Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão acerca das razões que levaram S.Exa. a candidatar-se à reeleição.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Reflexão acerca das razões que levaram S.Exa. a candidatar-se à reeleição.
Publicação
Publicação no DSF de 20/07/2010 - Página 37597
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CAMPANHA ELEITORAL, REGISTRO, EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, DECISÃO, ORADOR, DISPUTA, REELEIÇÃO, SENADOR, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, COMPROMISSO, SOCIEDADE, ACOMPANHAMENTO, ANDAMENTO, PROPOSIÇÃO, REPRESENTAÇÃO, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • COMEMORAÇÃO, ANUNCIO, SANÇÃO PRESIDENCIAL, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, ELOGIO, ATUAÇÃO, PAULO PAIM, SENADOR, EMPENHO, DEFESA, DIREITOS, NEGRO, IDOSO, APOSENTADO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente da Mesa, Senador Paulo Paim e Srs. Senadores, eu vinha falar aqui de um assunto que casa perfeitamente com seu discurso. Vinha falar sobre o fato de que hoje é a última sessão deste período legislativo. No próximo período - até 3 de outubro -, teremos poucas sessões, porque ser político e Senador é ficar aqui, mas ser Senador é também ir para a rua buscar votos.

            Por isso, inclusive, nesta última sessão, estamos nós dois aqui. Eu, porque moro em Brasília. Então, não é nenhum mérito meu diferente de outros Senadores. E o senhor é pelo mérito fundamental de ser ligado ao Estatuto da Igualdade Racial e de querer estar aqui amanhã. Nós dois estamos por essas razões. Senão, nós também, como os outros Senadores, estaríamos na luta em busca de saber se o povo quer ou não que continuemos.

            Neste final de semana, eu devo ter apertado a mão de duas mil pessoas - deve dar duas pessoas por minuto, se considerarmos apenas dez horas por dia. Mas são mais de dez horas de apertar a mão e conversar um por um, um por um. Esse é um trabalho fundamental.

            Senador Paim, quero falar hoje aqui das razões que justificam Senadores a saírem as ruas, numa luta em que às vezes a gente pensa que não vai ter energia suficiente, se oferecendo para gastar os próximos oito anos de vida - e muitos de nós aqui nem sabemos se vamos ter oito anos, pela idade que já temos. O que nos faz atravessar esse período, Senador Paim, com essa luta toda?

            Eu creio que o discurso do Senador Paulo Paim já dá a resposta. Senador Paulo Paim, esse esforço todo que a gente faz se justifica quando a gente vê o Estatuto da Igualdade Racial sendo sancionado. Não fosse sua luta há oito anos, há dezesseis anos, para seduzir o eleitor de que se justificava acordar, tomar um transporte, ir ao lugar de votar e apertar o seu número. Não fosse o seu trabalho para conquistar o apoio da população, outro Senador poderia tomar a iniciativa do Estatuto, mas poderia não tomar. E, se outro tomasse, eu estaria aqui falando para esse outro e não para o senhor.

            Às vezes, muitos de nós, sobretudo nesses últimos meses ou anos até de desprestigio da atividade política, muitos de nós nos perguntamos: por que tanto esforço para tentar atrair o eleitorado, que também está descrente, por que tanto esforço para atrair o eleitorado a votar nos números, no nome de cada um dos candidatos?

            Eu, Senador, vou colocar algumas das razões. Eu escolhi quatro, mas poderia dar outras. A primeira - que, para mim, a mais importante tem tudo a ver com o seu discurso - é que a gente não tem direito de se aposentar.

            Imagine, Senador Paim, o senhor não mais sendo candidato, não voltando para esta Casa, acordar de manhã, ler os jornais e dizer: “Eu poderia estar lutando para enfrentar esse assunto”. Mesmo sabendo da dificuldade de daqui consigamos mudar o País, seria uma tragédia pessoal saber que fugimos da luta.

            Muitos dos que estamos aqui disputando a eleição não vamos voltar. O senhor e eu não sabemos. Mas uma coisa ninguém vai dizer da gente: que fugimos, que cansamos, ou que desistimos. Ninguém vai poder dizer isso. Se não voltarmos, não voltamos com a cabeça erguida de quem não fugiu, não cansou, nem desistiu; apenas o povo preferiu outro.

            Nós não temos o direito de nos aposentar enquanto o Brasil está nessa situação, enquanto tanto há para fazer; ou pelo menos para lutar querendo fazer, ainda que às vezes não consiga. Mas quantas vezes a gente não consegue? Senador Paim, o senhor é um exemplo disso. O Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto do Idoso, a sua luta pelo salário mínimo, a sua luta pelos aposentados. Imagine o senhor em casa, sem ter essa luta insana, numa vida muito mais cômoda do que esta e, além disso, criando muito mais dinheiro, porque, fora do Senado, eu pelo menos, não tenha dúvida, estaria numa situação completamente diferente, e o senhor também. Só de palestras remuneradas - que eu pelo menos não aceito enquanto for Senador!! Só o próprio salário, pois eu tenho o privilégio de ser ex-reitor e professor titular. Mas a gente não tem o direito de fugir dessa luta.

