já existe permitem evitar essa tragédia.

            Hoje é dia de ajudar Pernambuco e Alagoas. Há algumas semanas foi tempo de ajudar o Rio de Janeiro, como há alguns meses foi época de ajudar Santa Catarina. Daqui a um ano, outro Estado vai precisar da nossa ajuda. Quando vamos despertar para que não sejam necessárias essas ajudas, usando os recursos corretamente? Basta olhar para uma cidade para perceber que a chuva cai em toda a cidade, mas que a tragédia fica apenas em uma parte da cidade, porque falta fazer nessa parte onde a chuva maltrata o que já fizemos onde a chuva passa e ninguém nem lembra que ela passou algumas horas depois. É só fazer aqui o que já fizemos ali: as drenagens, as regularizações para dizer onde construir e onde não construir, a solidez das casas, para que elas não sejam arrastadas com facilidade.

            Se fosse um terremoto... Não dá para dizermos que é simples resolver, embora até os terremotos já não provoquem mais desastres nas casas construídas, levando em conta a engenharia de que se dispõe para resistir aos terremotos. Se fosse um terremoto, poderíamos dizer que seria mais difícil, mas no caso de inundação, não é. É difícil resistir aos tufões, é difícil resistir aos terremotos, mas não é difícil resistir a essas inundações, às chuvas.

             É falso dizer que as chuvas não gostam dos pobres. Somos nós que não cuidamos deles como deveríamos. Mas não cuidamos, em parte, porque eles, os pobres, não votam certo, porque eles não despertaram para o fato de que o risco de a próxima chuva destruir sua casa está dentro da urna onde depositam os seus votos. O estrago da chuva hoje é provocado pelo estrago da urna na eleição passada.

            É hora de ajudar Pernambuco e Alagoas com os recursos de que dispusermos para que não passem fome, para que voltem a ter as suas roupas que foram levadas; para que chorem os seus mortos com um mínimo de conforto.

            É hora de resolver o conjuntural, mas, por favor, precisamos despertar para o fato de que há algo mais do que o circunstancial e o momentâneo, para o fato de que há algo estrutural, permanente, porque não quisemos agir ainda. É hora de despertarmos. O problema não está no fato de que a chuva não gosta dos pobres; o problema está no fato de que não cuidamos deles e também porque eles próprios não cuidam de si votando certo na hora certa.

            O estrago da chuva de agora foi causado pelos votos que caíram na urna na eleição passada. Hoje a chuva cai e arrasta as casas, porque, no passado, os votos que caíram nas urnas eram para candidatos que não se propunham, que não queriam, que não se comprometiam a fazer as obras necessárias para proteger a população pobre de nossas cidades.

            Não há mais como fazer isso para corrigir o que aconteceu agora, mas nós podemos fazer, sim, agora, em outubro, para corrigir o que virá a acontecer nos próximos meses e anos, se não tomarmos as providências necessárias.

            Era isso, Senador Mão Santa, que eu queria colocar. E fico satisfeito de que aqui o Presidente seja um nordestino, que sabe muito bem que a chuva não maltrata os pobres; a chuva cai, apenas cai. Nós que maltratamos alguns, deixando-os desvalidos, enquanto outros são protegidos e apoiados.


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