Discurso durante a 207ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a responsabilidade da oposição diante da nova configuração política do País, com a posse de Dilma Rousseff como Presidente da República, em primeiro de janeiro, e a dos novos parlamentares, em fevereiro, fazendo a retrospectiva da reorganização econômica e institucional por que passou o Brasil nos últimos anos. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Júnior (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Alerta para a responsabilidade da oposição diante da nova configuração política do País, com a posse de Dilma Rousseff como Presidente da República, em primeiro de janeiro, e a dos novos parlamentares, em fevereiro, fazendo a retrospectiva da reorganização econômica e institucional por que passou o Brasil nos últimos anos. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2010 - Página 58721
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, AVALIAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, POSTERIORIDADE, REDEMOCRATIZAÇÃO, BUSCA, APERFEIÇOAMENTO, POLITICAS PUBLICAS, DETALHAMENTO, PROVIDENCIA, GESTÃO, FINANÇAS, SETOR PUBLICO, ABERTURA, ECONOMIA NACIONAL, PRIVATIZAÇÃO, PLANO, REAL, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), AJUSTE FISCAL, ESTADOS, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, CRITICA, CONTRADIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OPOSIÇÃO, PROCESSO, REFORMULAÇÃO, FAVORECIMENTO, POPULARIDADE, GOVERNO FEDERAL, ATUALIDADE, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, TELECOMUNICAÇÃO, PETROLEO, HABITAÇÃO, CRESCIMENTO, RECEITA TRIBUTARIA.
  • APREENSÃO, PERDA, CONTROLE, RISCOS, INFLAÇÃO, COBRANÇA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, GOVERNO FEDERAL, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMBITO, POLITICA FISCAL, MANUTENÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, AUXILIO, POLITICA MONETARIA, MELHORIA, QUALIDADE, INVESTIMENTO, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE, ATRAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, GARANTIA, MARCO REGULATORIO, TRIBUTAÇÃO, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, EDUCAÇÃO BASICA, APROVEITAMENTO, EXPERIENCIA, ESTADOS, VALORIZAÇÃO, RESULTADO, MERITO, CRITERIOS, REMUNERAÇÃO.

            O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (DEM - BA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos a duas semanas da posse da Presidente eleita, Dilma Rousseff. Um mês depois, o Congresso, renovado, será empossado. É hora de fazermos uma retrospectiva de como chegamos até aqui, de pensarmos nas perspectivas do novo Governo e, por consequência, também nas responsabilidades da oposição, à qual pertenço.

            Não me parece justo especular sobre o futuro, delinear tendências, analisar opções ou sugerir caminhos sem que esses exercícios estejam assentados em uma consistente avaliação do passado, em um retrospecto de um período mais longo, em que se busque aferir, com equilíbrio, os êxitos e os fracassos das políticas adotadas nesses 25 anos do poder civil.

            Faço esta advertência porque me parece intolerável que o Brasil continue aceitando o vale-tudo retórico que o atual Governo pretende impor ao debate político. Por vários expedientes, procura-se adulterar a história, tenta-se desvincular os atuais governantes de posturas que tomaram quando estavam na oposição e que foram prejudiciais ao País; busca-se negar o mérito dos muitos avanços conquistados por Governos passados; pretende-se apagar as diferenças entre as conjunturas internacionais enfrentadas pelas sucessivas gestões que antecederam o Governo Lula, tudo isso para interditar o debate racional e fomentar o mito de que o Brasil teria, subitamente, a partir de 2003, se tornado um paraíso sobre as cinzas de uma terra arrasada.

            Assim, é preciso sempre relembrar algumas estações da via-crúcis de reorganização econômica e institucional que o Brasil trilhou desde o fim do ciclo autoritário, em meio a conjunturas internacionais difíceis, quando não hostis. As medidas que corresponderam a essa caminhada, como regra geral, sofreram oposição virulenta do Partido dos Trabalhadores.

