Discurso durante a 190ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da ampliação, por mais seis ou nove meses, do prazo de entrega de propostas para a construção do Sistema de Trem de Alta Velocidade - o trem-bala - entre Rio de Janeiro e São Paulo, a fim de que se completem os estudos de viabilidade da obra, atendendo às críticas e sugestões advindas de setores acadêmicos, empresariais e de órgãos de fiscalização, como o TCU.

Autor
Antonio Carlos Júnior (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Defesa da ampliação, por mais seis ou nove meses, do prazo de entrega de propostas para a construção do Sistema de Trem de Alta Velocidade - o trem-bala - entre Rio de Janeiro e São Paulo, a fim de que se completem os estudos de viabilidade da obra, atendendo às críticas e sugestões advindas de setores acadêmicos, empresariais e de órgãos de fiscalização, como o TCU.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2010 - Página 52428
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • DEMONSTRAÇÃO, FALTA, VIABILIDADE, PROJETO, CONSTRUÇÃO, TREM, SUPERIORIDADE, VELOCIDADE, LIGAÇÃO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), LEITURA, TRECHO, PARECER, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), OPINIÃO, PESQUISADOR, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ESTUDO, CONSULTOR, SENADO, JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, FORMA, PROPOSIÇÃO, APREENSÃO, ERRO, ESTIMATIVA, CUSTO, RISCOS, INVESTIMENTO, INFLUENCIA, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, REFERENCIA, EXCESSO, SUBSIDIOS, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, AUSENCIA, EXPLICITAÇÃO, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA.
  • SUGESTÃO, AMPLIAÇÃO, PRAZO, PROPOSTA, CONSTRUÇÃO, TREM, VELOCIDADE, POSSIBILIDADE, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO, MELHORIA, PLANEJAMENTO, QUALIDADE, ANALISE, VIABILIDADE, NATUREZA ECONOMICA, IMPORTANCIA, LONGO PRAZO, ESCOLHA, EMPRESA, EXECUÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, REDUÇÃO, CUSTO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (DEM - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no próximo dia 29, encerra-se o prazo para que sejam entregues propostas para a construção do Sistema de Trem de Alta Velocidade entre o Rio de Janeiro e Campinas, obra considerada prioritária pelo Governo Federal.

            De fato, trata-se de obra que, no longo prazo, se bem planejada e executada, poderia modernizar a ligação entre esses dois importantes pólos econômicos do País.

            Contudo, penso que o Governo deveria se cercar de maiores cuidados na empreitada, notadamente na fase de planejamento da obra.

            Pelas dúvidas e restrições de ordem técnica que tem suscitado, parece-nos que a definição do projeto básico restou deficiente.

            Os estudos geológicos, que são da responsabilidade do Governo, cobriram uma parte mínima do traçado referencial (4,4%, conforme relatório do TCU).

            Como o traçado de referência foi determinado antes da finalização dos estudos geológicos, esse traçado já se apresenta inviável em alguns trechos.

            A não definição de algumas estações, a ausência de estudos para acesso às estações, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o baixo grau de conexão com os outros sistemas de transportes, em especial com o metrô do Rio de Janeiro e com o metrô de São Paulo, nos parecem fatores inibidores de sucesso, que aumentam a incerteza da demanda e põem em risco a viabilidade do projeto frente à concorrência da ponte aérea.

            São preocupações que ultrapassam os interesses de eventuais consórcios interessados e que levaram o TCU a afirmar que:

Novos estudos devem ser realizados [...]. Nas atuais condições, há grande redução da competitividade. É inaceitável o nível de risco e incertezas com o elevado potencial de alteração de custo das obras.

            Também importantes analistas têm-se mostrado preocupados e vêm apresentando críticas e, o que é mais importante, sugestões.

            Destaco, por exemplo, o excelente trabalho desenvolvido pelo Consultor do Senado Marcos Mendes, denominado “Trem de Alta Velocidade - caso típico de problema de gestão de investimentos”.

