Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos acerca dos rumos da economia brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Questionamentos acerca dos rumos da economia brasileira.
Aparteantes
Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2011 - Página 30084
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, FUTURO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DEFESA, BUSCA, MODELO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PRIORIDADE, SUSTENTABILIDADE, BEM ESTAR SOCIAL, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Requião, eu quero dizer que valeu a pena ter vindo aqui não apenas para falar, mas para ouvir o seu discurso. Tanto que eu vim preparado para uma coisa, que era falar sobre esse semestre, lembrar os meus projetos de lei, lembrar a lei de minha autoria, que foi sancionada pela Presidenta Dilma, mas vou mudar isso e deixar o balanço para segunda-feira, se ainda tivermos sessão, e continuar na linha do que falou o Senador Requião.

            Eu coloquei que, se fosse dar um título ao discurso dele, eu diria “Até quando?” Até quando o Brasil vai suportar as diversas dificuldades que nós podemos antever, Senador Eurípedes? Até quando vamos aguentar uma taxa de juros alta, muito alta, recordista no mundo quase, e uma taxa de juros que não se pode baixar artificialmente, de repente, se não muda o câmbio, se não muda a carga fiscal? Essa é a dificuldade, porque não depende da vontade de uma pessoa só.

            Até quando vamos continuar, sobretudo isso me preocupa, com uma economia sem capacidade de inovar, com uma economia que apenas monta produtos industriais e produz bens primários, como ferro e soja? Até quando? Os outros países estão inventando os produtos; nós estamos montando os produtos. Até quando vamos continuar sem capacidade de competitividade no mundo, salvo no ferro, salvo na soja, salvo num produto em que temos capacidade inovativa, que são os aviões da Embraer? Até quando?

            A commoditie, de repente, muda o preço rapidamente. Nós vamos ser pegos como foram os Estados Unidos com as suas crises, que parecem aparecer de repente, e elas já estavam germinando há muitos anos e décadas. E as pessoas, Senador Sérgio, ou não percebiam isso, ou não queriam perceber, ou diziam que não percebiam.

            Até quando vamos continuar numa economia com a carga fiscal que nós temos? E não é fácil diminuí-la. Esse é um problema para o qual é preciso chamar a atenção do Brasil.

            Nos outros países, como agora na Itália, eles conseguem reduzir o déficit e produzir um superávit alto facilmente. No Brasil, o superávit que a gente consegue ainda não é suficiente, e existem amarras constitucionais que dificultam a redução de gastos no Brasil. Então, uma crise econômica aqui, uma crise financeira aqui, como a do euro na Europa, vai criar uma crise profunda na política. Vamos necessitar aqui não do quórum de 50% para aprovar as mudanças, mas de um quórum qualificado do tipo constitucional, porque precisaremos mudar a Constituição. E é muito provável que não se consiga, com o povo na rua contra as medidas de austeridade, mesmo que necessárias, porque o eleitorado não capta a dimensão de longo prazo.

            Como vai ficar esta Casa se amanhã tiver que aprovar um plano de austeridade, o povo estiver na rua e o plano depender de uma reforma da Constituição?

            O mais grave, eu chamo a atenção, é que na Grécia e nos outros países europeus, se o governo não consegue, ele cai, e faz-se uma eleição para eleger um novo governo. Aqui, o Presidente não cai, porque tem mandato - esse é um regime presidencialista, não parlamentarista.

            Até quando?

            Aí eu quero avançar um pouco na fala do Senador Requião, colocando que para mim esse até quando tem uma resposta, e uma resposta difícil de ser realizada. Nós só vamos superar isso quando fizermos uma mudança não apenas na economia, mas na maneira de pensar a economia. O nosso problema não é só financeiro, não é só econômico, não é só ambiental, nem é só social. Há as quatro dimensões da crise: financeira, econômica, social e ecológica. A nossa crise é de uma ideia diferente sobre o que deve ser a economia. É ideológica. Está no meio das quatro.

            Por quê? Vejam como é um problema complicado para nós. É o mesmo que vale para a taxa de juros, porque, se cair, a moeda se desvaloriza; se cair, não vem dólar; se caírem os gastos fiscais, e o Governo diminuir os seus gastos, não tem quem compre produtos na praça. Essa mesma dificuldade, Senador Requião, a gente tem também no conjunto dessas quatro crises. Por quê?

