Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do transcurso, hoje, dos 123 anos da assinatura da Lei Áurea, que proporcionou, ainda que simbolicamente, a abolição da escravatura no Brasil; e outros assuntos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Registro do transcurso, hoje, dos 123 anos da assinatura da Lei Áurea, que proporcionou, ainda que simbolicamente, a abolição da escravatura no Brasil; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2011 - Página 16143
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, HISTORIA, LUTA, NEGRO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, APROVAÇÃO, DIVERSIDADE, PROJETO, PROMOÇÃO, IGUALDADE RACIAL.
  • REGISTRO, NOTICIARIO, IMPRENSA, IMPOSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, DIFICULDADE, IMPORTAÇÃO, PRODUTO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ELOGIO, ORADOR, ATUAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, RECIPROCIDADE, PROTECIONISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, eu quero, no dia de hoje, falar desta data simbólica e histórica que muitos contestam, porque dizem que não houve a verdadeira abolição. Claro que não houve a verdadeira abolição do povo negro, mas foi importante, sim, a assinatura, no dia 13 de maio, da Lei Áurea, que concedeu liberdade aos escravos. Para mim, só a palavra “liberdade” já tem uma força muito grande. Lembro, aliás, da canção que diz: “Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós (...)”. Mas falarei sobre isso em seguida.

            Antes, Sr. Presidente, quero cumprimentar aqui a Justiça. A Folha de S. Paulo noticiou a concessão de liminar que garante a revisão dos benefícios recebidos por 131 mil aposentados. Segundo a notícia, a Justiça obrigou o INSS a seguir decisão já tomada, no Supremo Tribunal Federal, e garantir os pagamentos em noventa dias. O aumento médio dos benefícios, limitados ao teto, de 1988 a 2003, é de R$184, mas é importante, sim, para os aposentados. Nas diferenças, eles vão receber até R$11.586.

            Resumindo, a Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar obrigando o Instituto Nacional do Seguro Social a pagar, em no máximo noventa dias, a revisão a cerca de 131 mil aposentados e pensionistas que tiveram o benefício concedido entre 1988 e 2003, porque foi usado um teto diferente para quem paga e para quem recebe. Parabéns à Justiça de São Paulo por essa decisão.

            Sr. Presidente, eu venho muitas vezes à tribuna, faço cobranças e, para alguns maus entendedores, faço críticas duras. Mas não são críticas duras. Eu, na verdade, quando venho à tribuna, procuro usar este espaço como alguém que quer fazer um alerta sobre situações mal resolvidas.

            E neste momento, Sr. Presidente, eu quero cumprimentar a Presidenta Dilma pelo decreto assinado ontem à noite. Eu mesmo, alguns meses atrás, vim aqui e disse: “Não dá para continuar. A Argentina está boicotando os produtos que vão do Brasil para aquele país”.

            Muito bem. A Presidenta Dilma tomou ontem a decisão que tinha que tomar. Brasil Econômico: “Brasil freia importação de carros e bate de frente com a Argentina”. Era preciso tomar uma decisão. Gazeta do Povo:

“Dilma enviou três avisos à Casa Rosada” [que nada fez]. Antes de adotar licenças prévias para a importação de veículos [...], medida que atinge os exportadores argentinos, o governo Dilma mandou três comunicados à Casa Rosada. Neles, expressava “grave preocupação” pela retenção de produtos brasileiros nas alfândegas do país. Não houve sequer resposta da Argentina.”

            Além de chocolates e ovos de Páscoa barrados, há uma série de licenças não-automáticas impostas pela Argentina a mais de quatrocentos produtos que prejudicam os brasileiros. Segundo fontes do nosso Governo, a maioria não foi analisada no prazo de sessenta dias, como determina a Organização Mundial do Comércio. A atitude afetou a indústria brasileira, que vende à Argentina máquinas agrícolas, eletrodomésticos, tratores, pneus e outros.

