Discurso durante a 168ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração ao Dia do Administrador.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração ao Dia do Administrador.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2011 - Página 39001
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, ADMINISTRADOR, REGISTRO, ATUAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Senador Cyro Miranda, que foi meu colega há muitos e muitos anos, ainda no ensino médio em Recife, apesar de ser hoje goiano; Sr. Presidente do Conselho Regional de Administração do Estado de Goiás, João Divino de Brito; Sr. Presidente da Associação Goiana de Administração, Samuel Albernaz; Sr. Diretor Superintendente da Faculdade Alpha de Goiânia, Prof. Nelson de Carvalho Filho; caros alunos, profissionais da Administração que aqui estão, em primeiro lugar, bom dia a cada um e a cada uma de vocês. Em segundo lugar, quero dizer da minha satisfação, Senador Cyro, pois graças a sua iniciativa, pudemos reunir este grupo, aqui, nesta Casa do Congresso. Meus agradecimentos, porque é a oportunidade que temos de dizer o que sentimos em relação à atividade do administrador. 

            Talvez nunca antes o mundo precisou tanto de bons gestores e administradores quanto neste momento da história e daqui para frente, mas nunca antes foi preciso ter uma consciência clara de qual é o papel do administrador. Porque, às vezes, a gente acha que administrar é apenas gerenciar uma unidade de produção, sem perceber a dimensão total de uma nação e a dimensão total até da humanidade. 

            Existem excelentes técnicos gestores em fábricas de armas. E eu me pergunto se ser um bom gestor numa fábrica de armas, fabricando bombas para serem jogadas sobre as cabeças das pessoas que muitas vezes nada têm a ver com as guerras, se isso indica um bom administrador ou se indica um administrador bom.

            Uma coisa é administrar no Brasil, a outra coisa é administrar o Brasil. E quando eu falo administrar o Brasil, não falo da Presidenta da República de hoje ou dos presidentes de antes ou depois, eu falo de cada administrador.

            Administrar no Brasil é gerenciar bem um hospital; administrar bem o sistema de saúde do Brasil é administrar um sistema que permita atender a todos, que não exclua ninguém. Uma coisa é o engenheiro construir no Brasil, outra coisa é o engenheiro construir o Brasil. O engenheiro, ao construir uma escola, ele está construindo no Brasil; o engenheiro que quer construir o Brasil, ele tem que lutar que nenhuma criança fique fora da escola, para que aquela escola que ele faz tenha professores bem remunerados, com exigências fortes sobre eles para que sejam bons professores.

            É completamente diferente ser um profissional no Brasil ou ser um profissional a serviço do Brasil. 

            Eu quero falar para vocês, administradores, do que o Brasil precisa, não da fábrica onde vão trabalhar, não do hospital onde vão trabalhar, não da unidade econômica onde vão trabalhar.

            O administrador no Brasil só precisa ter técnica; o administrador do Brasil, além da técnica, precisa ter ética e política; ética no coração e participação política para fazer com que a ação que ele exerce dentro daquela unidade de produção colabore para um Brasil melhor de que a gente precisa e não trabalhar eficientemente isolado do resto, para um Brasil que será pior mesmo que o administrador esteja cumprindo bem a sua tarefa.

            E quero me prender a um assunto que está agora em momento de discussão. Está-se propondo aumentar para 10% os gastos a serem feitos com a saúde, 10% do PIB. Se aprovarmos esses 10%, professor, vai facilitar a vida do administrador no Brasil, mas talvez não facilite o papel do administrador do Brasil, porque começar com mais dinheiro nem sempre é a primeira solução.

            Administrar bem a saúde brasileira e não os hospitais no Brasil, que é o que os administradores em geral fazem. Para administrar bem a saúde no Brasil, antes de se falar em dinheiro, tem que se começar falando sobre qual o sistema será mais eficiente para chegar a todos em condições iguais.

            Uma saúde que é desigualmente ofertada a uma população nega o sentimento mais profundo do direito à vida de cada pessoa que nasceu, porque, com dinheiro uns vivem mais, sem dinheiro uns vivem menos. Isso é uma imoralidade, isso não é uma desigualdade, é uma imoralidade.

            E aí vem a pergunta: qual o sistema que a gente pode ter para melhorar a saúde de todos os brasileiros, antes de discutir quanto custa, antes de discutir o imposto novo que a gente vai criar para financiar isso? Qual o sistema que funciona bem? É um sistema puramente estatal ou é um sistema de cooperação entre governo e setores privados? Funciona melhor o SUS se todos os servidores forem funcionários do Estado ou funciona melhor o SUS se a gente puder ir a um médico privado e o governo pagar a esse médico privado? Estou colocando como uma pergunta que muitos não querem fazer.

