Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de matéria publicada, ontem, no jornal Folha de S.Paulo, acerca da adoção, por São Paulo, do respeito à faixa de pedestres, experiência já adotada em Brasília há mais de 14 anos; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro de matéria publicada, ontem, no jornal Folha de S.Paulo, acerca da adoção, por São Paulo, do respeito à faixa de pedestres, experiência já adotada em Brasília há mais de 14 anos; e outros assuntos.
Aparteantes
Jorge Afonso Argello, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2011 - Página 16150
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ADOÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, CAMPANHA EDUCACIONAL, RESPEITO, FAIXA, PEDESTRE, RECONHECIMENTO, EXPERIENCIA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), REDUÇÃO, VIOLENCIA, TRANSITO, GESTÃO, ORADOR, IMPLANTAÇÃO, CAMPANHA, ALTERAÇÃO, COMPORTAMENTO, MOTORISTA.
  • SUGESTÃO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, RECONHECIMENTO, PROBLEMA, ANALFABETISMO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a minha intenção, hoje, era falar, Senador Paim, sobre a abolição da escravatura, mas não tenho nada que acrescentar ao seu discurso, a não ser a referência que fiz da necessidade de completarmos a abolição. Não é possível que a gente espere tanto tempo mantendo todos os traços da escravidão e ainda acrescentando, dessa vez, os pobres de todas as raças e etnias.

            Por isso, graças ao senhor ter feito esse belo discurso, quero aproveitar para falar de uma matéria de ontem na Folha de S.Paulo que indiretamente termina orgulhando muito Brasília. A cidade de São Paulo vai adotar agora, 14 anos depois de Brasília, uma experiência que nós aqui temos e com a qual nos acostumamos. É a ideia do respeito à faixa de pedestres.

            Muitos me perguntam o que do meu tempo de Governador foi marcante. Creio que posso fazer uma lista de coisas, começando pela Bolsa-Escola, que foi uma invenção brasiliense, concebida dentro da Universidade de Brasília intelectualmente e depois implantada pioneiramente em Brasília. Por mais que alguns discutam se foi ou não aqui, está tudo feito, respeitado, reconhecido internacionalmente. Uma invenção que se espalhou para o Brasil, 5 anos depois, no Governo do Fernando Henrique Cardoso, para 4 milhões de famílias, e que o Presidente Lula espalhou para 12 milhões de famílias com o nome de Bolsa Família. Hoje, pelo menos 23 países têm programas da Bolsa-Escola, em alguns lugares com esse nome. Os textos do Banco Mundial, do Banco Interamericano e da Unesco usam esse nome. Essa foi uma invenção brasiliense que marcou. Creio que a gente marcou.

            Quando todo mundo fala hoje em violência nas escolas, esquece que aqui temos, há quase 15 anos, um batalhão escolar, que cuida especificamente da segurança das escolas, embora seja da Polícia Militar. Aqui marcamos quando inventamos uma maneira de formar centenas de milhares de pessoas - foram 300 mil - para que cada um tivesse o seu emprego. Além disso, creio que foi o primeiro governo que do ponto de vista estatal, porque havia experiências em ONGs, criou o microcrédito. Obviamente não o inventamos; nós copiamos a grande experiência de Bangladesh. E nós inventamos uma escola diferente que foi a escola candanga.

            Mas, de tudo isso, para mim, o que há de mais revolucionário, porque revolução significa poder, foi dar poder ao pedestre acima do poder do motorista. Esse foi um gesto revolucionário. O motorista se sente o todo-poderoso em qualquer rua, em qualquer estrada, onde ele fica com as mãos na direção e os pés no acelerador. O carro é um instrumento de poder no Brasil, mais do que de locomoção. Um motorista preso em um engarrafamento no trânsito por uma nora sente-se mais poderoso que o motoboy, que vai por entre os carros e chega na hora certa de falar com a namorada, na hora certa de jantar com a família. O carro é um instrumento de poder.

            Aqui se conseguiu reverter essa visão. Aqui se conseguiu fazer com que o pedestre seja o todo-poderoso na hora de atravessar a rua, porque basta ele botar o braço levantado e todo carro para. E isso foi feito.

