Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reforço de discurso anterior de S.Exa. acerca da responsabilidade das autoridades brasileiras pela tragédia ocorrida em Realengo, no Rio de Janeiro, destacando sugestões para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reforço de discurso anterior de S.Exa. acerca da responsabilidade das autoridades brasileiras pela tragédia ocorrida em Realengo, no Rio de Janeiro, destacando sugestões para a melhoria da qualidade da educação brasileira.
Aparteantes
Jorge Afonso Argello.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2011 - Página 10821
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, VIOLENCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, PAIS, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, MELHORIA, SEGURANÇA, ALUNO, DEFESA, TEMPO INTEGRAL, ESCOLA PUBLICA, ESTUDANTE, OBJETIVO, PROGRESSO, EDUCAÇÃO BASICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, creio que o que aconteceu ontem no Rio de Janeiro justifica - e até nos obriga a isto - que façamos a repetição de discurso, que toquemos outra vez no mesmo assunto. Vou voltar a insistir no assunto, na tentativa não apenas de analisar o que é quase impossível explicar, mas também de ver como, com propostas concretas, podemos tentar evitar tragédias desse tipo.

            Ontem, fiz a pergunta: por que essa pessoa escolheu uma escola para cometer a chacina? E insisto que as escolas têm sido relegadas no Brasil, desprezadas no Brasil, fazendo com que os professores percam a autoestima, fazendo com que as crianças se desmotivem, fazendo com que, sobretudo, sejam geradas frustrações nos milhões que dela são excluídos. Lembrei, aqui, que são 60 crianças por minuto que abandonam a escola durante os Ensinos Fundamental e Médio. Obviamente, insisto: são 60 crianças por minuto do ano letivo, que compreende 200 dias, com quatro horas por dia. É como se um navio negreiro jogasse escravos ao mar por que eles morreram. Fazemos isso, mas não jogamos fora o corpo, mas, sim, o cérebro dessas crianças, e essas crianças vão criando raiva da escola, porque outros chegaram lá em cima, e eles não chegaram. Mesmo nos Estados Unidos, a gente percebe que foi a frustração com a escola que levou a crimes como esse.

            Sugeri aqui cinco coisas que a gente podia fazer, e todas elas, Senador Mozarildo, estão em andamento no Senado: algumas estão paradas, outras já chegaram à Câmara. A primeira é a criação de uma agência presidencial para cuidar da criança e do adolescente. Há secretarias para cuidar de negros, de mulheres, de índios e de jovens, mas não para cuidar de crianças. A Presidenta, quando chegou ao Planalto ontem e tomou conhecimento do que houve, não tinha para quem ligar. Ela podia ligar para a Polícia, para o Ministro da Educação, para a Ministra dos Direitos Humanos, que foi quem a representou lá. Mas não havia uma pessoa de quem ela dissesse: esta é a pessoa que cuida de criança, vou ligar para ela, e ela cuidará de mobilizar o resto do Governo. Por que as crianças não têm direitos - e reconheço que elas têm direitos - se negros, jovens, mulheres e índios - por meio da Funai - têm direitos? Não dá para adiar mais! Fiquei satisfeito porque a Câmara encaminhou esse projeto que estava parado. Esse projeto saiu daqui e estava parado.

            Segundo, há um projeto que continua parado, há mais de um ano, na Comissão de Constituição e Justiça: o projeto que cria uma agência de segurança escolar. Não proponho criar mais uma polícia, mas criar um órgão que se preocupe com o estado de violência que há nas escolas.

            Temos falado aqui, desde ontem, no assassinato de doze crianças, mas nos esquecemos das crianças assassinadas nos últimos anos individualmente, do professor assassinado por aluno. Nós nos esquecemos dos assassinatos individualizados e só despertamos quando eles são coletivizados.

            Então, Senador Gim, por que não existe uma agência que se preocupe com a segurança dentro e ao redor das escolas? São duzentas mil neste País! Mas não falo de uma agência na Polícia e, sim, de uma agência no Ministério da Educação que coopere com a Polícia, mas que tenha uma filosofia, que tenha um comportamento, que entenda que a violência da escola, a violência praticada na escola não é a mesma violência praticada na rua.

