Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a crise financeira dos Estados Unidos; e outro assunto. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • Considerações sobre a crise financeira dos Estados Unidos; e outro assunto. (como Líder)
Aparteantes
Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2011 - Página 30610
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, FINANÇAS PUBLICAS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEFESA, ORADOR, LIMPEZA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, RELAÇÃO, CORRUPÇÃO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores.

            Praticamente; todos os habitantes desse planeta, que têm acesso às informações, acompanharam nas últimas semanas a crise nos Estados Unidos. Pessoalmente, eu posso dizer que eu acompanhei, Senador Eurípedes, com cinco sentimentos: um sentimento de temor, um sentimento de tristeza, um sentimento de inveja e um sentimento alívio e um sentimento alerta. O sentimento de temor, ele veio da imprevisibilidade do que aconteceria no mundo se o Congresso americano, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, não chegasse a um acordo antes do dia dois de agosto. Imprevisível saber o que aconteceria se, de repente, todos os títulos da dívida pública norte americana perdessem valor; se, de repente, os que têm dinheiro no mundo inteiro não apoiassem a dívida americana, se eles fossem obrigados a cortar os gastos que repercutiriam no mundo inteiro. Foi com um sentimento de temor que eu confesso que acompanhei todos esses dias o que acontecia nos Estados Unidos.

            Obviamente, foi também com sentimento de inveja ao perceber o poder que o Congresso norte-americano tem. Eu senti inveja quando eu vi os Senadores norte-americanos, Deputados norte-americanos podendo definir o que iria acontecer no país deles. E aqui, lamentavelmente, por tantos instrumentos legais que tem a Constituição, o Poder Executivo praticamente não precisa considerar o que a gente fala, o que a gente faz, o que a gente propõe, como a gente vota.

            Mas, ao mesmo tempo, fiquei triste de ver os Estados Unidos, que sempre citei como exemplo na política da possibilidade de um bipartidarismo, na hora de tomarem decisões de interesse do país, rasgarem o bipartidarismo. E a gente viu que não apenas havia posições ideológicas no debate: aqueles que queriam reduzir os gastos dos serviços públicos para os pobres e não aumentar os impostos para os ricos, lado ideológico; de outra parte, o lado ideológico representado hoje pelo Presidente Obama, que é de manter os serviços públicos e até aumentá-los no que se refere à saúde pública - e os impostos necessários para financiar isso viriam das camadas ricas.

            Havia esse debate ideológico, mas nós sabemos que, além disso, e até por trás disso, havia um debate de olho nas eleições do próximo ano. Rasgaram o bipartidarismo, o interesse nacional e passaram a disputar as eleições, Senador Moka. Por isso, além do temor e da inveja, vi também com tristeza que perdemos o exemplo de que um congresso pode em alguns momentos ser bipartidário - no nosso caso, multipartidário.

            Agora, vi com muito alívio obviamente quando o noticiário a partir de ontem passou a dizer que, apesar do rompimento do bipartidarismo, tinham chegado a um acordo que permitiria a continuidade do funcionamento do governo, que permitiria o pagamento da dívida, sendo possível continuar os gastos e também levar adiante o funcionamento da economia norte-americana, que - queiramos ou não, gostemos ou não - é um pouco o motor, ao lado hoje da China, da economia de todos os países.

            Mas quero falar um pouco do último sentimento, o sentimento de alerta. Senador Randolfe, creio que essa crise deve servir como um alerta para nós. Primeiro, o alerta de percebermos que quem está bem hoje pode não ir bem em relação ao futuro. E eu creio que a economia brasileira está bem, Senador João Pedro, mas ela não vai bem. Basta ver os discursos que escutamos aqui mesmo, quando podemos listar alguns empecilhos graves adiante e empecilhos que não podem ser tratados separadamente - do contrário, se resolveria um, outro, e depois outro. Mas, não, eles são “linkados”, como se diz por aí.

