Discurso durante a 74ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o distanciamento entre o salário e a produtividade como causa da crise financeira, destacando medidas adotadas por S.Exa., quando era Governador do Estado do Paraná, no âmbito das políticas fiscal, salarial e social.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexão sobre o distanciamento entre o salário e a produtividade como causa da crise financeira, destacando medidas adotadas por S.Exa., quando era Governador do Estado do Paraná, no âmbito das políticas fiscal, salarial e social.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2011 - Página 16591
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, APREENSÃO, INFLAÇÃO, COMENTARIO, ATUAÇÃO, GESTÃO, ORADOR, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR), AMBITO, POLITICA FISCAL, POLITICA SALARIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Aníbal Diniz, junto com o fantasma da inflação já é possível ver ressurgir no Brasil uma outra assombração: aquelas vozes cavernosas, espectrais a alertar para os aumentos de salário; contra os aumentos de salário; contra aumentos que reponham índices de inflação, ou - oh, horror! - que os supere; contra aumentos que acompanhem a elevação dos índices de produtividade.

            A velha ortodoxia, desmoralizada pela crise financeira internacional que não previu, que desdenhou, reaparece, toda lampeira, propondo arrocho como remédio para conter a demanda. Querem reproduzir a receita norte-americana de recuperação econômica, sem criação de postos de trabalho, sem aumentos salariais, sem rendas.

            É do conhecimento de todos, inclusive dos neoliberais mais encardidos, que, na raiz da crise financeira, está o distanciamento entre salário e a produtividade; o gráfico desta, subindo às nuvens; o daquele, descendo aos pântanos. Resultado: compressão da demanda, nó desatado pelo subprime, pelas mágicas diabólicas da engenharia financeira, pelo endividamento dos trabalhadores e da classe média, até que tudo explodisse em inadimplência.

            Por que a crise não bateu fundo, não ribombou no nosso Brasil? Porque os salários e a renda dos trabalhadores e da classe média seguiram aumentando no compasso do aumento da produtividade, elevando a demanda, fazendo mover as engrenagens da produção, enfim estabelecendo aquilo que chamamos círculo virtuoso do desenvolvimento econômico.

            Por isso, quando ouço esses primeiros resmungos, sugerindo o arrocho salarial como remédio para conter a inflação, fico muito assustado, bem mais sobressaltado do que com a própria inflação.

            Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez canto, aqui, a minha aldeia. Relato o que fizemos no Paraná, no âmbito das políticas fiscal, salarial e social, para mostrar que é possível, sim, avançar em reformas que melhorem as condições de vida da nossa gente, que façam do mercado interno o centro estimulador do desenvolvimento, que elevem a produção e a produtividade, sem arrochos, sem as opções medíocres que a ortodoxia sugere.

            Assim que assumi, fiz um pacto com os empresários; o pacto da troca de impostos por empregos.

            De uma penada só zerei o imposto das microempresas e reduzi o imposto das pequenas empresas a 2%, em média. O Governo cortava o ICMS e, em contrapartida, queria a abertura de novos postos de trabalho. Deu certo. Livre de impostos ou com a carga tributária reduzida, as nossas empresas passaram a produzir ou vender mais, a contratar mais empregados. E mais empregados significavam mais consumo; e mais consumo, mais produção.

            O Paraná se transformou no Estado brasileiro que mais criava empregos com carteira assinada em proporção ao número de habitantes. E, ao mesmo tempo, as nossas pequenas empresas passaram a ostentar o maior índice de longevidade do País, superando, em algumas vezes, a média, o tempo de vida das empresas nacionais.

            Para atrair novos investimentos e estimular a expansão de plantas industriais, dilatamos, em até oito anos, o recolhimento do ICMS. E, quanto menos desenvolvida a região a receber investimentos, maiores as vantagens oferecidas. Dilatamos também o prazo de pagamento do ICMS da energia elétrica por até quatro anos. Reduzimos o ICMS de compra e venda de matérias-primas e insumos de 18% para 12%. Cortamos de 18% para 7% o imposto dos materiais de construção. Zeramos o imposto sobre produtos da cesta básica. Cortamos as alíquotas para importação de máquinas e equipamentos via Porto de Paranaguá.

            Cada vez que um determinado setor da economia paranaense precisava de socorro, cortávamos o imposto sobre os seus produtos.