            Vejam o problema ecológico. Para a gente proteger a ecologia tem que diminuir a produção. Para diminuir a produção, a economia cai; caindo a economia, cai o emprego e cria uma crise social.

            Se você quer resolver a crise financeira, você tem que apertar as contas do governo; apertando as contas do governo, a economia cai; a economia caindo, o social cai.

            Portanto, Senador Roberto Requião, indo adiante na sua pergunta “até quando”, o senhor falou que a crise é do capitalismo. E é mesmo, mas eu vou mais longe ainda. A crise é do capitalismo, já foi do socialismo, e é do desenvolvimentismo. A crise é de ideias, de propostas, de concepção. A crise é de ideologia: inventar um novo modelo social, civilizatório.

            Vou dar um exemplo: no atual modelo, quando o crescimento cai, dizemos que temos uma crise, que o crescimento precisa voltar. Isso é na atual civilização. Temos que inventar uma que, em vez de dizer como crescer mais, diga para onde crescer mais. Ou até mais: em vez de dizer como crescer mais, diga como melhorar a vida, e a vida talvez possa melhorar com o decrescimento.

            Hoje, não tenho dúvidas: a redução de produção de automóveis pode melhorar a qualidade de vida nas cidades. Agora, temos que resolver o problema do emprego das indústrias automobilísticas.

            As perguntas estão erradas. Até quando? E fiz diversas perguntas “até quando”, mas todas prisioneiras do presente; nenhuma “até quando” com a nova concepção. Antes era fácil, pois a gente dizia: “acaba o capitalismo, vem o socialismo”. Hoje não dá mais para responder assim. Tem que ter outra coisa.

            Tenho conversado, discutido, sobretudo em comissões, sobre a ideia que muitos dizem que é fácil resolver, que vamos sair da economia que está aí e criar uma economia verde. Não basta. Tem que ter uma economia verde neste País, mas não basta. Qual é a economia verde diferente da atual? É a economia que diz: pode até ser mais caro usar o etanol - e o Brasil fez isso nos anos 70; pode até ser mais caro, no presente, usar etanol em vez de usar gasolina. Mas, é correto, no longo prazo, porque é sustentável.

            Hoje o etanol ficou num preço muito acessível, comparado com o gás, por causa do preço do petróleo. Está na hora de a gente dizer que, mesmo sendo mais caro um automóvel com motor a bateria, é melhor usar motor a bateria mais caro do que comprar um carro mais barato. Para você mudar - e por aí gostam de usar essa palavra - o paradigma, o padrão, o modelo, vamos ter que ter uma economia verde, mesmo que no presente ela pareça custar mais em reais. Mas ela custa menos em natureza.

            O problema é que, para mim, não basta a cor verde, Senador Requião. A economia tem que ser vermelha. O vermelho é do social. Eu não disse do socialismo, mas digo do vermelho, que tem origem no socialismo. É o vermelho.

            O que é a “economia vermelha”? Tomemos o caso da competitividade. Hoje, a gente diz - está na Folha de ontem - que os carros aqui são mais caros que no México. Então, vamos dar incentivos fiscais. Não! Aqui diz: “Vamos fazer transporte público bom, porque vai atender a todos, não só os que podem comprar carro.” A “economia vermelha” é aquela economia que tem compromisso com a distribuição de renda. No Brasil, sempre, sobretudo nos últimos 60 anos, a economia brasileira tem compromisso com a concentração de renda hoje para vender os produtos caros dizendo que amanhã vai vender os bens para os pobres, uma coisa que os economistas inventaram, que é o derramamento da renda dos de cima para os debaixo. Tem que ser uma economia que diga que gerar desemprego não é um produto bom da economia, que concentrar renda não é um produto bom da economia. A economia tem que ser vermelha, comprometida com o social, do mesmo jeito tem que ser verde, comprometida com o meio ambiente.

            Mas vou mais longe, Senador Requião, antes de lhe dar a palavra para um aparte. A economia tem que ser branca. Uma economia que considera que vai bem porque produz bombas, tanques de guerra, aviões de guerra, submarinos não é uma economia boa. A defesa é boa. Sou favorável, sim, a que tenhamos Forças Armadas sólidas, mas não vamos por os gastos com as Forças Armadas como parte do produto da economia, mas, sim, como parte da necessidade de defesa, como a gente não coloca o oxigênio que respira no PIB. O oxigênio não entra no PIB. Uma boa defesa é o oxigênio da Nação, mas não é um produto da economia, é um produto da sociedade para se defender. Os imensos gastos que este País coloca na segurança pública não podem ser considerados como algo positivo da economia. É algo positivo da nossa segurança.