            Fala-se, por exemplo, em baixar a taxa de juros. Não se baixa a taxa de juros pela vontade de baixar. Só se baixa a taxa de juros quando a dívida está controlada, quando nós podemos ter gastos públicos controlados. Mas eu quero listar apenas alguns desses itens que sempre coloco como os vetores do mal, em vez dos vetores do bem.

            A taxa de juros é um deles. É claro que essa taxa de juros amarra nossa economia. Mas como resolver isso se a gente mantém os gastos altos, exigindo dinheiro cada vez maior, e se a taxa de impostos, a carga fiscal, já é tão elevada? Vejam como as coisas se ligam na economia: a taxa de juros depende dos gastos públicos; os gastos públicos dependem diretamente de quanto a gente pode gastar, deve gastar, mas dependem também da própria taxa de juros, que financia a dívida para que gastemos mais.

            Mas não é só isso. Se amanhã decidirmos baixar os gastos públicos, a economia sofre. Não apenas os setores pobres deixam de receber os diversos benefícios que o Brasil de hoje oferece, mas a própria economia deixa de contar com uma demanda que vem dos gastos públicos. Vejam como estão ligados juros, gastos públicos e taxa de crescimento!

            E não é só isso. Todo mundo reclama da taxa de câmbio e hoje, nesse sentido, aqui mesmo, nós ouvimos, com razão, o Senador Randolfe. Mas como desvalorizar a moeda sem gerar uma pressão inflacionária? Se a taxa de câmbio hoje ficar como está, nós desindustrializamos o País. Se a taxa de câmbio valorizar o dólar, nós podemos ter uma inflação neste País, ou pelo menos um item da inflação - item da inflação mais grave ainda se voltarmos ao problema anterior dos gastos públicos. Se a taxa de câmbio cair, aumenta o preço do que a gente importa, e quase tudo o que a gente consome tem um conteúdo importado. E mais ainda: como fazer isso com os gastos públicos elevados, descontrolando, desregulando a inflação?

            Mas não é só isso. Nós temos o problema da dívida. É um limite que temos adiante essa dívida. E aqui não me refiro só à dívida do setor público, eu me refiro também à dívida individual, dos indivíduos, das famílias deste País. E como resolver o problema da dívida sem resolver o dos juros?

            É preciso lembrar que a Grécia é o único país hoje no mundo que paga juros da dívida maiores do que os pagos pelo Brasil. A Grécia paga 5,47% e nós pagamos 5,10%. O tamanho da dívida brasileira nem é dos maiores quando comparado com o de outros países, mas a taxa de câmbio no Brasil é muito maior, porque gastamos mais do que deveríamos. Mas se gastarmos menos, cresceremos menos do que queremos crescer. Tudo isso está imbricado, interligado. E aí que digo: o sentimento que tive ao ver essa crise norte-americana, o último, foi de alerta. Alerta para que comecemos a descobrir um programa bipartidário, no caso nosso, multipartidário, que vá além das nossas divergências e nos unindo em torno do Brasil inteiro.

            Por exemplo, um item que nem toquei ainda, que é o da inovação. Não há futuro para uma economia grande hoje, no mundo, sem capacidade de inovação, o que o Brasil não tem e não vai ter se aqui dentro não formularmos um programa junto com o Governo, de maneira suprapartidária.

            E eu concluo, Senador Randolfe Rodrigues, saindo um pouco da economia e entrando em outro item, o do bipartidarismo, do suprapartidarismo, do multipartidarismo. Não é possível que as medidas que tomou a Presidenta da República em relação a afastar pessoas sob as quais pesavam suspeitas não gerem aqui dentro um sentimento suprapartidário de apoio à faxina. Mas o que temos visto no jornal é o contrário: o fato de ter tomado essas medidas vai provocar aqui dentro represálias contra ela. É inadmissível que isso aconteça.