            É mais eficiente o que é estatal ou é eficiente o que é privado? Ou, mais importante ainda, o que é que faz uma atividade ser pública, independente de ser estatal ou privada?

            Então, a primeira pergunta é: qual é o sistema ideal para a saúde de todos os brasileiros? Não estamos discutindo isso. Estamos discutindo quanto colocar mais no atual sistema. E, quando a gente joga muito dinheiro numa coisa que não funciona, joga dinheiro fora. Se a gente deixar cair de um helicóptero dinheiro no quintal de um hospital ou no quintal de uma escola, na primeira chuva esse dinheiro vira lama.

            O dinheiro só tem utilidade quando a gente sabe como é que ele chega até a sala de operação; como é que chega até a alta que o paciente recebe. Isso é um trabalho de gestão, isso é um trabalho de política, isso é um trabalho de ética. Vocês têm que participar disso.

            Como é o sistema ideal? O sistema ideal é começar pelo médico ou pelo engenheiro do saneamento? É começar pelo cirurgião ou pelo médico de atendimento dos problemas da família, antes de precisar da cirurgia? Tudo isso exige uma reflexão grande sobre como revolucionar o atual sistema de atendimento médico, porque, como ele está, não está bem e não só por falta de dinheiro, mas por falta de estrutura de sistema organizado e por falta de gestão.

            Só depois de saber como é que deve ser o sistema é que a gente faz as contas de quanto custa. Por que 10% e não 12%? De onde surgiu esse número mágico? Se for 12%, por que a gente vai ficar com 10% e deixar gente morrendo? E se for 8% não é muito melhor, porque sobram 2% para outras coisas? Quanto custa, alguém já fez as contas de quanto custaria? Se a gente chegar a 10%, vai ter quase R$400 bilhões sendo gastos com a saúde. Quantos países do mundo têm R$400 bilhões de Produto Interno Bruto? Poucos. Quatrocentos bilhões são mais de 20 mil/ ano/habitante. Portanto, é um dinheiro muito alto que a gente vai gastar. Será que tudo isso é necessário realmente?

            Vamos fazer a pergunta: como deve ser? Quanto custa? Depois a gente discute de onde vem o dinheiro; se é preciso mais do que se está gastando, o que eu acho que vai precisar. Como é que a gente obtém esse dinheiro? E a primeira maneira de ver de onde vem o dinheiro - estou falando para administradores que querem, e eu desejo, construírem o Brasil e não apenas no Brasil - é saber se não há onde reduzir gastos. Será que o setor público brasileiro não tem onde reduzir gastos? É necessário que o Congresso funcione sempre com essa temperatura pelo ar condicionado? Qualquer um grau acima dessa temperatura já economiza dinheiro.

            Será que a gente não está gastando mais dinheiro aqui? Não está gastando mais dinheiro em outros setores da sociedade brasileira, que poderiam ser poupados para investir na saúde, atendendo ao custo de uma atividade funcionando eficientemente, que é o trabalho dos administradores?

            Eu creio que daria para conseguir pelo menos uma parte do dinheiro necessário, se é que será necessário, reduzindo gastos. Mas vamos supor que não pode. Vamos supor que já estamos no limite e que reduzir o gasto do ar condicionado piora o funcionamento da democracia. Vamos supor isso. Aí a gente discute como aumentar a carga fiscal, mas depois de esgotar tudo isso. E, na hora de aumentar a carga fiscal, a gente tem perguntar como aumentar nos atuais impostos, sem criar um novo.

            Será que o aumento do imposto sobre álcool não seria tão benéfico? Seria mais dinheiro para a saúde e menos doente, porque o alcoolismo provoca doenças. Será que o aumento do imposto sobre automóveis não daria mais dinheiro e reduziria o custo saúde? Porque uma parte razoável de gastos com saúde no Brasil é resultado de acidentes de trânsito.

            Uma melhoria no sistema de trânsito reduz o gasto com saúde. Essa cidade foi prova disso. Nós fizemos aqui uma grande campanha pela paz no trânsito. Aqui você chega numa faixa de pedestre põe o braço e o carro para, porque a gente controlou as velocidades. Reduziu o número de acidentes, reduziu o número de gastos.

