Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a exaustão de diversos aspectos da economia brasileira. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Preocupação com a exaustão de diversos aspectos da economia brasileira. (como Líder)
Aparteantes
Ataídes Oliveira.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2011 - Página 31881
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, EXAUSTÃO, ECONOMIA, PAIS, BOLSA DE VALORES, GASTOS PUBLICOS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, as notícias que a gente tem visto nestes últimos dias, Senador Requião, são extremamente inquietantes em relação ao mundo e em relação ao Brasil. Mas há uma inquietação que me incomoda ainda mais, Senador Ataídes: é que nós estamos ficando inquietos por detalhes, sem perceber que há uma razão mais profunda para a inquietação.

            Estamos constatando a exaustão de diversos aspectos da economia. Hoje no Brasil, por exemplo, é clara a exaustão na Bolsa de Valores - até pouco tempo atrás o índice Bovespa tinha caído dez pontos. Há uma exaustão. Algo - não é apenas especulação - fez com que se exaurisse a rentabilidade que as empresas obtinham na Bolsa de Valores.

            Há um cansaço, há uma exaustão no endividamento. Não dá para aumentar o endividamento além do que já temos, nem o endividamento público. Aliás, nós percebemos como foi difícil para os Estados Unidos aumentar um pouquinho o seu endividamento. Houve uma exaustão, e o mesmo vale para o endividamento privado - no Brasil, as manchetes nos jornais chamam a atenção para o crescimento da inadimplência neste País.

            Há uma exaustão fiscal - essa é a expressão que vi hoje numa entrevista com Gustavo Franco, ex- Presidente do Banco Central - no mundo inteiro. Os Estados não têm como arrecadar mais dinheiro. Essa exaustão fiscal significa que não há como arrecadar mais dinheiro, a carga fiscal está muito alta, e o endividamento entrou em tal risco que você não pode aumentar a sua receita pedindo empréstimos em vez de aumentar impostos.

            Há duas maneiras de você aumentar o gasto público. Uma é aumentando os impostos, a outra, aumentando os empréstimos. Neste momento, os empréstimos aos Estados Unidos estão difíceis. Os países começam a exigir que os Estados Unidos mudem, sob pena de eles venderem os títulos que já têm ao invés de comprarem mais títulos. Exauriu-se. Há uma exaustão na carga fiscal, há uma exaustão na capacidade de endividamento do setor público e, aí, não há como conseguir mais dinheiro.

            Isso leva, Senador Paim, a algo que lhe toca muito, que é uma exaustão nos serviços públicos. Essa exaustão força o aumento da idade de aposentadoria, força os fatores que tentam corrigir reduzindo, que faz com que a Inglaterra comece a cobrar mensalidade nas universidades, que retrai os gastos.

            Há uma exaustão dos gastos públicos, há uma exaustão do endividamento. Há uma exaustão do endividamento privado. A economia começou a ficar, no sistema atual, exausta.

            Essa exaustão, entretanto - não vejo referências nesse sentido -, tem a ver com o cansaço do conceito de riqueza.

            O conceito de riqueza, do propósito da economia, entrou em uma profunda exaustão e pode se acabar, ou seja, pode deixar de fazer funcionar as coisas antes que a gente tenha outro.

            Hoje de manhã na televisão, num dos jornais, eu vi uma manifestação que me levou imediatamente a refletir: uma manifestação de jovens israelenses, preocupados porque eles não conseguem mais ter apartamentos do tamanho do dos seus pais. É muito parecido com o que já se tem visto - eu vi na Espanha - com o movimento dos chamados “jovens indignados”, que não conseguem mais ter os benefícios que seus pais tiveram e se sentem pobres.

            Mas quando você analisa a pobreza deles, Senador Ataídes, você vê que é uma pobreza que, para muitos de nós, significa riqueza. É que eles redefiniram pobreza: pobreza é não poder trocar o carro, pobreza é não poder morar num apartamento maior, pobreza é não poder viajar ao exterior. E os nossos jovens de classe média no Brasil estão também com esse mesmo sentimento, com essa mesma sensação de que poderão empobrecer. Mas trata-se de um empobrecimento a partir de uma redefinição do conceito de pobreza, não é mais a pobreza da falta de consumo, é a pobreza da falta de mais consumo. Não é a pobreza de quem não tem o que comer, de quem não tem o que vestir, de quem não tem onde morar, definição de pobreza com a qual nos acostumamos. Trata-se da pobreza de quem não consegue aumentar o tamanho da casa, aumentar o consumo, aumentar e renovar o carro. Isso se exauriu, não tem como continuar com esse aumento.