            Essa é a principal razão desse esforço insano que faz com que aqui nós não tenhamos outros Senadores, porque, nesta hora, eu garanto, estão caminhando no sol, estão gastando a garganta tentando convencer eleitores. Muitos daqui de nós não somos mais jovens, mas estamos nessa luta que é fisicamente desgastante; sem falar que é desgastante ler o jornal e não saber o que vai sair ali e que poderá afetar a sua eleição ou não.

            Nós não temos o direito de parar essa luta! Eu estou aqui por isso. Eu estou disputando por isto, porque acho que não tenho o direito de dizer: “Cansei!”. Ou de dizer: “Desisti!”. Ou de dizer: “Fugi!”. Não tenho o direito. Por isso, nós estamos nessa luta.

            A outra razão é a quantidade de projetos em andamento que cada um de nós tem. Eu tenho 100 projetos em andamento. Tenho o privilégio de dizer que sete dos meus projetos foram sancionados pelo Presidente Lula ou pelo Vice-Presidente, José Alencar, no momento em que o Presidente Lula estava fora do País. Que direito a gente tem agora de dizer: “Deixa para lá esses 100 projetos. Que algum outro Senador os reapresente!” Ou até mesmo que continuem tramitando, mas sem o ânimo, sem o cuidado, sem a preocupação do dia a dia, como tem o próprio autor! Se o senhor tivesse saído na última eleição, o projeto do Estatuto da Igualdade Racial talvez não estivesse hoje - aliás, amanhã -, sendo sancionado.

            Uma outra razão é que nós temos novos temas a surgir, sobretudo porque vamos ter um novo governo. Com esse novo governo, na situação ou na oposição - ainda é cedo para a gente saber -, nós vamos ter um papel a zelar. É neste Senado que vão passar os assuntos do próximo governo. Nós temos de estar aqui para apoiar, criticar ou nos opor, conforme seja o caso, porque nem sempre o apoio se dá sem crítica; e nem sempre a oposição se dá sem um período também de crítica. Não temos direito de estar fora dessa disputa. Por isso, outros Senadores estão, neste minuto, se esforçando, como eu daqui a pouco vou sair para isso, como o senhor, depois de amanhã, também vai fazer isso.

            Finalmente, a outra razão é a razão da representação do Estado, porque falei até aqui como Senador da República querendo mudar o País. Mas a gente não pode, de repente, esquecer o Estado ao qual nós pertencemos: o seu o Rio Grande do Sul; o meu o Distrito Federal.

            Que direito nós teríamos de, em benefício apenas do comodismo, em benefício apenas de ficar mais tempo com a família, de usufruir mais daquilo que a gente faz com o lazer (alguns a leitura, outros outras diversões), que direito nós temos de dizermos à população do nosso Estado: terminamos nossa tarefa, e, nessa idade, achamos que já temos o direito do acomodamento quase definitivo, porque o definitivo só vem com a morte.

            Creio que uma das provas da responsabilidade nossa de Senadores é continuarmos na luta. Respeito muito, aliás, admiro até aqueles - e aqui têm pelo menos alguns que disseram “Não, não vou querer voltar mais”. Admiro. Mas, alguns de nós acham que não tinham o direito de fazer isso. Por isso, continuam nessa luta.

            Finalmente, Senador Paulo Paim, tenho mais uma razão além das quatro. É que, não sei os outros, mas eu pelo menos gosto mais, talvez, de ir buscar voto do que de contá-los e me considerar eleito.

            A ação, a atividade, o exercício de sair por aí apertando mão, conversando, olhando nos olhos, recebendo elogios pelo que já fizemos, críticas pelo que não fizemos ou críticas pelo que fizemos, dá um prazer imenso.

         Eu não sei se, em uma eleição, durando um ano inteiro, eu sentiria o mesmo prazer que sinto hoje, mas, durante esses três, quatro meses, em que dá para enfrentar como uma maratona, não de 100 quilômetros, mas 42, como é a maratona, eu creio que a gente tem que saber que não é uma luta da qual tenhamos que reclamar, não; é uma luta que tenhamos que agradecer o privilégio que a história nos deu de estarmos fazendo isso.

         Por provocação, há pouco tempo, coloquei nessas comunicações, hoje, de Internet, que além do voto obrigatório, devia ser obrigatório ser candidato uma vez na vida. Recebi muita crítica porque as pessoas acham que nada deve ser obrigatório. Mas quem nunca foi candidato não sabe o privilégio que é olhar nos olhos das pessoas tentando convencê-las de que essa proposta que a gente leva é a melhor para o País, é a melhor para a nossa cidade, é a melhor para o nosso Estado e tentar convencê-las disso.