            Os Estados Unidos permitiram que tivéssemos o temor, a tristeza, a inveja, o alívio e o alerta. Vamos nos alertar a nós próprios. A Presidenta, nesse aspecto... E não estou pedindo que ninguém mude de lado, que ninguém deixe de criticar, como eu critico de vez em quando, que a oposição deixe de ser oposição, o que seria uma tragédia para a democracia, não peço nada disso, mas apenas um recado claro de apoio à faxina, como parece que o próprio Palácio do Planalto definiu e a Presidenta vem fazendo.

            Nunca antes nesta história, como se costuma dizer, um Presidente demitiu 20 ou 22 pessoas sob suspeita. Com um gesto como esse, no momento em que, como disse a Senadora Ana Amélia, a corrupção tem que parar ou ela para o Brasil, não é possível que nesse momento a gente não dê um recado à Presidenta e ao Brasil: aqui no Senado ela terá apoio para essa faxina que ela se propôs a fazer e que esperamos que vá ainda além do que foi feito, onde for necessário.

            Passo a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues com muita satisfação.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Cristovam, falei com V. Exª esta semana. Quero que V. Exª me inclua na belíssima articulação que está fazendo no Senado para montar, para organizar um grupo suprapartidário em apoio às medidas da Presidente Dilma em relação ao Ministério dos Transportes. Se existe uma bandeira que não pode ter partido político é a bandeira do combate à corrupção. A corrupção é a erva daninha da terrível tradição patrimonialista brasileira, que V. Exª conhece tão bem e que condena tão bem. Então, não podemos colocar os interesses de oposição, de governo, de partidos políticos acima dessa bandeira. Quando V. Exª me telefonou esta semana, coloquei-me inteiramente à disposição. E quero reiterar: a Presidente da República terá de nós o integral apoio para combater a corrupção, terá o integral apoio. Nós subscrevemos um requerimento convocando o Ministro dos Transportes a vir aqui ao Senado. Acredito que a vinda dele é importante para que dê os esclarecimentos das medidas que estão sendo tomadas. Se for necessário demitir cinco, que a Presidente demita. Se for necessário demitir dez, que assim o faça. Que sejam vinte, trinta, quarenta. Não pode ter tolerância em relação à corrupção. Não podemos e não pode a oposição - falo isso e todos sabem muito bem a nossa posição - se aproveitar de prováveis rusgas e fragilidades da base de apoio ao Governo. Essa bandeira tem que estar acima...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Serei breve, Presidente. Essa bandeira tem que estar acima dos partidos políticos. Então, estou com V. Exª, com muita honra, nesse caminhar. Não tenho dúvida de que encontraremos, no Senado, vários outros Senadores que subscrevem essa medida de apoio à Presidente em todas as ações que visem a combater e a extirpar esse câncer da corrupção do Estado brasileiro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador Randolfe, para mim, não é nenhuma surpresa o seu apoio, mas acho que, para o povo brasileiro, é muito importante saber que uma figura com a sua combatividade em relação ao Governo - e, felizmente, há pessoas combativas contra o Governo - é capaz de sentir, neste momento, a necessidade desse gesto suprapartidário de que o parlamento americano não foi capaz, a não ser no último instante, pouco antes de suicidar-se. Eu fico feliz. E quero dizer que a corrupção que nós temos eu acho que é fruto de um...

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Essa corrupção é fruto de um casamento maldito: a impunidade e a falta de valores morais na política, não apenas valores morais no comportamento, mas valores morais nas prioridades, bandeiras. O fim das bandeiras de luta facilita, como uma mãe, o nascimento da corrupção. A outra é a impunidade.

            Vai ser difícil a gente retomar bandeiras de lutas com convicção por todos. Por isso, a luta que precisamos fazer hoje para parar a corrupção é pelo lado da impunidade, enquanto políticos e povo chegam a bandeiras comuns. Quem imaginaria Joaquim Nabuco no meio da campanha abolicionista roubando dinheiro? Ninguém. Faltam bandeiras de luta. Mas enquanto elas não surgem, vamos lutar contra a impunidade, como está fazendo a Presidenta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2011 - Página 30610