            Em primeiro lugar, cito a criação da Secretaria do Tesouro Nacional e o fim da chamada conta movimento do Banco do Brasil no Governo Sarney. Ambas as medidas marcaram o início da racionalização do processo de gestão das finanças públicas no Brasil, segregando, de fato, a autoridade monetária da autoridade fiscal.

            No Governo Collor, com a privatização da Usiminas e o aumento do grau de abertura da economia, dois fantasmas do pensamento inflexível e conservador da esquerda brasileira foram desafiados:

            - o de que o Estado-empresário teria condições gerenciais e financeiras de continuar investindo em todos os setores da economia;

            - o de que o aumento da competitividade na economia brasileira poderia ser atingido com um modelo autárquico e fechado, usando uma estratégia que combinasse intervenção estatal e incentivos discricionários.

            Naquela altura, diversas inconsistências e desequilíbrios se justapunham e ameaçavam levar, a qualquer momento, a inflação alta e persistente para o nível da hiperinflação aberta. Listo, aqui, apenas os mais relevantes: déficits orçamentários crônicos, exacerbados por pressões por gastos trazidos pela redemocratização; indexação generalizada; baixa concorrência internacional; e um sistema financeiro que espelhava nossa desordem federativa, onde os bancos oficiais estaduais atuavam como sucursais clandestinas e desgovernadas da Casa da Moeda.

            A trajetória inevitável para o desastre só era interrompida, pontualmente, por planos episódicos de desindexação. A eficácia desses planos, entretanto, diminuía a cada nova edição, enquanto cresciam a insegurança jurídica e o custo político a eles associados.

            No Governo Itamar Franco, nova tentativa de estabilização foi concebida e executada pela equipe liderada pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso: o Plano Real - indiscutivelmente, a mais abrangente, sofisticada, ousada e bem conduzida experiência de ajuste macroeconômico da história do Brasil.

            Um fato político da dimensão do Plano Real não é obra de um só homem. Um conjunto de circunstâncias conspirava, por assim dizer, para que um enfrentamento mais radical da inflação fosse adotado. Entretanto, não nos devemos esquecer: nada se faz de grandioso sem os grandes estadistas.

            A sociedade estava, de fato, exaurida pelos fracassos dos planos anteriores e não tinha mais ilusões com respeito a soluções fáceis e indolores. De outra parte, a elite política tinha consciência de que o estado caótico das finanças públicas e do modo como se estruturavam institucionalmente não tinha futuro. Os políticos foram percebendo que aquela situação ameaçava a própria democracia.

            Se o ambiente de então, por um lado, abria oportunidade para soluções inovadoras, por outro, não era um bilhete automático para a transição a um modelo de gestão macroeconômica mais racional. As resistências eram muitas e é preciso, em nome da verdade histórica, relembrar, mais uma vez, a oposição vitriólica do PT ao Plano Real.

            Um momento de especial dificuldade foi o de sanear o sistema financeiro privado e o sistema financeiro dos Estados.

            As soluções encaminhadas para os dois problemas - por si só, obras de memorável virtuosismo político -, o Proer e o Proes, foram estigmatizadas pela crítica fácil da oposição da época, que rotulava o Proer como privilégio a banqueiros e classificavam o Proes como entrega do patrimônio público estadual ao setor privado. Nada mais equivocado. O Proer, na verdade, foi uma solução de baixo custo para o saneamento da parte ineficiente do sistema financeiro privado, que não tinha mais condições de existir em ambiente de baixa inflação. O Proes, por sua vez, disciplinou e reduziu as atividades bancárias dos Estados com a venda e privatização de grande parte dos bancos estaduais.

            No primeiro caso, a oposição foi populista e, recorrendo a uma simplificação tacanha, tentou caracterizar o Governo como defensor do interesse dos banqueiros falidos. No segundo caso, se aliou aos interesses mais corporativos e mais retrógrados, defendendo a manutenção de um autonomismo monetário arcaico e irresponsável.

