Discurso durante a 37ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca dos riscos do uso da energia nuclear, posicionando-se contrariamente ao seu uso pelo Brasil e fazendo referência aos acidentes ocorridos em Chernobyl, Ucrânia, e em Fukushima, Japão. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários acerca dos riscos do uso da energia nuclear, posicionando-se contrariamente ao seu uso pelo Brasil e fazendo referência aos acidentes ocorridos em Chernobyl, Ucrânia, e em Fukushima, Japão. (como Líder)
Aparteantes
Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2011 - Página 8587
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, PRODUÇÃO, ENERGIA NUCLEAR, BRASIL, JUSTIFICAÇÃO, SUPERIORIDADE, RISCOS, CONCLAMAÇÃO, SENADO, AMPLIAÇÃO, DEBATE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós estamos recebendo, nos diversos meios de comunicação dessa tal de globosfera, a notícia da provável demissão do encarregado da política nuclear brasileira na Cnen. E a razão que está sendo dada não está clara, porque se diz que é porque Angra não tem autorização para funcionar. Mas não tem autorização para funcionar porque o Presidente da Cnen está sendo omisso, demorado ou porque está sendo cuidadoso? Isso não está no noticiário que eu vi até aqui. E esse é um assunto, Srª Presidenta, sobre o qual o Senado tem de debruçar-se.

            Há um ano e meio, eu tive a oportunidade de ir a Chernobyl, uma viagem difícil. Precisei da autorização do ministério ucraniano, precisei do apoio muito forte da Embaixada brasileira, mas consegui ir ver o que é Chernobyl 20 anos depois da tragédia. E eu fui porque, preocupado como sou com o meio ambiente, angustiado com essas represas feitas no Brasil, eu comecei a achar, Senadora Marisa, que a energia nuclear poderia ser alternativa. Afinal de contas, é uma fonte de energia que não polui, destrói quando acontece uma tragédia, mas não cria grandes lagos, não joga fumaça no ar. Por que não a energia nuclear? E eu via que só há dois problemas com a energia nuclear: o problema da engenharia civil, que assegura que não haverá problemas de vazamento, e o problema da engenharia nuclear, onde guardar os resíduos depois que eles cumprem o seu papel. Isso aí a engenharia, eu imaginava, pode resolver.

            Mas eu decidi ir, aproveitando uma viagem que não estava muito longe, até Chernobyl. Senador Pedro Simon, eu vi o que é uma catástrofe. Eu vi o que é uma cidade da qual, de repente, todos os seus habitantes são obrigados a sair sem levar nada consigo, e, na primeira parada, até a roupa e os documentos terem de queimar. Eu vi as árvores tomando conta dos prédios abandonados; escolas com as árvores por dentro comendo tudo; casas sendo derrubadas de dentro para fora pela floresta que tomou conta. E eu pude, ao ler um pouco, perceber milhares de pessoas que até hoje convivem com doenças graves, por causa do que aconteceu ali, de repente.

            É impossível continuar a favor da energia nuclear depois de ir a Chernobyl, a não ser que se mostre, com uma força muito grande, que a engenharia é tão poderosa que resiste às mais graves mudanças estruturais da Terra.

            Hoje, depois de ver a televisão por todas essas semanas com o assunto das usinas japonesas, eu não tenho mais dúvida: esse não é o caminho que a gente deve seguir para resolver a crise energética dos nossos países, porque, embora não polua no dia a dia, o risco existe, e o risco provoca tragédias impossíveis de controlarmos. Com a fumaça, a gente põe máscaras; com os lagos, que são uma tragédia ecológica, a gente recupera a fauna e a flora antes que eles sejam inundados; mas, com a tragédia nuclear da radiação espalhada por uma cidade, espalhada pela água, espalhada pelo mar, impedindo a produção agrícola... Vinte anos depois, ninguém pode ainda produzir em muitos quilômetros ao redor de Chernobyl, e isso vai continuar por centenas de milhares de anos, porque essa radiação não desaparece, a não ser por um processo natural que leva centenas de milhares de anos. Não dá para brincarmos com uma coisa como a energia que é capaz de provocar tragédias tão grandes.

            Imagine uma coisa dessa, Senador Lindbergh, lá pertinho de onde o senhor mora, em Angra dos Reis. Imagine um raio de trinta, cinquenta ou setenta quilômetros a partir de Angra dos Reis: entra por São Paulo e vai por uma grande parte do Estado do Rio de Janeiro. Isso fica inabitável por muitos anos! Inabitável por muitos anos!