            Outra questão é a transformação do Ministério da Educação em um Ministério dedicado à educação de base, às crianças. Faríamos como se faz em muitos lugares no mundo: pega-se a universidade e a coloca no Ministério de Ciência e Tecnologia. Nem proponho criar mais um Ministério. É assim em muitos lugares. Deveria haver um ministro que se ocupasse com a educação de base, porque o nosso... E, quando digo “nosso”, não me refiro ao atual. Eu, quando fui Ministro, percebi que a gente não tem tempo de pensar em educação de base; a educação de base, a gente jogou para Municípios e Estados. E quem foi Governador - vejo dois aqui - sabe que os Estados não têm condições de pagar aquilo que o professor merece, nem tem condições de fazer com que todas as escolas funcionem em horário integral. É o Governo Federal que deve adotar as escolas do Brasil; para isso, deve haver um Ministério que cuide da educação de base, e o nosso só cuida de universidade, um pouquinho de escolas técnicas e quase nada da educação de base.

            Além disso, falei da necessidade de se criar uma carreira nacional de magistério. Por que funcionário do Banco do Brasil, que cuida de dinheiro, é federal, enquanto professor, que cuida de criança, é municipal? Por que os salários dos professores são tão desiguais no Brasil, enquanto os salários dos órgãos federais é o mesmo?

            A outra proposta minha é um programa federal de qualidade escolar em horário integral. O Governo Federal tinha de implantar isso. O Senador Collor, quando Presidente, tentou fazer isso, espalhando Cieps, do Brizola, no Brasil. Mas não é com quinhentos Cieps que a gente enfrenta o problema de duzentas mil escolas. E, a meu ver, não é espalhando Cieps soltos pelo Brasil, sem mudar o professor, que a gente faz a revolução. Minha ideia é o concurso para selecionar professores de uma carreira nacional e concentrar todos eles em escolas das mesmas cidades. E que, nessas escolas, todos os professores sejam federais! Não dá para fazer isso em um ano, nem em dois anos, nem em três anos. Calculo que vamos precisar de vinte anos, não só por falta de dinheiro, não, mas por falta de pessoas qualificadas para serem grandes professores neste País. Elas não existem! Hoje, a gente explica isso em função do salário, mas, mesmo pagando esse bom salário que sugiro - suponhamos R$5 mil - para o professor federal, a gente não vai conseguir encontrar pessoas que mereçam esse salário. Pode até ser que pessoas se candidatem, mas, chegando lá, já estão procurando sair da escola, fazer concurso para outra atividade, porque não têm vocação. A gente tem de escolher pessoas que, segundo tudo indica, vão se aposentar como professores. Essa carreira nacional do magistério, junto com um programa federal de qualidade escolar, os dois juntos significariam, a cada ano, novas 250 cidades, cem mil professores, três milhões de crianças, dez mil escolas. Em vinte anos, a gente resolve.

            Finalmente, propus também que a gente trabalhasse a ideia - vou apresentá-la agora - que poderia ter evitado o que aconteceu. Trata-se de algo que comecei a fazer quando era Ministro: criar um cartão de acompanhamento escolar no Brasil, mas um cartão federal, como o que, acredito, já está sendo implantado na Saúde, como é o do nosso imposto, que existe há mais de trinta anos, o CPF. Por que não há um cartão para acompanhar as crianças? Pelo computador do presidente, pelo computador do governador ou pelo computador do prefeito, saberíamos como essa criança está avançando, como está evoluindo e quais são os problemas que ela tem.

            Se esse bandido, se esse louco que cometeu essa chacina tivesse sido acompanhado desde pequeno, teríamos identificado o risco de ele cometer esse tipo de crime. Não vamos dizer que o que aconteceu poderia ter sido evitado, que, certamente, teríamos conseguido impedi-lo, mas isso seria muito provável, Senador Mozarildo.

            Acompanhamos hoje quase tudo. Temos uma preocupação imensa com o acompanhamento dos nossos aviões no ar, mas não nos preocupamos, Senador Cassol, com o acompanhamento das crianças na terra. No máximo, a escola faz uma avaliação e faz anotações numa cadernetinha. Está na hora de implantarmos um sistema nacional, que acompanhe cada criança, que identifique seus problemas, que tente corrigir esses problemas. Na maior parte dos casos, são problemas corrigíveis, e, quando for um problema incorrigível, a gente tira a criança desse lugar na escola e a encaminha para um atendimento médico, psicanalítico, psiquiátrico, psicológico. Ocorre que a gente não identifica as crianças que vão ter problemas ou não; no máximo, a gente identifica as que têm problemas físicos, porque são cegas, porque não conseguem se locomover. E o problema de a criança não acompanhar as aulas? E o problema de a criança não aprender? E o problema da repetição? E o problema de desvios psicológicos? A gente não acompanha isso.

