Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração da passagem do vigésimo primeiro aniversário de criação do Sistema Único de Saúde - SUS.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comemoração da passagem do vigésimo primeiro aniversário de criação do Sistema Único de Saúde - SUS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2011 - Página 38027
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), COMENTARIO, JUSTIÇA, SAUDE PUBLICA, PAIS.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, PAIS, NECESSIDADE, MELHORIA, INVESTIMENTO, SAUDE, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde a cada uma e a cada um. Quero, inicialmente, cumprimentar o Senador Paulo Davim pela iniciativa e todos os demais que compõem a Mesa.

            Quando fazemos 21 anos, uma pessoa, uma instituição, um casamento, qualquer coisa, nós temos duas possibilidades: comemorar ou refletir sobre o que passou e o que se tem de fazer para diante. Ou as duas coisas.

            Eu creio que hoje a gente tem muito que comemorar, sim, nesses 21 anos da experiência brasileira de um Sistema Único de Saúde; experiência que, por exemplo, não tentamos ainda na educação; nem se fala, como um todo, em um sistema único de educação para o Brasil. Nós aceitamos essa variedade tão grande de qualidade entre as escolas no Brasil.

            O Sistema Único de Saúde foi um avanço, mas eu acho, Senadora Marinor, que a gente merece algumas reflexões. Apesar de termos o Sistema Único de Saúde, hoje a desigualdade deve ser maior do que era antes, pelo avanço técnico a serviço de alguns.

            Não piorou absolutamente, por mais que a gente reclame, a saúde como ela é ofertada para a população pobre brasileira. O SUS trouxe sim um avanço, uma melhora, mas o avanço e a melhora para os que têm dinheiro foi muitas vezes maior, pelos novos remédios, pelos novos equipamentos, pelas novas técnicas, pelo processo de educação que faz com que hoje, melhor educado, cada um de nós cuide melhor de sua saúde.

            O sistema é único público, o sistema não é único nacional. Não há um sistema nacional de saúde, existe um sistema único público de saúde, separado do outro. Não é como em países como o Canadá, um país capitalista onde a saúde privada é proibida, aí é único, só tem um sistema. Quem quiser outro tem que pegar um avião e ir para os Estados Unidos, ou um carro, se mora perto da fronteira.

            Eu não vou propor isso aqui, mas eu quero propor uma reflexão sobre justiça para o nosso sistema de saúde, inicialmente dizendo que já houve tempo em que se discutia a igualdade plena das pessoas. Creio que a liberdade plena, total, absoluta fere a liberdade. As pessoas têm que ter liberdade para ter uma roupa melhor, outra pior, tem gente que não liga para isso. Tem que haver uma desigualdade tolerável entre alguém andar de ônibus e alguém andar de carro. Não vejo nenhum problema moral nessa desigualdade. Mas na educação e na saúde, quando isso não é oferecido igualmente, não é uma desigualdade, é uma imoralidade. Desigualdade é possível tolerar. Imoralidade não! Viver mais ou viver menos, conforme se tenha ou não dinheiro, não é desigualdade, é imoralidade. Desenvolver mais ou desenvolver menos o seu potencial intelectual, se tem dinheiro ou não tem dinheiro, não é desigualdade, é imoralidade.

            E eu vim falar aqui da imoralidade na saúde. Nós temos que quebrar essa imoralidade de existir saúde boa e de existir saúde ruim, de saúde poder ser boa para quem tem dinheiro e ser ruim para quem não tem dinheiro. Tem que quebrar essa imoralidade.

            E aí vêm as propostas. A Emenda 29, 10% do Orçamento. Eu não começo por ai. Eu, com toda a minha mania por educação, não começo a discussão propondo 10% do PIB para a educação, porque talvez a gente precise de 12%. E se for 15% para a saúde, porque que é que nós vamos brigar por 10%, se forem necessários 15%?

            Eu tenho discutido que, em vez de começarmos pela CPMF, nós deveríamos fazer uma CPMS. A CPMS é: Como Podemos Melhorar a Saúde. Essa é a primeira pergunta. Como podemos melhorar a saúde? Tecnicamente. Qual é a forma de um sistema que permita a saúde do povo melhorar? É mais saúde da família ou são mais hospitais ou UPAs e construções? É, por exemplo, a coisa simples de garantir um check-up para cada pessoa neste País a partir dos 40, 50 anos ou dar remédio depois que ela fique doente? Como? Como podemos melhorar a saúde? CPMS.

            Creio que a Presidenta Dilma deveria aproveitar os 21 anos e criar um grupo de trabalho, procurar pessoas que entendam disso e que não sejam somente do Ministério da Saúde, pessoas com visões diferentes. Pode até trazer algumas pessoas do exterior, com boas experiências, e perguntar: como podemos melhorar o sistema de saúde no Brasil? Respondido isso, que é uma questão técnica, Senador Davim, a gente discute de quanto se precisa. E nem começaria com quanto se precisa em termos de dinheiro, mas de quanto se precisa em termos de médicos. E nem só em termos de médicos, mas que tipo de médico. E nem só de médico, mas de todos os trabalhadores da saúde. E nem só na saúde, no meio ambiente é importante, porque senão criam-se doenças; e nem só no meio ambiente, na educação é importante, porque lá a gente pode evitar muitas doenças.

