Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a soberania nacional e o processo avançado de internacionalização das terras brasileiras.

Autor
Vital do Rêgo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Vital do Rêgo Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Preocupação com a soberania nacional e o processo avançado de internacionalização das terras brasileiras.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2011 - Página 10965
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, SOBERANIA NACIONAL, MOTIVO, CRESCIMENTO, NUMERO, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, TERRAS, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), COMISSÃO, MEIO AMBIENTE, DEBATE, PROBLEMA, GRILAGEM, EXCESSO, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, TERRAS, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Wilson Santiago, Srªs e Srs. Senadores, quero me apropriar de suas palavras, Presidente, e enaltecer o brilhante pronunciamento da Senadora Ana Amélia, agora, há pouco, falando sobre um tema de profundo conhecimento de S. Exª, com habilidade e perspectiva com relação à economia nacional. Este, sem dúvida alguma, deverá ser um dos belos momentos da Senadora nesta Casa, principalmente para o suinocultor, para a classe produtiva do seu Rio Grande.

            Embalado pela discussão nacional do Código Florestal, trago à Casa, na tarde de hoje, uma preocupação que me atormenta há muitos anos, no que diz respeito à soberania nacional e a um processo avançado de internacionalização das nossas terras. Há muitos anos, o Brasil lida com um grave problema que parece crônico: a ocupação ilegal e a venda indiscriminada de terras para grupos mineradores, empresas agrícolas e outras grandes companhias internacionais.

            Desde o início do século passado, nós nos acostumamos a ouvir incontáveis histórias sobre invasão e aquisição ilícita de terras por estrangeiros em toda a Região Norte do País, notadamente na Amazônia, e numa grande faixa de fronteira na Região Centro-Oeste. Certamente os mais velhos ainda se lembram da onda de protestos que eclodiu em todo o País, lá pelos anos 60, contra dois megaprojetos internacionais, que tinham como alvo a “colonização” da Amazônia.

            Naquela época, a mídia denunciou amplamente os dois casos nos seus espaços mais nobres de repercussão. Dessa forma, o governo militar e o povo brasileiro foram alertados inúmeras vezes sobre os perigos da execução desses dois projetos, que já haviam sido liberados junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

            Um deles, o Projeto de Construção dos Sete Grandes Lagos - esse era seu nome -, fora preparado por uma entidade com sede nos Estados Unidos, o Hudson Institute, dirigido, na ocasião, por um sombrio cidadão americano, um futurólogo chamado Herman Kahn. Em síntese, a ideia era inundar imensas áreas de florestas virgens na Amazônia, para construir sete grandes lagos para produzir energia suficiente para abastecer toda a América do Sul.

            Além da enorme destruição ambiental, o caso poderia provocar todas as outras especulações. Falava-se que esse instituto, o Hudson Institute, era um braço da Central de Inteligência Americana (CIA), que tinha como objetivo principal consolidar interesses militares e políticos na região.

            Não podemos esquecer que, naquela conjuntura, o Brasil estava em ebulição política, o regime militar estava sendo contestado nas ruas e os Estados Unidos manifestavam, em relatórios secretos, extrema preocupação com o futuro político do nosso País.

            É impossível, Srªs e Srs. Senadores, deixar de considerar que toda essa instabilidade culminou com a edição do AI-5, Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, que resultou em novas cassações de mandatos parlamentares e no fechamento do Congresso Nacional.

            Eu me sinto vitimado por este ato de força, que ceifou a vida pública e política de jovens lideranças da época. Rememoro, no meu Estado, na minha família, as figuras de Vital do Rêgo e Pedro Gondim.

            Nos Estados Unidos, a Guerra do Vietnã e a Guerra Fria contra a então União Soviética seguiam a todo vapor.

            O outro grande projeto, igualmente denunciado pela mídia, levantou também vozes nas ruas, nas universidades e nos meios políticos. Ele foi o responsável pelo surgimento, em 1967, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no Congresso Nacional, para apurar a grilagem e a venda ilegal de terras na Amazônia. O empreendimento era comandado por um rico empresário americano, Daniel Keith Ludwig, que empregava até um exército particular para proteger as suas terras griladas. E ele se fazia dono de uma imensa região da Amazônia.

