Discurso durante a 215ª Sessão Especial, no Senado Federal

Concessão da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, em sua primeira premiação.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Concessão da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, em sua primeira premiação.
Publicação
Publicação no DSF de 22/12/2010 - Página 60208
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, CONCESSÃO, COMENDA, DIREITOS HUMANOS, ANALISE, LUTA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, CONSTRUÇÃO, BRASIL, DEFESA, DIGNIDADE, POVO.
  • HOMENAGEM, DEFENSOR PUBLICO, BISPO, DEPUTADO ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RECEBIMENTO, COMENDA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO.
  • REGISTRO, LUTA, SENADO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, LIDERANÇA, JOSE NERY, SENADOR, COMENTARIO, HISTORIA, BRASIL, EVOLUÇÃO, PROJETO, DIREITOS HUMANOS, ENGAJAMENTO, IGREJA CATOLICA, TRABALHADOR, OPOSIÇÃO, DITADURA, REGIME MILITAR, CONCLAMAÇÃO, CONTINUAÇÃO, CONSTRUÇÃO, SOCIALISMO, AVALIAÇÃO, IMPORTANCIA, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, CONSOLIDAÇÃO, MANDATO, PIONEIRO, MULHER, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumprimento especialmente o nosso colega José Nery, autor dos projetos e da iniciativa de realizarmos uma homenagem àqueles que se destacam na defesa e na promoção dos direitos humanos - proposta esta de sua iniciativa, de sua autoria; nossos colegas Senadores que estiveram à Mesa; Senador Eduardo Azeredo, que compõe a Mesa neste instante; nosso amigo e lutador em defesa dos direitos humanos, Revimo Sr. Dom Manuel Edmilson da Cruz; o Defensor Público do Município de Abaetetuba, no Estado do Pará - quase uma extensão do Ceará, digamos assim, representado aqui pelo nosso colega José Nery, lá de Pedra Branca, no Estado do Ceará, mas representando o Pará, nosso amigo Antonio Roberto Figueiredo Cardoso, a quem cumprimentamos neste instante; o Defensor público da Comarca de Taubaté, no Estado de São Paulo, Sr. Wagner Giron de La Torre; o Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário, Sr. Éden Pereira Magalhães, representando um dos nossos guias, podemos dizer assim, nas lutas contra a ditadura militar no Brasil e as ditaduras na América Latina, Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito de São Félix do Araguaia; Sr. Eduardo D’Albegaria Freitas, representante do agraciado Marcelo Ribeiro Freixo, do Estado do Rio de Janeiro.

            Quero cumprimentar todos os convidados que estão conosco neste instante e dizer que a nossa iniciativa de homenagear os que se destacam em defesa dos direitos humanos como a Comenda Dom Hélder, está ligada à defesa dos direitos humanos dessa forma, ou seja, da forma mais ampla.

            A luta tenaz do nosso povo em defesa da liberdade, da construção democrática do nosso País e, com a liberdade e a democracia, da construção do nosso Estado, do nosso País, de ter um projeto com a nossa cara, como nos afirmou um outro colega que o reverenciamos também, in memoriam, que foi um grande professor, fundador da Universidade de Brasília e também Senador pelo seu Estado: Darcy Ribeiro. Nosso eminente professor nos deu um livro chamado O Povo Brasileiro, mostrando que já existe o povo brasileiro.

            Então, é preciso construir esta Nação, é preciso construir este País, é preciso dar a este povo condições dignas de vida no seu dia a dia. É preciso defendê-lo efetivamente, e defender o povo efetivamente é garantir liberdade, democracia e projeto para o desenvolvimento da nossa pátria. Não chegaremos a lugar algum sem desenvolvimento, sem progresso social, sem distribuição da riqueza, sem geração de emprego, sem construção de casas, sem a ampliação das escolas, inclusive das escolas de educação infantil públicas, sem professores na rede pública de ensino básico com dedicação exclusiva, ensinando em uma única escola - sem essa loucura de professores com três contratos, quatro contratos, sem condições de dar aulas dignas aos seus alunos -, sem uma rede pública de saúde capaz de atender à nossa população. Isso só de faz com progresso social, com determinação, com projeto, com ousadia.

            Os nossos homenageados, cada um na sua área - aqui temos dois Defensores Públicos entre os agraciados, temos dois padres destacados na hierarquia da Igreja Católica, um Bispo e um Cardeal -, procuraram desenvolver um trabalho com o empenho daqueles que sabem que estão ali defendendo a liberdade, que estão ali defendendo a democracia ou defendendo a dignidade para aqueles que estão cumprindo pena em um presídio brasileiro ou estão largados nas mãos dos traficantes, usando crack e outros tipos de drogas, pessoas que merecem a atenção do poder público, que merecem a assistência do nosso Estado, do nosso País. Enfim, desse modo, dada um dos agraciados está ajudando a construir esta Nação, a construir este País.