            Ainda na seara das finanças públicas e da reorganização federativa do Brasil, sem observar exatamente a ordem cronológica, é preciso apontar dois momentos de grande importância do Governo Fernando Henrique Cardoso: a renegociação das dívidas dos Estados e Municípios - e o Senador Mão Santa era Governador do Estado do Piauí - e a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal.

            No decorrer de seus dois mandatos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso manteve o programa de privatizações, e, por meio dele, promoveu a reestruturação das telecomunicações no Brasil. As estatais da área, capitaneadas pela Telebrás, estavam asfixiadas por dívidas e não tinham mais capacidade de gestão e de investimento. Seria impossível imaginar o Brasil de hoje plenamente servido de telefones fixos, celulares e Internet sem o processo de privatização das telecomunicações. O mesmo se pode dizer do sucesso de privatização do setor de mineração. Para se ter uma ideia, apenas a receita tributária advinda da Vale do Rio Doce, em 2006, foi vinte e seis vezes superior a todo fluxo de dividendos e tributos pagos à União em 1997, ano da sua privatização. Vejam só!

            Aliás, quando o assunto é privatização, o atraso do Partido dos Trabalhadores, ao menos na sua dimensão retórica, é incompreensível. Até hoje, em momentos eleitorais, o partido costuma brandir o tema da privatização como um espantalho. Vimos em 2006, e vimos agora também em 2010. O PT tem sido ingrato ao fazer isso. As receitas externas que garantiram o bom desempenho em divisas do País nos últimos oito anos são em boa parte responsáveis pela popularidade do Presidente Lula. Elas decorreram também do crescimento das exportações no setor de mineração em que a Vale cumpre papel relevante. Em 1997, as exportações totais da empresa foram US$3 bilhões, enquanto em 2006 atingiram US$9 bilhões. Quanto ao número de empregados, o crescimento foi de 11 mil para mais de 55 mil. É inimaginável supor que o aumento da produção obtido teria sido possível se a empresa continuasse sob o regime de governança estatal.

            Assim, em contraste com o discurso da herança maldita tão utilizado pelo Presidente Lula, o que se constata ao analisar os números é que o Brasil vem se beneficiando dos ajustes macroeconômicos e das reformas institucionais e microeconômicas que vieram sendo executadas ao longo dos últimos anos.

            Como se sabe, raramente os governantes que tomam medidas de longo alcance e longa maturação colhem os frutos dessas ações. Em geral, os grandes beneficiários dessas transformações são os governantes posteriores. A razão é que os benefícios dessas medidas são diferidos no tempo, tornando difícil para o público leigo perceber que a melhoria do seu bem-estar no tempo está relacionado à sua adoção.

            Um exemplo interessante dessa regra pode ser visto na política de exploração de petróleo do Brasil e na relação do Estado brasileiro com a Petrobras. Mudanças na estrutura de gestão da empresa e na Lei do Petróleo permitiram que a produção de petróleo no Brasil saltasse, entre 1994 e 2002, de 690 mil barris para 1,5 milhão de barris diários. Uma expansão de 120%. Entre 2002 e 2009, a taxa de expansão da produção se reduziu drasticamente para apenas 33%, período em que a produção cresceu de 1,5 milhão para 2 milhão de barris diários.

            Mais interessante ainda é notar que o preço do petróleo, no momento dos investimentos necessários à expansão da produção, eram mais baixos do que hoje, tornando os investimentos necessários ao aumento da produção, feitos à época do Governo Fernando Henrique Cardoso, relativamente mais onerosos. Entre 1995 e 2002, o preço médio do barril do petróleo foi de US$20, enquanto o período de 2003 a 2009 foi de US$55, uma diferença de preço de 175%.

            Se a taxa de crescimento da produção de petróleo do Governo Fernando Henrique tivesse sido igual à do Governo Lula, o déficit na conta de petróleo hoje teria sido de 800 milhões de barris diários, representando um dispêndio de divisas da ordem de US$24 bilhões anuais.