            Não consigo aceitar, Senador Requião, que cada cadeia inaugurada neste País reflete positivamente no Produto Interno Bruto. Cadeia não é indicador de progresso. Cadeia é indicador de atraso. Agora, são necessárias. Não nego que são necessárias. Mas há uma diferença entre o que é necessário e o que é eficiente, produtivo, que aumenta o bem-estar. Uma cadeia é feita para que a gente tenha menos assassinatos, para que haja menos roubo, para nos dar segurança, mas não aumenta o nosso bem-estar. Apenas evita que ele diminua por causa de bandidos soltos na rua.

            Mas, além do verde da sustentabilidade, do vermelho do social, do branco da paz, só contar mesmo aquilo que for bom, aquilo que trouxer vantagem, eu coloco também que a economia do futuro tem que ser brilhante. Portanto, eu ponho a cor amarela. Aceitemos isso, é uma metáfora que vale. Qual é a “economia amarela”? É a economia que produz bens do conhecimento, é a economia que produz bens de alta tecnologia, é a economia sintonizada com o século XXI, e a economia do Brasil não está.

            Agora vamos produzir esses tablets, montados. Não tem uma colaboração intelectual do Brasil nos tablets. Nem a capinha deles foi desenhada aqui dentro. E é tão grave que os engenheiros que vão servir apenas... Eu sou, de formação, engenheiro mecânico, mas abandonei isso pela economia quando eu descobri - claro que estou falando de quarenta anos atrás - que ia ser um feitor urbano. Eu sou de uma região produtora de cana. Então, nós tínhamos os feitores agrícolas. Feitores são aqueles que controlam o trabalho do plantador de cana. Eu ia ser um engenheiro mecânico no nome; na prática, eu seria um feitor urbano de operários. Eu não ia inventar nada, criar nada, desenhar nada. Mudei para economia.

            Pois bem! Esses engenheiros contratados pela empresa chinesa que vai montar os tablets em São Paulo, depois de formados, vão ter que ir estudar na China para se preparar e serem feitores urbanos, porque eles não vão inventar nada de novo, eles vão montar as coisas que os outros fazem.

            A economia tem que ser amarela do ponto da criatividade, do brilhantismo. Amarela é a cor que eu ouvi dizer que os psicólogos usam como símbolo do brilhantismo.

            Pois bem! Verde é sustentabilidade, vermelho é do social, branco é da paz e amarelo é da alta tecnologia. Eu diria mais um, que é o mais difícil: ela tem que ser azul. Azul do bem-estar, do bem-estar como algo mais importante do que o produto.

            Por exemplo, hoje, cada vez que alguém fica no trânsito, parado, com o carro ligado, ele está se angustiando, está perdendo os seus encontros, pode ser uma pessoa doente, pode morrer em um engarrafamento, mas, no final do ano, esse engarrafamento aparece positivamente no Produto Interno Bruto, porque nós queimamos mais gasolina, mais álcool, mais etanol. E aí, quanto mais queimar etanol, melhor para o PIB.

            A gente aumenta as angústias, joga dióxido de carbono na atmosfera e a gente está dizendo que foi bom para a economia. Não é uma economia azul do bem-estar, da tranquilidade a economia que põe o produto na frente do bem-estar. O que a gente quer é o bem-estar, e o produto é necessário. Mas quando ele se choca com o bem-estar, é melhor parar o produto do que abrir mão do bem-estar.

            Nós temos uma economia que não tem nada de azul no Brasil. Não apenas os engarrafamentos, mas também a desigualdade social e toda a sua tragédia, a violência, que nos obriga a gastar dinheiro e dizer que melhorou o Produto Interno Bruto. Veja que contradição incrível nessa nossa economia de hoje, na concepção que nós temos: cada vez que a gente aumenta a criminalidade, melhora a economia, porque, ao aumentar a criminalidade, temos que contratar mais seguranças, temos que contratar mais PMS, temos que comprar mais equipamentos para lutar contra a violência, temos que construir mais cadeias. Temos 500 mil presos no Brasil. Casa preso desse reflete como um benefício para a economia, porque ele custa R$40 mil por ano, e esses R$40 mil são um pouquinho a mais no Produto Interno Bruto. Faz sentido isso? Não faz sentido.