            Logo, em vez de ficar redefinindo pobreza, a gente tem de redefinir riqueza. Exauriu-se o conceito de riqueza da civilização industrial. Nós sempre achamos que riqueza era ter muita renda e muito consumo, mas esse conceito é recente, não tem duzentos anos. Na Grécia, o homem rico era o homem culto. Na Idade Média, a pessoa rica era a pessoa que ia para o Céu - era até mais rico quem era pobre, porque era difícil um rico entrar no Céu. Esse conceito de riqueza é recente, foi depois da Revolução Industrial que nós passamos a ter essa sensação, essa ideia de que rico é o que consume muito. Funcionou, funcionou durante duzentos anos: aumentamos a produção, aumentamos o consumo, chegamos a um nível de riqueza como esse de US$50 trilhões por ano no mundo inteiro, um consumo que chega a ser desperdício.

            Esse conceito de riqueza está em crise, e não vamos encontrar saída para essa crise geral se não encontrarmos uma alternativa para esse conceito.

            Por exemplo, as quarenta horas, que o senhor defende e eu também: reduzir de 44 horas para 40 horas de trabalho por semana equivale a um aumento da riqueza. São quatro horas livres! Quer riqueza maior do que o tempo livre? Não existe - desde que você tenha atendidas as necessidades. Só que as necessidades, para serem atendidas em 40 horas, diferentemente do que acontece com as 44, têm de ser redefinidas. Pode não ser a redução do consumo de cada trabalhador, mas tem de ser a redução do PIB geral.

            A definição de riqueza enquanto sinônimo de Produto Interno Bruto exauriu-se, entrou em exaustão. E as outras exaustões de que falei - a exaustão da carga fiscal, a exaustão do endividamento público, a exaustão do endividamento privado - são sinônimas umas das outras, são consequências umas das outras. E nós não estamos procurando alternativas, nós como sociedade, ainda que alguns o façam individualmente, filósofos por aí. Nós, políticos, não estamos. Nós estamos querendo encontrar solução para comparar à exaustão fiscal, para comparar à exaustão do endividamento, para comparar a outra exaustão de que eu não falei: a exaustão do meio ambiente.

            A natureza está exaurida, a natureza está cansada, tão cansada que a gente vê na televisão as geleiras derretendo. O derretimento das geleiras é uma forma de exaustão, as geleiras não resistem ao aquecimento global. A gente vê a desertificação em alguns lugares. A desertificação é um caso de exaustão da terra que antes era produtiva. A gente ouve falar que o petróleo acabará: é a exaustão dos recursos minerais.

            Estamos num processo de exaustão da natureza, de exaustão fiscal, de exaustão do endividamento. Nós estamos diante da exaustão de benefícios sociais. Nós estamos, sobretudo, diante da exaustão do modelo de crescimento econômico, de propósito da civilização industrial, e precisando de uma nova alternativa. Essa nova alternativa é a redefinição do propósito, ou seja, da riqueza.

            Lamentavelmente, a gente não vê esse discurso ao nível político - no máximo, ao nível teórico, abstrato, dos filósofos. Roosevelt, em 1930, 1933, em seu discurso de posse, disse: “Nós só devemos ter medo de ter medo, o resto a gente vai tentar”.

            Temo que, hoje, a gente tenha que ser o contrário. A gente tem que ter medo é de muitas coisas, para se precaver.

            O medo diante de uma tranquilidade é um medo doentio. Mas o medo diante de um risco é um medo inteligente. E a gente precisa deste medo inteligente: o medo inteligente diante do endividamento, o medo inteligente diante da carga fiscal, o medo inteligente diante do custo da corrupção, não apenas do ponto de vista ético, que nos desmoraliza, mas do ponto de vista econômico, de desviar recursos.

            Nós precisamos ter medo até mesmo das coisas boas. Quando eu vejo a comemoração do saldo de dólares que entram aqui por razões financeiras, eu me assusto, porque ele pode ir embora de repente, deixando aqui uma tragédia de proporções maiores que a dos outros países.

            E quando a gente diz que tem uma reserva imensa, eu me assusto porque ela está baseada em coisas falsas, como são os títulos da dívida americana, como são os próprios bilhetes de dólares ou de euro até. Tudo isso, hoje, é uma grande ficção. E, de repente, se alguém acorda e descobre que não é verdade, deixa de ser verdade para todo mundo.

            Precisamos ter alguns medos no Brasil, na economia de hoje: o medo da inadimplência, o medo da destruição ecológica, o medo do excesso de gastos, o medo do vício de consumo além do que é possível.