            Esses exemplos de commodities que acabo de citar - minério de ferro e petróleo - demonstram como o Governo Lula se beneficiou enormemente dos investimentos e das mudanças estruturais promovidos por governos anteriores. Sem essas condições prévias, contra as quais se bateu quando na oposição, o Presidente Lula não poderia ter se beneficiado do boom das commodities, que coincidiu com o seu período de mandato, pois, no modelo anterior, e com níveis de investimentos insatisfatórios, a produção teria crescido pouco, e o aumento das receitas em divisas externas teria sido modesto.

            Assim como ocorreu no setor de telecomunicação e petróleo, seria possível listar vários conjuntos de reformas cuja demora na produção de efeitos dá a impressão de que os méritos pelos bons resultados que colhemos na economia hoje são derivados exclusivamente da gestão econômica atual. Veja-se o caso das reformas microeconômicas do setor de financiamento habitacional. A partir de 1995, e até 2001, uma série de medidas de lenta implementação e maturação foram sendo incluídas no repertório legal e operacional do Sistema Financeiro da Habitação. Citarei apenas duas: a Lei nº 9.514, de 1997, que instituiu o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), criou o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e introduziu a alienação fiduciária, uma forma de garantir menos controversa e mais robusta que a hipoteca - esses mecanismos é que vão, no futuro, substituir a caderneta de poupança como financiamento do Sistema, porque a caderneta de poupança não se sustentará no longo prazo como fonte de recursos para o Sistema Financeiro da Habitação -; e a Medida Provisória nº 2.221, de 2001, que modernizou o instituto da incorporação imobiliária e criou o chamado patrimônio de afetação, uma forma de garantir ao adquirente de imóvel na planta a propriedade do imóvel em caso de falência da construtora. Posteriormente, essas medidas foram aperfeiçoadas com a edição da Lei nº 10.931, de 2004. A conjugação dessas reformas permitiu a grande expansão do mercado imobiliário, que se seguiu à expansão da renda e do emprego a partir de 2003.

            O aspecto relevante aqui é demonstrar que há sempre um lapso considerável entre reformas institucionais e a colheita dos seus benefícios. O que me preocupa, Sr. Presidente, é que esse raciocínio também prevalece na direção oposta. A postergação de reformas e o atraso em investimentos cobram seu preço com alguma defasagem. Os efeitos da demora em reequilibrar os fundamentos da economia e em avançar nas reformas não se manifestam de imediato, e, com isso, a população não é capaz de avaliar os prejuízos que essa postergação irá trazer para o seu bem-estar no futuro. A euforia com o crescimento resultante dos investimentos passados, a sensação de riqueza provocada pela elevação dos preços de imóveis e de outros investimentos, o crescimento do consumo com base na expansão mais que proporcional do crédito e a superutilização de capacidade instalada, tudo isso passa a impressão para a população em geral de que o crescimento econômico está garantido sem maior esforço. Nada mais falso. É nesses momentos de euforia que o perigo é maior. A escassez relativa de investimentos em relação ao consumo gera pressões inflacionárias insidiosas, porque desequilibra oferta e procura.

            No momento atual, quando a preocupação no mundo é com a deflação, os índices brasileiros de preços, ao contrário, mostram aceleração. A apreciação do câmbio, que, em outras circunstâncias, poderia anular essas pressões inflacionárias, não tem sido capaz de neutralizar completamente a subida dos preços.

            Estamos, neste momento, vivendo uma combinação pouco saudável de apreciação do câmbio e aceleração da inflação. Sob uma perspectiva estritamente econômica, a elevação da inflação se explica principalmente pela subida dos preços dos chamados bens não transacionáveis e pelo aumento de algumas commodities agrícolas. Contra esses fatores, a valorização do câmbio pouco pode fazer.

            Para segurar a alta dos preços, especialmente os dos bens não transacionáveis, o Banco Central tende a manter elevado o diferencial de juros que o Brasil paga em relação aos outros países. A elevação dos juros tenderá a apreciar o câmbio e, por consequência, a diminuir ainda mais o saldo da balança comercial, prejudicando, por fim, nossa competitividade internacional, especialmente da indústria.

