Discurso durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Explicações dos motivos que levaram S.Exa. a apresentar uma representação junto ao Ministério Público contra Paulo Bernardo, que hoje é o responsável pela pasta do Ministério das Comunicações; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXPLICAÇÃO PESSOAL.:
  • Explicações dos motivos que levaram S.Exa. a apresentar uma representação junto ao Ministério Público contra Paulo Bernardo, que hoje é o responsável pela pasta do Ministério das Comunicações; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2011 - Página 11573
Assunto
Outros > EXPLICAÇÃO PESSOAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, APRESENTAÇÃO, ORADOR, DENUNCIA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, RELAÇÃO, DECLARAÇÃO, PAULO BERNARDO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), PRESIDENTE, AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT), PERIODO, PROPOSTA, CONSTRUÇÃO, TREM DE ALTA VELOCIDADE (TAV), REGIÃO SUL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, na verdade, eu estava inscrito em segundo lugar.

            Quero, hoje, fazer menção a uma questão que me preocupa muito, que é a questão do trem-bala.

            O Senador da minha Bancada pelo Espírito Santo, Ricardo Ferraço, desmontou, no plenário e na nossa reunião interna, a lógica técnica e a engenharia financeira do projeto, mas, mesmo assim, de forma avassaladora, o projeto foi aprovado no plenário, se não me engano com dezessete votos contrários apenas. Eu me opus com firmeza, com dureza, a esse projeto, não só porque questiono sua viabilidade técnica.

            Senador Walter Pinheiro, vou dar-lhe aqui, rapidamente, o exemplo francês de transporte de massa. A França, inicialmente, criou o metrô, para dar velocidade à locomoção interna de seus cidadãos, mas o metrô, rapidamente, foi saturado, inviabilizou-se. Posteriormente, a França criou o RER, um trem rápido, que ligava a periferia de Paris ao centro da cidade, sem paradas. O que ocorreu, na verdade, foi que o centro histórico de Paris acabou saturado e degradado com o uso extraordinariamente intenso desse trem por um número fantástico de pessoas. Os urbanistas se debruçaram sobre o problema e engendraram a proposta, hoje vigente na França e no mundo, da polinuclearização. Em vez dessa concentração, com trens ultrarrápidos, de pessoas em um mesmo local, há estruturação das cidades do entorno, que passam a ter autonomia, com qualidade de educação, com qualidade de lazer, com espaços culturais de qualidade também.

            Esta é a proposta que desenvolvi quando Prefeito de Curitiba e quando Governador do Estado, em nível de nosso espaço geográfico: em vez de usar transportes de massa, potencializar cidades médias e potencialmente médias, evitando os inadministráveis mega-aglomerados.

            Por isso, entre outras razões, coloquei-me contra o trem-bala, mas o que me preocupou, realmente, foi a equação financeira e o fato de que algumas pessoas defenderam o trem-bala no Senado da República, na Comissão de Infraestrutura.

            No Paraná, tive uma situação parecida e acabei fazendo uma representação, em função dessa situação, ao Ministério Público Federal, em relação ao Ministro Paulo Bernardo e ao atual Presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo.

            Hoje, venho aqui, Senador Walter Pinheiro, Senador Alvaro Dias, Senador Paim, prestar esclarecimentos a respeito de uma representação que fiz ao Ministério Público Federal sobre declarações do Ministro Paulo Bernardo.

            Vamos aos fatos: em 2007, quando eu era Governador do Paraná, recebi, na residência oficial do Estado, o então Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o Sr. Bernardo Figueiredo Gonçalves de Oliveira, à época assessor da Casa Civil da Presidência da República. Em dado momento, o Ministro revelou que o motivo central de sua visita era propor uma Parceria Público-Privada (PPP), talvez a primeira a ser realizada no País, para a construção de uma variante ferroviária entre os Municípios de Guarapuava e de Ipiranga, o que resolveria o gargalo ferroviário existente entre Guarapuava e o Município de Ponta Grossa.

            Abro, aqui, um parêntese para dizer que essa ferrovia, a famosa Ferroeste, foi construída no meu primeiro governo, com recursos exclusivos do Estado do Paraná, em parceria com o Exército Brasileiro, que operou a obra.