            O prêmio e a sua consolidação vêm em boa hora, porque é o momento em que nós buscamos enfrentar, com mais vigor, dilemas que ainda persistem em nossa sociedade. Vejam a luta que foi aqui desenvolvida por uma comissão, aliás uma subcomissão da Comissão de Direitos Humanos, dirigida pelo o Senador José Nery, que é uma frente de combate ao trabalho análogo ao trabalho escravo no Brasil. Isso porque no Brasil ainda existe a ideia, José Nery - você, como muitos nordestinos, correu atrás de água por aí e foi ficar às margens de um grande rio, com a ideia de sobreviver e fazer política dignamente -, no Nordeste e no Sudeste, de que o povo não quer mais trabalhar. Muitos fazendeiros, grandes proprietários, chegam e dizem: “Não querem mais trabalhar. Diz que agora tem uma Bolsa Família, bolsa isso, bolsa aquilo...”

            Ocorre que, somando tudo isso, não dá meio salário mínimo. Entretanto, não se quer pagar um salário mínimo, assinar uma carteira, e é isso que gera o trabalho análogo ao de escravos no Brasil. Temos ainda hoje subcondições de trabalho, condições sujeitas ao fornecimento de alimento, que é algo que poderíamos ter deixado para trás há muitas décadas. É isso que é trabalho análogo ao trabalho escravo.

            Combater isso não é defeito; combater isso é virtude daqueles que abraçaram essa causa - aqui no Senado, fomos liderados pelo Senador José Nery, que coordenou uma comissão com vários Senadores da República e percorreu o nosso país. Há trabalho análogo ao trabalho escravo na região Norte e na região Nordeste, mas também na periferia de São Paulo, onde são submetidos a esse trabalho os imigrantes bolivianos e paraguaios, que vêm para o Brasil tentar sobreviver Ali, eles trabalham em condições quase iguais àquelas em que trabalhavam os escravos em nossa pátria. Isso tudo nós estamos enfrentando.

            Também digo que em boa hora porque se associa a esta Comenda o esforço do povo brasileiro, que é histórico, que vem de longe, para constituir a sua nação. E isso se deu com alguns aprendizados. Poderíamos puxar até a histórica República Guarani, do final do século XVI e início do século XVII.

            Poderíamos até imaginar aquele grande movimento de uma república comunitária. Se fosse olhada com os olhos de hoje, ela poderia ser designada como uma perigosa comuna comunista, mas, como foi construída pelos jesuítas, ela não é designada assim. Assim mesmo, porém, foi massacrada e destruída. Era um exemplo do povo reunido para desenvolver a economia, em velocidades maiores do que a da China. Uma república popular estava sendo feita por lá.

            O nosso povo luta há muito tempo, há muitos anos. José Bonifácio de Andrada e Silva propôs um programa avançado: libertação dos escravos, convivência pacífica com as tribos nativas e um programa ambiental inigualável - aliás, só parecido com o que temos hoje no Brasil, que não tem similar no mundo. Nenhum país do mundo tem um programa ambiental, em prática, mais avançado do que o nosso. Nenhuma organização de fora que chegue aqui pode levantar a voz em relação à questão ambiental hoje no Brasil, tanto do ponto de vista da legislação, quanto do ponto de vista da prática. Então, de lá para cá, temos lutando para constituir um projeto que permita mais dignidade para o nosso povo, para o povo brasileiro.

            É assim que entendo os direitos humanos, é assim que compreendo os nossos homenageados, é assim que olho para D. Pedro Casaldáliga, cujos textos líamos avidamente na década de 70, época de um enfrentamento duro, difícil, para tentar ouvir sua voz, ouvir um bispo ali no Ceará. Fazíamos reuniões abertas, não eram clandestinas, era um negócio aberto. De vez em quando, os cabras queriam jogar umas bombas lá na igreja - Dom Edmilson acompanhou isso, conhece de perto a luta de Dom Aloísio Lorscheider e tantos outros bispos. Dom Fragoso, Dom Edmilson, Dom Aloísio: bravos bispos brasileiros que lutaram em defesa da liberdade e da democracia!

            A homenagem é para que trabalhemos mais, não é para trabalharmos menos; aumenta a nossa responsabilidade, a dos agraciados e a daqueles que propuseram a instituição da Comenda. Temos mais responsabilidades ainda com a luta em defesa dos direitos humanos.

            E digo, companheiros, que estamos dando passos, avançando. A eleição de 2002, quando o povo escolheu um metalúrgico para comandar uma das maiores nações do mundo, é um passo desses.

            A propósito: um dia, numa brincadeira, o bispo Crivella nos contava aqui o seguinte. Os reis da Espanha encontraram Lula num jantar e perguntaram: “E o senhor? É marxista leninista?” Lula olhou para o rei e para a rainha e disse: “Não, eu sou torneiro mecânico”. Mal sabem o rei e a rainha que o torneiro mecânico, aquele operário, é a síntese da luta da construção de uma sociedade nova, de uma sociedade socialista mais avançada. Quer dizer, era mais perigoso ser torneiro mecânico do que ser marxista leninista, porque ele já era a síntese de tudo isso.

