Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indicação do Ministro Carlos Ayres Britto para ser agraciado com a Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA.:
  • Indicação do Ministro Carlos Ayres Britto para ser agraciado com a Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2011 - Página 28955
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA.
Indexação
  • INDICAÇÃO, CARLOS AYRES BRITTO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RECEBIMENTO, COMENDA, DIREITOS HUMANOS, SENADO.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é com imensa honra que trago à apreciação do Senado Federal, neste ano, a indicação do nome do Exmº Sr. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto para ser agraciado com a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, em reconhecimento à importante contribuição de S. Exª para defesa e promoção dos direitos humanos no Brasil.

            Ele nasceu na cidade sergipana de Propriá, em 1942, numa família de dez irmãos, pais João Fernandes e Dalva.

            Do pai, juiz de direito, que sempre residia na comarca onde atuava, herdou o amor pelas letras e pelo trabalho, além da prática da conciliação e do respeito pela coisa pública. Da mãe, herdou o amor pela música e o forte sentimento de solidariedade. De ambos, a honestidade e a simplicidade.

            Fascinado pelos estudos e pela leitura, começou a fazer poesia aos 12 anos de idade. Quando tinha 16 anos, começou a trabalhar numa autarquia municipal depois de passar em concurso público.

            Aos 20 anos, em 1962, já ocupava o cargo de funcionário do Banco do Brasil e foi fazer faculdade de Direito, em Aracaju. Logo completou, depois de quatro anos, a sua graduação na instituição da qual, depois, seria professor, já casado com a Srª Rita de Cássia, companheira de vida e mãe de seus cinco filhos.

            Poucos meses se passaram, para que deixasse o emprego no Banco do Brasil para viver da advocacia e do magistério e se lançar em novos contextos, sem condicionamentos.

            Ayres Brito exerceu os cargos de Consultor-Geral do Estado de Sergipe, de Procurador-Geral de Justiça, de Chefe do Departamento Jurídico do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Estado e de Procurador do Tribunal de Contas.

            Concomitantemente, desenvolveu sua carreira no magistério superior, no qual ingressou em 1970. Foi professor de Filosofia, de Direito Administrativo e Direito Constitucional, em universidades de Sergipe, de São Paulo e de Santa Catarina, em cursos de graduação e de mestrado.

            Além de aprofundar sua formação humanista, também deu continuidade aos seus estudos de pós-graduação. Participou, como sócio fundador, do Instituto de Defesa das Instituições Democráticas da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e de muitos institutos.

            Atingiu o ápice da sua carreira jurídica quando foi nomeado, em 2003, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dirigiu a Suprema Corte de maio de 2008 a abril de 2010, ocupando atualmente o cargo de Vice-Presidente do órgão.

            Ao longo da carreira, realizou centenas de palestras. Toda sua produção intelectual, aliás, se particulariza pelo modo de expressão literária, pelo rigor conceitual da argumentação e pela defesa intransigente do humanismo e da democracia.

            Não por acaso, a preocupação com a garantia dos direitos humanos e com a humanização do direito têm sido as marcas distintivas de sua atuação profissional. No STF, por exemplo, o Ministro Ayres Brito tem se destacado por suas posições invariavelmente favoráveis aos direitos de cidadania, aos pleitos dos grupos mais vulneráveis e às ações afirmativas.

            Para ilustrar esse posicionamento, destaco o teor de alguns de seus votos, que fundem a beleza poética do trato da linguagem com um profundo conhecimento do raciocínio jurídico, resultando em decisões sábias, serenas e clarividentes, porque fortalecedoras dos direitos humanos, sejam eles civis, políticos, culturais, econômicos ou sociais.

            Em primeiro lugar, chamo a atenção para o voto por ele proferido como relator do caso da Lei de Imprensa. No entendimento de S. Exª, compartilhado pela maioria dos ministros do Supremo, aquele diploma era incompatível com a Constituição Federal e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por ferir preceitos que enaltecem e garantem a liberdade de expressão com uma série de restrições.

            Ressalto, também, seu voto emocionado no caso da contestação da anistia aos agentes da repressão. Naquela ocasião, Ayres Britto afirmou que o perdão coletivo aos torturadores era “falta de memória e de vergonha, um convite masoquístico à reincidência” - aí há partes do seu voto que, pela hora, não vou poder ler todo, mas é muito bonito.

            Talvez ainda mais relevante tenha sido o voto de S. Exª no caso da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, considerado peça fundamental na estratégia de proteção dos direitos indígenas. Depois de destacar a importância das áreas indígenas para a preservação do meio ambiente, afirmou, em seu relatório, que a Constituição garante aos índios o direito de desfrutar de um espaço fundiário “que lhes assegure meios dignos” e “que lhes permita preservar a identidade”.

            Destaco, por último, o exemplar voto de S. Exª no julgamento das ações que tratavam do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Ayres Britto foi enfático ao dizer que a orientação sexual não pode ser motivo de prejuízo e diferenciação, principalmente no campo jurídico, pois a Constituição da República veda, explicitamente, o tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos e não proíbe a formação familiar com base numa relação homoafetiva. Com a clareza de seu raciocínio e extrema sensibilidade social, afirma que, por conseqüência:

Homens e mulheres: a) não podem ser discriminados em função do sexo com que nasceram; b) também não podem ser alvo de discriminação pelo empírico uso que vierem a fazer da própria sexualidade; c) mais que isso, todo espécime feminino ou masculino goza da fundamental liberdade de dispor sobre o respectivo potencial de sexualidade, fazendo-o como expressão do direito à intimidade, ou então à privacidade.

O que significa o óbvio reconhecimento de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade. Iguais para suportar deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico-positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados; d) que a união entre iguais não se trata de uma mera sociedade de fato por interesse mercantil. “É involuntário navegar por um rio sem margens fixas, logo, o sexo das pessoas não se presta como fator de desigualação Jurídica”.

            Recentemente, defendeu a criminalização da homofobia, entendendo que “o homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue”.

            Por seus posicionamentos corajosos e coerentes e pela luta incansável desse homem determinado e sem preconceitos, empenhado na defesa da solidariedade, da prevalência dos direitos humanos, da democracia, como princípio de organização da sociedade e do Estado, da ética na política e do combate aos fatores de degradação ambiental, espero obter o apoio de todas as Senadoras e de todos os Senadores para agraciarmos com a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara esse brasileiro notável, atuante e “ligado” no contexto do século XXI.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2011 - Página 28955