            Assim fizemos com o trigo, com o feijão, com a mandioca, com o leite, com a criação de suínos e de frangos. Enfim, assinei uma centena de decretos zerando, reduzindo, postergando o recolhimento de imposto.

            Quando explodiu a crise financeira de 2008, para manter a produção e o consumo, logo, os empregos, salários e rendas, reduzi o imposto de cem mil produtos de consumo popular. Alimentos, calçados, vestuários, remédios, fogões, geladeiras, produtos de higiene e dezenas de milhares de outros artigos tiveram o imposto diminuído para que o consumo não caísse e, em consequência, não fosse reduzida a produção. Reduções, então, naquilo que convencionamos chamar de bens de consumo; salário, aquilo que o trabalhador compra com o produto do seu salário.

            Quer dizer, o imposto, no Paraná, transformou-se em um instrumento de estímulo à produção e à criação de novos empregos. O pacto governo/empresários foi honrado, mas não me faltou quem advertisse, dizendo que a arrecadação cairia, e que eu levaria a administração pública a uma crise sem precedentes. Mais um engano dos conservadores. Ao contrário de cair, a arrecadação aumentou significativamente. Por quê? Pela óbvia e simples razão de que o corte de imposto propiciou aumento da produção e das vendas, aumento de postos de trabalho com carteira assinada, aumento do consumo.

            Como diria Thomaz Palley, um dos mais respeitados economista norte-americanos: é tão simples assim.

            Para proteger e beneficiar principalmente os trabalhadores não sindicalizados, sem data-base de reajuste salarial, criamos o salário mínimo regional, o maior do País. É claro, houve protestos de entidades empresariais, campanhas na imprensa, discursos inflamados da oposição na Assembleia Legislativa e previsões terríveis de desemprego. Lorotas. Coisa de quem ainda não se libertou do espírito da senzala e vê os empregados domésticos, por exemplo, como escravos ou semiescravos.

            Quando cortei os impostos a louvação foi geral; quando institui o mínimo regional, críticas, de alguns poucos, mas críticas.

            Para os mais pobres, criamos alguns programas sociais, resgatando-os do abandono e da humilhação da pobreza.

            O programa Luz Fraterna isentava os mais pobres do pagamento da conta de luz - 200 mil famílias isentadas, famílias de menor renda. No inverno do Sul, a falta de água quente para o banho é causa inevitável de doenças. E todos têm direito a ligar-se ao mundo pelo rádio, pela televisão, pela internet; a fazer as lições de casa, ler e estudar à luz de uma lâmpada elétrica.

            Já o programa da Tarifa Social da Água fornecia água e esgoto tratados a preços simbólicos, que 280 mil famílias pobres aproveitaram. De novo a preocupação com a saúde de nossa gente. Economia na ponta da saúde, já que são as doenças infectocontagiosas provenientes da falta de saneamento que ainda hoje mais engrossam as filas do SUS.

            O programa Leite das Crianças, por sua vez, distribuía diariamente mais de 170 mil litros de leite para crianças de seis meses a três anos sob risco de desnutrição. Leite enriquecido com vitaminas A e D e ferro.

            A criação de empregos, o salário mínimo regional, os programas sociais, os investimentos fortíssimos na educação pública fundamental e o combate ao analfabetismo fizeram com que o Paraná fosse o Estado que mais avançou no combate à pobreza entre 2003 e 2010, segundo apuraram o IPEA, o Ipardes e a Firjan. Fizemos ultrapassar a linha da pobreza mais de 800 mil paranaenses. Junto com o Piauí, do Senador Wellington Dias, o Paraná foi o Estado que mais reduziu os índices de mortalidade infantil.

            Completaria esse relato de políticas econômicas, fiscais e sociais falando um pouco do que fizemos na agricultura. Quando se fala em agricultura paranaense, normalmente tem-se em vista o agronegócio, a exuberante produção de soja, milho, de carnes. Nossa agricultura não é apenas isso. Afinal, das mais de 371 mil propriedades agrícolas paranaenses, cerca de 320 mil são propriedades de agricultores familiares. E é de lá que vêm mais de 80% do que se põe diariamente à nossa mesa.

            Se, de um lado, criamos programas de apoio às empresas urbanas, buscamos o equilíbrio dando suporte ao campo. Assim, criamos o programa Fundo de Aval, para endossar empréstimos do pequeno agricultor.