            Nesta semana expirou o prazo de análise de outras duzentas licenças não-automáticas. Enfim, a Argentina faz boicote a seiscentos produtos brasileiros e, por isso, a posição correta da Presidenta Dilma: geladeiras voltam a ser alvo de restrição junto com fogões e máquinas de lavar. Produtos estão retidos lá na alfândega da Argentina, Senador Romero Jucá. Por isso, eu destaco aqui a posição da nossa Presidenta.

            Está aqui o destaque no Estado de S.Paulo. Aqui, uma outra matéria na mesma linha, que achei interessante e que queria destacar, segundo a qual o Brasil retalia a Argentina. Mas não são os nossos jornalistas que estão dizendo isso.

            O Ministério do Desenvolvimento impôs barreiras contra importações de carros e autopeças de pneus. Essa medida correta do Governo brasileiro mata dois coelhos com uma só cajadada. Primeiro, porque responde à posição da Argentina, que estava boicotando produtos brasileiros.

            Mas é esta aqui que eu queria ler: Medida, diz ela - não vou dizer quem - é um atentado ao diálogo. Diz a Argentina. Em um comunicado emitido na noite de ontem, a Ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, criticou a medida brasileira, que complicaria a entrada de automóveis argentinos no Brasil e acusou a nós, brasileiros, de atentar contra o diálogo natural.

            Quem está atentando contra o diálogo natural são eles. E aqui eu li, Senador Romero Jucá, que o nosso Governo enviou três pedidos, três avisos e eles nem sequer responderam. Teve um momento em que tivemos que agir. Se vão trancar os nossos produtos lá, vamos trancar os de vocês aqui.

            Por isso, eu quero cumprimentar a Presidenta Dilma.

            Senador Romero Jucá, quero aproveitar a sua presença. Eu lhe confesso que ontem eu fiz aqui um pronunciamento sobre a questão dos autistas. E não sabia quem tinha feito um requerimento encaminhando para uma comissão. Aí fiz o pedido para ver. Eu disse que ia conversar com V. Exª e pedir a relatoria, na Comissão de Assuntos Sociais, para que possamos votar, mediante acordo, o projeto dos autistas.

            Então, eu faço aqui, de público, o apelo a V. Exª: que possamos votar o projeto dos autistas nesse acordo de Líderes e a Câmara possa apreciá-lo. Até porque, Senador Romero Jucá, temos uma sessão de homenagem pedida pelo Senador Cristovam Buarque, por mim e por tantos outros, e não há razão, agora, fazermos uma sessão de homenagem aos autistas, a partir do acordo que havíamos feito, se projeto não será mais votado.