            Fui provocado a isso pelo discurso do Senador Requião, quando ele falou, com muita clareza, que a crise é maior do que a taxa de câmbio, do que a taxa de juros. É uma crise do sistema, do modelo capitalista, que é o que a gente tem hoje. Com raríssimas exceções, é capitalismo. Isso entrou em crise, e nós estamos querendo encontrar solução dentro desse sistema; tem que ser noutro sistema. O problema é que não é mais o socialismo como ele estava desenhado; é outra coisa. É outra coisa, que, inclusive, pode manter a regra capitalista da propriedade privada, pode manter as regras capitalistas do mercado, pode manter as regras capitalistas da abertura de capital, mas tem que ter um estado regulador superior a tudo isso, senão não vai ter como fazer.

            Os Estados Unidos quebraram por causa da liberalidade no uso do dólar como moeda internacional, mas, sobretudo, nas últimas décadas, com a destruição do Estado como elemento regulador. Isso destruiu, impediu que se mantivesse um equilíbrio na economia.

            Nós precisamos de um Estado que seja capaz de regular, mas podemos tolerar, com essa regulação, o funcionamento das bases do capitalismo, mas em outro modelo. Como eu disse, e concluo antes de passar a palavra ao Senador Requião, uma economia que, independentemente de se ter propriedade privada ou não, independentemente de se ter mercado aberto ou não, independentemente de se ter liberdade de mercado ou não, respeita o meio ambiente, que tem o compromisso forte com o social, que não inclui aqueles produtos negativos que um grande professor nosso da UnB, que foi Senador da República, Lauro Campos, chamava de não mercadoria, produtos que não geram benefícios. Tem que tirá-los dos produtos econômicos. Ela tem que ser uma economia comprometida com os novos bens da alta tecnologia e tem que buscar o bem social.

            Vou até usar uma palavra de que muitos não gostam, mas que está na Constituição americana. Lá, como o senhor citou, Hamilton, George Washington, eles colocaram o direito de as pessoas buscarem a felicidade. Não é da felicidade. Felicidade é uma coisa íntima, interna, mas em algum momento a gente impede que a pessoa possa buscar a felicidade.

            A pessoa que está indo para a casa da namorada e fica em um engarrafamento de trânsito, o prefeito é culpado por acabar com a felicidade do cara naquele momento, porque ele tem que ficar engarrafado no trânsito.

            Acho que o papel político de cada um não é dar felicidade a ninguém, mas eliminar os entulhos que atrapalham as pessoas a buscarem a própria felicidade. A fila para ser atendido para tratar um dente... Quer coisa que atrapalhe mais a felicidade do que você ter que ficar duas, três horas em uma fila de dentista porque não tem dinheiro para pagar um? O culpado é quem criou esse entulho, que não foi capaz não foi capaz de criar um sistema público de saúde de qualidade. A fila para colocar um filho na escola... Aí, depois de conseguir, a escola é ruim. Isso tira a possibilidade de encontrar a felicidade.

            O papel de um político é eliminar os entulhos que atrapalham o direito de as pessoas a buscarem suas felicidades, de cada um deles. Isso é o bem-estar, não é o produto. O produto, às vezes, se contrapõe. Por isso que hoje surge um grupo, que cresce muito na Itália, de pensadores que propõem a idéia do decrescimento feliz. Basta, por exemplo, liberar tempo livre. Se você baixa a jornada de trabalho para 40 horas... A França, se não me engano, baixou para 36. Isso aumenta a chance de a pessoa procurar a felicidade com o tempo livre que tem. Agora, baixar a jornada de trabalho vai baixar o produto, dependendo das máquinas que você tem. Pode até baixar o salário, mas não baixa o bem-estar, se você puder usar bem o seu tempo livre.

            Esse pessoal do decrescimento feliz tem uma série de medidas que melhorariam o bem-estar, apesar da redução da produção.

            Então, Senador Requião, quero agradecer a V. Exª por ter provocado essas reflexões e dizer que, de fato, a crise é mais profunda do que esses ajustezinhos que a gente quer fazer por aí. E tem que fazer, de vez em quando, ajustezinhos. Quando a gente está com dor de cabeça, a gente toma aspirina, mas não basta aspirina se a dor de cabeça tem uma razão mais profunda.