            De acordo com o relatório final da CPI, todo esse patrimônio havia sido adquirido de maneira fraudulenta. O império do milionário americano incluía mineradoras, madeireiras e o gigantesco Projeto Jari, que ocupava uma área de 1 milhão e 500 mil hectares, equivalente à metade do território belga. Lá, ele pretendia plantar milhões de árvores chamadas gmelina, de crescimento rápido, que tinha ação destinada à produção de celulose. A ideia do empresário americano seria abastecer o mundo com papel produzido na Amazônia em terras ocupadas ilegalmente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como acabei de relatar, ao longo dessas últimas décadas, os acontecimentos de invasão, grilagem e compra ilegal de terras por estrangeiros só aumentaram e continuam a ameaçar o nosso controle institucional. Esses argumentos que trago a V. Exªs, argumentos históricos, fundamentam a preocupação do presente. Hoje, além da cobiça pelas matérias-primas, pela biodiversidade extraordinária, pelos minerais, que continuam a motivar a ânsia dos estrangeiros por novas áreas em nosso território, existe a questão da produção de alimentos, tão bem mencionada agora há pouco pela Senadora Ana Amelia, de biocombustível, que são, indiscutivelmente, os grandes desafios do século XXI.

            Não é mais nenhuma novidade que o Brasil tem posições privilegiadas nesses dois campos. Por isso, nossas terras são desejadas por muitos países que não têm condição de produzir a sua própria comida e a energia de que necessitam. A cada dia que passa o mundo inteiro precisa consumir mais e mais toneladas de grãos. Isso se torna impossível para pequenos países, com áreas infinitamente menores do que as suas necessidades.

            Assim, torna-se cada vez mais grave a falta de alimentos e mais clara a urgência que muitos países demonstram em adotar em larga escala o biocombustível como uma fonte alternativa importante entre as suas matrizes energéticas. Aliás, esses dois assuntos têm sido dominantes e prioritários em todas as rodadas de negociações internacionais, já é tema, já é pauta da viagem da Presidenta Dilma Rousseff à China, um dos grandes compradores do mercado brasileiro. Diversos relatórios, pesquisas e estatísticas com credibilidade informam que os investimentos estrangeiros em compra de terras e aluguéis de áreas têm aumentado consideravelmente no Brasil.

            De acordo com a pesquisa recente, anotem os senhores, realizada pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar, com sede em Washington, nos Estados Unidos, entre 2006 e 2010 - quatro anos -, investidores estrangeiros arremataram mais de 20 milhões de hectares de nossas terras - entre 2006 e 2010 -, em operações financeiras que ultrapassam US$30 bilhões. Um dado alarmante. Entre 2006 e 2010, mais de 20 milhões de hectares foram arrematados por empresas estrangeiras.

            Segundo a mesma fonte, o Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar, essas transações envolvem empresas, fundos de investimentos, governos e pessoas físicas em negociações, na maioria das vezes, suspeitas, cujos contratos são recheados de artifícios, que servem para burlar a legislação existente nos países alvos.

            O mesmo Instituto, Senador Mozarildo, assinala que a maior parte desses solos é adquirida na África e no Brasil, onde os custos de produção e dos imóveis rurais ainda estão baixos para a capacidade de cada um desses megaempresários grileiros.

            De acordo com o Incra, mais de 4 milhões de hectares de terras agrícolas brasileiras já estão registrados em nome de estrangeiros. É outro dado estarrecedor: mais de 4 milhões de hectares estão registrados em nome de estrangeiros.

            Consulto V. Exª se deseja um aparte, que é mais bem-entendido que eu nessa área, porque vive este problema na sua Região Amazônica, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Vital do Rêgo, eu vinha ouvindo o pronunciamento de V. Exª, resistindo em fazer um aparte para não interromper o seu brilhante raciocínio. Realmente, é muito preocupante a questão das terras no Brasil, mais notadamente na Amazônia. É bom que se frise que a Amazônia responde por 61% do território brasileiro. Então, se continuarmos esta política de não ligar para a questão da Amazônia... O interessante é que há um paradoxo, Senador Vital: para aqueles que estão lá, os 25 milhões de habitantes, há todo tipo de entrave para haver uma regularização fundiária. Inclusive já se editou uma MP, chamada MP da Regularização Fundiária da Amazônia e, mesmo assim, os recursos para proceder a essa titulação são muito precários por parte dos órgãos, seja dos governos estaduais, seja por parte do Governo Federal. Quando se trata de governo estadual, aí a coisa entra por um “pantanal” de complicações e de corrupção que é absurdo. No meu Estado mesmo, quanto a esta questão das terras, o Ministério Público Estadual já está pesquisando, a Polícia está investigando, porque são terríveis os indícios de uma espécie de cartel, formada por um grupo de proprietários, no caso específico do Mato Grosso, mas podem ser só laranjas. O certo é que precisa, sim, ser feita a regularização das terras, porque existe muita gente que tem terra na Amazônia, morando lá há décadas e décadas, e não consegue regularizá-la, e outros que chegam do dia para noite e conseguem essa regularização. Então, essa questão das terras, no Brasil todo, mas notadamente na Amazônia, é uma questão, diria, de soberania nacional, de segurança nacional.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - É verdade.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - O que é pior: até na faixa de fronteira, em que a Constituição prevê uma série de impedimentos. No entanto, isso não vem sendo respeitado. Eu quero aqui, inclusive, dizer que me solidarizo inteiramente com o alerta que V. Exª faz, com dados inclusive, dados importantes, e chamar a atenção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra, para a questão das terras no meu Estado.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Senador Mozarildo, V. Exª ilustra este modesto pronunciamento, trazendo casos concretos. Como disse na apresentação do seu aparte, V. Exª tem muito mais base pela experiência in loco na região, para discutir esta matéria. Eu recolho o pronunciamento de V. Exª e digo que a sua presença ao meu lado, ombreando-me nesta discussão, é superiormente importante.

