Discurso durante a 41ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação, a partir de matéria publicada na revista Exame, com a perspectiva de que a economia brasileira ingresse em uma profunda crise, por falta de capacidade para formar profissionais qualificados na quantidade e no tempo exigidos. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Preocupação, a partir de matéria publicada na revista Exame, com a perspectiva de que a economia brasileira ingresse em uma profunda crise, por falta de capacidade para formar profissionais qualificados na quantidade e no tempo exigidos. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2011 - Página 9342
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EXAME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), POSSIBILIDADE, CRISE, ECONOMIA, BRASIL, MOTIVO, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, INCAPACIDADE, FORMAÇÃO, TRABALHADOR, QUALIFICAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, a revista Exame que saiu ontem tem na capa, grande, em letras garrafais, uma mensagem que me tocou como se eu estivesse vendo aquelas imagens do tsunami no Japão, com a diferença de que eu já esperava que, em algum momento, surgisse isso. Eu comparo com um tsunami pela tragédia que representa a mensagem dada ontem, Senador Garibaldi, na revista Exame.

            A manchete imensa, de toda capa é “Procuram-se oito milhões de profissionais” e, embaixo se diz “nós próximos cinco anos”. Procuram-se oito milhões de profissionais, sem os quais a economia brasileira entrará em uma profunda crise. É um tsunami, é um apagão! Nós sofremos tanto com o apagão elétrico, Senador Eurípedes, anos atrás, e parece que não sofremos com o apagão intelectual, o apagão educacional, o apagão profissional que este País atravessa.

            Depois dessa capa, recebi diversos telefonemas de pessoas perguntando o que fazer. O pior, Senadora, é que o que a gente fizer agora será tentar tapar um buraco e não vai resolver. “O que fazer?”, as pessoas perguntam. Importar mão de obra não é uma saída, não é uma solução, nem vamos conseguir oito milhões em cinco anos e nem vamos ter tanta gente falando o nosso idioma. O que fazer? Treinar rapidamente as pessoas, o que significa produzir bens de má qualidade que serão recusados lá fora. Não há nenhuma saída imediata, urgente e emergencial neste caso que satisfaça como resolver esta emergência. A pergunta é: como deixamos o Brasil ficar nessa situação e o que fazer para resolver isso de uma maneira estrutural, permanente, definitiva? O que provocou isto? O silêncio diante do que todo mundo vê, que é a crise educacional brasileira. Mas há um silêncio.

            Quer ver um exemplo? Toda mídia falou na semana passada ou anterior porque o Sr. Blatter, que creio ser suíço ou francês, nem sei, disse que o Brasil estava mais atrasado que a África do Sul na preparação da Copa. Ninguém falou que o Brasil está atrás da África do Sul em educação há anos. Na época do apartheid sul-africano, os negros sul-africanos excluídos, marginalizados tinham uma educação melhor do que os pobres brasileiros, e a gente não ligou para isso. A gente liga porque estamos atrás, segundo ele diz, na preparação da Copa. Há uma silêncio em relação à crise educacional.

            As pessoas acham até que quem fala em educação aqui é maluco de uma nota só, não é um patriota preocupado com o futuro do seu país e que percebe que um país sem educação é um país desarmado, inclusive.

            Ontem, no jornal, eu vi a notícia de que os nossos pracinhas, nossos pracinhas, Senador Aloysio, ou seja, 60 anos atrás, tiveram dificuldades, por falta de treinamento, para usar as armas daquele tempo, na Itália. Hoje, nem saberiam que aquilo é uma arma, de tão diferente que é uma arma moderna de uma arma atual.

            País deseducado é país desarmado. Por mais que coloquem aqui aviões supersônicos, por mais que coloquem aqui submarinos nucleares, vamos continuar desarmados se não tivermos educação para o soldado que vai usar aquilo e para desenvolver e controlar a tecnologia desses equipamentos.

            O Iraque tinha todas as armas mais modernas do mundo, sobretudo os radares. Começou a guerra, os franceses e os americanos desligaram os radares do Iraque. Desligaram. E eles não sabiam ligar, não sabiam fazer funcionar.

            A nossa economia está vivendo esse apagão, Senador, de que eu falei há pouco, e que a revista Exame, ontem, colocou na capa. Procuram-se oito milhões de profissionais brasileiros nos próximos cinco anos. Mas há um silêncio. E nem despertamos ainda, apesar daquela capa da revista, que eu quero parabenizar de público, porque despertou o pessoal da Exame.

            Agora, o que fazer? Emergencial não vai dar conta. Os empresários estrangeiros, quando percebem isso, deixam de vir para aqui. A Intel, que é uma grande empresa, das mais importantes do mundo, foi para a Costa Rica, não veio para aqui. Foram para a Índia.

            Aliás, devo dizer que aqui no Brasil, hoje, tem empresa em que 80% dos trabalhadores são indianos. Conheço uma. Oitenta por cento! Fala-se inglês na empresa. Trabalha com informática. Fala-se inglês ali dentro. Oitenta por cento dos trabalhadores são indianos. É a solução emergencial importar. Mas é uma solução que não vai resolver.

            Qual é a solução? Vamos ter que enfrentar essa emergência de alguma maneira. Agora, a solução está na educação de base de qualidade para todos. Está em fazer agora o que não fizemos há 50 anos na profundidade que deveríamos fazer. Não quer dizer que estejamos indo para trás, quer dizer que estamos ficando para trás. Qual é a diferença entre ir para trás e ficar para trás? Ir para trás é você ir para trás; ficar para trás é você ir para frente mais devagar que o vizinho.