            Aquela variante ferroviária teria uma extensão de 110 quilômetros, integraria as obras do PAC e, segundo o Ministro, teria um custo de R$540 milhões. E, para que a PPP se efetivasse, queriam a anuência do Governador do Estado. Na verdade, esclareça-se, não havia razão jurídica ou administrativa para que o Governador devesse consentir com a proposta. Diante do valor apresentado, manifestei minha discordância, afirmando que a obra poderia ser feita com o custo entre R$150 milhões e R$220 milhões, preço esse divulgado no próprio sítio, na própria página do Ministério do Planejamento. Realmente, também a concessionária que seria beneficiada com a PPP, a América Latina Logística (ALL), declarou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em dezembro de 2008, que a construção da variante Ipiranga-Guarapuava custaria R$220 milhões.

            A par do preço abusivo revelado pelos meus visitantes, outra particularidade da proposta desagradou-me. Para fazer a obra, a ALL deixaria de pagar ao Tesouro Nacional o arrendamento previsto no contrato de concessão pelo uso da antiga Rede Ferroviária Federal, deixaria de pagar o valor anual de R$52 milhões, um perdão da União para estimular a construção da variante. Esse valor seria redirecionado pela concessionária para pagar o financiamento da obra, a ser concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ou seja, a empresa receberia o financiamento, e quem pagaria o BNDES seria a União. Quer dizer, a concessionária privada utilizaria recursos públicos - ou seja, os valores devidos pelo arrendamento da malha federal - como se fossem recursos próprios, para amortizar o financiamento público da obra. Ao dizer um claríssimo “não” ao negócio, para o qual o Ministro do Planejamento e o assessor da Casa Civil queriam minha concordância, evitei que o BNDES fosse envolvido em uma operação lesiva ao patrimônio público, à economia popular e ao próprio Banco.

            Em artigo intitulado “Os caçadores de concessões no Brasil e o fantasma de Percival Farqhuar”, a Professora Ceci Juruá, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, descreve a compra, pela ALL, da Brasil Ferrovias e da Novoeste, por R$3 bilhões, sem gerar saídas de caixa, sem desembolsar um centavo: “Houve apenas troca de ações e assunção de dívidas”. Isso foi feito com a intervenção do BNDES, transformando debêntures em ações, para equilibrar dívidas e o valor acionário das duas ferrovias em disputa.

            Ora, se a compra da Brasil Ferrovias e da Novoeste por R$3 bilhões, sob a proteção do BNDES, sem que a ALL pagasse um único centavo, causava indignação na consciência crítica nacional, o que não dizer da proposta que faziam ao Governador do Paraná o Ministro do Planejamento e o Sr. Bernardo Figueiredo, por sinal, ex-sócio da ALL? A proposta que me faziam significaria, praticamente, dar de presente à ALL uma ferrovia, combinando-se, ainda, sobrepreço na obra, renúncia do Tesouro ao recebimento de R$52 milhões por ano, financiamento do BNDES e direito à cobrança de pedágio por décadas, por parte de quem tinha a titularidade da obra e de quem usasse a ferrovia, tudo isso em benefício da futura sociedade a ser criada pela ALL e pela empreiteira que a ela se associaria na construção do trecho, pois, como me informavam os visitantes, concluída a obra e colocada em operação a variante ferroviária, esta seria de propriedade de uma sociedade de propósito específico, que seria detentora do direito de exploração e cobraria um valor determinado pelo uso do trecho, o que, na prática, constituir-se-ia um “pedágio ferroviário”, que chegou a ser estimado por técnicos do setor em US$6 a tonelada.

            Sobre os riscos que o negócio poderia significar para o Erário, acrescento ainda opinião da já citada Professora Ceci Juruá, que, em uma palestra sobre concessões onerosas, feita em agosto de 2005, dizia:

(...) a ALL é forte candidata a uma PPP para a construção da variante Ipiranga-Guarapuava, que, no entender de engenheiros e ex-empregados da Rede Ferroviária Federal, não é a melhor alternativa nem para os usuários da ferrovia nem para o Estado do Paraná.