            Nesse sentido, aproveito a sua presença e sabe o respeito que eu tenho por V. Exª.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PMDB - RR) - Claro, Senador Paulo Paim. E eu quero fazer duas observações. A primeira delas diz respeito à questão da relação do Brasil com a Argentina. Eu acho que o Governo brasileiro, a Presidenta Dilma, marcou uma posição correta, dentro de uma conjuntura que estava se vivendo de abusos e de ações inexplicáveis do lado do governo argentino. E, portanto, o Governo brasileiro tinha que se posicionar à altura. Posicionou-se e eu espero que, com esse posicionamento, se retome o diálogo, em igualdade de condições.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PMDB - RR) - E os produtos brasileiros parem de sofrer as demoras e os problemas, que V. Exª e os Senadores do Rio Grande do Sul relataram aqui diversas vezes neste plenário.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Diversas vezes.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PMDB - RR) - Não foi nem uma, nem duas vezes que eu vi V. Exª. Já ouvi o Senador Sérgio Zambiasi, antes, e agora a Senadora Ana Amelia, o Senador Pedro Simon falando reiteradas vezes dos problemas que estavam ocorrendo nas alfândegas, no ingresso dos produtos, na demora, na perda, inclusive, da questão dos modelos de máquinas agrícolas...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - De calçados, de máquinas agrícolas.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PMDB - RR) - De calçados, modelos de coleções que estavam vencendo e as coleções não adentravam no país. Então, por tudo isso eu acho que está correta a posição do Governo brasileiro. Na questão do projeto dos autistas, eu fui solicitado como Líder do Governo pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que gostaria de apresentar algumas colaborações, porque se trata de um projeto que, segundo o Ministério, que tem algumas ramificações e complexidades com o Ministério, e eles gostariam de fazer algumas sugestões ao projeto. Então, eu pedi que tramitasse na Comissão de Assuntos Sociais...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Eu assumi a relatoria.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PMDB - RR) - ... que é uma comissão específica também sobre o assunto, uma comissão que trata de questões sociais. E eu espero que, rapidamente, o Ministério do Desenvolvimento Social possa se posicionar, V. Exª, que é o Relator, possa acatar ou não, possa debater pelo menos as questões levantadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social, e, efetivamente, se possa contribuir para melhorar o projeto. Qual é a minha objetividade nisto? É aprovar um projeto que possa ser exequível do lado do Executivo, exatamente para que não se use depois a desculpa de que o projeto saiu com defeito ou saiu com algum tipo de problema e de que a gente não vai poder fazer determinada ação porque não foi, de certa forma, inserido de forma correta de acordo com a atribuição do Ministério. Então, o meu posicionamento foi muito mais de ajudar na execução do projeto, na viabilidade, na realidade de um projeto que seja aprovado e seja executado na prática, porque, sem dúvida nenhuma, os autistas merecem todo o nosso carinho, todo o nosso respeito e toda a nossa prioridade. Então, a posição do Governo é de melhorar, ajustar o projeto e votar rapidamente o projeto nesta Casa.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Fico satisfeito, Senador Romero Jucá, com a sua justificativa e me comprometo já com V. Exª, como assumi a relatoria por indicação do Senador Jayme Campos, de conversar com o Ministério para a gente ajustar as diferenças e permitir que o projeto volte ao plenário.

            Sr. Presidente, na verdade, eu disse a V. Exª que, no dia de hoje, não teria como eu não falar sobre o dia 13 de maio, que é o Dia da Abolição da Escravatura, e dizia eu que é uma data simbólica, e ela tem que ser lembrada. Lembro-me de que, quando ela foi votada, as galerias jogaram pétalas sobre os parlamentares, e também, no Brasil todo - como eu disse em outras oportunidades -, brancos, negros, índios, aqueles que amam a liberdade e a justiça dançaram, cantaram e festejaram aquele momento.

            Nessa linha, Sr. Presidente, começo lendo um pequeno poema que achei muito lindo. Em vez de ler no final, vou começar na abertura.

            Sr. Presidente:

“O caminho se faz caminhando”

Caminhantes, as tuas pegadas

São o caminho e nada mais;

Caminhante não há caminho,

O caminho faz-se ao andar.

Ao andar, faz-se o caminho

E ao olhar-se para atrás,

Vê-se a senda que jamais,

Se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,

Somente existem sulcos no mar”.

            O poema é de Antonio Machado, e talvez a metáfora aqui traduz o desafio e descreve a essência do desafio que é a nossa vida.

            A vida é um espaço de tempo que temos que percorrer com obstáculos que se apresentam nas mais variadas formas, seja com dificuldades, seja com belos momentos de felicidade.

            A vida descrita como um caminho nos ajuda, Senador Wilson, a perceber que temos metas a alcançar, horizontes a atingir. Dessa forma, orientamos a nossa caminhada.

            Hoje, 13 de maio de 2011, 123 anos da abolição da escravatura. Eu, num exercício, olhando, como digo, às vezes, além do horizonte, fecho os olhos para imaginar o caminho percorrido pelos descendentes de africanos até os dias de hoje. A dor com certeza é grande, é intensa e ainda é sentida na pele, na alma e no coração de todos aqueles que amam a justiça e a liberdade.

            Com os olhos fechados, eu posso ver famílias com homens, mulheres, idosos, adultos e crianças, de diversas tribos e etnias sendo capturadas no local de sua morada, do seu convívio, dos seus hábitos, onde lá eles tinham seus costumes.

