Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembrança do transcurso, ontem, de 25 anos da explosão dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, com críticas ao uso da energia nuclear como fonte alternativa e ao excesso de consumo em detrimento do bem-estar social.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Lembrança do transcurso, ontem, de 25 anos da explosão dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, com críticas ao uso da energia nuclear como fonte alternativa e ao excesso de consumo em detrimento do bem-estar social.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2011 - Página 13115
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, EXPLOSÃO, USINA NUCLEAR, PAIS ESTRANGEIRO, UNIÃO DAS REPUBLICAS SOCIALISTAS SOVIETICAS (URSS), CRITICA, UTILIZAÇÃO, ENERGIA NUCLEAR, SUPERIORIDADE, RISCOS, ACIDENTE NUCLEAR, PERIGO, POLUIÇÃO, RESIDUO, TOXICIDADE, DEFESA, INVESTIMENTO, ENERGIA EOLICA, ENERGIA SOLAR, IMPORTANCIA, ALTERAÇÃO, CONDUTA, CIDADÃO, REDUÇÃO, CONSUMO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT- DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, como alguns já falaram aqui, é o Dia da Educação. Mas eu não vou falar sobre educação, até porque, para mim, todo o dia é dia da educação e para a educação.

            Eu quero falar, hoje, de uma das datas mais significativas do ponto de vista não positivo - mas, de qualquer maneira, do seu impacto em todo o Século XX -, a data de ontem, em que nós lembramos os 25 anos da explosão dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, que ficava na então União Soviética, no que hoje é a Ucrânia.

            E por conta de quê? Naquela explosão, o mundo inteiro percebeu o risco implícito nessa alternativa energética que é a energia nuclear, uma energia que parece limpa, não precisa de lagos, com todas as consequências dos lagos das hidroelétricas para a biodiversidade; não gera poluição, como toda a energia que é resultado dos combustíveis fósseis; não se esgota praticamente, como combustível fóssil, a energia que parece ideal. Entretanto, é uma energia ideal de um risco tão profundo que nós devemos tomar um cuidado tremendo ao optar por essa alternativa.

            Faz dois anos, Sr. Presidente, que fui a Chernobyl. Eu estive lá. Eu estive lá depois de muitas tratativas de negociações com as autoridades ucranianas, depois de receber o apoio da Embaixada do Brasil.

            E saímos de Kiev, andamos 70, 100 quilômetros, até chegar dentro de uma imensa região que hoje é cercada, na qual só se pode entrar com autorização e por um curtíssimo prazo. Atrevi-me até a ficar mais do que é absolutamente recomendável, ficando seis horas, inclusive almoçando ali, obviamente, com comida vinda de muito longe, porque, ao redor, toda produção é absolutamente proibida de ser consumida porque é contaminada e porque vai continuar contaminada, não por um ano, dois anos, três anos, não por centenas de anos, Senador Valadares, mas por milhares de anos.

            Eu vi, em Chernobyl, o que é a tragédia da energia nuclear, quando acontece um acidente. Eu vi uma cidade abandonada completamente, tomada pelas árvores que crescem por dentro das casas. Eu vi a tragédia de uma cidade abandonada em poucas horas em que todos tiveram que sair sem levar nada, nem os documentos, apenas vestidos porque não poderiam sair sem roupa e, mesmo esta, rapidamente, era substituída por outra mais adiante. Eu vi parque de diversão para criança, que seria inaugurado no dia seguinte e que está da mesma forma hoje, como se fosse uma múmia conservada inútil. Eu vi os prédios - e esses prédios se parecem muito com Brasília, Senador João Vicente - onde moravam os funcionários, uma cidade de 70 mil habitantes, absolutamente abandonados, fantasmagóricos, tomados pelas árvores. E a cidadezinha antiga, com suas casas antigas e tradicionais, essas, a maior parte já se derrubando pelas árvores que crescem dentro delas.

            Mas essa tragédia visível, inclusive, chegando bem perto do chamado sarcófago, a antiga usina coberta de concreto, e a gente pode chegar perto, desde que, por pouco tempo, tudo isso é pouco, diante dos invisíveis problemas que aquele acidente provocou. Fiquei seis horas ali dentro e, ao sair, tive que passar por detector de radioatividade, porque a consequência sobre o corpo de uma pessoa pode ser diferente de outro, e eles têm que ver se a gente está carregando ou não radioatividade, se a gente pode ir de volta para o hotel ou tem que ir direto para um hospital.