            Temos uma preocupante inconsistência: o combate à inflação, em certa medida, prejudica nosso setor industrial. Essa inconsistência é provocada pela necessidade de combater a inflação apenas pelo lado monetário, que é um erro que se vem repetindo - é um erro até do período pré-Plano Real, mas que se vem repetindo -, já que, do lado fiscal, não há uma contribuição para que se reduza a demanda agregada, pelo contrário.

            Em primeiro lugar, os gastos vêm se expandindo a uma taxa superior às receitas, com ênfase nos gastos de custeio. Nós já vínhamos falando isso há muito tempo. Eu falo isso aqui há quase quatro anos. Em segundo lugar, os próprios gastos de investimento parecem não obedecer a uma lógica estrita de eficiência econômica.

            Em vez de tentar melhorar logo o resultado fiscal, o Governo tem apelado a manobras contábeis, na tentativa de esconder a queda efetiva no superávit primário, que é a sobra de recursos que o Estado obtém para o pagamento de sua dívida total. Diversos investimentos têm sido excluídos dos gastos, o que mascara o valor total dos dispêndios. Mais recentemente, o valor da concessão onerosa dos poços do pré-sal, mesmo sendo uma receita extraordinária e ainda não realizada, foi lançada como receita corrente, inflando o superávit primário.

            Do lado dos estoques de dívida, as manobras também se sucedem. Dívidas emitidas para lastrear empréstimos subsidiados ao BNDES são compensadas contabilmente com o crédito dos valores a receber no futuro pela União, do próprio Banco, em data incerta e não sabida, e com expressivo diferencial de custos entre os juros pagos pelo Tesouro ao mercado e aqueles que serão pagos pelo BNDES ao Tesouro.

            A primeira consequência grave dessas manobras é reduzir o grau de transparência das contas públicas: a dívida líquida do setor público fica estabilizada, em um primeiro momento, mas crescem a dívida bruta e a taxa de crescimento da dívida líquida. Apesar de a dívida líquida continuar sendo tratada como a variável relevante, todo o peso da nova forma de gerir os ativos e passivos recai sobre a dívida bruta. Então, a dívida líquida, na verdade, acaba sendo uma ficção, porque há créditos a receber do BNDES, mas não se sabe quanto isso será e quando se vai recebê-los.

            A segunda consequência é a redução do grau de democracia na discussão orçamentária. A concessão de subsídios deve passar pelo Orçamento Geral da União e, assim, ser autorizado pelo Congresso. Quando os subsídios ao BNDES e, por extensão, aos setores produtivos a serem beneficiados são geridos por meios de artifícios contábeis, o Congresso é subtraído de uma de suas competências constitucionais essenciais. Essas operações do BNDES autorizadas por medida provisória, quer dizer, com títulos do Tesouro, são um drible no Orçamento da União e um drible, consequentemente, no Congresso.

            É disso que se trata, Sr. Presidente, a subtração de poderes do Congresso. Quem está aqui criticando as manobras contábeis que redundam em subsídios opacos para o BNDES não é o acadêmico de finanças, preocupado por devoção à técnica. Aí não estou sendo professor universitário. Estou sendo, neste momento, representante do povo da Bahia no Congresso Nacional, que vê esta Casa diminuída em suas prerrogativas constitucionais por esses artifícios e que, por isso, entende que a democracia está sendo por eles violada.

            A terceira consequência grave dessas manobras é a geração de um inquestionável lucro no balanço do BNDES. Como os recursos de que o Banco passa a dispor têm um custo muito baixo, a instituição pode auferir boas margens de receita na forma de comissões e outras taxas. Mesmo assim, o custo final para o tomador dos empréstimos é ainda inferior às taxas de mercado. Esse lucro fictício auferido pelo BNDES, por sua vez, é contabilizado no superávit primário - imaginem! -, na forma de dividendos repassados à controladora, que é a União. Ou seja, a manobra é feita para aumentar o superávit primário, usando, inclusive de forma condenável, essas operações do BNDES.