            Eu fecho os olhos e vejo africanos amontoados nos porões dos navios negreiros, sem alimentos, sem luz, sem água potável, sem a mínima condição de higiene. Muitos não aguentaram e, ali mesmo, morreram durante a travessia. Mães e pais se jogando no mar, com a esperança somente de voltar para casa, de voltar, naquele momento tão difícil, para a sua pátria-mãe, que é a África. Eles se jogavam na água, mas não voltavam, eram tragados pelas águas.

            Fecho os olhos, Sr. Presidente, e sinto, sim, o peso da chibata. De dias e noites, trabalhadores, de sol a sol, sem a mínima dignidade, no pelourinho, construindo, no dia a dia, a riqueza do País.

            Fecho os olhos e vejo, por que não dizer, os meus antepassados, minha bisavó, meu bisavô, mulheres negras, crianças sendo estupradas pelos senhores de escravos.

            Fecho os olhos e vejo negras e negros sendo marcados como gado, amarrados ao pelourinho e sendo caçados como bicho no mato pelos chamados senhores de escravos.

            Fecho os olhos e vejo Zumbi, com nossos antepassados quilombolas, sendo massacrado. Vejo os lanceiros negros do Sul, que, depois de lutarem heroicamente na Revolução Farroupilha contra o poder imperial, foram desarmados e executados, porque queriam que se cumprisse a promessa de liberdade, ou seja, o fim da escravidão. Uns fugiram para os quilombos, e outros acompanharam o General Netto para o Uruguai. Quem quiser conhecer mais a profundidade dessa história é só assistir ao filme Netto Perde Sua Alma, baseado no livro do grande Tabajara Ruas.

            Isso, Sr. Presidente, jamais, jamais vamos esquecer. Como esquecer? Como alguém poderia esquecer se alguém lhe dissesse que a sua mãe, que a sua prima, que a sua filha, que a sua avó foi violentada? Claro que ninguém vai esquecer.

            Eu fecho os olhos, Sr. Presidente, e vejo que, no pós-abolição, os negros foram jogados ao vento, mas resistiram e, graças a sua criatividade e espírito quilombola, resistiram e lutaram contra o isolamento social. Mas, em meio a tanta amargura, tanto sofrimento e dor, podemos relatar para as nossas crianças, para os nossos jovens que, nesta data histórica, podem contar com este Senador negro, quilombola com muito orgulho, aqui, no Congresso Nacional e com tantos outros milhares e milhares de lutadores brancos e negros que dão a sua vida pela liberdade e pela igualdade. E por que não lembrar de Gandhi e de Mandella?

            Hoje é 13 de maio de 2011. Agora, não com os olhos fechados, mas com os olhos bem abertos, leio aqui e conclamo o Senado Federal a aprovar o PLC 180, de 2008, que não é deste Senador, é da Deputada Nice Lobão - e, aqui, lembramos do Senador Edison Lobão e do seu filho Senador, que, hoje, sofreu um acidente. É ali, no projeto Nice Lobão, que se estabelece reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, sendo um percentual destinado a negros, indígenas, portadores de deficiência e, naturalmente, para os pobres.

            Hoje, com os olhos abertos, eu conclamo o Senado Federal a votar a PEC nº 02/2006, de nossa autoria, que estabelece o Fundo de Promoção da Igualdade Racial.

            Hoje, com os olhos abertos, eu conclamo o Senado Federal a aprovar o PLS nº 113/2008, que apresentei e que institui o Centro de Integração Quilombola, que gosto de chamar de Quilombos do Amanhã, que reunirá arte, educação, história, esporte e cultura.

            Hoje, Sr. Presidente, com os olhos abertos, peço ao Senado Federal que vote, também, o PL nº 5.352/2005, que apresentei lá em 2005 e que foi apensado ao projeto da Senadora Serys, que cria o Dia Nacional do Zumbi e da Consciência Negra. Do grande Zumbi e da consciência negra.

            Hoje, Sr. Presidente, com os olhos abertos, peço aos Ministros e à Presidente Dilma para que regulamentem os artigos do Estatuto da Igualdade Racial, que tramitou, por quase 20 anos, no Congresso. Graças ao apoio do Presidente Lula, ele foi aprovado, sancionado. Mas é preciso que ele seja regulamentado. Agora é lei! Mas só vai ser efetivamente aplicado a partir da regulamentação. Eu faço aqui um apelo a todos os ministérios e à Seppir, para que se somem para a regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial.

