Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos recentes acontecimentos na Líbia e da relação destes com a crise econômica internacional.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Análise dos recentes acontecimentos na Líbia e da relação destes com a crise econômica internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2011 - Página 34173
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DEFESA, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, ABSTENÇÃO, REVOLTA, PAIS ESTRANGEIRO, LIBIA, QUESTIONAMENTO, INTERESSE, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN), COMBATE, GOVERNO ESTRANGEIRO.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Paim, primeiro, quero lhe agradecer. V. Exª praticamente já ia encerrando a sessão, mas vi que era necessário que eu fizesse uma manifestação em torno desse episódio da Líbia um pouco fora do senso comum.

            Temos agido nessa batalha em defesa da redução da jornada de trabalho e de muitas outras causas. Talvez, precisemos nos acorrentar às cadeiras do Senado e da Câmara Federal para aprovar a redução da jornada de trabalho. Isso tem correlação com o episódio.

            Veja o que ocorre: o mundo capitalista e o centro do capitalismo enfrentam uma crise sem igual. Talvez, essa crise vá se apresentar mais grave até do que a crise de 1929, quando os mercados ruíram. E, talvez, seja mais grave, porque, àquela época, a política keynesiana pôde ser aplicada. De forma surpreendente para o mundo liberal e ultraliberal, o Presidente Roosevelt não só estatizou segmentos enormes da economia americana, como também criou um movimento de incentivo à produção, ao consumo e ao bem-estar coletivo para enfrentar a crise, que foi relativamente duradoura. Hoje, as condições, digamos assim, são distintas, analisadas por economistas e dirigentes políticos em vários países do mundo. Naquela época, o capital financeiro, a financeirização da economia não era tão larga como hoje. Esse mundo da especulação, de derivativos, que passam de uma economia para outra numa velocidade incrível, não tinha o domínio que tem hoje. Então, muitas economias puderam derivar, para poder aplicar um programa distinto daquele a que assistimos nos dias de hoje, no mundo chamado central, Estados Unidos e Europa.

            Na história mais recente da humanidade, os colonizadores fazem sempre o discurso de levar para os povos a civilização, especialmente quando estão em crise. Houve uma grande crise no final do século XIX; depois, houve a crise de 1929.

            Meus parabéns, Senador Suplicy, pela sua candidatura!

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita-me, Senador. Estranhei, há pouco, ao ver que, neste instante, a TV Senado está passando propaganda eleitoral, e não a sessão ao vivo. Estou estranhando. Não sabia que acontecia isso. Obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Obrigado, Senador Suplicy. É obrigatório.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Eles nos obrigam a falar mais de 20 minutos, porque é 20 minutos o programa eleitoral. Então, a gente tem que esperar um pouquinho.

            As crises são resolvidas para atender os interesses dessas grandes potências hegemônicas desde o séc. XIX; e mesmo antes. Eles respondem dizendo que estão levando para determinadas regiões do mundo a civilização. Agora, eles levam os direitos humanos junto com a civilização, com o objetivo de solapar governos, sejam conservadores, de esquerda, de centro, de qualquer espécie, que contrariem minimamente os seus interesses hegemônicos.

            Vejam o caso da Líbia. O Kadafi está lá desde 1969, e acho que ninguém mais vai defender o Kadhafi. E, digamos assim, talvez ele não mereça defesa. Mas, corajosamente, o Presidente Lula fez o movimento chamado cúpula árabe. Tem que ter coragem, porque, se fosse pelo senso comum, midiático, conservador, ultraliberal, que domina a Europa e os Estados Unidos e a sua mídia, jamais faria. E foi bombardeado porque fez isso.

            Nós abrimos espaço, abrimos mercados, relacionamo-nos com o mundo árabe, que era algo distante para nós. Foi dito aqui para nós, inclusive por muitos Senadores, como hoje vi aqui, seguidamente, Senadores apoiando essa Organização do Atlântico Norte (Otan), que é instrumento de ataque aos povos. É isso o que tem feito a Otan. “Vamos derrubar um governo”, “vamos derrubar outro”. Sinceramente, não é nosso papel. E na hora em que eles se voltarem para o petróleo brasileiro, no pré-sal?