            Quando o pequeno agricultor, o agricultor familiar, o meeiro, o parceiro vão ao banco à busca de financiamento para a produção, qual é a dificuldade? É a garantia oferecida ao empréstimo, garantia real. Geralmente, eles não conseguem oferecer garantias. No Paraná, no nosso governo, quem garante o empréstimo é o governo do Estado, a sociedade paranaense. Com essa assinatura, banco algum recusa o empréstimo.

            Com o programa Trator Solidário, resolvemos um dos problemas cruciais da pequena propriedade, que é a mecanização. Assim, financiamos perto de 8 mil tratores a preços subsidiados, para que a agricultura familiar liberte-se do arado e ganhe em produção e produtividade. É incrível o efeito da mecanização nas pequenas unidades agrícolas do nosso Paraná. Já o programa Irrigação Noturna aproveita a energia elétrica durante a madrugada para irrigar a terra. Energia não se armazena, ela dispersa-se à noite quando não usada. Assim, o nosso governo passou a financiar equipamentos de irrigação a juros de 1% ao ano e reduziu em 70% o custo da tarifa elétrica urbana para fomentar a irrigação.

            Milhares de agricultores aderiram ao programa, com ganhos impressionantes em produção e produtividade, comprovando que não é preciso desmatar, destruir matas ciliares, avançar sobre várzeas, para produzir mais.

            Esses programas foram desenvolvidos ao mesmo tempo em que o Estado recuperava sua capacidade de pesquisa, de extensão rural, de apoio à produção, o que havia sido abandonado pelo deslumbramento neoliberal com o agronegócio. Ao mesmo tempo em que passamos a respeitar os movimentos sociais, a respeitar os trabalhadores rurais.

            Resultado, depois de décadas, depois de mais de meio século, aconteceu no nosso Paraná um fato extraordinário: ao invés de diminuir, tivemos um aumento do número de pequenas propriedades agrícolas. Quebramos a tendência que muitos consideravam inevitável, fatal.

            Srªs e Srs. Senadores, assim canto a minha aldeia.

            Nos limites de nossas responsabilidades e atribuições, foi o que fizemos para aumentar e garantir salários e renda, para elevar a produção e a produtividade, para garantir o consumo. Para, enfim, fazer girar virtuosamente a roda da economia. Sem arrocho, sem jogar nas costas largas dos trabalhadores e dos consumidores as contas pelas crises e pelos desastres provocados pelo capital vadio, pelo capitalismo financeiro.

            Repetindo outra vez Tom Palley: é tão simples assim, basta ter os olhos e o coração voltado para o povo. E as bolsas, definitivamente, não são um espaço onde os trabalhadores circulam.

            O aumento do salário mínimo regional do Paraná provocou uma crise com a ascendência das classes C e D, essas classes que avançam para a classe média, que passou a ter dificuldade para sustentar o trabalho doméstico que contratava.

            Estou elaborando, no meu gabinete, com o apoio da Consultoria do Senado, um projeto que permite abater do montante a ser tributado pelo Imposto de Renda, em cada unidade econômica doméstica, o valor de um empregado contratado até um salário mínimo e meio, mais as leis sociais e o 13º salário. Desta forma, estaremos fomentando a criação de mais empregos, ampliando o mercado de trabalho e levando as contratações dos trabalhadores domésticos à formalidade, tão necessária para a sobrevivência da nossa Previdência Social.

            Srs. Senadores, quem quer ser universal canta a sua aldeia. E este canto, a economia do meu Estado, é um canto de alerta para que o Brasil não siga os caminhos trilhados pela economia norte-americana, que, descolando os salários da produtividade, levou ao desastre que, por algum tempo, foi suprimido, atenuado com o subprime e com os derivativos, mas que o congelamento dos salários levou, finalmente, a uma crise que atinge o mundo inteiro.

            O Brasil foi menos atingido, e a nossa Presidenta Dilma tem tudo para conter os ímpetos conservadores do Banco Central e a pressão do capital vadio e nos retirar, definitivamente, desta entaladela em que os Estados Unidos da América do Norte e a sua doida economia neoliberal nos colocaram. A nós e a todas as nações do mundo moderno.

            Sr. Presidente, obrigado pela tolerância quanto ao tempo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2011 - Página 16591