Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre ciclo de palestras promovido pela Subcomissão Permanente em Defesa do Emprego e da Previdência Social, no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA FISCAL.:
  • Comentários sobre ciclo de palestras promovido pela Subcomissão Permanente em Defesa do Emprego e da Previdência Social, no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2011 - Página 39213
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO PERMANENTE, DEFESA, EMPREGO, PREVIDENCIA SOCIAL, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), SENADO, DEBATE, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL, OBJETIVO, COMBATE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, PROTEÇÃO, MERCADO INTERNO, TRABALHADOR, INDUSTRIA, REGIÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, PROJETO, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senadores e Senadoras, embora eu tenha a mesma posição do Senador Mário Couto quanto às sessões de homenagem, entendendo que elas deveriam ocorrer na segunda e na sexta-feira ou na parte da manhã, mas, assim mesmo, quero destacar a sessão de homenagem que tivemos hoje, promovida pelo Senador Valadares, sobre o trabalho feito pela Canção Nova. Uma bela homenagem, mais do que justa, tanto para a TV como para o rádio, como também para a revista Canção Nova. Meus parabéns ao Senador Valadares.

            Sr. Presidente, venho à tribuna hoje para comentar um pouco do trabalho que estamos realizando na subcomissão permanente ligada à Comissão de Assuntos Sociais que trata sobre trabalho e previdência e um ciclo de debates que estamos realizando sobre a integração da América do Sul.

            Sr. Presidente, nesse ciclo de debate sobre a Integração Sul-Americana no Contexto da Crise Mundial, realizamos hoje uma audiência com o tema: Perspectiva Empresarial no Contexto da Crise Mundial.

            A audiência encerrou a primeira fase desse ciclo. Foram três grandes debates. O primeiro: a perspectiva da defesa do mercado interno no contexto da crise; o segundo: a perspectiva dos trabalhadores; e, por fim, o terceiro, no dia de hoje, pela manhã: a perspectiva do setor empresarial.

            Lá estiveram representantes da universidade e também do empresariado.

            Teremos ainda este ano, Sr. Presidente, uma audiência pública, em que ouviremos o Ipea, e outra, com as mulheres e os jovens.

            Durante os debates, foram apresentadas, na minha óptica, informações importantes quanto aos desafios que o Brasil e os outros 11 países sul-americanos ainda têm que enfrentar para que se consolide e se forme um bloco econômico, político e social coeso e uma unicidade de interesses e objetivos.

            No dia de hoje, o professor e economista João Carlos Nogueira ressaltou que um dos fatores que limitam e dificultam a possibilidade de integração sul-americana é a deficitária infraestrutura física da região. Segundo ele, um dos gargalos é a ausência de integração rodoviária, hidroviária, ferroviária e energética. Salienta ainda o economista e professor que as exportações de serviços de engenharia podem contribuir para alavancar o número de serviços prestados dentro da América do Sul.

            O representante da Abimaq, Sr. Klaus Curt Müller, apresentou a importância dos Investimentos Estrangeiros Diretos, o IED, para a América do Sul. Diz ele que parcela do comércio do Brasil ainda é muito pequena quando comparada aos investimentos das demais nações sul-americanas.

            Por fim, o economista José Carlos de Assis disse que a crise mundial financeira que afeta as economias na Europa e na América do Norte representa uma ameaça direta aos países em desenvolvimento.

            Neste sentido, os países sul-americanos, que não compõem um bloco econômico coeso, seriam potenciais vítimas dos mercados americano, europeu e chinês.

            Senhores e senhoras, lembro a todos que apresentei, no dia 11 de maio deste ano, o Projeto de Lei de nº 232, que define a concessão de benefícios aos projetos que favoreçam a integração da região para dar início a esses debates. O projeto foi enviado para a Comissão do Mercosul, e o Senador Requião encaminhou para que ele seja relatado pelo Senador Pedro Simon.

            De lá para cá, tivemos três audiências públicas, inúmeras reuniões de trabalho, nas quais recebemos sugestões, inclusive pela Internet e também de forma direta, das centrais, das confederações, dos empresários e do meio acadêmico.

            O resultado desses debates, Sr. Presidente, encaminhou-nos para a chamada Sugestão nº 4, que hoje foi apresentada pela Intersul na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

            Sr. Presidente, no conjunto dos debates que aconteceram e que resultaram nesse projeto final, que vai ser encaminhado ao Relator Pedro Simon, acompanhando o primeiro, que por mim a ele foi distribuído, diz-se que:

“A crise financeira mundial colocou em marcha um processo de grandes transformações em escala global que têm afetado profundamente as economias e a próprias sociedade.

As economias dos países industrializados mais avançados, no Ocidente e no Japão, estão às voltas com uma prolongada situação de estagnação que pode prolongar-se por anos e anos, resultante de uma grande parte de insuficiências e contradições de suas próprias políticas internas e que, para seu enfrentamento, vêm recorrendo a ajustes fiscais cujo efeito último é o de reduzir ainda mais a sua demanda interna.