            Segundo esses estudiosos, o projeto, desde sua concepção até o edital publicado, tem apresentado lacunas, perguntas sem respostas e indefinições que poderão limitar a competição entre os consórcios interessados, encarecer o projeto, toldar seu acompanhamento e tornar os seus prazos de consecução inexequíveis.

            Srªs e Srs. Senadores, tudo isso - estudos de alternativas de investimentos, de fatores de ajustes de custo em face de contingências ou de subestimação, definição de prazos, elaboração de editais -, tudo isso vem acontecendo com uma celeridade que não se justifica, especialmente se considerarmos a proximidade da posse da nova Chefe do Poder Executivo - pouco mais de um mês -, e, portanto, também de uma troca importante de direção em muitos dos setores da administração federal, envolvidos direta ou indiretamente com a empreitada.

            Segundo o circunstanciado trabalho de Marcos Mendes, há vários aspectos que deveriam ter sido mais bem considerados.

            Mendes chama a atenção, de imediato, à exígua caracterização dos problemas que o TAV se propõe a resolver.

            Formalmente, o projeto objetiva reduzir congestionamentos e riscos de acidentes aéreos e rodoviários no trecho Rio - São Paulo. Contudo, tais problemas e seus custos não estão claros.

            Tampouco, atendo-se exclusivamente ao objetivo de reduzir riscos de congestionamentos e acidentes, não temos notícias de que alternativas de menor custo e/ou de maior benefício tenham sido consideradas, como, por exemplo, conexão ferroviária entre centros urbanos e aeroportos mais afastados ou trens de velocidade intermediária; ou, então, mudanças na estrutura aeroportuária, com a reformulação de procedimentos de segurança e redistribuição de voos entre aeroportos; ou, ainda, ampliação e recuperação de rodovias.

            Senhoras e senhores, o que preocupa todos aqueles que vêm se debruçando sobre o assunto é aparentemente a baixa fundamentação técnica, econômica e financeira do projeto, além, como já disse, da celeridade e da forma pouco transparente com que suas etapas vêm sendo conduzidas.

            Senão, vejamos: o Governo Federal parece estar convencido - pelo menos tenta passar essa impressão - de que os custos e os riscos do TAV serão absorvidos pelo concessionário privado que vencer a licitação.

            Ora, fosse assim, não haveria necessidade de envolver tal volume de recursos públicos, nem seria correto, como faz o Governo, equiparar o projeto do TAV a outros possíveis investimentos públicos.

            Na verdade, a experiência internacional mostra que o envolvimento financeiro do Tesouro sempre tem sido expressivo e inevitável nesse tipo de empreendimento. O elevado comprometimento financeiro do Tesouro previsto no edital de licitação do TAV já comprova isso.

            Para se ter uma ideia, o caso da Itália é emblemático: “Trem Bala na Itália - Aumento da Dívida Pública e do Déficit Público”. (...) O Treni Alta Velocitá é o maior investimento público já feito na Itália. (...) O projeto, que era privado em 1991, foi transformado em obra pública em 1998”. Por que? Obviamente porque não havia como o setor privado bancar. O TAV, na Itália, não vai gerar fluxo de receitas suficiente para pagar o custo da obra. Em 2007, o déficit público na Itália cresceu 0,9 do PIB por causa do TAV.

            Então, são advertências que se verificam em nível internacional. Ou seja, o projeto não é viável economicamente sem intervenção. Quer dizer, o Governo, por meio de subsídios, é que viabiliza o projeto.

            Também os incentivos previstos pelo modelo de concessão adotado apontam para prováveis gastos públicos adicionais, por não serem indutores de eficiência e rentabilidade, em face da previsão de que eventual frustração de receitas possa vir a ser compensada mediante redução do custo de empréstimos públicos tomados pelo concessionário.

            É o caso da Medida Provisória nº 511, editada no dia oito, que concede um novo empréstimo do Tesouro Nacional ao BNDES, de R$20 bilhões, recursos a serem destinados, por empréstimo, para a construção do TAV.

