Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia do Economista.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia do Economista.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2011 - Página 38203
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, ECONOMISTA, COMENTARIO, ATUAÇÃO, PROFISSÃO, ATUALIDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde a cada uma e a cada um, Senador que tomou esta iniciativa e que aqui está conosco representando tão bem o Ceará nesta Casa, senhores economistas que aqui representam todos, eu poderia começar esta fala lembrando a importância dos economistas na construção do mundo moderno. Seria a praxe. Eu poderia começar de outra maneira bem diferente, lembrando que os jornais dizem que, pela primeira vez, uma mulher faz a abertura da Assembleia Nacional das Nações Unidas, mas também, pelo menos do lado brasileiro, é a primeira economista que, na Presidência da República do Brasil, faz esse trabalho.

            Mas eu não vou, além dessa citação, falar sobre a glória dos economistas, sobre a importância dos economistas ao longo desses 200 últimos anos, sobre o papel fundamental que nós tivemos e de cada um daqueles pensadores com quem aprendemos a às vezes copiar, às vezes ajustar, mas sempre inspirados por eles. Vou falar sobre o momento em que a gente vive.

            Senador Inácio Arruda, quando eu assisto, todos os dias, pela televisão, nesses últimos dois, três anos, a chefes de Estado, presidentes de banco central reunidos para discutir a crise - e a gente sabe que eles vão sair dali sem respostas, apenas com pequenos ajustes, e que eles vão, daqui um mês ou dois, fazer outra reunião para fazer outro pequeno ajuste -, eu tenho a sensação de estar assistindo, como há 500 anos, a reuniões de cardeais, com teólogos atrás deles, todos perdidos, porque a reforma já estava em marcha, uma reforma subterrânea no mundo das ideias, subterrânea no mundo da realidade, que os cardeais da Igreja Católica não viam, que os seus teólogos não viam.

            No mundo de hoje, Senador Inácio Arruda, os cardeais são os governantes, e os seus teólogos somos nós, os economistas.

            A verdade é que essas reuniões mostram a grande, a imensa, perplexidade de todo nós. Perplexidade que vem, sobretudo, do fracasso do êxito que tivemos, porque, se nós olharmos ao redor, ninguém poderia imaginar, 50 anos atrás, ou, melhor, 200 anos atrás que o mundo teria o grau de riqueza que tem hoje. Ninguém poderia imaginar isso. Mas também ninguém poderia imaginar os pés de barro sobre os quais estava essa riqueza montada. Os pés de barro que vêm da degradação ambiental provocada pela riqueza que a gente cria; os pés de barro que vêm do excesso de financiamento dos bancos, sem os quais os nossos produtos não seriam vendidos, os pés de barro do gasto público sem o que a tragédia social seria gritante, mas que chegou a certo limite e se esgotou.

            Nós não estamos vendo que o consumo da riqueza que nós criamos, vista nos shopping centers do mundo inteiro, nesse mundo igualzinho, que é o mundo dos ricos, não nos trouxe felicidade; trouxe angústias. Nós, os economistas, juntos com esses cardeais - governantes -, juntos com os engenheiros, obviamente, somos a prova de que o êxito às vezes leva a um fracasso. Quando o erro leva ao fracasso, não adianta querer retomar os erros para recuperar o êxito; É preciso mudar o propósito que define o êxito.

            Por isso, quero aproveitar este momento, Senador Inácio Arruda, para lembrar não os nossos êxitos, não a importância desse esforço intelectual dos que chamamos economistas, que está certamente na história como uma capacidade de pensar, que não se vê facilmente em nenhuma outra área. Eu quero falar dos desafios adiante, porque, se não entendermos essa perplexidade e deixarmos que por baixo continuem surgindo novas ideias, nós vamos ficar superados, como ficaram os teólogos católicos diante da reforma. Se deixarmos que continue a realidade com os movimentos de indignados pelo mundo, nós vamos fazer com que nossos cardeais percam o chapeuzinho vermelho que eles usam.

            Nós temos de entender que diante de nós está um desafio intelectual maior do que aquele que 200 anos atrás surgiu quando alguns começaram a querer explicar cientificamente o processo de produção.

            Hoje, em primeiro lugar, o nosso desafio é como incorporar o meio ambiente à teoria do valor. Nós não sabemos. Por isso, há um divórcio entre nós, economistas, e os ecologistas. Por isso, a gente tenta casar chamando de “economia verde”, mas não consegue, porque termina sendo um simples ajuste da mesma teoria de preços aplicada aos produtos de origem natural renovável. Não houve a mudança do paradigma. Esse é um desafio. Como fazer com que, ao medir o êxito, incluamos a depredação ambiental sob a forma negativa? Como medir o nosso produto - e o nome já não devia mais ser produto - descontando dele aquilo que significa depredação ambiental? Por isso, a economia tem que ser verde. Mas não basta a “economia verde”. É preciso incorporarmos o problema da pobreza como tema fundamental da medição do nosso êxito, o que ainda não conseguimos. Muitos de nós já se dedicam a estudar o problema da pobreza. Mas a economia, na sua teoria mais profunda, não explica, não propõe como resolver o problema da pobreza.