            Quero deixar aqui, mais uma vez, essas medidas que estão todas em andamento e que não saem do lugar, Senador Gim. Não houve medida provisória para nenhum desses itens. A Presidenta está mandando uma medida provisória para criar uma secretaria da indústria, da micro e pequena indústria, um Ministério novo. Eu acho que é bom um ministério da pequena indústria, mas por que não haver uma secretaria da criança, por que não haver um cartão de acompanhamento, um cartão federal? Aí, dizem: “Como conseguir acompanhar cinquenta milhões de crianças?”. Com a informática! A gente consegue fazer até um cartão mundial para acompanhar as crianças se a gente quiser. Eu, antes de concluir, concedo um aparte ao Senador Gim, com muito prazer.

            O Sr. Gim Argello (PTB - DF) - Muito obrigado. Senador Cristovam Buarque, nosso Governador e Ministro, o senhor tem experiência suficiente nesse campo. Essa bandeira da educação no País, depois de Calmon, pertence ao senhor. O senhor sempre tem essa preocupação, e todo o Pais o respeita e admira muito, assim como nós, de Brasília. Mas como é que seria isso? Gostei muito dessa divisão do Ministério da Educação, que, hoje, se preocupa muito com o Terceiro Grau, com as universidades. Eu queria perguntar para o senhor, que foi Ministro: hoje, essa divisão é possível? A criação do ministério da educação de base é muito importante. Estamos vendo, no Distrito Federal, que o senhor conhece tão bem - graças a Deus, também conheço muito bem o Distrito Federal! -, essa preocupação, porque, nas nossas cidades vizinhas, nas cidades do entorno, é grande a dificuldade na educação básica. Em Brasília, estamos atravessando esse problema. Até hoje, não conseguimos implantar - e veja o senhor que é a unidade da Federação que mais recursos tem para isso - a nossa escola integral. Algumas estavam muito bem colocadas até o ano passado, mas, agora, isso desandou um pouco. Vamos falar com o Governador, para ver se ele acelera esse compromisso de colocar, até o final desses três anos, todas as escolas em tempo integral. Mas, quando a gente vai às cidades do entorno, às cidades vizinhas, enxergamos essas dificuldades. Concordo com o senhor que esse ministério da educação de base é muito, muito importante. Não digo que as outras medidas provisórias que foram criando outros espaços, como a secretaria da micro-indústria, como a Secretaria de Aviação, não sejam importantes, mas é muito importante esse ministério da educação de base. O senhor tem os dados na cabeça. Hoje, quanto tem o Ministério da Educação em volume de recursos para a educação em nível superior e para a educação de base?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - O último dado que eu tinha, e isso pode ter evoluído para pior ou para melhor, é que o Ministério da Educação gastava 6% ou 7% com a educação de base e o restante com universidade, porque todo o restante está nas mãos dos Municípios e dos Estados. Mas, se se faz a proporção não do quanto é gasto do Ministério, mas do quanto do total é gasto pelo MEC, aí posso dizer com certeza: 11%. Ou seja, quase 90% da educação de base no Brasil é financiada com recursos dos Municípios e dos Estados. Isso não tem futuro.

            O Sr. Gim Argello (PTB - DF) - Não tem futuro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso não tem futuro, porque eles são pobres e porque são desiguais. Mas, para criar um ministério da educação só para criança, bastava pegar um órgão chamado Sesu, a Secretaria de Educação Superior, não sei se por lei ou por decreto presidencial, e dizer: “A partir de hoje, a Sesu faz parte do Ministério da Ciência e Tecnologia”.

            O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. PTB - RR) - Senador Cristovam Buarque, permita-me interromper um pouco seu pronunciamento, uma vez que está falando de educação, para registrar aqui a presença dos estudantes do projeto A Escola na Câmara, que são de várias localidades e que nos estão abrilhantando com suas presenças nas galerias.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado pela presença de todos.

            Sr. Presidente, creio que, apesar de este discurso ser repetição do que falei ontem, foi importante vir aqui. Quem sabe terei de repetir isso na segunda-feira, na terça-feira, na quarta-feira, até que nos despertemos?

            Temos responsabilidade com o que aconteceu em Realengo. Não vou dizer que somos culpados, mas responsabilidade temos. Uma coisa é culpa; outra, responsabilidade. Somos responsáveis por tudo o que acontece neste País. Quando digo “nós”, digo a liderança: Presidenta, Senadores, Deputados, Prefeitos, Governadores. Não adianta dizer que o homem era louco e que não temos culpa. Ou até alguns podem dizer: “Não temos culpa”. Mas responsabilidade nós temos. Por isso, talvez, seja necessário continuar falando disso, porque sabemos quais são os caminhos. Basta querer fazer.

            Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha para falar. Agradeço o aparte ao Senador Gim.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2011 - Página 10821