Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a crise, em decorrência de exaustão do modelo econômico, enfrentada no Brasil e no mundo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL.:
  • Preocupação com a crise, em decorrência de exaustão do modelo econômico, enfrentada no Brasil e no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2011 - Página 31943
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, MOTIVO, EXAUSTÃO, MODELO ECONOMICO, AMBITO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ORIENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu creio que o que hoje acontece no mundo inteiro, claramente, com repercussão no Brasil, justificava que este Senado desse um tempo para que aqui, juntos, discutíssemos a crise que vamos enfrentar no mundo inteiro e no Brasil também.

            Não vamos encontrar uma saída para essa crise apenas pelos Ministros da Fazenda e pelos Ministros do Planejamento. A crise, Senador Pimentel, é muito maior que isso e vai exigir uma imaginação muito maior que essa, porque nós não estamos vivendo apenas uma crise, estamos vivendo a exaustão de um modelo no mundo inteiro. Essa exaustão do modelo, a exaustão do próprio conceito de riqueza, Senadora, exige uma imaginação maior. Por exemplo, temos uma exaustão fiscal dos governos europeus, norte-americano e de praticamente todos os outros países. E a ressaca dessa exaustão fiscal é que os governos não conseguem mais financiar seus gastos, porque já não há credibilidade nem espaço para endividamento e já não há espaço político para aumentar a carga fiscal. Isso vai forçar ajustes nos gastos públicos. A única forma de vencer a exaustão fiscal, a incapacidade de ter dinheiro no governo, é reduzir os gastos.

            Só que reduzir gastos vai gerar uma exaustão talvez ainda maior no próprio crescimento e nos serviços sociais que atendem à população.

            Então, vejam como realmente é mais do que uma crise. Crise é quando se pode resolver a situação fiscal e quando se quer resolver a situação econômica; as duas estão amarradas. Há ainda mais o problema social, há ainda mais o problema ambiental. Se a economia cresce, prejudica o meio ambiente; se a gente protege o meio ambiente, não se cresce tanto.

            Vivemos essa exaustão fiscal e, quando analisamos os valores para os multiplicadores keynesianos nos planos fiscais de recuperação, temos decepções concretas. Em 2009, os multiplicadores keynesianos ficaram em torno de 2%, ou seja, o que a gente fazia dava um salto de 2% no resultado da economia. O que percebemos hoje é que não temos conseguido isso. A China até que tem um espaço fiscal maior, mas sabem por quê? Porque controla as suas finanças com braço político autoritário, não precisa prestar conta à população. Eles podem aumentar a carga fiscal se for necessário. No resto do mundo, hoje, não é possível aumentar a carga fiscal.

            No caso do Brasil, essa exaustão fiscal tem um menor espaço ainda, porque nós já esgotamos todas as nossas capacidades com programas, com amarras constitucionais que não nos deixam reduzir certos gastos e, além disso, fizemos o dever de casa aumentando esses gastos no momento certo, em 2008.

            É claro que a nossa estabilidade começou lá atrás, com o Malan no Proer. É claro que avançou com Armínio Fraga, levando com seriedade o Banco Central, mas foi o Presidente Meirelles que, por oito anos - ele ganhou inclusive prêmio de melhor banqueiro central no mundo -, conseguiu manter a capacidade de calibrar bem o risco de os preços crescerem com o risco de a produção diminuir. Mas esgotamos.

            Hoje, nossas reservas são de 340 bilhões. O compulsório dos bancos, 240 bilhões. Os dois estão bem acima do que tínhamos em 2008 - 60% e 90%. Hoje, temos 60% a mais de reservas do que antes, e 90% a mais de depósito compulsório do que antes. Temos um sistema financeiro sólido, mas é aí que vem o problema - o Brasil tem forte exposição em bancos europeus, e, nessa reserva desses bancos, se eles entrarem em crise, se eles tiverem perdas, essas perdas respingam na gente.

            O valor da reserva brasileira, é certo, está 90% acima do de 2009, mas aplicado, quase todo, em reservas conseguidas comprando títulos da dívida pública americana. Se esses títulos desabam, as reservas caem automaticamente.