            E a sociedade e a economia brasileira hoje não vão resolver o seu problema com aspirinas, dando incentivos fiscais para aumentar a venda de automóveis. É preciso uma revolução. E a revolução é em nível da cabeça hoje, não é tanto em nível da estrutura social, política e econômica, é em nível das ideias, é em nível da formulação do que é que a gente quer para o Brasil.

            E temos que saber - terminando com a pergunta do Senador Requião - até quando a gente vai aguentar isso? E esse até quanto leva a: a gente vai aguentar até quando rebente a bolha ou até quando a gente tenha a capacidade de diminuí-la, para evitar o seu problema?

            Essa é a pergunta que eu lamento não nos ver aqui, no Senado, debatendo mais profundamente. Eu espero que no segundo semestre desse ano seja possível, com o acirramento da crise aqui e no exterior, sobretudo no exterior e ameaçando aqui, que nós possamos discutir melhor até quando vamos continuar numa marcha da insanidade, que não vai levar a um bom resultado para o nosso País. 

            É isso, Sr. Presidente, mas quero passar a palavra ao Senador Requião.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - V. Exª discursava, e eu me lembrava aqui de uma frase de Albert Camus: o homem é ele e a sua circunstância. Não sei se originalmente é dele mesmo, mas ela chegou a mim pela leitura do Camus. A nação também é ela e as suas circunstâncias. E uma feliz circunstância fez com que o agronegócio, as commodities, os minérios e os grãos sustentassem a economia brasileira num determinado momento, mas foi uma circunstância da vida nacional. Nós precisamos é projetar o Brasil, a Nação e a nossa economia para frente, nós não podemos continuar pensando numa eventual satisfação eleitoral que, sem a menor sombra de dúvida, existe hoje, Senador Cristovam. Nós estamos no País quase num regime de pleno emprego e, se levarmos em consideração o emprego dos chamados países desenvolvidos - pelo menos eram chamados até agora há pouco -, nós estamos em pleno emprego, mas nós não estamos cuidando do futuro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso mesmo.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Lembra, Senador, que o Presidente Lula, acertadamente, no início da crise, liberou o depósito compulsório dos bancos, porque o financiamento é oxigênio da economia capitalista. O que os bancos fizeram? Voltaram aos princípios do Acordo de Basileia, preocuparam-se apenas com a sua própria liquidez e, em vez de oxigenarem a economia, compraram Letras do Tesouro para não comprometerem a sua liquidez e não correrem risco algum. E daí nós conseguimos, pela circunstância de Fernando Henrique não ter conseguido acabar com o Banco do Brasil, com o BNDES, com o BRDE e com a Caixa Econômica Federal, oxigenar, irrigar a economia de uma certa forma, colocando-nos numa situação privilegiada diante da crise. V. Exª diz que as velhas formas socialistas não servem mais. Eu não vejo assim. Eu acho que temos que ter uma visão dialética desse processo. As velhas formas são velhas formas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Isso, isso.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Mas eu definiria hoje o socialismo como a opção pelo amor e pela solidariedade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito bem.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - E o contrário dele é o egoísmo e o individualismo. O individualismo dos bancos, que não se preocuparam com sua inserção nacional e aproveitaram a liberação do compulsório para investir em Letras do Tesouro Nacional. Então, nós temos soluções à vista. Eu não sei por que o Governo não lança mão delas. Nós temos que controlar, definitivamente, a desvalorização do dólar. Não tenho dúvida nenhuma disso. Nós temos que aumentar salário, e o nosso Governo está comprimindo o salário. As velhas e tradicionais fórmulas passam a ser usadas quando, na verdade, foram elas que levaram os Estados Unidos e o mundo à crise: arrocho salarial; segura-se a aposentadoria; segura-se a Previdência Social; diminuem-se recursos de saúde. Rigorosamente. Não é por aí. Nós precisamos de salário alto, nós precisamos de imposto baixo, nós precisamos de financiamento para inovação, nós precisamos de mercado interno. E nós não estamos nesse caminho. Nós estamos, pelo menos a meu ver, equivocadamente, tratando das coisas no curto prazo, Senador Cristovam, no curtíssimo prazo, no prazo da eleição. A mesma coisa com a reforma eleitoral aqui no Congresso. O PT querendo aproveitar o prestígio do Lula com a lista fechada. O Michel Temer propondo o voto majoritário para acabar com a estrutura partidária e forçar a desideologização da economia, e a desideologização da economia, hoje, é a submissão ao capital vadio que domina o Banco Central. Então, nós não estamos tendo uma visão solidária desse processo. Está faltando o colorido vermelho, que é a cor da solidariedade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É verdade.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - E as mudanças da economia que V. Exª aventa são, sem sombra de dúvida, necessárias. Essa corrida pela tecnologia levou, por exemplo, a União Soviética a colocar um satélite antes dos Estados Unidos, a investir pesadamente em tecnologia militar, mas, em determinado momento, ela não tinha mais um embutido, um salame, um queijo, não produzia alimentos. Ela foi para a tecnologia de ponta e esqueceu o problema do abastecimento interno do país, a tecnologia do Alexander Hamilton, do Friedrich List, do Henry Carey, do Henry Clay, que eram as tecnologias aplicadas para a viabilização do mercado interno e a felicidade do povo norte-americano. Essa corrida tecnológica é uma corrida suicida também. Cumulação de capital, investimentos fantásticos, guerra nas estrelas, e de repente o cidadão não consegue pagar a prestação da casa, do carro e da universidade dos filhos. Então, essas correções têm de ser feitas. Mas, apesar de toda a confiança que eu tenho na nossa Presidenta e no nosso Governo, eu acho que nós estamos vacilando, nós estamos administrando pressões momentâneas. Espasmos da economia têm respostas tímidas e imediatas. Mas nós não estamos planejando para o futuro. Eu estou vendo uma certa mediocrização e submissão das medidas econômicas, quando uma visão mais forte, com apoio popular, seria necessária, um esclarecimento, um debate maior. E quando a Presidenta tiver coragem de fazer isso, ela terá uma surpresa, que é o apoio do Congresso Nacional e da população brasileira.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador. Esse é o tipo de aparte que agrega muito ao discurso e provoca para que a gente fale um pouquinho mais. Peço desculpas.