A única região que se recuperou do impacto inicial da crise e reiniciou um processo firme de crescimento tem sido a Ásia, seguida de outros países emergentes, entre eles o Brasil.

O foco propulsor [Sr. Presidente] tem sido a China, influindo em seu entorno asiático, mediante o impacto de sua demanda de produtos manufaturados e de matérias-primas em países em desenvolvimento.

O Brasil tem se beneficiado desse processo, porém à custa de uma crescente dependência de exportações de matérias-primas em detrimento de manufaturados, cuja participação nas exportações vem caindo sistematicamente.

Desde a reunião do G-20, no Canadá, no primeiro trimestre do ano passado, houve uma ruptura na orientação de política econômica para superar a estagnação nos países industrializados avançados.

Antes havia um consenso geral contra o protecionismo e a favor de estímulos fiscais. Os Estados Unidos, nisso apoiados pela China, advogaram a manutenção de estímulos fiscais para a recuperação da demanda interna.

A Europa, mergulhada em profunda crise fiscal, seguiu o caminho inverso, o do ajuste, sob forte pressão da Alemanha, da França e da Inglaterra.

As consequências dessa orientação política para o Brasil e demais países da América do Sul podem ser devastadoras a médio prazo, mesmo porque, com a vitória dos republicanos na Câmara, também os Estados Unidos dificilmente poderão sustentar uma política de estímulo fiscal.

Ao contrário, o Governo Obama está sendo pressionado para também aprofundar cortes fiscais, sob o argumento da necessidade de consolidação fiscal a médio e longo prazos, objetivo que se quer compatível com o recente programa de estímulo à geração de emprego proposto pelo [próprio] presidente.

Diante dessa situação, a única válvula de crescimento desses países ricos passa a ser o estímulo à demanda oriundo de um aumento sustentado das exportações.

Com efeito, desde o ano passado, em seu pronunciamento sobre o estado da União, o presidente Obama colocou como objetivo estratégico do país a duplicação das exportações em cinco anos.

No Japão, o ministro da Fazenda dirigiu uma circular aos executivos das corporações japonesas sugerindo a reorientação de suas exportações para os países emergentes, citando nominalmente o Brasil, tendo em vista a estagnação dos países ricos. Na União Europeia, [Sr. Presidente], considerando que praticamente todos os países estão sob alguma forma de ajuste fiscal, o objetivo explícito deste é gerar excedentes exportáveis para o resto do mundo. A China, por sua vez, mantém sua estratégia exportadora e de fortes superávits comerciais.

Assim, temos uma situação singular em que uma avalanche de exportações oriundas dos países ricos e da China tentarão pousar simultaneamente sobre os países emergentes e [aqueles que estão] em desenvolvimento.

A consequência poderá ser a destruição parcial ou total de estruturas produtivas internas, sob circunstâncias de um dumping industrial e comercial sem precedentes.

Não surpreende que, nesse contexto, os países ricos tenham se empenhado politicamente na total abertura comercial mediante a aceleração da Rodada de Doha, aí [Sr. Presidente], incluindo setores que os países em desenvolvimento ainda tentam preservar, como os de serviço e os de compras governamentais.

Diante dessa ameaça, não há soluções simples. Não podemos simplesmente fechar nossas fronteiras através de políticas [chamadas] protecionistas, pois seríamos considerados páreas do mundo e submetidos a fortes retaliações. Podemos, porém, procurar melhorar as nossas perspectivas explorando espaços ainda vagos nas relações econômicas internacionais. Um desses espaços [com certeza] é o do investimento produtivo. E o investimento que nos interessa é aquele que, formalizando e fortalecendo um bloco econômico, abre espaço para a ampliação de mercados e para a interação de cadeias produtivas, com aumento geral de emprego e da renda regional.

O objetivo estratégico é, pois, aprofundar o processo já iniciado de integração da América do Sul.

Este é o caminho [conforme todos os painelistas] para o fortalecimento de nossas estruturas produtivas. Não deve ser visto como de interesse exclusivo brasileiro, na medida em que nossos vizinhos e parceiros estão no mesmo barco em que estamos, não obstante o estágio em que esteja seu desenvolvimento industrial.

De fato, [Sr. Presidente], a integração será o mais forte propulsor de seu desenvolvimento industrial, através da exploração sustentável e a transformação de seus recursos naturais, da qualificação de sua mão de obra, da expansão da manufatura, gerando empregos de qualidade que dificilmente existem quando se trata exclusivamente da exploração de recursos naturais para exportação in natura.

O projeto de integração sul-americana não pode ser uma tarefa exclusiva de governos.

Os governos fizeram a sua parte, criando a Unasul, um foro político de convergência de ideias e de iniciativas diplomáticas. Precisamos dar conteúdo econômico e social a essa iniciativa [que, no entendimento, é] grandiosa.