            Vejam o que comentou a respeito o pesquisador do Ipea Mansueto Almeida, Doutor em Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute of Technology - limitando-me a reproduzir apenas o que se relaciona ao TAV:

O artigo 1º dá carta branca ao governo para transformar um empréstimo do BNDES para o Trem Bala de 20 anos, em um de 30 anos ou de 40 anos ou qualquer que seja o prazo. Ou seja, o Tesouro tem uma permissão ex-ante para negociar o prazo original de uma operação de empréstimo com o BNDES para o caso específico do TAV.

[...]

Além do subsídio implícito, representado pela diferença entre Selic [que é a taxa com que o Tesouro capta recursos] e TJLP [que é a taxa com que o BNDES empresta], há ainda subsídio direto em até R$5 bilhões (Art. 3º) para equalização de juros (taxa final do empréstimo menos TJLP+1%).

            Ou seja, os juros serão completamente subsidiados, porque se vai eliminar da taxa final do empréstimo TJLP mais 1%.

É como se fosse um Programa de Sustentação do Investimento (PSI) exclusivo para o Trem Bala para cobrir o risco de demanda.

[...]

Pelo art. 4º, o empréstimo já começa sendo considerado de elevado risco e, por uma canetada, a medida provisória deixa claro que, se o financiamento ao TAV não for pago, o governo vai dispensar o crédito concedido ao BNDES e assumir a perda.

            Senhoras e senhores, vejam que o desfecho é mais do que previsível e o modelo, além dos evidentes, respeitáveis e inevitáveis compromissos e riscos financeiros que traz ao Estado, pode, até mesmo, reduzir o estímulo para que o concessionário se esforce permanentemente para tornar o serviço cada vez mais eficiente e rentável. É o incentivo à ineficiência.

            Também os custos parecem ter sido subestimados.

            O custo por quilômetro, estimado em US$33,4 milhões por quilômetro, está abaixo do padrão internacional, que se situa entre US$35 milhões e US$70 milhões.

            Ou seja, as estimativas brasileiras são inferiores ao custo médio mínimo internacional e menos da metade do custo médio máximo internacional. São números que impressionam pela disparidade - volatilidade na projeção de custos. Ou seja, elevação de risco. Volatilidade no fluxo de caixa significa alto risco do negócio.

            Imaginem: se fôssemos descontar uma taxa, digamos, com um prêmio de risco desse tamanho, nós teríamos um valor presente líquido negativo, obviamente. Quer dizer, é um projeto completamente inviável economicamente.

            Este custo estimado nos parece ainda mais estranho se considerarmos que o projeto possui praticamente todas as características que encarecem um projeto de TAV, quais sejam: o trem trará um traçado de forte inclinação - do Rio de Janeiro, no nível do mar, até São Paulo a variação de altitude alcança mais de 700 metros; o projeto exigirá a construção de vários túneis e viadutos - fala-se em 100 -; o percurso passará por ares de Mata Atlântica, terrenos de alto custo de desapropriação ou de alta densidade populacional, fazendo com que os custos de indenização e compensação sejam elevados; por fim, não haverá o aproveitamento da malha ferroviária existente.

            Senhoras e senhores, não bastasse, os jornais de hoje apontam outra importante omissão do projeto: o edital omite todo o custo de energia, de construção de linhas de transmissão - um investimento estimado em pelo menos R$1 bilhão.

            Parece-nos que a viabilidade econômico-financeira deveria ter sido analisada com mais cuidado pelo Governo. E ainda há tempo. Basta adiarmos a abertura das propostas e aguardarmos o próximo Governo, que, como sabemos, assumirá o poder daqui a pouco mais de um mês.

            A demanda entre Rio e São Paulo para o ano base da estimativa é de 6,4 milhões de passageiros/ano, com uma demanda mais intensa nos trechos São Paulo-Campinas (12,4 milhões), e São Paulo-São José dos Campos (8,6 milhões).