            O Senador Requião trouxe aqui uma coisa muito interessante. Há países que têm uma forte atração pelo futuro, há outros que têm uma forte atração pelo passado. O Brasil tem uma atração pelo presente. O Brasil tem uma preferência muito grande pelo presente. Quer ver o exemplo disso? Como nós poupamos pouco. Aí diz-se: “Não! Poupa-se pouco porque o salário é baixo”. Mas os ricos poupam pouco também. Nós temos uma preferência pelo consumo desvairado hoje. Nossa poupança não chega a 20%. Na Coreia, chega a 40%. É a preferência pelo presente. Temos que quebrar isso e começar a olhar com uma atração pelo futuro. Mas, para isso, não basta dizer: o futuro é a renda per capita alta. Não basta dizer isso. O futuro é o bem-estar elevado da população, e o conteúdo do bem-estar está no produto que temos a nossa disposição. Essa é uma parte.

            A outra parte do bem-estar não vem do produto a que a gente tem acesso. A outra parte vem da saúde que nos oferecem, da educação que nos oferecem, do trânsito livre que nos oferecem, da segurança que nos oferecem. Uma parte do bem-estar a gente compra no mercado; a outra, a gente tem que ter acesso no setor público; e esse setor público não mede bem, não aparece bem no PIB. A construção de um hospital aparece bem no PIB. Mas você tomar pequenas medidas de colocar água, esgoto, saneamento não aparece tão bem no PIB e, às vezes, é muito melhor para a saúde.

            Temos que ser atraídos pelo futuro, mas dessa vez, por um futuro diferente daquele a que nos acostumamos, porque a gente se acostumou a projetar o passado para o futuro.

            Então, mesmo os atraídos pelo futuro querem o passado com mais bens à sua disposição. Tem que ser diferente. E aí temos que lembrar que soluções importantes, como o que o Presidente Lula fez e que os bancos não usaram corretamente, mesmo elas têm um prazo de duração. Aumentar crédito não pode ser ilimitado, até porque - o senhor usou bem a metáfora do oxigênio - oxigênio demais mata o doente. Se você errar a dosagem do oxigênio no pulmão de uma pessoa, ela não fica melhor, ela pode até morrer. Tem que fazer isso, mas tem que pensar em outra coisa.