            Estou levando esta matéria para a Comissão de Relações Exteriores, para a Comissão de Meio Ambiente e também para a Comissão de Justiça. Estamos tentando fazer uma audiência conjunta. Estou conversando com os Srs. Presidentes dessas Comissões, para que esse assunto ganhe a repercussão necessária. O Governo Federal já está bastante preocupado. No final do Governo Lula, o Presidente, por vezes, anunciava medidas para conter as brechas da lei que possibilitam essa grilagem muitas vezes oficial. Por isso, o Congresso Nacional não pode ficar alheio a essa matéria, que reputo de soberania nacional, como bem frisou V. Exª.

            De acordo com o Incra, mais de quatro milhões de hectares de terras agrícolas brasileiras estão registrados em nome de estrangeiros. Todavia, na opinião do próprio Instituto, como os proprietários não declararam a nacionalidade, no cartório de registro - e V. Exª acabou de falar sobre a corrupção que muitas vezes impera nessas negociações e que um pequeno proprietário nativo tem profundas dificuldades para fazer a sua regularização fundiária, esses estrangeiros estão hoje, segundo o próprio Incra, com mais de quinze milhões de hectares. Quatro milhões estão registrados, mas, segundo o próprio Incra, na Região Amazônica e no Centro-Oeste há expectativas de mais de quinze milhões nas mãos dessas empresas, dessas pessoas que vêm de fora para ocupar no nosso espaço.

            No Mato Grosso, por exemplo, as terras produtivas estão em alta. Nessas extensões, as empresas “proprietárias”, de origem asiática, árabe, europeia e norte-americana, investem, principalmente, na produção de grãos, cana-de-açúcar, algodão e na plantação de eucalipto para a indústria de celulose.

            Segundo especialistas em política agrícola, a competição com o capital internacional já gerou uma especulação desenfreada e elevou o preço das terras em mais de 300% em várias partes do Centro-Oeste.

            É importante salientar que o Governo atual, a maioria da sociedade e dos meios políticos e diversas entidades representativas do setor agrícola estão muito preocupados com a continuidade dos abusos praticados pelo capital internacional no meio rural brasileiro. Todos acham que esse avanço sobre terras no Brasil está se tornando perigoso e exige uma fiscalização rigorosa.

            No apagar das luzes do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio de sua Consultoria-Geral, encaminhou ao Palácio do Planalto parecer recomendando o fechamento de brechas à compra de terras por estrangeiros, acima dos limites estabelecidos pela Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971. Apesar dessa decisão, os negócios de compra e fusão, por estrangeiros, de empresas brasileiras detentoras de imóveis rurais no País, continuam à deriva, sem a devida obediência às novas determinações.

            Em face da continuidade desses abusos, no dia 15 de março passado, a Presidente Dilma Rousseff decidiu bloquear todos os novos negócios de terras envolvendo investidores estrangeiros, com intuito de burlar relações já estabelecidas. Avisou mais ainda, que, a partir desse novo prazo, qualquer operação que contrarie as normas legais poderá ser suspensa pela Justiça.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a determinação do Palácio do Planalto é mais uma tentativa que visa a enquadrar o avanço ilegal de estrangeiros sobre nossas terras e a atuação de testas de ferro brasileiros que se recusam a respeitar a lei. É preciso que o Congresso Nacional se envolva nessa matéria.

            Como disse a V. Exªs, estamos encaminhando uma solicitação de audiência pública com estas três Comissões, Comissão de Justiça, Comissão de Relações Exteriores e Comissão de Meio Ambiente, para que nós possamos discutir, nesta audiência, essa questão, visando a aperfeiçoar a Lei 5.709, que, por força da sua longevidade, por ter sido produzida em outro momento, encontra-se permeada de brechas em que escala o capital especulativo internacional na compra e na grilagem de terras.

            Ao final deste pronunciamento, Senador Wilson Santiago, gostaria de agradecer ao Senador Anibal mais este gesto carinhoso de S. Exª, permutando com este orador o seu tempo regimental.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2011 - Página 10965