            Mas tudo isso é pouco quando a gente olha o que aconteceu com aquela população e com aquela região. Hoje são milhares de hectares inúteis. A terra é como se estivesse podre, do ponto de vista da contaminação e dos efeitos que coloquem tudo que se plantar ali. Nada que se planta ali pode ser digerido. Tudo que se planta ali traz radioatividade. E essa radioatividade - aí é que está a tragédia invisível - gera problemas sérios de saúde e muito de morte.

            Ontem eu li, no jornal, que morreram 46 pessoas em Chernobyl. E 46 pessoas é o número dos que morreram por causa da explosão, mas só de bombeiros que foram levados ali, só os pilotos de helicópteros para deixar cair o concreto, que a gente viu pela televisão, todos aqueles morreram. Todos morreram em poucas semanas. Todos! E muitos, até hoje, estão sofrendo sérios problemas de saúde, mesmo que não tenham morrido.

            O guia que me levou, que morava em Kiev, a quase 100 quilômetros de distância, a sua filha, até hoje, sofre de problemas de tireóide, tem que estar constantemente medicada, tem deficiências, dificuldades para trabalhar. Como ela, são centenas de milhares. As estimativas mais sérias de morte, fala-se entre 90 mil e 110 mil; não no dia, não na semana, mas ao longo dos anos até 2002. Ou seja, durante 15, 16 anos. E essas vítimas vão continuar ainda este ano, e no próximo e no próximo. Vai demorar muito tempo para que digamos que morreram de velhice os que estavam perto de Chernobyl naquela época.

            A tragédia que ali aconteceu merece uma reflexão profunda sobre todos aqueles que acreditam que a energia nuclear é a alternativa. E aqui está um que diz que ela poderá vir a ser, Senador Valadares. Poderá vir a ser quando resolvermos dois problemas: primeiro, da engenharia civil da construção, uma engenharia civil que será capaz de resistir aos tsunamis, aos terremotos, a um meteoro que cai em cima, a um avião que mergulha ali em cima, por obra de um terrorista, ou por causa de um acidente. Essa engenharia civil ainda não está pronta para garantir. E qual é a melhor prova disso? Fukushima. Fukushima é a prova de que a engenharia civil não está pronta para resistir aos problemas que possam surgir e que destruam a estrutura da engenharia civil.

            Agora, além da engenharia civil, um outro problema que precisa ser resolvido é de onde guardar os resíduos daquelas usinas. Esses resíduos carregam dimensões altíssimas de radioatividade, que podem, por qualquer descuido, vazar, se não tivermos formas de blindagem profunda.

            Nós aqui do centro-oeste do Brasil não lembramos quando, há alguns anos, aqui em Goiânia, uma minúscula partícula de césio gerou a morte de diversas pessoas, gerou a contaminação de muitas outras, que até hoje estão doentes, e exigiu recursos muito altos para guardar tudo que estava ali, inclusive a terra, em contêineres dos quais não pudesse sair a radioatividade.

            Isso merece uma reflexão. Qual é o melhor caminho? O melhor caminho é fazer energias nucleares hoje, acreditando que elas não vão dar problema? De fato, a imensa maioria das usinas nucleares não deu nenhum problema até hoje. Nós tivemos uma nos Estados Unidos que deu algum problema, tivemos Chernobyl, que foi uma tragédia, tivemos Fukushima, que foi perto. Na França, 80% da energia é nuclear e nunca houve problema. Mas será que a saída é continuar a fazer essas usinas agora, sabendo que, quando elas tiverem um problema, será uma tragédia geral, ou dar uma moratória, como defendo? Vamos dar uma moratória de trinta anos! Se, daqui a trinta anos, a engenharia permitir fazer as centrais nucleares com tranquilidade, teremos de comemorar, porque elas são mais limpas do que as outras fontes de energia.

            Mas por que não buscar também outras fontes alternativas de energia? Por que não investir mais na busca da energia eólica - que hoje já está tomando conta de grande parte da Europa -, que, com os ventos e um gerador, se produz energia elétrica? Por que não investir mais em energia solar? Já há cidades na Alemanha em que não se compra energia, vende-se energia. Porque, da energia que você tem produzida pela fonte solar no teto de sua casa, você consome o que precisa e tem um excedente para exportar, colocando-o na rede. Essa seria a grande saída de um país como o Brasil, que tem tanto sol. Imaginem até a beleza poética de se dizer: você não vai mais comprar energia; vai vender a energia que a sua casa produz em excedente daquilo que você consome.