            Por exemplo: por que, em vez de a gente ter o BNDES como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - e agora colocaram, para disfarçar, o Social -, a gente não coloca como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, Social e da Inovação? Com esses 4,5 bi, a gente poderia fazer tanta coisa na área de criar uma infraestrutura de inovação! Mas não pensamos.

            Outro: por que não se reduz a jornada de trabalho...

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Senador, e não é o crédito para o consumo desvairado de produtos da China e dos Estados Unidos e do Japão. É o crédito para a produção, é o crédito para o desenvolvimento, é o crédito para a geração de empregos. Talvez, nós não tenhamos a qualidade tecnológica que o consumo oferece hoje, mas nós estaremos viabilizando qualidade de vida, de salário, de emprego para a população.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito bem dito, é verdade. Não só o crédito em si, mas a qualidade do crédito também.

            O financiamento de turismo no exterior é bom para cada um, mas não é bom para a economia, se a gente pudesse usar isso para o turismo interno.

            A redução da jornada de trabalho é algo que traria um impacto positivo na economia, e é visto como um impacto negativo porque pode prejudicar a taxa de lucro. Realmente pode, mas você, em vez de um empregado, poderia ter um e meio. Agora, para isso, tem que ter uma coisa preliminar: educação. Porque, hoje, se reduzirmos a jornada de trabalho, Senador Casildo Maldaner, sabe o que vai acontecer? Eles vão contratar os mesmos trabalhadores com mais horas extras, porque não é fácil substituir um operário por outro, porque não encontra um qualificado. Por que a gente não começa a investir na busca de energias limpas, que, além de gerar um novo tipo de energia, gera emprego, gera renda? Por que a gente não faz uma punição radical à corrupção, que tem um impacto negativo na economia, porque desvia recursos, porque gera um mercado paralelo, porque faz com que a economia seja usada para lavar dinheiro e não para produzir dinheiro? É dinheiro que já existe, que é trocado de uma mão pela outra por jogos de influência; é dinheiro perdido nesse sentido do ponto de vista global, apenas sai de uma mão para outra, não gera renda.

            Então, há muito que fazer, mas eu insisto: esse muito que fazer vai exigir que a gente pense o futuro de forma diferente. Não podemos continuar um país preso ao presente e não podemos ser um país atraído por um futuro errado. Temos que redesenhar o futuro que queremos e, aí, tomar as medidas hoje para construir esse futuro amanhã.

            Concluo, dizendo que muitos agora jogam todo o futuro nas entranhas do Planeta onde há pré-sal. Eu lembro que o Brasil foi o pré-sal de Portugal quinhentos anos atrás. Quando o Brasil foi descoberto, quinhentos anos atrás, era como se Portugal tivesse descoberto um pré-sal. E no que resultou? O ouro que foi daqui para lá, sob a forma de açúcar indiretamente ou sob a forma de ouro mesmo, serviu para quê? Para colocar mansões e palácios para os portugueses e para financiar a industrialização da Inglaterra. Quando o outro acabou no Brasil, o pré-sal português, a Inglaterra era um país desenvolvido e Portugal era um país atrasado, com bonitas casas, mas sem nenhum desenvolvimento econômico.

            Não podemos tratar o pré-sal com a visão tradicional do apego ao presente, de gastar tudo financiando pequenas coisinhas hoje. O pré-sal tem que ser transformado em algo permanente. Aquela cor preta do petróleo tem que ser transformada na cor cinzenta do cérebro do povo brasileiro. Eu lamento que o Senado não tenha conseguido uma forma de partilhar o pré-sal, mas não partilhar entre os Estados e Municípios, partilhar entre o presente e o futuro. Estamos discutindo uma partilha egoísta dessa geração, a partilha vertical ao invés de uma partilha horizontal, uma partilha entre nós e os nossos netos, entre nós e o Brasil inteiro.

            Fica aqui, Senador, essa fala, que não foi a que vim preparado para fazer, mas que achei ser a mais oportuna diante da fala do Senador Requião. A pergunta dele foi “até quando?” e a minha seria “quando e para onde?” e não apenas “até quando?”.

            Muito obrigado, Senador, pelo tempo. Muito obrigado, Senadores, pelo tempo que me deram, nesta manhã de sexta-feira, ao final dos trabalhos deste período legislativo, embora creia que, na segunda-feira, haverá uma sessão pela manhã.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2011 - Página 30084