            De fato, implantada a variante ferroviária, ela acarretaria um aumento de custo para a produção agrícola e agroindustrial do oeste e sudoeste do Estado do Paraná, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e do Paraguai. Essas regiões são atendidas pela Ferroeste, estatal ferroviária paranaense, que teria de pagar pedágio pelo uso da variante para chegar a Ponta Grossa, à região de Curitiba e aos portos de São Francisco e de Paranaguá, elevando os seus custos. Teríamos de pagar pedágio para uma variante construída com dinheiro público e apropriada por um empreendimento privado de propósito específico. Com isso, maior seria o curto de transporte, maior seria o custo dos produtores agrícolas, menores seriam os seus rendimentos.

            Como é do conhecimento de todos, a maior parte dos produtos exportados pelas regiões citadas são commodities agrícolas, quer dizer, produtos com preços fixados internacionalmente em bolsas de mercadorias.

            O porto de Paranaguá, o maior porto graneleiro da América do Sul, para onde toda essa produção é carreada, também teria os seus custos elevados.

            Resumindo: haveria diminuição da competitividade da nossa agricultura, freio ao desenvolvimento paranaense. Foi por isso também que eu disse “não” à proposta do Ministro Paulo Bernardo e do Bernardo Figueiredo. Afinal, construí a Ferroeste, iniciada no Governo do meu antecessor, Alvaro Dias, em meu primeiro mandato como Governador, entre 1991 e 1994, exatamente para baratear os custos da produção agropecuária paranaense, investimento que poderia ser anulado com o pedágio a ser imposto na variante Ipiranga-Guarapuava.

            Lembro ainda que, em outubro de 2005, ofício do Governo do Estado alertava o Governo Federal acerca da resistência das entidades de engenharia paranaenses em relação à variante Ipiranga-Guarapuava, considerada por elas técnica e operacionalmente inadequada e socialmente indesejável, que, em prazo médio, produziria “graves problemas logísticos para o Paraná e para o Brasil”.

            Destaco o seguinte trecho do ofício: “(...) as entidades da sociedade civil engajadas na solução do problema consideram demasiado elevados os custos da variante atualmente divulgados, quando comparados com números publicados anteriormente”. Carta com idêntico teor foi enviada ao Ministério dos Transportes.

            A minha manifestação, Senador Crivella, fundamentava-se no dever de bem representar a sociedade paranaense, que, por meio de suas entidades, em audiência comigo, solicitou que eu alertasse o Governo Federal sobre os graves defeitos técnicos, econômicos, sociais e éticos - o preço da obra - que o projeto da variante ensejava. Logo, quando o então Ministro do Planejamento e o Assessor da Casa Civil procuraram-me para propor o negócio, eu já sabia muito bem do que se tratava.

            Na representação que fiz ao Ministério Público Federal, anexei informações biográficas e das atividades públicas e privadas do Sr. Bernardo Figueiredo, acompanhante do Ministro Paulo Bernardo na referida visita. Há uma simbiose, Senador Crivella, entre as atividades públicas e privadas do Sr. Bernardo Figueiredo, uma espécie de agente duplo do capital privado e do Estado. Não sei, ao fim e ao cabo, exatamente a quem serve.

            As informações que aqui relato foram colhidas no curriculum vitae que o Sr. Figueiredo apresentou a este Senado, em outubro de 2008, quando sabatinado para ocupar o cargo de diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Em 1994, ele era chefe de gabinete do Presidente da Rede Ferroviária Federal e participou dos estudos preliminares para a privatização da ferrovia. Estava do lado do Estado, propondo a privatização da ferrovia. Em 1995, ocupa a Presidência da Interférrea S/A Serviços Ferroviários e Intermodais, uma empresa privada responsável por serviços auxiliares do transporte rodoferroviário. Quer dizer, em um ano, como funcionário público, arquiteta a privatização da Rede Ferroviária Federal. No ano seguinte, torna-se sócio de uma das empresas beneficiadas pela privatização por ele planejada. Dos principais trabalhos para a Interférrea, destaca-se sua participação na estruturação das concessionárias Ferrovia Centro Atlântica e Ferrovia Sul Atlântica, que, depois, se transformaram na ALL, da qual, posteriormente, o Sr. Bernardo Figueiredo vem a ser membro do conselho administrativo.