            Sr. Presidente, espero chegar, no dia 20 de novembro de 2011, já com a regulamentação dos artigos do Estatuto da Igualdade Racial. Vinte de novembro é a data da morte do grande líder Zumbi dos Palmares.

            Faço questão de dizer que o dia 13 de maio, na história do Brasil, mesmo que não tenha sido completo - e não o foi -, com todos os direitos que deveriam ser assegurados ao povo negro, é importante. É um marco na legislação brasileira, porque fala da liberdade, e a liberdade não tem preço. É claro que, nesta minha fala, em muitos momentos, a voz tranca um pouco por causa da emoção. Tenho certeza de que cada um de vocês assim também sentiriam nos momentos em que lembram a vida de seus antepassados.

            Hoje é 13 de maio. Não posso aceitar ainda que nós, aqui no Congresso Nacional, não tenhamos aprovado a PEC nº 438/2001, de autoria do ex-Senador Ademir Andrade, que combate o trabalho escravo. Não aprovar a PEC é o reconhecimento de que ainda vivemos no regime de escravidão em grande parte, ou pelo menos em pequena parte - e que bom que seja pequena - do povo brasileiro. Essa é uma atrocidade cometida contra negros e brancos. É triste ter que reconhecer que não conseguimos aprovar a PEC que combate o trabalho escravo contra negros e brancos.

            Sr. Presidente, há uma frequente indagação sobre como é ser negro em uma sociedade tão plural e constatar algumas manifestações de choques culturais.

            Por serem historicamente pobres, os negros sofrem preconceito até hoje, é um fato, sem motivo, eu diria, aparente. Examinando algumas pesquisas, podemos ver isso.

            Os negros, com certeza, devido à sua própria discriminação...Quando o IBGE faz pesquisa, vemos que nem todos os negros assumem que são negros, porque sabem que são discriminados por serem negros e muitos não querem que isso esteja em seu documento. Felizmente, estamos avançando e um número maior de negros está assumindo a cor da sua pele. Como é bom poder dizer: sou negro, sim. Os diversos movimentos sociais têm trabalhado nesse sentido.

            Acredito que, desde janeiro de 2008, quando os Estados Unidos da América, considerado na época um dos países mais racistas do mundo, elegeram um negro para a presidência da República, mudou o curso da história não só dos Estados Unidos, mas também do mundo.

            Quero chamar a atenção para o nível de consciência social, política e econômica que estamos avançando no debate contra o preconceito, contra todos os preconceitos, mas hoje estamos falando do preconceito contra o negro.

            Sr. Presidente, tomei conhecimento, por exemplo, recentemente, de que um estudante de psicanálise não encontra alguém que possa fazer o debate sobre o tema que escolheu para seu trabalho de conclusão do curso. Qual foi o tema que ele escolheu? A autoestima da raça negra. É a primeira vez na história que, nessa entidade, um negro busca um tema tão complexo para a sua dissertação. Vale a pena lembrar que há poucos profissionais negros nessa área. Inclusive, esse estudante, como eu dizia, está enfrentando dificuldades em encontrar um professor orientador para a sua tese, dada a escassez de conteúdos sobre o tema negritude dentro da psicologia.

            Senhoras e senhores, o movimento que visa a aumentar a consciência sobre a importância de assumirmos, cada vez mais, a nossa identidade, a nossa história, de olharmos para o passado com orgulho pelos nossos antepassados, aqui no Brasil, está avançando.

            Por exemplo, ninguém pode negar que as cotas das universidades já são uma realidade e que não houve, como muitos diziam, uma guerra entre brancos e negros. Pelo contrário, a nossa juventude - negros e brancos -, de forma sábia, está vivendo muito bem dentro das universidades. Aqueles que pregavam que isso seria uma guerra entre os que tinham a pele mais escura e os que tinham a pele mais clara tiveram de nos engolir, porque a maioria das universidades brasileiras aplicou a política de cotas, e eu tenho certeza de que o Supremo Tribunal Federal também vai decidir nesse sentido.