            Existem essas fontes alternativas. Mas quero provocar aqui uma discussão maior, Senador Valadares. Por que não pensarmos, em vez de energia nuclear, de hidrelétrica, eólica, solar... Ou, então, por que não pensarmos, junto com isso, numa outra alternativa: reduzir o consumo de energia? Pequenos gestos permitem a gente ter energia sobrando. Vou dar o exemplo daqui, de onde nós estamos.

            Outra arquitetura permitiria a gente ter o mesmo conforto com menos energia. O fato de termos um Congresso como se fosse uma caverna, onde toda luz depende da energia produzida pelo homem, não pelo sol; onde, para não nos afogarmos, precisamos, eu diria, do oxigênio que vem pelo ar-condicionado, porque aqui dentro não tem oxigênio suficiente para todos respirarmos... Outra arquitetura já permitiria reduzir o consumo de energia.

            Outro sistema de transporte, que não baseado no automóvel particular, privado, com duas ou três toneladas para carregar oitenta ou cem quilos de passageiros, permitiria reduzir energia.

            A quantidade de bens que a gente consome poderia ser reduzida...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Em homenagem às vítimas de Chernobyl, Senador Valadares, eu gostaria de pedir um pouco mais de tempo.

            Por que não pensarmos em uma economia que não precise produzir tanto e em que não precisemos consumir tanto? Por que não pensarmos nessa ideia, que hoje parece maluca e que começa a tomar conta de alguns grupos de intelectuais na Europa, chamada “decrescimento para a felicidade”? Em vez de comemorarmos o Produto Interno Bruto, comemoremos o bem-estar. Se for com maior Produto Interno Bruto, muito bem. Mas e se for com menos Produto Interno Bruto?

            Um belíssimo sistema de metrô não eleva o Produto Interno Bruto como a produção de automóveis, mas traz muito mais bem-estar, porque é um transporte eficiente e rápido, do que a produção de automóveis, que, depois, ficam engarrafados nas ruas apertadas que vamos ter e que temos que continuar tendo.

            Além disso, essas ruas apertadas e essas calçadas é que geram as tragédias das inundações urbanas como as dos últimos meses no Brasil. As águas se revoltam. Quando elas não têm para onde ir, elas passam por cima do que estiver pela frente.

            Tudo é resultado de um modelo de civilização baseado no aumento do consumo de uma maneira esquizofrênica e, por isso, de um aumento esquizofrênico da produção, e daí uma necessidade esquizofrênica de energia, e daí a queda na tentação das centrais nucleares.

            É o excesso de consumo que leva ao excesso de produção, que leva ao excesso de energia, que leva a tragédias, como a de Fukushima e a de Chernobyl Em Chernobyl, em parte, pela irresponsabilidade de engenheiros que estavam lá dentro e decidiram testar até aonde iam os limites do reator; em Fukushima, por causa da rebeldia da terra, provocando um terremoto lá no subsolo do mar e daí vindo o maremoto.

            Nós temos de pensar, aproveitando esses 25 anos do desastre de Chernobyl, sobre qual alternativa nós queremos: energia nuclear à vontade, apesar do risco; hidrelétricas à vontade, apesar das consequências de deslocar tribos indígenas, de acabar com recursos naturais e inclusive culturais e de matar uma diversidade inteira; ou energia alternativa; ou tudo isso junto - Senador Valadares, vou terminar -, com uma mudança mais radical da sociedade, uma coisa mais radical, que permita a todos nós vivermos sem necessidade de tanta energia como a que consumimos.

            É possível, sim, reduzir o consumo de energia. Este País, inclusive, demonstrou isso, quando houve o chamado “apagão” e nós conseguimos, simplesmente, poupar energia. Não foi nem mudar o perfil do consumo para que houvesse a redução da energia; foi simplesmente controlar melhor os interruptores domésticos de energia elétrica, controlar melhor os gastos de energia nos fluxos industriais. Isso é possível. Isso não significa nenhuma revolução. Isso não significa nenhuma mudança estrutural. Isso significa uma mudança de mentalidade, significa uma revolução de mentalidade.

            Concluo dizendo: quem sabe aquelas vítimas de Chernobyl e, agora, as vítimas de Fukushima nos permitam refletir se o caminho é mais energia nuclear, é mais energias alternativas, ou se o futuro não é mesmo nós podermos construir a felicidade, o bem-estar, a saciedade, sem aumentar o consumo e, portanto, necessitando de menos energia.

            Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha a dizer.

            Agradeço o tempo que me foi concedido e a gentileza do Senador Diniz, que me permitiu falar no lugar dele.

            Muito obrigado, Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2011 - Página 13115