            Tinha doente no chão, nos domingos e segundas-feiras, pelos acidentes que aumentam no sábado e domingo. Depois da campanha, passou a sobrar leitos em hospitais. Então, por que a gente não aumenta impostos naqueles setores que prejudicam a saúde? Pode conseguir mais dinheiro e melhorar a saúde.

            Diz-se que no Brasil se consome mais açúcar do que deveria, por isso a taxa de diabéticos, que pressiona o serviço de saúde. De repente, com menos açúcar, e aí entra a educação. Gastar em educação melhora a saúde.

            Só depois de discutir que não é possível aumentar alíquotas dos atuais impostos é que a gente pode aceitar discutir a criação de um novo imposto. E eu não sou contra um novo imposto para a saúde se for provado que o sistema vai funcionar, se for provado que vai custar mais do que se gasta hoje, se for provado que as atuais alíquotas não permitem. Aí a gente vai e constrói um novo.

Mas mesmo assim tem o passo seguinte: como garantir que esse dinheiro vai ser gasto na saúde.

            Hoje, Senador Cyro, se houvesse muito dinheiro para a saúde, não tenho dúvida de que era capaz de estarem usando o dinheiro da saúde para construírem estádios para a Copa do Mundo. Diriam que mais dinheiro faz uma construção mais segura, há menos riscos de desabar e, portanto, é bom para a saúde. Não duvido de que haveria gente com essa artimanha de gastar o dinheiro da saúde em estádios; ou diriam que botar ar-condicionado nos estádios melhoraria a saúde das pessoas, ou que se divertir, assistindo a um bom jogo de futebol, melhora a saúde, e por isso justifica - justificaria, para não pensarem que estou defendendo - a construção de estádios com o dinheiro da saúde. Tínhamos que ter, se for necessário um novo imposto, a garantia de que esse dinheiro vai chegar à saúde, e não apenas aos gastos com a saúde.

            Para concluir, quero dizer que quem quer construir, administrar o Brasil, e não apenas no Brasil, tem que ter claro que gastos às vezes significam desperdício; e desperdício para mim é o maior pecado de um administrador. O maior pecado de um administrador é o desperdício. Ele tem o direito de cometer uma porção de erros, mas não o erro da ostentação desnecessária.

            Se a gente fizer tudo isso, podemos dizer aqui, Senador Cyro, professores, que estamos comemorando o dia não apenas do administrador, mas do administrador que, além da técnica que permite construir no Brasil, estamos diante de cidadãos e de cidadãs que têm a técnica da administração, mas que querem construir o Brasil, um novo Brasil, um Brasil onde administrar uma fábrica seja administrar o Brasil pelo aumento do Produto Interno Bruto, da renda, pela distribuição da renda; onde administrar uma fábrica de ônibus seja administrar no Brasil, mas seja administrar o Brasil pela melhoria do transporte público, pelo que isso representa no bem-estar da população. Aquele que administra um hospital no Brasil melhora a situação dos que vão àquele hospital, mas aquele que administra um hospital sob a ótica de administrar o Brasil garante que todos terão direito a um hospital; se não àquele, a outros, e que todos eles vão funcionar bem.

            Nós precisamos muito de vocês, o Brasil, mas precisamos que vocês tenham a técnica, tenham a ética e tenham a política; tenham a técnica de como fazer a coisa funcionar ali, naquele lugar, no Brasil, mas juntem a isso a ética de saber como é que queremos um Brasil melhor e a política de saber o que fazer para que esse Brasil fique melhor.

            Não se contentem em ser uma coisa; vocês têm que ser três coisas. Não se contentem em ser o técnico da administração; sejam também a pessoa que usa a ética para saber como a administração no Brasil pode fazer a administração do Brasil e usem a política, porque, se ficarem só na ética, serão apenas sonhadores sem as mãos para transformar a realidade, porque a política é que transforma a realidade.

            Por isso, comemoremos o dia, refletindo: como pode cada um de vocês ser bom administrador no Brasil e bom administrador para o Brasil.

            Agradeço, como brasileiro, que vocês tenham escolhido essa profissão, fundamental, determinante no Brasil de hoje e no mundo de hoje, mas faço este apelo como brasileiro e como Senador: não se contentem apenas em administrar no Brasil; queiram ser administradores que façam o Brasil ser melhor para todos os brasileiros.

            Grande abraço para cada uma e para cada um de vocês. Parabéns! E não se esqueçam de que eu os parabenizei fazendo minha cobrança: sejam administradores do Brasil, e não apenas no Brasil.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2011 - Página 39001