            O resultado desses expedientes é a diminuição da transparência e uma redução na eficiência dos investimentos. Desse modo, além de os gastos com investimentos serem insuficientes, tendem a ser de qualidade duvidosa, o que, aliado ao crescimento vertiginoso dos gastos de custeio, forma o duplo problema de nossa política fiscal.

            De fato, a queda na qualidade do gasto de investimento pode ser observada por outros indícios, Sr. Presidente. É visível o estrangulamento da infraestrutura viária do País. Portos e aeroportos não conseguem há muito suprir a demanda, e V. Exªs sentem isso na pele, porque viajam a todo momento. Nas metrópoles, especialmente após a expansão da produção de automóveis dos últimos anos, a mobilidade é cada vez mais difícil, lenta e onerosa. Em face de todos esses gargalos, percebemos que o Governo, estranhamente, tem como prioridade a construção do trem-bala, um projeto que tem um custo de implantação indeterminado e baixo retorno social, especialmente quanto ao público a ser atendido, e que, certamente, está fadado a gerar imensas despesas públicas no futuro, pois não se sustentará somente com a cobrança de tarifas dos usuários.

            Em resumo, Sr. Presidente, o Governo do Presidente Lula foi beneficiário de uma longa trajetória de reorganização do Estado e das finanças públicas, uma caminhada empreendida por sucessivos governos, com destaque para o Plano Real e para o verdadeiro pacto federativo, que resultou do Proes, da renegociação das dívidas dos Estados e Municípios e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi ainda herdeiro da maturação de investimentos de longa duração, de um conjunto de reformas microeconômicas que permitiram um grande salto da produtividade em muitos setores da economia e, finalmente, foi bafejado por uma conjuntura econômica internacional excepcionalmente favorável.

            É preciso dizer que o Presidente Lula administrou com sabedoria e talento essa herança bendita por um bom tempo. Manteve os fundamentos herdados da política macroeconômica anterior; concedeu, a exemplo do seu antecessor, a autonomia de fato ao Banco Central; e manteve, contrariando o programa e tendências do seu partido, o regime de metas de inflação e de câmbio flutuante.

            Mas, assim como se critica o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique por uma suposta fragilidade na política fiscal, é forçoso reconhecer que o desempenho do Presidente Lula não foi satisfatório nesse campo em seu segundo mandato. O Governo, ultimamente, está gastando mais e gastando mal. As consequências desse desequilíbrio fiscal começam a se manifestar agora de maneira mais visível no diferencial entre os índices de inflação do Brasil e os do resto do mundo.

            Cabe aqui fazer uma avaliação retrospectiva sobre o suposto relaxamento fiscal do primeiro governo FHC. Como se sabe, o Plano Real foi se consolidando politicamente na medida de seu sucesso prático. Tamanhos eram os desafios de reorganização do setor financeiro, das finanças públicas e do pacto federativo naquela altura que a obtenção de um superávit fiscal expressivo seria mais um item a sobrecarregar uma agenda já excessivamente tensionada. E, principalmente, tensionada frente a uma oposição que não costumava moderar suas táticas de curto prazo em benefício dos interesses de longo prazo do País.

            O próprio sucesso do Plano Real na contenção da inflação inercial reduziu o espaço de manobra das administrações públicas para diminuir suas despesas de pessoal, que, antes do Plano, sofriam perda real contínua em razão da própria inflação corrente. Como esse exemplo ilustra, é necessário lembrar que, no regime trazido pelo Plano Real, o setor público não mais contava com o imposto inflacionário. O equilíbrio fiscal, portanto, tinha um custo político adicional: era preciso criar novas receitas ou cortar despesas - que deixaram de ser reduzidas pela inércia inflacionária.