            Nós temos que ir matutando, para a gente não fazer o jogo desses setores, desses interesses.

            Então, Senador Paim, olha o que ocorre hoje. Dizem que as bolsas, o mercado extraordinariamente reagiu. Depois do bombardeio aniquilador da OTAN, vamos ao butim; vamos ver como a gente rouba o petróleo líbio, como a gente fica com esse butim na mão, porque a guerra ali tem esse centro, tem esse miolo.

            Não vejo um movimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas pedindo um bombardeio da Otan na Arábia Saudita; ou não vejo um movimento mais ardoroso pedindo o fim da monarquia inglesa ou das outras monarquias que há por aí. Tanto tempo existindo uma coisa ultrapassada, conservadora, feudal, que se mantém mundo afora, como o imperador japonês.

            Então, considero muito importante fazermos uma espécie de contraponto a esse senso comum, mostrando o que ocorre, porque fica parecendo que há um movimento avançado, progressista de determinados setores da população de uma nação, que diz: queremos um regime mais avançado; queremos um regime mais progressista. Isso não é verdade. Esses contrarrevolucionários líbios não são mais avançados, não são mais progressistas.

            Sinceramente, querer exigir do Governo brasileiro que se posicione ou que tivesse se posicionado a favor de bombardear populações civis, fazer uma guerra sanguinária, derrubar governos por aí afora, o Brasil conhece esse filme. Os setores progressistas e avançados conhecem esse filme. Foi feito aqui com o Brasil. Os marines americanos também vieram para o Atlântico Sul no período de derrubada dos governos democráticos eleitos, que eram achincalhados todo dia, midiaticamente achincalhados todo dia, em toda a América do Sul. Derrubaram todos e impuseram regimes títeres a favor dos interesses desses colonizadores. É assim que ocorre.

            Nesse episódio líbio, é bom a gente lembrar, primeiro, que a Líbia era o país com melhor qualidade de vida da África, até há poucos meses. Depois parece que teve algo que detonou o estopim na Líbia. O governo do Kadafi, que era uma coisa meio exótica, ele próprio era meio exótico. Depois de fazer uma espécie de reconciliação com o Ocidente, resolveu fazer uma manobra, que era o seguinte: criar uma moeda africana, para nem ficar submetido ao dólar americano, nem ao euro, mas a uma moeda que os africanos pudessem negociar entre eles. Isso foi como uma espécie de estopim. “Tudo bem. Você está aí há 40 anos, ditador há 40 anos. Tá bom. A gente até negocia com você, agora, querer trocar a moeda nossa, aí não dá”. Então, veja que há muitos episódios que se deve examinar.

            Um outro, feito por um analista americano, diz respeito à presença também dos chineses na África, negociando e disputando os mercados africanos com europeus e com americanos, o que era ou é algo inaceitável. Não podendo atacar diretamente os chineses, ou fazer uma nova guerra do ópio contra os chineses, você guerreia contra aqueles que negociam com os chineses. Isso, analisado por um economista e político norte-americano sobre a ação americana e da Otan nesses países.

            Chamo atenção para esses episódios, para que a gente fique alertas, para que a gente não entre na onda, sempre, no discurso mais fácil, às vezes, meio demagógicos. “Esse ‘cara’ vai cair mesmo, então, vamos ficar contra ele. Já está desabando, então, vamos ficar contra ele”.

            O Brasil não é um País oportunista, principalmente quando se está na democracia. É o contrário. Na democracia, temos de ter mais coragem de examinar claramente os interesses brasileiros. Alguns questionaram, pois o Brasil estava discutindo com a China, com a Rússia, com a África do Sul, uma opinião mais conjunta. Claro! É isso mesmo! O Brasil tem que discutir é com esses parceiros mesmos; ouve a todos, mas discute com parceiros que têm interesses em comum, que são os interesses mais próximos. Está justa a posição brasileira, está correta a posição brasileira.