            Aquelas famílias que a gente está vendo hoje no Japão não vão poder voltar se a tragédia se agravar - ainda há uma chance de ela não se agravar. Nós estamos falando de um país como o Japão, acostumado a terremoto. Alguns dizem: “Mas no Brasil não há terremoto”. Quem garante que não pode haver um terremoto no meio do Atlântico? E qualquer um garante que um terremoto forte no meio do Atlântico gera um tsunami até as costas brasileiras. Aí se diz, Senador Gim: “Mas isso vai atacar todas as casas que estão ao redor”. É verdade, mas, depois que passar, volta-se; agora, se atacar a usina nuclear, ninguém volta.

            Por isso, temos de - e foi uma proposta que fiz na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que até retirei porque outras comissões fizeram também - ouvir os responsáveis pela política energética brasileira. E, por incrível que pareça, o que estava convocado para ir, o Presidente do Cnen, já não vai mais, porque está sendo exonerado hoje.

            Não basta vir o encarregado da energia nuclear; precisa vir também o Ministro da Energia, para dizer o que vamos fazer se não fizermos centrais nucleares. É a pergunta que me fazem: “E, se não fizermos centrais nucleares, o que fazemos?”

            Eu só vejo duas alternativas: primeiro, reduzir o consumo de energia. É possível, sim, um país viver sem o consumo energético que a gente tem hoje em qualquer país desenvolvido. Há uma margem de redução. Segundo, procurar fontes alternativas, como lá no seu Estado, Presidente, e no Ceará também, com a energia eólica.

            E há energia solar. A Alemanha hoje está fazendo uma coisa, Senador Lindbergh, que é um sonho: as casa não pagam a energia que usam; as casas vendem energia, porque há energia solar para consumo doméstico, e o que sobra coloca-se na rede.

            A gente pode transformar cada casa em uma usina produtora de energia em vez de uma usina consumidora de energia, através de técnicas simples, sobretudo se decidirmos fazer isso e começarmos a investir radicalmente na procura dessas soluções.

            Mas o primeiro passo para investir na procura de soluções é tomar a decisão: continua ou não continua buscando energia nuclear? Pelo que se sabe, sete usinas novas estão para serem construídas.

            O Sr. Lindbergh Farias (Boco/PT - RJ) - Senador Cristovam, V. Exª me concede um parte?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Só um minuto; com o maior prazer.

            Nesse final de semana, a Primeira-Ministra, a Chanceler Merkel, perdeu a eleição em um dos Estados da Alemanha porque o Partido Verde ganhou pelo susto que o Japão provocou na população alemã. Essa onda vai crescer; essa onda vai crescer, mas não pode ficar uma onda apenas do contra. Tem que ser uma onda que traga alternativas também. Não pode ser apenas aquela rejeição a um tipo de energia. Tem que haver também proposta de uma energia alternativa, ou de um modelo civilizatório alternativo, ou de uma indústria alternativa, um consumo alternativo que não exija tanta energia.

            Antes de concluir, Presidente, quero dar um aparte ao Senador Lindbergh.