            Esses constrangimentos, entretanto, não estavam presentes no segundo mandato do Presidente Lula. O ajuste fiscal já tinha sido implantado no segundo Governo Fernando Henrique e foi aprofundado no primeiro Governo Lula. O crescimento acelerado da receita, em consequência da expansão da economia, tornava ainda muito mais fácil, do ponto de vista político, a manutenção do equilíbrio fiscal.

            Por essa razão é que deixamos aqui registrada a nossa inquietação com a rápida deterioração fiscal a que assistimos no segundo mandato do Presidente Lula, até mesmo considerando o inegável talento político do Chefe do Executivo.

            Por fim, considerando o estado atual da economia brasileira e os desafios impostos pela nova conjuntura mundial - marcada por maior incerteza e, provavelmente, por menor taxa de crescimento nos próximos anos -, é que gostaria de propor algumas ideias sobre o que deveria ser buscado pelo próximo governo, o Governo da Presidente Dilma, para que o Brasil mantenha taxas razoáveis de crescimento, com distribuição de renda e sem perda de nossa competitividade industrial.

            Em primeiro lugar, é preciso uma urgente inflexão na política fiscal. Os gastos de custeio - insisto, Sr. Presidente - subiram de forma indiscriminada e injustificável nos últimos anos. É preciso reduzir esses gastos como proporção do PIB, mesmo que isso vá contra a base social do governo.

            Os sinais de crescimento da inflação interna, mesmo diante da apreciação do câmbio e de um ambiente mundial de deflação ou inflação moderada, são extremamente preocupantes. O Banco Central não pode ser deixado sozinho com a tarefa de reduzir a inflação. A opção de elevar as taxas de juros nominais - que é o que cabe à autoridade monetária - acaba por valorizar mais ainda o câmbio real, reduzindo nossa competitividade externa, especialmente nos produtos de maior valor agregado. Essa é uma ameaça grave ao nosso futuro como nação competitiva e uma razão a mais para que a política fiscal seja a arma mais importante daqui em diante no combate à inflação. A política monetária não pode fazer milagre sozinha. A política fiscal tem que ajudar. Aliás, tem que comandar o processo. A política monetária é um fator de ajuste fino, que vai auxiliar a política fiscal. Já o aumento dos compulsórios significa a imposição de um imposto sobre a intermediação financeira, elevando o spread bancário.

            É preciso também, na área fiscal, melhorar a qualidade do investimento. Eu citei o caso do trem-bala, um investimento que parece não preencher os requisitos para acarrear os recursos escassos hoje existentes para a infraestrutura. Mas ele é só um exemplo entre muitos. O problema está na estrutura decisória.

            Há uma série de entraves no caminho da melhoria da qualidade do investimento. Um deles é certo ranço ideológico que ainda persiste em setores do governo contra o capital privado. Sem o concurso maciço do investimento privado, não será possível expandir a infraestrutura brasileira, especialmente a de portos e aeroportos, no ritmo requerido pelo aumento da demanda. Mas, para atrair o capital privado, é necessário um bom marco regulatório e respeito às regras.

            A queda consistente das taxas de juros brasileiras é necessária exatamente para que seja possível criar instrumentos de financiamento privado de longo prazo. Havendo esses instrumentos, não será mais tão decisiva a atuação discricionária do BNDES e de outros agentes estatais na determinação dos investimentos.

            Inclusive, justiça seja feita, o Ministério da Fazenda vem estudando esse assunto. O Secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, tem se dedicado a isso. E isso é importante para eliminar a questão dessas operações do BNDES, que não são... O BNDES tem que ir ao mercado, e a intenção do Governo é essa. Esperamos que isso continue, porque é um bom caminho.

            Por mais competentes e bem-intencionados que sejam os gestores dessas instituições - e essa é minha opinião -, a alocação de recursos pelo Estado está sempre condicionada por variáveis estranhas à eficiência econômica. É preferível que se abra espaço para instrumentos de mercado de financiamento de longo prazo, dando ao BNDES um papel indutor e de suporte, e liberando-o para oferecer crédito de longo prazo preferencialmente para o investimento das empresas de pequeno e médio porte.