            Então, primeiro, qual é o sistema que vai trazer educação igual para todos? Segundo, quanto custa isso em pessoas? Depois, quanto custa isso em dinheiro. Vejam que coloquei quanto custa em dinheiro em terceiro lugar. Depois de discutir quanto custa, em vez de começar por mais dinheiro, a gente discute de onde vem. E, de onde vem, eu me pergunto? Será que não dá para ter esse dinheiro com os atuais gastos, com as atuais receitas, com os atuais impostos? Será que não dá para reduzir gastos em obras faraônicas que este País tem em diversos setores, às vezes por um motivo, às vezes por outro, e jogar isso na saúde? Será que a gente tem de começar procurando aumentar impostos ou reorientar gastos de outras prioridades para a saúde?

            Depois de discutir e chegar à conclusão de que não há de onde tirar dinheiro, aí a gente pode começar a discutir o aumento de impostos, mas, ainda assim, por que começar discutindo novos impostos, em vez de discutir sobre a atual estrutura fiscal de um País que é recordista mundial no número de impostos, Senador Geovani? Por que não aumentar a alíquota sobre bebidas alcoólicas, sobre cigarros, sobre bens de luxo, que pagam pouco imposto neste País? Em Brasília tem um shopping chamado Iguatemi. Um dia desses, passando por uma vitrine, eu vi que lá dentro não tinha ninguém comprando. Conversando com uma pessoa, eu perguntei: como é que sobrevive essa loja? E ele me disse: venha ver como sobrevive esta loja. E me mostrou um relógio por R$ 92 mil. Eu não sei quanto paga de imposto, mas, certamente, dá para aumentar imposto de uma peça de luxo de R$ 92 mil que mede o tempo igualzinho a um de US$ 10, US$ 15. Vamos discutir outras alíquotas. Se isso não for possível, aí a gente discute um novo imposto. Se for discutida a necessidade de um novo imposto, eu acho a CPMF uma boa alternativa - acho sim -, porque é um imposto que pesa mais sobre quem tem mais operações financeiras do que sobre quem tem poucas, porque é um imposto que ninguém consegue sonegar - e isso é uma qualidade muito grande -, porque é um imposto que, inclusive, ajuda a impedir sonegação de outros gastos e, finalmente, porque é vinculada à saúde.

            Mas aí vem a minha última parte. Depois de saber como fazer, depois de discutir o que fazer, depois de saber quanto custa, de onde vem o dinheiro, aí é garantir que esse dinheiro não vai mudar de destino, como a gente já viu no passado recente. Eu fui favorável à CPMF quando eu era do PT, e o PT era contra. Eu fui favorável à CPMF quando o Jatene trouxe a proposta, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso a defendeu. Eu a considerei uma das grandes invenções do sistema fiscal brasileiro e a apoiei. Apoiei também aqui quando o Presidente Lula mandou para prolongar. Poucos tiveram coragem de vir aqui defender, e eu vim, porque é um imposto inteligente, porque é um imposto insonegável e porque o destino era bom. Além disso, eu confesso que temia uma quebra fiscal brasileira sem a CPMF. A CPMF não passou e não houve quebra fiscal. E continuou funcionando o Brasil, até aumentando gastos onde não deveria.

            Por isso, a gente tem que ter essa amarra se a única saída for essa. Mas temos alguns passos a cumprir antes, para evitar o que vi aqui, há pouco, num e-mail que recebi, mostrando como será o Brasil depois das Olimpíadas. Não sei se já viram isso que está circulando. Aparece cada uma dessas maravilhosas obras dos estádios. Certamente, vão ser algumas das maiores obras arquitetônicas do mundo. Aí você vai vendo e se deslumbrando. E depois diz: agora veja como vai ser o Brasil na saúde depois da Copa. Aí começam a aparecer fotos do que acontece hoje na saúde. Depois diz: veja como vai ser a educação depois da Copa. Aí começam a aparecer fotos da educação. É chocante. A gente não pode deixar que aconteça isso. Como as primeiras obras maravilhosas vão ser feitas mesmo, vamos cuidar para que a outra parte não fique ruim, Senador Geovani.

            Neste momento, a gente pode, sim, comemorar, o SUS foi um avanço, mas refletir: não bastou do ponto de vista da qualidade na extensão e ainda menos da desigualdade, porque fomos capazes de fazer mil ginásticas para financiar seguros privados de saúde, para financiar atendimento a algumas enfermidades que afetam sobretudo parcelas mais ricas, e, no final, a desigualdade aumentou, porque os avanços técnicos não se distribuíram para todos. O SUS não foi capaz de captar todo o avanço técnico que surgiu nestes 21 anos, e o setor privado foi capaz.

            Por isso, parabéns.

            Cumprimento aqui o Senador Gim.

            Parabéns por estarmos aqui comemorando estes 21 anos! Muito obrigado, Senador Davim, por isso.

            Mas deixo aqui, mais do que a comemoração, uma reflexão, uma reflexão em torno da CMPS: como podemos melhorar a saúde? (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2011 - Página 38027