            Nós somos os profissionais, os intelectuais do aumento da riqueza, não da redução da pobreza, supondo, obviamente, como um princípio, que o aumento da riqueza se distribuirá acabando-se com a pobreza, o que não se verifica tão facilmente. O tal do trickle-down que a gente estuda nas escolas não funciona na perfeição que a gente imagina. É como se houvesse uma barreira a partir da qual a renda não se espalha, ou se espalha, mas não tira da pobreza, porque nós continuamos definindo pobreza como ausência de renda. E pobreza é um conceito muito mais profundo e de caráter, hoje, fora da economia, sociológico, educacional, que não cabe na renda. O aumento da renda não erradica a pobreza. Ele gera riqueza. E aí você pode dar um salto para a riqueza saindo da pobreza; mas, se você der o salto sem sair na riqueza, você não sai da pobreza.

            Nós precisamos incorporar no nosso pensamento, na nossa profissão a ideia de que nós somos os profissionais da busca de reduzir e eliminar a pobreza.

            Segundo, a nossa economia, além de ser verde, do meio ambiente, e vermelha, do ponto de vista social de eliminar a pobreza, ela tem que ser branca, branca da paz. Não é possível que continuemos com uma ciência que coloca como positivos a produção e o uso de armas. Alguma coisa está errada na concepção filosófica da nossa atividade.

            Como eu digo, às vezes, aos meninos, a bala que matou John Lennon aumentou o PIB americano; muito pouquinho, mas aumentou. A cada bomba que explode, a cada tanque de guerra que mata, o PIB aumenta. Alguma coisa está errada na nossa atividade. Não estava, até algum tempo atrás, porque não percebíamos isso e porque a dimensão do estrago feito não era tão grande. Aqueles cardeais e seus teólogos que se reúnem na Europa, todas as semanas, para ver o que fazer com a Grécia, estão esquecendo esse lado.

            A nossa economia, além de verde, além de vermelha, além de branca, precisa também ser cinzenta, a cor do cérebro; cinzenta da produção baseada na ciência e na tecnologia.

            Não é possível que a gente meça, com a mesma expressão - não dá para quantificar aqui -, não dá para a gente medir, com a mesma expressão, se tiver o mesmo valor, uma tonelada de ferro e uma quantidade de chips. Do ponto de vista da teoria econômica tradicional, se alguns chips tiverem o mesmo valor em dólar de algumas toneladas de ferro, o valor é igual. Não é igual o valor! Conceitualmente, tem que haver uma diferença. Um é produto da economia tradicional; outro é da economia da vanguarda, do novo tempo, dos bens da ciência e da tecnologia. Isso quer dizer que a simples troca, o simples valor de troca não basta para explicar o valor das coisas.

            E, finalmente, além de verde, além de vermelha, além de branca, além de cinzenta, a nossa economia tem que ser azul, que uso como símbolo do bem-estar e não apenas do mais rico. Precisamos de alguma coisa que nos indique o grau de bem-estar. Hoje, a gente só consegue medir o grau de riqueza do ponto de vista do acúmulo de renda e do consumo que ela traz e não a riqueza, por exemplo, quando surgiu a palavra na Grécia, que significava o homem culto, o homem inteligente, o bom orador; nem a riqueza, como depois na Idade Média, que era para se referir ao homem virtuoso ou àquele que tinha muito ouro no mercantilismo. Mas, de qualquer maneira, a riqueza, para nós, é definida como acúmulo de renda. Temos que inventar outra maneira de dizer o que é uma pessoa rica.

            Este é um desafio que a gente tem: fazer a economia ser verde, sim, levando em conta preços que mostrem a diferença entre um bem que se esgotará, como o petróleo, e um bem que não se esgotará, como o sol, como fonte da energia; mas que busque erradicar a pobreza, que busque construir o bem-estar, que busque levar em conta apenas aquilo que, de fato, tem um uso positivo e não uma arma, que tem uso negativo. E que seja cinzenta, para que a gente leve em conta e dê valor maior aos produtos do futuro, que são os bens que vêm da ciência e tecnologia.

            O Brasil é um país, mais do que qualquer outro, em que a gente precisa levar em conta essas concepções, primeiro porque não somos um país pequeno. Somos um país com uma massa crítica de economistas, somos um país que já deu contribuições mundiais ao pensamento econômico. Por isso aqui a gente tem que dar um avanço.

            Segundo, porque não somos um país só de pobreza nem só de riqueza. Não somos uma Europa, onde a pobreza é pouca, nem somos uma África, onde a pobreza é tanta. Nós somos um retrato do planeta e nós temos uma massa crítica capaz de pensar isso, capaz de trazer um novo indicador do que quer dizer o bem-estar, trazer uma maneira de valorizar os bens públicos, e não só os bens que são vendidos no mercado privadamente, tentar incorporar a desmonetarização no processo de trocas, tentar e conseguir dar valor à cultura, dar valor ao meio ambiente, mesmo quando a cultura não seja vendida, mesmo quando seja um bem público, dar valor ao oxigênio. E nós não aprendemos a fazer isso, porque trabalhamos com aquilo que é escasso e não aquilo que será escasso no futuro.