            A mensagem que fiz para São Paulo e que saiu na Folha é esta: isso não foi um gesto de trânsito, isso foi um gesto de educação. Nós não tivemos lei para implantar a faixa de pedestres. Não passou por Câmara Legislativa, por Assembléia. Não saiu no Diário Oficial. A implantação da faixa de pedestres não foi pelo Diário Oficial, não foi um gesto de poder do governo. Foi um gesto em que o governo foi o educador e o cidadão passou a ser o poderoso. E, obviamente, com a aceitação dos motoristas. E aqui é que vem o que tem de mágico nessa qualidade da população de Brasília, de implantar, manter e aceitar a faixa de pedestre: é como o motorista se acostumou, como o motorista sentiu orgulho de dizer “eu paro para que o pedestre passe na hora que ele quiser”.

            Isso foi fruto de uma campanha educacional, Senador Paim, que não teria acontecido se não fossem as televisões, os jornais e as rádios. E se não fosse, também, por colocar, nas faixas de pedestres, pessoas para educar o motorista. E para educar também o pedestre de que ele tinha que avisar que ia atravessar, senão as pessoas parariam só porque ele estava conversando ali, naquele lugar. Foi um gesto que veio da educação das crianças, que passaram a sentir poder de dizer ao pai e à mãe que ele, ou ela, tinha que parar para respeitar o pedestre. Quando nós ganhamos as crianças, nós vimos que o programa daria certo.

            Foi uma campanha educacional. Não foi uma campanha de trânsito. Não foi uma campanha urbana. Foi uma campanha da educação. Não foi uma mudança de por onde passa a estrada. Não foi uma mudança de construir viaduto. Foi uma mudança de mentalidade. E é isso que São Paulo precisa fazer. Para isso, o que recomendei foram alguns cuidados. Por exemplo, não vale a pena começar em todas as paradas por onde as pessoas atravessam. Não vale. Não vale porque, em algumas, só se resolve, de fato, com a imposição autoritária, que significa o semáforo. Há lugares em que, se você for colocar a faixa de pedestre, os carros vão parar, não vai passar nenhum, porque o tempo todo tem gente atravessando.

            Tem que escolher os lugares por onde começa. Tem que ser rigoroso em dizer ao pedestre que ele não pode atravessar fora da faixa. Porque ele virou o todo-poderoso diante do carro, mas ele não virou o todo-poderoso diante do trânsito. Tem que fazer com que a medida venha não de fora para dentro, mas de dentro da cabeça das pessoas para fora. A cabeça que comanda a mão, a cabeça que comanda os pés, inclusive do motorista, na hora de apertar no freio em vez de apertar no acelerador.

            Eu conversei com as pessoas de São Paulo, com a imprensa, e disse que ficava muito orgulhoso porque, se em São Paulo o programa der certo, o Brasil inteiro vai passar a adotar a faixa de pedestre como algo a ser respeitado. E o que isso significa? Significa, claro, que a gente terá inclusive menos mortes no trânsito. Mas, para mim, o que realmente isso significa é que o Brasil fica mais educado. Porque muitos acham que educação é uma questão só da escola. Não é. Muitos acham que o Brasil não é educado porque tem analfabetismo. Não é só por isso. Porque, como se viu ontem nos jornais, só 25% a gente pode considerar no Brasil de realmente letrados.

            Não, educação é mais do que escola, Senador Paim. Educação é comportamento. E um dos comportamentos mais fundamentais é o comportamento no trânsito. É o comportamento daquele que tem a máquina e daquele que precisa caminhar passando pela frente dela. Por isso, fica aqui o meu registro do meu orgulho de ser brasiliense, a minha satisfação de ter sido o governador que coordenou essa implantação.