            É fato, também, que a ascensão dos negros na escala social, por menor que seja, sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimento. Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e não tolerar manifestações de sucesso dos negros.

            Acredito eu que a autoestima da raça negra vai-se manifestando de forma positiva ano após ano. Estamos avançando. Com certeza, nós caminhamos para um novo século, Senador Cristovam.

            Mas eu pergunto ainda: que outras reflexões podem ser feitas quando lembramos o aniversário de 120 anos da Abolição da Escravatura? É justamente nessa data que os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública mas quase solitária, sua catarse anual.

            Meus caros, quero citar, aqui, algumas ações relativas a esse dia tão especial.

            Destaco, com orgulho... Estou tecendo os meus elogios, eu que, recentemente, critiquei a Caixa pela morosidade quanto à questão das chamadas verbas a pagar para as prefeituras. Quero destacar um vídeo lindo sobre a escravidão, produzido pela Caixa Econômica Federal.

            A Caixa Econômica Federal criou, pela passagem dos seus 150 anos, um vídeo em que conta - e isso é educativo - que os escravos lutavam com todos os meios para obter a sua carta de alforria, e que os chamados escravos de ganho tinham direito a uma pequena parte do que seu trabalho rendia.

            O vídeo mostra que eles depositavam esse dinheiro na poupança da Caixa, até completar o valor de sua carta de alforria. Cediam o valor aos seus senhores, na época, e recebiam recibo.

            Ao final, o vídeo diz: “Assim, com esse recibo, eles tinham pago pelo bem mais valioso que uma pessoa pode ter; um bem que jamais deveria ter preço: a liberdade, a liberdade, a liberdade.”

            Sr. Presidente, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa realizará uma série de debates para tratar desse tema, que, ainda hoje, impacta grande parte da população brasileira. O primeiro será no dia 23 de maio, para tratar do Mapa da Violência no Brasil: soluções e desafios.

            Em recente pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça, de cada três jovens assassinados, dois são negros. O debate, com a presença da Cufa, da Secretaria de Direitos Humanos, terá foco nas soluções, como o Pronasci, e em outras ideias que lá serão colocadas, inclusive pelos universitários da Feevale, no Rio Grande.

            No dia 26 de maio, em audiência pública, provocada por este Senador e pelos Senadores Walter Pinheiro, Lídice da Mata e João Durval, às 9 horas, será o dia de debatermos os efeitos da contaminação do chumbo em Santo Amaro, na Bahia, terra de Dona Canô, terra onde Dom Pedro, como dizem, arriou os cavalos rumo a São Paulo, para dar o grito da independência, da liberdade, às margens do Ipiranga.

            Sr. Presidente, infelizmente, esta também é a terra do sofrimento. Estou me referindo a essa cidade, porque recebi ontem um vídeo mostrando casos da maior gravidade ocorridos lá, decorrentes da contaminação do chumbo, a partir de uma fábrica francesa.

            Convido todos para assistirem ao vídeo. Quem me passou o vídeo - vejam bem! - foi um Ministro do STJ. Ele esteve lá com uma equipe e filmou. Duzentas e cinquenta pessoas morreram nos últimos tempos; grande parte da população está contaminada pelo chumbo; as crianças estão nascendo defeituosas, o que não vou descrever aqui.

            O que o vídeo mostra é algo impactante. Eu vi as fotos das crianças e dos adultos. Fiquei abalado e indignado com o descaso com a população em que, a ampla maioria, lá em Santo Amaro, mais de 90%, eu diria mais de 95%, são negros.

            Nós vamos convidar para esse debate o Ministério da Saúde, o Ministério das Cidades, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Direitos Humanos, o Ministério do Trabalho, a Embaixada da França, porque os franceses são os responsáveis por essa contaminação lá em Santo Amaro - queremos que aqui esteja um representante da França -, a OAB, a Frente Parlamentar Quilombola, a Frente Parlamentar Ambientalista, o Prefeito de Santo Amaro. Também vamos convidar, e já falamos com o Senador Walter Pinheiro, alguém que represente, nesse debate, o Governo da Bahia. Vamos convidar também um representante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia e a empresa responsável pela contaminação de toda uma cidade pelo chumbo.