            Em 1996, a Ferrovia Sul Atlântica, depois ALL, com a participação da Interférrea, presidida pelo Sr. Figueiredo, arremata toda a malha ferroviária do Sul do País e, na sequência, participa da privatização de outros trechos ferroviários.

            Entre 1999 e 2003, o Sr. Bernardo Figueiredo ocupa a direção executiva da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), entidade integrada exclusivamente por concessionários ferroviários privados e cuja função é defender os interesses destes junto ao Governo Federal.

            Como diretor da ANTF, o Sr. Figueiredo ganhou assentou na Comissão Federal de Ferrovias do Ministério dos Transportes (Cofer), precursora da Agência Nacional dos Transportes Terrestres, a ANTT, como representante dos interesses privados então.

            Em 2004, mais uma vez, o Sr. Bernardo Figueiredo transita do privado para o público, depois de transitar do público para o privado. Ele assume a Diretoria Administrativa e Financeira da Valec, uma empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes, responsável pela construção de ferrovias federais. Na Valec, o Sr. Figueiredo elabora o Plano de Revitalização das Ferrovias, centrado nas tais Parcerias Público-Privada, as PPPs, Senador Walter Pinheiro, onde o governo entra com tudo, e os empresários colhem os lucros.

            De 2005 a 2007, Bernardo Figueiredo atua como assessor especial da Casa Civil, e é nessa condição que o recebo na casa oficial do Governo do Paraná, em 2007, e ouço dele e do Ministro Paulo Bernardo a proposta de construção da variante ferroviária Ipiranga-Guarapuava. Senador Walter Pinheiro, diante do absurdo que me propunham, interrompi abruptamente a reunião e pedi aos dois, ao Ministro e ao assessor da Casa Civil, que se retirassem.

            Registre-se ainda, para completar a biografia do Sr. Bernardo Figueiredo, que, em 2008, ele foi nomeado diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT. Num dia, era Presidente da associação que reúne as empresas privadas do setor ferroviário, a ANTF; noutro dia, diretor da agência pública responsável pela fiscalização das empresas privadas, a ANTT. De tão semelhantes, as siglas, na verdade, confundem-se.

            Srªs e Srs. Senadores, o processo para a construção da variante Ipiranga-Guarapuava, depois que eu disse “não” à proposta do Ministro e do assessor, acabou sendo detido.

            Levei o caso, Senador Walter Pinheiro, ao conhecimento do Governo Federal, e assim isso ficou, até que, em 2009, o então Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse, em entrevista a um jornal paranaense, que eu, Governador do Paraná, impedia investimentos privados no Estado. A mesma coisa está ocorrendo agora, quando nos opomos não a um investimento público que beneficia São Paulo e Rio de Janeiro, mas a uma engenharia financeira e a um projeto criminoso que se convencionou chamar de trem-bala. É criminoso por todas as vertentes e por todas as visões que existem sobre sua finalidade política e técnica.

            Como, de fato, eu impedia esse tipo de investimento, denunciei a proposta do Ministro e do assessor ao Ministério Público Federal.

            O SR. PRESIDENTE (Walter Pinheiro. Bloco/PT - BA. Fazendo soar a campainha.) - Senador, prolongo o seu pronunciamento por mais um tempo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Essa, Sr. Presidente, é a verdade dos fatos.

            É evidente que uma denúncia dessa é sempre dolorosa para mim, que fui um combatente da candidatura da nossa Presidenta Dilma Rousseff. Mas tenho a certeza de que, quando fiz a denúncia ao Ministério Público Federal e quando a trago para o Senado, para dar conhecimento disso à Nação, desta tribuna, estou prestando um serviço ao País e, sem a menor sombra de dúvida, um serviço à nossa Presidenta.

            Obrigado pela condescendência com o tempo, Sr. Presidente.


Modelo1 5/19/246:02



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2011 - Página 11573