            Nós precisamos descobrir o tempo e colocar o tempo no pensamento econômico, mas não o tempo do ponto de vista microscópico. O tempo do ponto de vista social e do ponto de vista até geológico, para poder incorporar uma ciência capaz de tratar a evolução da humanidade, e não só o enriquecimento de alguns países.

            Por isso, Senador Inácio Arruda, ao parabenizá-lo por convocar esta sessão de homenagem aos economistas, ao dizer que é com orgulho que eu comecei manifestando que temos uma Presidenta economista e que eu fiz essa opção depois de ser engenheiro, de ser economista, e me orgulho disso e de ser professor, creio que este é um bom momento para refletir como devemos ser no futuro, nossos filhos e netos, como fazer com que sejamos, como teólogos do mundo moderno, capazes de captar esse movimento de reforma que está nas praças da Europa, em jovens indignados que nem sabem por que estão ali, capazes de captar esse movimento subterrâneo de uma reforma que está para vir, mas não consegue se entender nem ser formulada. E trazê-la para o nosso campo, em vez de sermos alijados, como foram os cardeais do passado, em relação aos pastores do movimento evangélico.

            Estamos precisando de Luteros na economia. Não sou evangélico. Então, minha metáfora é histórica; não é religiosa. Nós precisamos de reformadores da economia, da teoria.

            Concluo, dizendo que, se não formos capazes disso, nossos chefes de Estado vão continuar se reunindo todas as semanas, todos os anos e não vão encontrar solução. Eles vão continuar como compradores de tempo até as próximas eleições, para não perdê-las. Aí, jogando o problema para adiante, não serão estadistas. Não serão capazes de pensar uma visão nova e convencer seu povo da necessidade de mudar o rumo. Tal qual chefes de Estado, nossos cardeais, nós, em um mundo global, continuamos prisioneiros da economia local, nacional. Até estudamos comércio internacional, mas não conseguimos estudar a economia mundial, global, porque não temos um banco central unificado, e aí não conseguimos pensar unificadamente. Porque não há uma moeda unificada, e aí não conseguimos pensar unificadamente. E até porque, quando há experiência de moeda, os países não se unificaram do ponto de vista cultural e político. E continua cada país elegendo seu presidente, ainda que a moeda seja a mesma para muitos deles.

            Essas contradições vão forçar um grande exercício de renovação da nossa ciência ou a superação dela por novas formas de pensar, que virão, talvez, em primeiro lugar, de filósofos, onde nascem todos os novos pensamentos, até que alguém pegue, capte isso e faça a sistematização científica de uma nova ciência.

            Ainda acredito que somos capacidade de adaptar o pensamento, como fomos em tantos momentos da história, com outros grandes economistas, no passado. Ainda acredito que isso será possível, mas, para tanto, é preciso romper com as amarras do pensamento tradicional, romper com as amarras que nos põe como simples contadores - sem nenhum preconceito contra o contador, porque a sua função é importantíssima -, como aqueles que fazem a contabilidade das coisas de hoje e não a invenção de coisas novas, como o bem-estar, como outro indicador do progresso que não seja o PIB, como o valor dos bens não monetarizados e como aqueles que vão ser os engenheiros da felicidade, do bem-estar, e não apenas os que quantificam os produtos que os engenheiros fazem, transformando as pedras, as plantas e os animais nos bens e produtos que nós consumimos.

            Parabéns a cada um de nós que, por uma razão ou outra, escolheu essa profissão. Eu fico feliz com ela. Mas fico tão feliz de ser economista como fico hoje feliz de ser político. É uma felicidade encabulada. É uma felicidade encabulada do ponto de vista de político pelas pancadas que nós levamos como se fôssemos agentes do mal e como se fôssemos todos corruptos. Economista não por esse lado.

            Fico feliz e encabulado porque somos vistos como pessoas honestas, mas equivocadas. Eu não quero ser visto como equivocado, nem quero ser visto como corrupto. Vou continuar economista, vou continuar político. Quem sabe a única maneira de casar, num momento de crise, não ser corrupto, tratado como tal, nem equivocado, apesar das duas atividades, seja ser chamado de sonhador. Pode ser que o que eu esteja falando aqui seja um sonho, mas acho que é bom sonhar em momento de homenagem. Sonho que nós temos a competência intelectual - e quando digo nós não é cada um de nós individualmente, nem essa nossa geração, mas a nossa atividade profissional - de inventarmos uma nova maneira de entender qual o propósito disso que a gente chama de economia e qual a maneira de fazê-la de forma mais humana, construindo um novo humanismo sob a égide de uma nova economia.

            Parabéns a vocês, parabéns a todos nós!

            Vamos à luta intelectual e política, para construir um mundo melhor com um pensamento novo, inventado pelos economistas.

            Era isso tinha para dizer, Senador Inácio Arruda.

            E agradeço a todos que a gente possa estar fazendo uma homenagem e que vocês tenham prestado atenção um pouquinho, nem vaiado e nem jogado pedra, na provocação que fiz.

            Um grande abraço para cada uma e cada um. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2011 - Página 38203