            A situação é grave. Precisamos criar uma força-tarefa para salvar a terra de Dona Canô.

            Pessoalmente, Sr. Presidente, farei todo o esforço possível para que esse momento tão grave que vive aquela população tenha uma resposta. Disseram-me um Procurador da República e um Ministro do STJ: “Parece-nos que,...

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - ...naquela área ali há (Fora do microfone.) a tática do silêncio”. Sabem que o fato é grave. Eu nunca vi algo semelhante. Estou com 61 anos, viajei por algumas partes do mundo e nunca vi algo semelhante! Funcionários do meu gabinete se retiraram da sala - sou obrigado a dizer - chorando. Isso não pode ficar assim! Por isso, vamos levar junto a esse debate, inclusive, a Inspeção do Trabalho.

            Vou solicitar à revista do Senado que faça um trabalho especial sobre Santo Amaro.

            Quero dizer também, Sr. Presidente, que, no dia 30, às 9 horas, faremos um debate sobre a diversidade no setor bancário para tratar da política de igualdade para negros, indígenas, brancos e pessoas com deficiência. Nós sabemos, sim, que a diferença salarial é gritante.

            Sr. Presidente, também faremos aqui, no plenário do Senado, no dia 30, uma sessão especial sobre os 102 anos do ensino técnico no Brasil, lembrando - e por que eu falo disso aqui? - Nilo Peçanha, o único negro que chegou à Presidência deste País e é patrono do ensino técnico profissional.

            No dia 31 de maio, encerrando os debates, nós faremos um debate sobre a situação das cotas no Supremo Tribunal Federal.

            Sr. Presidente, todas essas ações são um chamado para a consciência, para a reflexão...

            (Interrupção do som.)

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - ...sobre a qualidade de vida que os negros estão tendo.

            Sr. Presidente, eu peço - são somente mais duas folhas - a tolerância de V. Exª. Quando presido, nas segundas e sextas-feiras...Hoje, por exemplo, concedi 40 minutos para um Senador e 38 para um outro. Hoje é 13 de maio. Sei que os Senadores têm que viajar, mas, por ser 13 de maio, peço a V. Exª que eu possa concluir. São somente mais duas folhas para que eu concluo a minha fala.

            O SR. PRESIDENTE (Wilson Santiago. Bloco/PMDB - PB) - Pode concluir, Senador Paim.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Wilson Santiago. Bloco/PMDB - PB) - V. Exª já falou por 33 minutos, mas concedo-lhe mais três minutos para V. Exª concluir o seu raciocínio.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) -Acredito, Sr. Presidente. Agradeço a V. Exª. Por ser 13 de maio, talvez eu chegue aos 40 minutos hoje; o mesmo tempo que eu concedi a outros Senadores quando eu estava na Presidência, desde às 9 horas, mas o fiz com muito orgulho e satisfação. Foram belos pronunciamentos.

            Sr. Presidente, vou encerrar deixando uma reflexão para o coração de cada um que está assistindo a esta sessão, para aqueles que nos ouvem em suas casas, em seus trabalhos, ou em outro local.

            Outro dia, nesta tribuna, eu falava sobre a Cruz Vermelha e finalizei o meu pronunciamento com a seguinte frase: “Somos todos irmãos, independentemente da cor da pele”.

            Segundo o que o nosso Mestre disse há muitos anos, nós somos, de fato, irmãos, e é assim que Ele pede que cada um de nós trate o seu semelhante

            Meus caros, o que eu entendo por ser “gente” é ser alguém que sabe agir como irmão. Alguém que quer para o próximo o mesmo que ele quer a si mesmo. Alguém que se vê exatamente no mesmo patamar que o outro. Alguém que respeita o próximo e acolhe as diferenças, que não julga, porque tem consciência de que não é Deus; que ama o outro pelo simples fato de o outro ser obra, ele sim, do Criador, exatamente como Ele. Sim, porque Deus criou todos à sua imagem e semelhança. Ele não disse “criei alguns à minha imagem e semelhança”. Ele também não disse: “Esses são melhores porque são brancos, são negros ou são índios; esses porque nasceram em tal lugar, esses porque são mais jovens, esses porque não têm nenhuma deficiência”. Ele não disse nenhuma bobagem dessas.