            Aproveito para fazer referência à figura fundamental, se formos escolher uma, que é o engenheiro Miura. Ele era o Diretor do Trânsito e me trouxe a ideia, o plano. Eu fui em frente, contra a vontade de quase todos os assessores, porque diziam que isso era uma temeridade. Faço aqui a minha referência a esse engenheiro Miura. E digo: sinto orgulho, como brasiliense, de termos sido pioneiros nesse gesto de prova de uma população educada. Não só porque sabe atravessar, mas, sobretudo, porque sabe parar na hora certa e com orgulho. Sinto orgulho desta revolução de inverter os donos do poder: retirar do motorista a propriedade do poder e dar ao pedestre a propriedade do poder, o pedestre fazendo o carro parar. Eu me orgulho, mas ficarei mais orgulhoso como brasileiro do que como simples brasiliense quando puder ver que a cidade de São Paulo também adotou esse gesto. E, ao adotar esse gesto, São Paulo sim é que mudará o Brasil, porque nós aqui somos pequenos demais. Inventamos o Bolsa Escola, mas ela só virou realmente um projeto quando Fernando Henrique e Lula a adotaram, quando Zedillo, no México, a adotou e quando outros países a adotaram. Temos consciência do nosso tamanho. Daí meu desejo de que em São Paulo a faixa de pedestre funcione tão bem e até melhor, se for possível, do que em Brasília.

            Minha fala era essa, Sr. Presidente, mas o Senador Paim pede um aparte e é claro que eu gostaria de dar.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, rapidamente. Fui testemunha da faixa de pedestre aqui em Brasília, o que foi, de fato, uma revolução. Que pena que a maioria dos Estados do País não adotou o mesmo método que V. Exª aplicou aqui. E que pena que hoje, mesmo aqui em Brasília, não está como eu vi naquela época. Como V. Exª disse, é uma questão de reeducar para voltarmos àqueles tempos. Quero também dizer que V. Exª tem razão com relação ao homem ou à mulher que se apossa do volante e se porta como se fosse um todo-poderoso, por isso que os números hoje são alarmantes. Realizemos uma audiência pública a esse respeito recentemente, e o número de pessoas que morrem em acidentes de trânsito são alarmantes. Não tenho os dados aqui agora, mas eu me lembro que havia pegado os dados correspondentes àquilo que fica registrado oficialmente e depois o Ministério da Saúde me informou: “Esses dados são equivocados, pode multiplicar por dois”. Porque não dispunham dos dados dos que morrem nos hospitais e razão de acidentes de trânsito. Quero cumprimentar V. Exª também pelo Bolsa Família. Sem sombra de dúvida, é um sonho que se tornou realidade. Lembro-me quando V. Exª vendeu a primeira ideia. Ouvi V. Exª explicando. Muitos disseram que era um sonho. Como garantir uma quantia para cada família em dinheiro? De onde vai sair? Enfim, V. Exª fez dar certo. E que bom que o Brasil assumiu esse projeto. Quero apenas cumprimentar V. Exª, que sabe do respeito que tenho por sua história e suas ideias e pela forma como faz política. Que bom que temos no Brasil e no mundo homens como V. Exª. Parabéns.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Eu lembro da noite em que, em uma reunião do Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo, que eu coordenava, ainda sendo também Reitor, discutíamos a quantidade de crianças fora da escola, que naquela época era de 20%. E eu sugeri: “Por que não pagamos para que elas estudem?”. Foi um susto. Foi riso.

            E aí eu dei o primeiro passo para convencer, dizendo: “Mas vocês aqui todos receberam bolsas para continuarem estudando depois de formados. Vocês saíram daqui engenheiros e foram fazer doutorado em engenharia; saíram físicos para fazer doutorado. Se paga para quem já se formou estudar, por que não paga para quem não estuda ainda?”. E aí vem aquela ideia de sempre: “Mas vai custar muito!”. Eu me lembro de que, ali mesmo, fiz umas continhas e vi que não era muito. Na campanha aqui para governador, quando lancei a primeira ideia, amigos meus vieram me dizer que eu havia caído na demagogia. Tive que fazer as contas, tive que ir a um programa mostrar, no que se chama pizza, quantos por cento do orçamento aquilo ia levar naquela circunferência: 0,8% para vinte mil famílias, que era o total.

            Mas quero aproveitar para falar de a ideia do trânsito. Aqui, a faixa de pedestre não foi o único instrumento. A faixa de pedestre, Senador Paim, estava dentro de um programa chamado Paz no Trânsito, de que o Senador Gim, aqui presente, se lembra bem. Paz no Trânsito.