            Por último, um analista convidado por uma grande rede de televisão, hoje, pela manhã, dizia o seguinte - veja as peculiaridades -: diante dos fatos, os chineses chegaram à conclusão de que, bom, acabou o governo da Líbia, vai aparecer um novo governo, e que esse governo nasça do acordo entre os líderes e o povo líbio, com o povo líbio. E o governo francês disse o seguinte: que os líderes venham aqui formar o governo, em Paris. Ué, era isso que queriam na Líbia? É para isso que a Otan bombardeou a Líbia e o seu povo?

            Então, é bom a gente ficar esperto, a gente não ir na onda, no mais fácil, no discurso mais demagógico que se apresentar à nossa frente. Acho que a gente tem de ter um critério mais apurado para as posições que a gente adotar, principalmente no campo popular, no campo democrático, na esquerda brasileira, porque senão, companheiro, nós poderemos ser engolidos e fazer o mesmo jogo dessa direita ultraliberal que comanda as nações mais desenvolvidas na hora da crise mais profunda. Na hora da crise mais profunda, na Europa, o comando é ultraliberal, são os mais conservadores, são os que apostam no desastre para usar as armas contra os povos. É assim que eles têm feito sempre na história.

            A crise é profunda nos países centrais, e eles vão responder invadindo, derrubando governos, se apropriando de suas riquezas. Por que as bolsas reagiram positivamente? Porque o petróleo líbio é estatal. E o sonho deles: liquidar o petróleo estatal da Líbia para se apossarem das suas riquezas. Esse é o sonho deles. Não é o sonho do povo líbio. O povo líbio quer democracia. O povo líbio, com suas tribos e com suas peculiaridades, com certeza querem eleições também, querem um parlamento, com as várias correntes e as várias tribos podendo se enfrentar no discurso, no debate mais aceso com as suas posições, mas parece que os mercados não querem isso. Os tais mercados parece que não querem isso. Os tais mercados apostam na Otan, apostam na invasão, apostam nas bombas, apostam na agressão. É nisso que eles apostaram até hoje. E, sempre que invadiram países, não levaram a democracia. Não conheço nenhuma democracia que foi construída a partir das invasões americanas e a partir das invasões de ataques das potencias imperialistas. Não conheço nenhuma até hoje. Ao contrário. Os povos reagiram às invasões, reagiram ao domínio e construíram o seu processo democrático. Nenhum invasor, nenhum bombardeio feito pelas grandes potencias construiu democracia em parte alguma do mundo até hoje. Pode ser que esse seja o primeiro caso, e que eu tenha de morder a língua. Mas, parece-me que, até o presente momento, nenhuma nação se democratizou a partir da invasão de potências estrangeiras ou de bombardeios conjugados, infelizmente alguns delas endossados pelas Nações Unidas, infelizmente.

            Acho que é bom, é positivo que a gente possa, nesse episódio também, tirar lições de ambos os lados. Eu quero não estar com a verdade. Quero que, muitos que aqui falaram, estejam com a verdade, para que a gente possa aprender mais. Mas a história tem ensinado diferente, infelizmente. A história não tem ensinado que os imperialistas, os colonizadores, que sempre saquearam, que disseram que os negros não tinham alma, que disseram que os índios não tinham alma, que nos roubaram, que nos mataram, que nos sangraram, que fizeram a ditadura na América Latina, que fizeram a ditadura no Brasil, não, esses não são os civilizadores, esses não são os democráticos, acho que são os povos, que têm lutado.

            Tenho confiança no povo líbio. Acho que, talvez, ele, não imediatamente, mas em perspectiva, sairá mais forte, e lá surgirão, com certeza, lideranças capazes de garantir que, assim como nós gritamos, nas ruas do Brasil, “o petróleo é nosso”, eles possam dizer também lá na Líbia: “o petróleo é dos líbios e não dos saqueadores de plantão”.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2011 - Página 34173