            Isso faz com que estejamos vulneráveis. A crise que está em dobradinha, Estados Unidos e Europa, certamente ou muito provavelmente será longa, e o Brasil não poderá contar com o crescimento do mercado interno de forma continuada, como conseguimos em 2010 e 2008, pela exaustão fiscal, pelos limites do endividamento e pelos limites da carga fiscal.

            Mais um exemplo do mais que nos prejudica: há uma excessiva dependência do Brasil aos preços das commodities internacionais. Até hoje nós vivemos do alto preço do ferro, do alto preço da soja e de outros produtos, Senadora, mas, pelo menos hoje, esses preços estão caindo. É claro que podem se recuperar, mas eles não se recuperarão se a crise americana continuar forçando os Estados Unidos a reduzirem importações e, por conseguinte, a China reduzindo suas exportações e suas importações, inclusive do Brasil. A China é que é o grande comprador de produtos brasileiros, commodities. Nós não temos a margem de outros países de lançar um novo iPad no mercado e exportar produtos novos. Nós não temos essa capacidade de inovação, que é a porta para recuperar a economia, mas que vai levar tempo.

            Outro exemplo do mais da preocupação é que nós não vamos conseguir usar os bancos públicos, sobretudo o BNDES, na intensidade que usamos nesses últimos anos. Exauriu-se. É uma exaustão que a gente tem. É uma exaustão fiscal, uma exaustão econômica, uma exaustão do endividamento. É uma exaustão do nível de gastos públicos. Isso pesa ainda mais no Brasil por algo que nós nunca chegamos nem a exaurir porque nunca tivemos, que é uma elevada capacidade de poupança. Nós somos um País viciado no consumo do imediato sem o sonho de guardar para investir no futuro, e isso amarra a possibilidade de conseguir recursos aqui dentro.

            Além disso, nós temos, Senador Humberto - e é aí que vem a minha preocupação com a mãe das exaustões, se quiser -, a exaustão do nosso princípio econômico de crescimento a qualquer custo, de medir a riqueza com base no crescimento do PIB e não no aumento do bem-estar. Isso está se exaurindo. Há uma exaustão do conceito de Produto Interno Bruto como símbolo de riqueza. Há uma exaustão do conceito de consumo como sinônimo de bem-estar. E aí, como não conseguimos nos livrar desse conceito que pesa sobre nós, fazemos erros.

            Quer ouvir um exemplo, Senador Humberto? Nós tivemos, em 2008, 1,8 bilhão de renúncia fiscal para vender mais automóveis. Com as contas simples que fazemos, com esse 1,8 bilhão, seria possível dar R$1.250,00 para cada professor do Brasil por ano. Por que chamo a atenção para isso? É que, por um lado, dinamizaria a demanda não de automóveis, porque com R$1.200,00 eles não vão comprar automóveis, mas dinamizaria a demanda de outros setores existentes de bens de consumo não duráveis e, mais que isso, melhoraria a educação provavelmente. Só o aumento de salário não melhora a educação, mas é uma condição necessária.

            Eu falo isso dentro do meu tempo, Senadora Presidenta, para dizer que ou usamos a imaginação para pensar em coisas diferentes ou, mais do que crises, vamos ter uma exaustão profunda, longa e duradoura para, no final, então, encontrar um novo caminho, um novo rumo. Nós continuamos insistindo no fato de que o nosso problema está indo devagar. O nosso problema está indo no caminho errado. Não é apenas estar indo devagar, é estar indo no caminho errado, o caminho de 200 anos, de ver a razão de ser de uma sociedade aumentar o seu Produto Interno Bruto e não aumentar o seu bem-estar, que se consegue também por outras formas. Daí a minha preocupação, Senadora, de dizer bem alto e em bom tom,...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Agradeço o minuto, porque já estava exaurindo o meu tempo. A minha grande preocupação, muito mais que olharmos as crises que vivemos como crises iguaizinhas às outras, é olharmos essas crises com a necessidade urgente de uma reorientação do rumo do nosso desenvolvimento. Nosso problema não é mais apenas ter uma taxa de crescimento maior; é ter um crescimento diferente. Isso é possível. O Brasil está preparado e depende desta Casa, se nos dedicarmos mais a enfrentarmos o problema que está diante de nós, com posições para mudar o rumo.

            Era isso, Srª Presidente, que eu tinha para dizer, manifestando a minha preocupação com a exaustão que a economia mundial está vivendo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2011 - Página 31943