            Brasília tinha, talvez, o maior índice de morbidade por causa do trânsito, porque aqui as vias são muito rápidas. E aí inventamos a ideia do Paz no Trânsito, contando, sobretudo, com o Correio Braziliense naquele momento. O Paz no Trânsito, baseado em educação, mas também em repressão, também em multas, muitas multas. Faixa de pedestre nunca precisou multar motorista. Nenhum motorista é multado se não parar. Ele fica é envergonhado de não ter parado. Agora, para por ordem no trânsito, sim, foi preciso, de fato, reprimir com multas, multas bravas.

            E vi como, no começo, muita gente ficou contra. Eu gosto muito de andar de táxi em Brasília. É comum o taxista chegar para mim e dizer: “Fui contra. Hoje, reconheço que, graças talvez a essas regras, eu esteja aqui vivo”. Um deles uma vez me disse: “Eu quero que me dê um autógrafo para a minha mulher”. E eu disse: “Por quê?”. “Porque ela diz que passou a dormir muito mais tranquila a partir do momento em que o Paz no Trânsito funcionou.”

            Então, de fato, foi bom o senhor lembrar que a faixa de pedestre é parte de uma visão, de uma filosofia em que se põe ordem no trânsito e de uma política que diz que motorista não tem mais poder que pedestre, e de uma educação, convencer as pessoas de que isso é possível, de que isso dá certo e de que isso dá orgulho. É isso que Brasília sente hoje.

            Mas passo a palavra ao Senador Gim, que é testemunha local.

            O Sr. Gim Argello (PTB - DF) - Obrigado, Senador, Governador Cristovam Buarque. Sou testemunha mesmo, V. Exª falou tudo. Brasília tem muito orgulho do seu governo, da época em que foi Governador, e muito orgulho dessa bandeira do Paz no Trânsito e da faixa de pedestres. Hoje, os outros Estados todos comentam que, em Brasília, as pessoas respeitam e voltaram, agora, a respeitar. E toda vez em que o senhor fala nisso melhora o índice de as pessoas voltarem a ter orgulho da faixa de pedestre. Falando sobre a faixa de pedestre, falando sobre o Paz no Trânsito, falando sobre educação, que é a principal bandeira de V. Exª, bandeira de que todos nos orgulhamos que tenha, porque é a pessoa mais preparada e equilibrada neste País para falar sobre educação, principalmente educação de base, outro dia, fiz um aparte a V. Exª dizendo que apoiava integralmente a constituição, a feitura e a divisão do Ministério da Educação para ter o Ministério da Educação Básica. V. Exª não sabe a repercussão disso, Senador Cristovam. Por onde ando agora, as pessoas me param e perguntam: “Você está apoiando a ideia do Cristovam de ter um Ministério de Educação Básica?”. Estou apoiando sim, Senador. Estou apoiando sim. Estou apoiando e estou dizendo isso para o Brasil todo. Por quê? Porque é muito importante para nossas crianças. Não pode... Hoje, vejo aqueles dados de que quase 80% do orçamento do Ministério da Educação cuida do 3º grau. Estamos preocupados com o 3º grau, está certo, com as universidades federais. Muito bem. Agora, não pode menos de 10% estar preocupado, no que diz respeito a orçamento federal, com educação básica. Vivi o exemplo que V. Exª citou outro dia, ao falar que é muito bom quando vamos a uma cidade pequena e vemos lá uma boa agência, uma bonita agência da ECT, dos Correios, e ficamos orgulhos; quando vemos uma boa agência, uma bonita agência do Banco do Brasil, e ficamos orgulhosos; quando vemos uma agência bonita, bem feita, da Caixa Econômica Federal, e ficamos orgulhosos. Mas, do outro lado da rua, o que encontramos? Encontramos uma escola de primeiro grau depredada, muitas vezes faltando muro, faltando cerca, e muitas vezes sem necessidade, porque podia seguir aquele modelo do banco. É o exemplo que V. Exª dá, Professor Cristovam. E estou repercutindo isso na rua, confirmando sua ideia. Vamos lutar juntos para construir um Ministério de Educação Básica e preparar nossos jovens. Só assim, este País, que hoje, graças a Deus, não cresce mais porque não tem mão de obra preparada, precisamos novamente colocar nossos jovens em cursos técnicos, esse programa maravilhoso que a Presidente Dilma Rousseff lançou para formar mão de obra em nosso País novamente... Por quê? Porque hoje temos dificuldade em conseguir mão de obra. Agora, se nós nos preocuparmos com a educação básica das próximas gerações, com certeza teremos mão de obra preparada, com engenheiros... Mas tem que começar da base.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Começar da base.