            Dois outros temas que devem merecer um tratamento inovador são os tributos e a educação. A estrutura tributária brasileira, fortemente baseada em impostos em cascata e punitiva de investimentos, é um entrave importante à nossa competitividade. Se nós não avançarmos nessa área, estaremos condenados a um papel subsidiário na economia mundial e seremos excluídos dos segmentos mais rentáveis, mais competitivos e que incorporam mais tecnologia.

            Em relação à educação, é inegável que o Brasil já obteve resultados importantes no que diz respeito à inclusão. As taxas de escolaridades de todas as faixas etárias cresceram nos últimos anos, o que, aliás, é ma tendência de pelo menos três décadas. Entretanto, essa inclusão é, na melhor das hipóteses, parcial, porque não está associada a um nível de qualidade aceitável.

            As avaliações nacionais e internacionais apontam para um fraco desempenho de nossos estudantes. Na semana passada, o exame Pisa, da OCDE, revelou ainda fato mais grave: aumentou a distância no aprendizado entre estudantes das escolas privadas e das escolas públicas. Enquanto o País despende energia no dilema da política de cotas para o topo da pirâmide educacional - violentando princípios constitucionais e as noções de mérito e igualdade -, o Governo permite que a desigualdade se aprofunde em escala industrial na base da pirâmide. Esse processo deve ser interrompido imediatamente.

            Em geral, nosso sistema de educação não incentiva as melhores práticas e os melhores profissionais, porque está mais de acordo, em todos os níveis, com a tradição do Estado brasileiro de valorizar meios e procedimentos e não fins e resultados.

            Na verdade, o diagnostico da educação no Brasil, com algumas adaptações, vale também para outras áreas, como a saúde, por exemplo. O padrão é mais ou menos repetitivo. Temos um Estado que tributa bastante, que tem uma presença extensiva na vida dos cidadãos, mas que é pouco eficiente na prestação de serviços e é incapaz de devolver à sociedade, na forma de bem-estar, os tributos arrecadados.

            Em parte, essa dificuldade está ligada à já referida tradição do Estado brasileiro de se ocupar mais de meios do que de fins, de se dedicar mais à fiscalização de rotinas do que à avaliação de resultados. Embora haja formidáveis limites constitucionais e jurídicos para que essa cultura seja superada, há experiências exitosas que contrariam essas tendências esclerosadas e burocráticas e que devem ser exploradas já. Alguns Estados têm adotado critérios diferenciados de remuneração segundo o mérito e de acordo com resultados, premiando o trabalho, a criatividade e a excelência. Essas experiências devem ser estudadas e disseminadas pelo País, mesmo sabendo-se que grandes resistências de origem corporativa e sindical serão encontradas.

            Sr. Presidente, gostaria de finalizar esta avaliação sublinhando, mais uma vez, minha crença na necessidade de melhorar a gestão fiscal no Brasil. Se adotarmos uma política de redução paulatina de gastos de custeio e de desoneração tributária do investimento e promovermos reformas microeconômicas que permitam o surgimento de um dinâmico mercado de crédito de longo prazo no País, teremos as condições necessárias para o aumento permanente do investimento como proporção do PIB e também de suas qualidades.

            Essas medidas têm que ser complementadas por uma melhora contínua e consistente da educação, que deve ser dirigida para a obtenção de resultados e a promoção do mérito.

            O desafio à frente da oposição é este: demonstrar que o vetor das políticas adotadas nos últimos anos do Governo Lula, longe de se constituir, como propala o Presidente, em passaporte para o desenvolvimento, tem sido a dilapidação lenta e sistemática do capital duramente acumulado pelo País.

            Cabe à oposição não hesitar em assumir seu papel crítico e, ao defender sem medo sua história e suas convicções, defender os interesses do Brasil e de nosso povo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo que me foi concedido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2010 - Página 58721