            Eu agradeço o Líder Acir Gurgacz por estar falando aqui pela liderança, mas eu não poderia deixar de dar este recado, nesta segunda-feira.

            Entretanto, o Senador Ataídes pede um aparte. E, para mim, é uma satisfação ter o seu aparte.

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Senador Cristovam Buarque, sempre é um privilégio imenso ouvir V. Exª dessa tribuna, com toda a sua sabedoria. Isso, a mim, agrega muitos valores. Interessante, V. Exª tem ido sempre a essa tribuna e dito coisas, repetindo sempre para ver se o povo, se o Governo fica alerta para o assunto. Por exemplo, o endividamento interno do povo brasileiro, o endividamento interno do nosso País. Senador, eu não tenho os números aqui em mãos, mas a União, hoje, tem uma dívida interna de aproximadamente um trilhão e trezentos e poucos bilhões de reais.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É isso mesmo.

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Muito bom. Municípios, Estados e União, juntos, já somam mais de R$2,5 trilhões. E isso é muito perigoso sim, como V. Exª disse. Como empresário, eu cansei de ouvir outros empresários dizendo o seguinte: “Para crescer precisa dever”. Não necessariamente. Acima de tudo, precisa ter responsabilidade Dever... Ok! É necessário, às vezes. Mas com responsabilidade. Ah, mas um país como o Brasil, com essas riquezas imensas, dever três trilhões de reais, isso não é nada. É muito, é muito e o risco é muito alto, sim. Coaduno-me com V. Exª. E aí está a minha admiração pelas palavras sempre bonitas de V. Exª. Mas quero dizer, Senador, que eu vejo solução para isto. E, na verdade, quando V. Exª critica, já coloca soluções de uma forma insofismável, sempre. Mas eu percebo o seguinte: se coibíssemos ou acabássemos com a corrupção no nosso País, que V. Exª chama sempre de danosa - permita-me usar o seu termo -, eu tenho absoluta certeza que esse quadro mudaria. Porque a corrupção é causa, imagino eu, do déficit de bilhões ou talvez até de trilhões em nosso País. Então, temos que acabar com essa danosa corrupção em nosso País. Muito obrigado, meu Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu quero concluir, Senador Paulo Paim, dizendo que estou totalmente de acordo. Se a gente não acabar com a corrupção, este País não só se acaba do ponto de vista da falta de recursos, que são queimados pelos corruptos, mas se acaba moralmente, se degrada. Até porque a corrupção lá em cima termina virando a corrupção embaixo, e a soma dos pequenos poderes é mais corruptora até do que as unidades do grande poder. A gente está caminhando para isso. Porque se alguns corrompem lá em cima, aqui embaixo as pessoas trabalham sem se corromper? Termina acabando esse sentimento e a corrupção se generalizando, como já acontece em alguns países. Isso a gente tem que acabar.

            Agora, só tem uma coisa, Senador Ataídes Oliveira, não cairmos na corrupção da estratégia de acabar com a corrupção. Porque ouço alguns dizerem: quer melhorar a educação? Primeiro acabemos com a corrupção. Aí a gente vai ter dinheiro para a educação. Mas a gente não acaba com a corrupção. Tem um círculo. Porque um dos meios de acabar a corrupção é investir na educação. E estou vendo isso para tudo. Quando a gente fala em educação, fala em pré-sal. O pré-sal é uma hipótese, e, se der certo, demorada. Não podemos esperar pelo pré-sal.

            Estávamos falando há pouco, o Senador Pedro Taques e também o Senador Ataídes Oliveira, que o Brasil já teve um pré-sal, chamado ouro de Minas Gerais. E daquele pré-sal não ficou quase nada, a não ser algumas belas igrejas de Ouro Preto e arredores e algumas igrejas lá em Portugal. O resto do ouro foi todo para fazer compras na Inglaterra, que se desenvolveu a partir daí. Nosso ouro desenvolveu a indústria inglesa; nosso pré-sal pode servir para desenvolver cérebros lá fora se nós não tomarmos cuidado.

            Até lá, temos que criar nossa base. Temos que fazer, com os recursos que temos - que não são poucos, porque estamos com quase quatro trilhões por ano de produto, de renda nacional -, a nossa revolução, lutando contra a corrupção e lutando pela educação. Essas duas lutas se unem. É aquilo que se chama de sinergia: você faz em um e o outro se beneficia também.

            Eu agradeço, Senador Paulo Paim, pelo tempo. Mas fica aqui a minha preocupação: este é um tempo de ter medo, de ter imaginação e de não ficar preso aos velhos, cansados e exaustos padrões de riqueza do passado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2011 - Página 31881