            E é exatamente esse metalúrgico que permite que o país dê passos mais avançados. Para termos ideia: realizamos, durante esse período de Lula, 73 conferências, todos os segmentos se reuniram, debateram amplamente dentro do palácio, fora do palácio, na rua.

            Nós teríamos, assim, inúmeras e grandes questões exitosas para observar diante de nossos olhos, mas pouco ainda para resolver as necessidades de nosso povo. Eu considero uma conquista dos direitos humanos a vitória de Lula, como também considero uma conquista dos direitos humanos o seu Governo. Os êxitos, que também considero pequenos, são muito largos frente ao que acontecia em nosso País em todas as áreas, em todas. Há muito o que fazer? Muito o que fazer! Há muitos defeitos? Muitos defeitos! Mas, olha, foi uma conquista, foi uma vitória. Acho que nós buscamos consolidá-la quando, também, alcançamos a vitória na eleição da primeira mulher a presidir nossa Nação.

            No campo democrático, no campo popular, no campo da esquerda, digo: este é um campo que tem, historicamente, mesmo antes de existirem os partidos de esquerda, defendido um projeto de construção da Nação brasileira. Um projeto pensado por Darcy Ribeiro e tantos outros intelectuais e homens do povo, gente simples que dedicou sua vida à causa da construção de nossa Pátria. Este prêmio também é dedicado a eles, aos muitos que lutaram pela democracia e a consolidação das liberdades em nosso País. Eles não conseguiram vê-las. Eles lutaram e morreram por nós. Muitos, companheiros, já no processo democrático e de liberdades existentes no País, continuam nessa saga da construção do projeto nacional. Muitos ainda morrendo, mas lutando para que a gente tenha uma verdadeira Nação democrática, uma Nação que quebre preconceitos, uma Nação de grande irmandade.

            Vejam quantos povos nós recepcionamos! Quantos povos conseguimos quebrar aquela força hierárquica da construção de clãs... Para cá vieram os japoneses. Depois, se irmanaram com o povo brasileiro, se misturaram... Hoje, existe gente de olho puxado para tudo quanto é lado e de tudo quanto é jeito. Estão aí os coreanos, os chineses. Vieram os italianos. Uma parte da península ibérica, que é a Europa, veio para cá. Alguns, quando chegaram aqui pela primeira vez, disseram trazer a civilização; alguns cometeram verdadeiros assassinatos em massa, porque patrocinaram isso no Brasil: os espanhóis, os portugueses, os holandeses, os franceses... Hoje, são os maiores arautos da defesa da liberdade e da democracia. Mas, sempre que puderam, usaram da brutalidade para submeter os povos, para submeter civilizações inteiras. Aqui, na América, nós tínhamos os incas, aqui nós tínhamos os astecas, aqui nós tínhamos os maias, aqui nós tínhamos a grande nação tupinambá, falando um único idioma do Amapá até Buenos Aires. Aqui nós tínhamos a nação guarani... Tudo isso foi quase que dizimado, completamente, pela violência e pela brutalidade. E disso nasceu o povo brasileiro, que precisa construir, com força, a sua Nação.

            Eu entendo assim, meu caro Presidente José Nery, a entrega deste prêmio a esses homens, lutadores em todo o Brasil pelos direitos humanos. Eu entendo os direitos humanos quando nosso povo, em luta árdua, conseguiu levar para o Nordeste Setentrional - ou está levando - água. Só isto.

            O Presidente Lula fez uma brincadeira, perguntando como é que se poderia negar uma cuia d’água para os nordestinos do Nordeste Setentrional - 12 milhões de nordestinos. Não se poderia negar uma cuia d’água, não se poderia colocar obstáculos tamanhos para dar solução, não total, mas pelo menos parcial, a uma causa como essa. E nós tivemos quase que enfrentamentos para resolver esse dilema e se precisou levantar a voz dos direitos humanos.

            Portanto, quero abraçar a todos os homenageados que estão aqui conosco, hoje, na pessoa desse Bispo, nosso conterrâneo. E não sei se posso dizer - se é palavrão -, mas ele é um cabra da peste. Mas, se está dito aqui pelo Patativa do Assaré, então pode. Mas eles são verdadeiros cabras da peste, capazes de enfrentar as maiores tormentas, sem pestanejar, para que os seus desafios e as suas lutas possam se materializar como um bem material, ajudando o povo a se levantar. Acho que foi assim que Dom Manuel Edmilson da Cruz conduziu toda a sua peregrinação até hoje: com doçura, mas também com firmeza, sem abrir mão dos seus mandamentos; e não é uma questão moral, porque muita gente falseia, faz um discurso moralista para falsear a solução de problemas reais que o povo enfrenta. Nós não somos dessa turma. Nós somos de enfrentar os problemas objetivos e o comando é da política. E foi no comando da política que esse homem e esses homens se levantaram em defesa da causa dos direitos humanos.

            Por isso, Sr. Presidente, homenageio a todos na pessoa dessa figura extraordinária que é Dom Manuel Edmilson da Cruz que está aqui entre nós.

            Um abraço, parabéns e mais trabalho para todos nós! (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/12/2010 - Página 60208