            Sequer o trecho São Paulo-Campinas, de maior densidade, se aproxima do número mínimo de viagens necessário para cobrir apenas os custos operacionais, que é de vinte milhões de passageiros/ano.

            Olhem os riscos desse projeto!

            De outro lado, o preço previsto para a passagem parece incompatível com o padrão de renda do brasileiro: o edital fixa em R$0,49 (US$0.27) por quilômetro a tarifa-teto, valor que supera, em muito, a tarifa cobrada no Japão, de aproximadamente US$0.25 e considerada a mais cara do mundo. Certamente, tarifa tão elevada tenderá a afugentar os usuários de renda mais baixa, o que seria um contrassenso.

            Senhoras e senhores, não se compreendem, entretanto, a pouca profundidade com que se deram importantes etapas iniciais e a celeridade e o momento em que se dão as atuais fases do projeto.

            Para concluir, Sr. Presidente, considero, quanto ao mérito, indispensável uma revisão do projeto, face às críticas e sugestões que têm aparecido, vindas de setores acadêmicos, empresariais e de órgãos de fiscalização, como o TCU.

            Marcos Mendes recomenda em seu estudo - e eu concordo com ele - que outras instâncias, algumas com elevado grau de independência, reavaliem o projeto, com o objetivo de aperfeiçoá-lo.

            Mendes nos lembra haver no Ministério do Planejamento uma Comissão de Monitoramento e Avaliação, criada em 2005 para melhorar a eficiência do gasto público.

            No âmbito dessa comissão funciona o Comitê Técnico para Projetos de Grande Vulto (CPTGV), responsável por analisar projetos de infraestrutura com custo acima de R$50 milhões.

            A avaliação dos estudos de pré-viabilidade por esse comitê passou a ser condição necessária para inclusão do investimento no orçamento federal. Contudo, os projetos incluídos no PAC foram isentos dessa avaliação - o que é um absurdo também -, o que inviabilizou essa instância de controle. Quer dizer, PAC pode ser qualquer coisa.

            Outra instituição que poderia fazer uma avaliação independente e despolitizada da viabilidade do TAV seria o Tribunal de Contas da União.

            A Lei nº 8.031, de 1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND), atribuiu ao TCU a função de apreciar cada processo de alienação.

            Como a concessão do TAV ocorre no âmbito do PND, o TCU exarou vários acórdãos sobre o assunto, que, embora detalhados, se furtaram a discutir premissas e a qualidade de estimativas de demanda e de custo, limitando-se a correções pontuais no edital de licitação.

            Certamente a contribuição do Tribunal poderia ser bem maior.

            Por todas as razões expostas, considero uma temeridade a abertura das propostas agora em novembro. A maioria de projetos similares no mundo concede pelo menos doze meses para a apresentação de ofertas.

            O problema de prazo é ainda mais crucial no caso brasileiro, em virtude do ineditismo e, claro, pelas deficiências e indefinições já relatadas, que geram incerteza e fazem com que investidores privados, agindo conforme as práticas habituais de mercado, possam não apresentar ofertas no dia 29 de novembro.

            Creio que a ampliação, por mais seis ou nove meses, para a entrega das propostas, além de aumentar o número de candidatos, permitirá a esses completar e viabilizar os seus estudos.

            Além disso, essa ampliação possibilitará, ainda, maior integração entre União, governos estaduais e municipais, sob coordenação do primeiro ente.

            A maior ilustração dessa necessidade de integração seria a possibilidade de definir as formas de alimentação do sistema por transporte público - “feeder systems” -, que, hoje, não são contempladas no projeto e são fundamentais para viabilizar o acesso às estações do TAV.

            Enfim, Srª Presidente, aguardar a nova administração federal, aperfeiçoar o projeto e, por consequência, dilatar em níveis aceitáveis os prazos para escolha da empresa ou consórcio responsável por sua execução me parecem atitudes prudentes que tornarão o projeto do Trem de Alta Velocidade, no médio e longo prazos, mais barato para o País.

            Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.

            Agradeço pelo tempo adicional que me foi dado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2010 - Página 52428