            O Brasil está ficando para trás mesmo que não esteja indo para trás com suas próprias pernas. O que precisa fazer? A primeira coisa é decidir que educação de base é a base, uma coisa óbvia, mas que não vemos. Os últimos governos deram prioridade sobretudo à educação superior, e não à educação de base. Consequência: a educação superior está fracassando, porque os alunos que entram hoje na universidade são incapazes de seguir um curso com seriedade, salvo alguns deles. Eu calculo em 18% da população que termina o ensino médio de qualidade.

            O que precisamos fazer? Vamos ao concreto. Eu defendo, Senador Aloysio, que a primeira coisa é fazer que o Ministério da Educação seja o ministério da educação de base.

            Coloquemos as universidades ou no Ministério de Ciência e Tecnologia ou criamos outro. Como o Brasil já tem 35, que se feche mais alguns, eu não diria nem criar mais um, que se fechem dez e se crie mais esse. Agora não vai se criar mais um, da micro e pequena empresa? Eu fui olhar quantos Ministérios têm ligados à economia. Já tiveram a curiosidade de olhar? Oito. Oito Ministérios no Brasil vinculados basicamente à economia! A educação tem um para cuidar de todos os aspectos da educação.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Vou pedir mais um tempo, até porque vão chegar outros Senadores aqui.

            Fazenda, Agricultura, Desenvolvimento Rural, Pesca, Planejamento, Estudos Estratégicos, que estuda a economia, sem falar Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica, entidades que são maiores do que os Ministérios. Tinha que ter um ministério para cuidar da educação de base, senão a universidade domina.

            Segundo, a Presidência da República tem que ter ao lado dela, ou no caso a Presidenta, ao lado dela, tem que ter alguma entidade que se preocupe com as crianças. Nós temos a Secretaria dos Negros, dos Jovens, das Mulheres, temos a Funai dos Índios, temos outras, não temos a das crianças. Feito isso, a gente precisa - e eu sei que muitos não estão de acordo - federalizar a educação de base.

            E federalizar não significa centralizar. As escolas técnicas são federais, mas não são centralizadas. As universidades têm seus reitores. Federalizar significa duas coisas: criar uma carreira federal do professor. Já existe. É a carreira onde estão os professores do Colégio Pedro II, das escolas de aplicação, das escolas técnicas, dos colégios militares. São duzentas. A gente vai ter que fazer isso ao longo de 20 anos em 200 mil escolas. Professor tem que ser funcionário público federal ou funcionário de uma entidade particular financiada pelo Governo Federal.

            Não sou contra, de maneira alguma, as escolas particulares, mas acho que se deve publicizar as escolas particulares. Publicizar significa que ela tem um dono, que o professor é funcionário daquela empresa, mas que quem paga a mensalidade é o Governo e quem escolhe o aluno é o Governo. Temos que federalizar as escolas neste País: uma carreira nacional do magistério implantada ao longo de 20 anos. E um programa federal de qualidade escolar que faça com que as escolas não tenham goteiras, que tenham água, que tenham energia elétrica, que tenham computadores, que tenham televisão, que sejam confortáveis, que sejam bonitas. Como é bonito o Banco do Brasil, e todo funcionário é federal, e a Caixa Econômica, e os Correios, e a Infraero, e este Congresso, e a Justiça. Por que a educação não é?

            Se a gente fizer isso, vamos começar a trabalhar para que não haja mais esse apagão de mão de obra profissional. Porque a ideia de fazer escola técnica, de que o Presidente Lula tanto se orgulha, vai fracassar. Isso porque hoje não tem mais escola técnica de qualidade para alunos de ensino médio se eles não tiveram um bom ensino fundamental. O aluno que não sabe o que é ângulo reto não vai conseguir trabalhar num equipamento de qualidade numa escola técnica. Vai fracassar.

            Então, ontem, eu creio que a revista Exame prestou um serviço inestimável na tentativa de despertar este País para chamarmos de apagão, tsunami o que está acontecendo na educação e na escassez de mão de obra qualificada que vai inviabilizar o futuro deste País.

            O Brasil é um país em risco. Os pilotos do Legacy disseram que não entendiam os que falavam da torre de comando. Isso não é desculpa nenhuma para esses caras, mas é possível que eles não falassem inglês corretamente, realmente. E a gente vai enfrentar uma Copa sem que as pessoas falem inglês, porque nós nos acostumamos a querer ganhar no campo, sem querer ganhar na cabeça. O futebol é mais importante do que o conhecimento neste País. E olha que gosto de futebol, mas não dá para imaginar que o futuro do País está na copa! O futuro do País está na escola.

            Espero que o Governo atual tenha dado a importância devida à capa da revista Exame, que quero parabenizar. E que despertemos, despertemos! Procuram-se oito milhões de profissionais sem os quais a economia não vai funcionar plenamente.

            Por isso, precisamos olhar não só para os próximos cinco anos, de que fala a revista, mas para os próximos vinte, trinta anos. A economia vai caminhar, cada vez mais, para ser a economia do conhecimento, e não mais a economia da mão de obra; é a economia do profissional, é a economia do que trabalha com o conhecimento, e não mais daquele que trabalha com a habilidade da mão. A expressão “mão de obra” vai desaparecer em breve; vai ser “cabeça de obra”, se quiserem chamar assim. Para isso, a gente precisa formar bem. Formar bem não se faz só emergencialmente, e, sim, com programa, no sentido de que este País adote, como objetivo de todos nós, garantir toda criança na escola, toda escola de qualidade - com a mesma qualidade até o fim do ensino médio.

            Era isso, Srª Presidente, que eu queria falar, elogiando a revista Exame e pedindo para que, por favor, despertemos. Estamos vivendo um apagão intelectual, apagão profissional, um apagão de pessoas preparadas para levar adiante a economia do futuro, que é a economia baseada no conhecimento.

            Muito obrigado, Srª Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2011 - Página 9342