         Eu, como sou professor, talvez tenha mais sensibilidade porque professor não tenta conquistar, tenta ensinar, professor tenta repassar o que pensa; o candidato não. O candidato não tenta apenas repassar, tenta seduzir e convencer as pessoas de que vale a pena o esforço de acordar um dia, neste ano, dia 3 de outubro, tomar um ônibus, tomar um carro, caminhar, ficar em fila e votar numa pessoa que provavelmente não conhece pessoalmente, só por meio dos programas eleitorais. Uma parte conhece por meio das caminhadas, outros, por terem lido o que esse candidato já escreveu, mas certamente o número dos que conhecem pessoalmente o candidato é muito menor, em qualquer dos cargos, do que o número dos que não conhecem e mesmo assim votam nele.

            Essas, Senador Paim, eu considero que são cinco razões para estar nisso. A causa que a gente tem - e quem tem uma causa não tem direito de ficar em casa; os projetos em andamento daqueles que já são Senadores; os novos temas que surgirão, sobretudo com o novo governo no Brasil e novos governos estaduais; a representação da população mais ligada a si, que é a população do seu Estado; e, finalmente, o prazer em si de disputar eleições, que é um prazer que talvez não caiba a todos, porque nada dá prazer a todos ao mesmo tempo. Cada um tem sua vocação, cada um tem seu gosto, mas seria muito bom que todos tentassem exercer isso um dia. Seria muito bom que cada um pudesse usufruir do privilégio que é tentar convencer alguém a acordar, caminhar e votar em você, nas suas ideias, na sua proposta.

            É por isso que hoje nós encerramos esta sessão legislativa, este período inteiro. E vamos dar o tempo do recesso, que independe de eleição. É o recesso normal de todo ano, mas é um recesso casado com o período eleitoral. Então, ele é diferente.

            Tem gente achando que os Senadores vão entrar em férias hoje, Senador Paim. A partir de hoje eles vão trabalhar mais que no dia a dia das sessões que nós temos aqui. E depois, no próximo período legislativo, nós vamos ter esforços concentrados, que vão dar trabalho, mas mais trabalho mesmo vai ser entre um ou outro esforço concentrado, nas ruas, caminhando, falando, preparando esses programas eleitorais, que são um sacrifício enorme, pois nos exigem passar uma manhã inteira para gravar 50 segundos que aparecem depois na televisão para o povo assistir. E, no final, esperar a contagem de votos e saber se continuamos aqui lutando ou se vamos poder dizer a todos “eu tentei, mas não era a vez”.

            De qualquer maneira, sair com a cabeça erguida de quem não fugiu, de quem não desistiu, de quem não cansou. A cabeça erguida de quem tentou, lutou, colocou-se à disposição de seu povo para continuar na luta.

            Era isso, Senador Paulo Paim, o que tinha a dizer nesse encerramento do primeiro semestre deste ano. Que, no próximo ano, V. Exª esteja aqui. É o que eu desejo. Como morador do Distrito Federal, não posso ser seu eleitor, mas desejo, sim, que tenhamos uma figura como V. Exª, capaz de lutar por suas causas, incansavelmente, até conseguir realizar cada uma delas, como amanhã, na sanção dessa lei que vai um dia - apesar de terem sido tantos os que dela participaram, e V. Exª citou a todos - ter o seu nome, senão sozinho junto com outros. Alguém que conseguiu fazer neste País um Estatuto da Igualdade Racial.

            Pena que tivéssemos de esperar 122 anos desde a abolição da escravatura. Mas chegamos lá! Pena que não seja como desejaríamos, sobretudo no aspecto das cotas, mas é um grande avanço! Da mesma maneira como a Abolição da Escravatura, foi um passo pequeno, comparado com os sonhos que a gente tem da igualdade. Abolimos a escravatura, mas longe de darmos a igualdade. Agora, damos um passo para a igualdade, embora não esteja a igualdade plenamente realizada.

            Mas creio que, da mesma maneira que, no dia 13 de maio de 1888, os negros do Brasil inteiro foram às ruas comemorar, eu espero que amanhã haja um movimento desse tipo, os negros no Brasil inteiro não precisam fazer as festas nas ruas como 122 atrás, mas que eles riam contentes e os que não são negros riam contentes também, porque poderão dizer: “Eu estou vivendo um tempo em que neste país a gente caminha para uma igualdade plena entre as raças que compõem o povo brasileiro”. Que acabemos com essa ideia de que o certo é esconder as raças, de dizer que não há raças, como alguns dizem, ou seja, dizer que existem raças é um coisa do passado. Não, o futuro é não haver discriminação das raças, mas assumi-las com orgulho, e não escondê-las, como a gente tenta fazer no Brasil muitas vezes.

            Parabéns, Senador Paulo Paim. A sua fala e a sessão de amanhã com o Presidente da República são exemplos de que vale a pena o esforço para ser Senador da República.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/07/2010 - Página 37597