            O Sr. Gim Argello (PTB - DF) - Tem que começar da base. Então, eu lhe devolvo a palavra para que o senhor possa falar mais um pouquinho sobre isso, Professor Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Agradeço muito, Senador Gim, por tê-lo como defensor de uma ideia a que, num primeiro momento, as pessoas resistem.

            E vou falar de outro, Senador Paim, que tem a ver com o senhor, a que é capaz de resistirem mais. Veja bem, o programa que o Presidente Lula lançou, de aumentar o número de escolas técnicas, é uma das melhores coisas que se fez neste País. E a Presidenta Dilma está ampliando mais ainda. Mas temo que esse programa não dê certo por causa da má qualidade do jovem. Qualidade escolar, eu digo. Houve um tempo em que, para ser um técnico, Sr. Presidente, bastava ter mãos hábeis; hoje, é preciso ter conhecimento. Não dá para dar um bom curso técnico para quem não sabe regra de três, por exemplo, para quem não sabe o que é ângulo reto. O Subsecretário de Trabalho de Minas Gerais, que é encarregado dos programas de formação profissional, diz que lá não consegue um número suficiente de gente que saiba ler. Então, eu temo que o apagão profissional que se tenta corrigir com as escolas se transforme em apagão de alunos, por não ter alunos em condições de seguir os cursos que estão sendo oferecidos. Nesse sentido o Senador Gim tem razão: é por baixo, é pela base que a gente tem de começar.

            Mas, Senador Paim, fico feliz de ver um Senador defendendo a ideia de o Ministério da Educação ser concentrado na educação de base e criar um ministério para ensino superior, ou se juntar ao de Ciência e Tecnologia, como em muitos lugares do mundo, sem precisar de criar mais um ministério. Não tem outro jeito.

            E faço aqui uma referência ao Gerdau, esse grande empresário brasileiro que vai assumir a Câmara da Gestão. Eu queria aqui ver se ele não pensaria que o primeiro choque de gestão na educação seria isso.

            A gente está discutindo a divisão do Pará em três Estados. Já dividimos Goiás, já dividimos Mato Grosso, mas, na educação, a gente insiste em colocar junto. Aí, as universidades dominam; aí a educação fica relegada para os municípios.

            Mas, Senador Paim, não vou querer que o senhor diga se é a favor ou não. O senhor aqui representa não apenas quem luta pelo salário mínimo, pelos aposentados, mas muito pelos direitos humanos. É a sua comissão, é a comissão identificada com o senhor. Quero dizer que defendo - e comecei a defender, na verdade, na Unesco, no conselho de um instituto do qual faço parte, já há cinco, seis anos; terminei meu mandato - que a alfabetização de adultos deve ser de responsabilidade do Ministério dos Direitos Humanos. O Ministério da Educação cuida das crianças, mas adulto analfabeto é uma questão de direito humano. Ninguém cuidou da tortura, no regime militar, pelo Ministério da Saúde. A tortura quebrava o corpo da pessoa, mas não era uma causa da saúde, era uma causa dos direitos humanos. O mesmo tem de ser na alfabetização de adultos. A sensibilidade para resolver o problema será muito maior, quando a gente disser: enquanto houver um adulto que não sabe ler, ele estará sendo torturado, porque é tortura. O Conselho de Erradicação não entra no Ministério da Educação; a erradicação entra no Ministério dos Direitos Humanos.