            Se nós queremos de verdade praticar a igualdade, respeitar o ser que há em cada um, precisamos ter liberdade, mas liberdade de alma, de coração.

            Sr. Presidente, desqualificar ou negar o outro simplesmente porque ele é diferente de mim, é, sem dúvida, o que eu chamaria de escravidão do pensamento, é a prática da injustiça para o outro e para com a grandeza possível que existe dentro de cada um de nós.

            Sr. Presidente, nós podemos e devemos reeducar nosso ser interior, ensinando-o a respeitar a plenitude que existe no outro. Assim, conquistaremos a nossa própria plenitude. Esse é o grande passo que vai nos conduzir ao fim de todos os preconceitos, de todo tipo de discriminação.

            Eu agradeço muito, Senador Wilson Santiago.

(Interrupção do som.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - V. Exª foi generoso para com este Senador (Fora do microfone.), permitindo-me fazer, na íntegra, este pronunciamento neste 13 de maio.

            Quero cumprimentar, aqui, toda equipe de jornalismo daqui do Senado pela divulgação dessa revista que leva o título: A Escravidão que Precisa ser Abolida. Meus cumprimentos ao Diretor Sérgio Mesquita e a toda sua equipe. Nós lançamos lá na Comissão de Direitos Humanos, mas é uma obra do Senado, eu só tive a alegria de lançá-la na Comissão de Direitos Humanos. Senador Cristovam, para concluir minha fala.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Eu poderia fazer um aparte? Depois o senhor desconta do meu tempo. Eu sou o próxima orador depois do Líder Jucá, claro. Senador Paim, eu vim com receio de passarmos aqui uma manhã em que o 13 de maio não apareceria, passaria em branco. Aliás, essa é uma das raras expressões em que branco é pejorativo. Porque, quando se diz livro negro, diz-se a coisa está preta. Ninguém diz branco ser pejorativo. Mas passar em branco é a única hora em que o branco é visto de uma maneira negativa. Eu vinha preparado para falar sobre o 13 de maio, sobre o qual todo ano eu falo. Mas eu falarei sobre isso neste curto aparte. O aparte para dizer que, lamentavelmente, a gente comemora o 13 de maio, porque foi um grande momento da história do Brasil, mas, 123 anos depois, a Abolição está incompleta. Aqueles escravos que o senhor citou, que colocavam dinheiro na poupança para comprar a liberdade, comprovam o direito de ir e vir, mas eles não compravam terra, eles não compravam o direito à educação, porque não daria o dinheiro e porque eram proibido negros entrar nas escolas e ter terra. Então, era uma liberdade em relação às amarras da escravidão, mas não era uma liberdade no sentido da plenitude do ser. Hoje, a gente continua sem ter essa abolição completa por falta de educação de qualidade igual para todos, inclusive muitos brancos, os brancos pobres. Mas a gente sabe que, no Brasil, a pobreza tem uma cor. Ela é, sobretudo, negra. Então, é sobretudo sobre os negros que ainda pesa a educação sem qualidade. Por isso, hoje é dia de lembrar - e não há dúvida de que foi um passo importante - o dia 13 de maio, mas lembrar que já é tempo de a gente completar a abolição, garantindo escola igual para todos os brasileiros: os descendentes dos escravos e também os descendentes das outras etnias brasileiras.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Cristovam. V. Exª complementa o meu pronunciamento. Essa é a linha que defendo.

            Aqui termino.

            Direitos e oportunidades iguais para todos brancos, negros, índios, todos os imigrantes, enfim, toda a raça humana, porque ela é só uma.

            Muito obrigado, Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2011 - Página 16143