            O Sr. Lindbergh Farias (Bloco/PT - RJ) - Quero parabenizar o pronunciamento de V. Exª. Vou subir à tribuna daqui a pouco, Senador Cristovam, para falar do mesmo tema. O Brasil, ao contrário da França, que tem quase 80% de sua energia produzida por usinas nucleares, tem menos de 3%. E V. Exª faz uma pergunta sobre terremotos. Nós não temos terremotos, mas temos deslizamentos. E muitos. Há dois anos, em Angra dos Reis, no dia 1º de janeiro, a gente se lembra do episódio de Ilha Grande, em que uma parte daquele morro, na verdade, dissolveu-se. A gente viu agora, na região serrana do Rio de Janeiro, o que os geólogos chamam de corrida de lama e detritos. Pois bem, Senador Cristovam, o Jornal O Globo de domingo - vou falar isto no meu pronunciamento - traz uma foto - e vou mostrá-la - de um acidente que aconteceu naquela região em 1985, que soterrou todo um laboratório de radioecologia. Eu faço uma pergunta que fiz na semana passada ao Presidente da Eletronuclear, Dr. Othon, que esteve nesta Casa, e ao representante do Cnen, que não era o Presidente, mas era o representante do Cnen: no meio daquelas chuvas de 1º de janeiro, em Angra, a Rio--Santos estava completamente interditada, a defesa civil do Município estava trabalhando para salvar as pessoas que estavam soterradas. Eu perguntei se a usina havia sido desligada, e a resposta foi: “Não”. Não existe um plano de emergência, que é a nossa preocupação toda. Eu só queria concluir, Senador Cristovam, dizendo que, na quarta-feira, uma comissão externa desta Casa vai a Angra dos Reis. Nós queremos visitar a usina, mas queremos conversar com a população, com as associações de moradores. Queremos saber do plano de treinamento, desse plano de emergência, porque a Rio--Santos fica justamente em cima das usinas. Nós sabemos que, hoje... Volto a dizer: não é apenas aquele caso que citei do dia 1º de janeiro de 2009. Qualquer chuva causa desmoronamentos, hoje, na Rio--Santos. Como pode haver um plano de evacuar aquela região se a estrada que está ali em cima fica completamente interditada em qualquer situação? Então, na verdade, esse é um tema seriíssimo. Acho que, mais do que condenar o programa brasileiro, o que a gente tem que fazer é o que o mundo inteiro está fazendo: abrir-se para discutir, olhar a questão da segurança, porque acho, Senador Cristovam, até por ter participado das discussões sobre a região serrana, por estar fazendo parte de toda a discussão sobre esse sistema nacional de defesa civil, por saber como é frágil... O senhor sabe que, no Japão, eles retiraram mais de cem mil pessoas, em vinte quilômetros em torno da usina, em poucos dias. É por tudo isso que eu apresento muitas dúvidas, e é por isso que esta Casa criou uma comissão externa que vai a Angra dos Reis na próxima quarta-feira.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É uma pena, Senador, que Chernobyl seja tão longe, porque essa Comissão deveria ver. Quem vai lá, Senador Romero, não volta com a sensação de defender. Para eu ir lá, tive que assinar documentos de que me responsabilizaria pelas seis horas que passaria lá. Ao sair, tiver que passar por um detector de radioatividade para saber se me levavam para o hotel de volta ou para um hospital, para me cuidar - vinte anos depois!

            Você vai pela estrada e, de repente, começa a ver o deserto verde que vai surgindo na sua frente, o vazio de pessoas e apenas árvores; a selva tomando conta. Era uma cidade antiga, cujas casas já estão praticamente tombadas pelas árvores; uma cidade parecida com Brasília, onde moravam os funcionários das usinas. Os prédios estão lá, todos tombados. A gente vê o cemitério de um projeto energético que é arriscado demais.

            O Senador Lindbergh lembrou bem: dá para a gente viver sem esses 3%, Senador Romero Jucá. A França não consegue - eu não sei como a França vai resolver; eu não sei como a Alemanha vai resolver -, mas o Brasil consegue. Dá para a gente viver sem esses 3% de energia. Dá para a gente repor esses 3% com outras fontes, ainda que sejam hidrelétricas, de preferência pequenas, e não grandes.

            Eu lamento muito que a Senadora Marina Silva não esteja aqui. Acho que ela seria a pessoa para encarnar essa grande luta, para que nós saibamos como ter um modelo econômico em que a energia não traga esse risco trágico, esse inferno, porque a gente não vê o fogo, mas o fogo toma conta das pessoas por dentro.

            E concluo dizendo que está surgindo - e eu faço parte de quem está ajudando a criar - uma Frente Latino-Americana de Parlamentares Contra a Energia Nuclear. Estamos trabalhando, também, com a possibilidade de um plebiscito mundial, pela Internet, no dia 6 de agosto, dia da explosão de Hiroshima, para saber o que mundo pensa sobre: vamos consumir mais e cair na energia nuclear, ou vamos consumir menos e buscar alternativas e dormir sem medo de que, a centenas de quilômetros de onde estamos, não haverá um vazamento nuclear, por uma força natural, como a do Japão, ou por um erro humano, como foi em Chernobyl? Nem tsunami houve, foi um simples erro, e que em qualquer lugar pode acontecer.

            É isso, Srª Presidente, que eu queria dizer, insistindo: o Senado não pode ficar omisso para discutir se o futuro da energia nuclear vai usar ou não fontes nucleares.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2011 - Página 8587