            Quero sugerir aqui que façamos uma audiência pública, Senador Paim, na Comissão de Direitos Humanos, sobre essa ideia de que a alfabetização é uma questão de direitos humanos e de que um programa de erradicação do analfabetismo deve ser gerenciado, organizado, comandado a partir de uma secretaria especial, dentro do Ministério dos Direitos Humanos.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, permita que eu dê meu ponto de vista. Concordo com V. Exª, vamos fazer uma audiência pública. Deixe-me dizer o que nunca disse. Meu pai e minha mãe, ambos falecidos, não tinham vergonha de dizer isto: dez filhos, ambos eram analfabetos. Eles diziam praticamente isso que V. Exª diz da tribuna: “Por favor, estudem, para que a vida não torture vocês internamente, como nós, que somos analfabetos.” Com esse depoimento, só posso dizer que concordo em que é uma questão de direitos humanos. Parabéns a V. Exª, mais uma vez.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Para concluir, quero dizer que isso mostra que uma pessoa pode ser analfabeta e sábia, e a minha avó materna morreu analfabeta, mas era uma mulher sábia e prisioneira. Quando ela ia tomar o ônibus, levava os netos; a gente ia com ela, para poder dizer qual ônibus tomar, porque ela não sabia ler o nome do ônibus. Então, ela era prisioneira, apesar de sábia. Termina-se, descobrindo uma maneira de conhecer o ônibus, identificando-se o número, pegando-se uma letra, mas é um prisioneiro.

            Eu construí aqui, no tempo de Ministro, o labirinto do analfabetismo. Lamento que tenham destruído isso. Era uma casa, uma caixa grande, em que se entrava e se começava a caminhar, como se fosse analfabeto. Aparecia uma voz, havia um sistema de som que dizia: “Você quer ir ao centro da cidade? Tome um ônibus.” Aí uma luz acendia, e aparecia a foto de um ônibus. Mas as letras eram misturadas nas palavras que diziam a direção do ônibus. Eu ainda fico meio arrepiado quando vejo isso. Só há um jeito: perguntar a alguém, e tem-se de confiar em que a pessoa disse o certo.

            Aí se andava um pouco mais, e aparecia, em algum momento, uma voz que dizia: “Você está com fome. Já é hora de comer. Escolha o que quer comer.” Aí, aparecia o cardápio do restaurante com as letras misturadas, como o é para a gente, se vai à China.

            Depois, em outro momento, dizia-se: “Você já deve estar com dor de cabeça de tanto esforço. Entre na farmácia e peça um remédio.” Aí, apareciam bulas, nomes de remédios e caixas de remédios com as letras misturadas.

            Vocês sabiam? Eu não sabia, não tinha a percepção de que o analfabeto toma remédio, sem saber se está tomando o remédio que deve. Ele não sabe se o que está tomando é aspirina. Pode ser qualquer outra coisa, porque ele não lê “aspirina” na caixa.

            No final de tudo, dizia-se: “Você é um herói. Sem saber ler, conseguiu chegar aqui. Deixe seu nome escrito.” Aí aparecia uma impressão digital.

            Eu caminhei nisso com o Presidente Lula e com Dona Marisa, e vi a emoção deles, quando a gente montou isso em frente ao Palácio do Planalto. Pena que tenha sido desfeita essa caixa, que a gente chamava de “o labirinto”, porque ela dava um choque.

            Cada um de nós deveria passar um dia, como se fosse cego. Todo mundo deveria ter um dia de olho fechado, para saber o que sente um cego.

            Todo mundo deveria passar um dia por ano numa carreira de rodas, para saber o que sente o cadeirante.

            Todo mundo deveria passar um dia como analfabeto, para saber a tortura que é viver assim - e são 14 milhões, ainda, de analfabetos no Brasil.

            Então, Senador Paim, provocado pelo Senador Gim, fica aqui a minha proposta de uma audiência pública sobre se alfabetização é um assunto da educação ou dos direitos humanos.

            Sr. Presidente, agradeço.

            Agradeço muito ao Senador Gim sua participação, bem como ao Senador Paim.

            Viva o 13 de Maio, mesmo que seja uma data que a gente ainda não possa comemorar plenamente!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2011 - Página 16150