Compete [Sr. Presidente], aos cidadãos da região ajudar a construir atmosfera favorável ao aproveitamento de oportunidade de investimentos integradores, estimulando parcerias no campo econômico [repito], social e cultural, e contribuindo no campo legislativo para a consolidação do processo de desenvolvimento sustentável em toda a região.

A velocidade com que os acontecimentos mundiais se sucedem exige de nós pressa, pressa na execução, a partir de uma formulação estratégica que atenda efetivamente os interesses de todos os países da América do Sul. Do contrário, seremos engolidos por iniciativas externas, à margem dos nossos interesses.

Devemos buscar, no âmbito de toda a América do Sul, alianças entre os parlamentos e parlamentares, trabalhadores, empresários, mulheres, juventude, a fim de dar aos nossos governos amplas condições sociais e políticas [condições sociais e políticas], para aprofundarem o projeto integracionista. Com esse objetivo, procuraremos, especialmente, estimular que, em todos os países da região, se multipliquem iniciativas de criação de Frentes Parlamentares pela integração da América do Sul e outros movimentos sociais e políticos [que entrem no viés] pela integração.

É preciso considerar que a situação mundial, em face da crise patrimonial bancária dos Estados Unidos e da crise fiscal na Europa, não mudará a curto e mesmo a médio prazo.

Nos Estados Unidos [Sr. Presidente], existem em circulação hipotecas imobiliárias no montante de cerca de 6 trilhões de dólares, dos quais 3,5 trilhões de recebimento duvidoso e entre 1,5 e 2 trilhões de calote certo. [São dados que se nos passaram os especialistas.]

Isso significa que os bancos estão compelidos a realizar lucros quase exclusivamente sem risco e a curto prazo, para não correrem riscos de quebra quando as hipotecas forem vencendo.

Com isso, não emprestam para pequenas e médias empresas; e como esse é o setor que gera cerca de 65% de emprego no país, a taxa de desemprego não cai e o consumo não se firma [nesses países].

Na Europa, a crise financeira foi transformada pelos governos em crise fiscal. Para salvar os bancos, muitos estados - Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, e agora Itália - acabaram, eles próprios quebrando, ou sob ameaça de quebra.

É para supostamente consolidar a situação fiscal desses estados - ou seja, reduzir drasticamente seus déficits e suas dívidas - que os mercados pressionam por ajustes.

Tais ajustes significam cortar gastos públicos para comprimir o mercado interno e gerar excedentes exportáveis. As consequências dessas políticas são visíveis: neste e no próximo ano, as próprias agências multilaterais estão prevendo crescimento em torno de mero 1% nos Estados Unidos e na União Europeia [na mesma faixa], e 2% negativos no Japão.

Esse quadro, para o Brasil e para a América do Sul, surge agravado com os primeiros sinais de desaceleração da China, o grande mercado de commodities que suportou a boa performance das economias sul-americanas nos últimos três anos.

Não se espera que haja uma desaceleração chinesa muito forte, mas o fato é que as autoridades do país vêm dando demonstrações reiteradas de sua preocupação com uma inflação de 6,5%, que, para eles, é entendida como elevada. Nos últimos oito meses até agosto, o Banco Central chinês aumentou a taxa básica de juros cinco vezes e, na mesma medida, adotou mecanismos de redução do crédito.

Assim, mesmo que a desaceleração chinesa seja suave, ela terá repercussões mundiais e [aqui] na América do Sul [conforme os especialistas]. Também nesse caso, não teremos outra saída a não ser buscar, pela integração, o caminho do investimento regional e do desenvolvimento comum.

Assim, a crise financeira e de estagnação econômica nos países industrializados avançados, em alguns aspectos mais profunda e extensa que os da Grande Depressão dos anos 30, expõem os países da América do Sul, e [naturalmente] o Brasil, a riscos sem precedentes para sua estrutura produtiva e seu mercado de trabalho, em face de uma previsível escalada de pressões concorrenciais [naturalmente] no do setor de manufaturas, superpostas à já avassaladora concorrência chinesa (...) e quantidades exportadas de commodities, até aqui responsáveis por um quadro externo favorável.

Essas condições mundiais, totalmente fora do controle dos países emergentes ou em desenvolvimento, os quais não tiveram qualquer responsabilidade em sua eclosão (...)”

            Enfim, Sr. Presidente, quero concluir ao dizer que todos os comentários que aqui fiz e outros que vou continuar fazendo num outro momento, foram construídos por uma série de especialistas que acham que o caminho, principalmente para os onze países que compõem a integração sul-americana, é de fato um trabalho conjunto de parceria, fortalecendo de forma concreta a política de integração.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Considere, na íntegra, o meu pronunciamento, construído depois desses quatro eventos, chamados Ciclo de Debates sobre a Integração da América do Sul.

            Obrigado, Sr. Presidente.

 

************************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

**********************************************************************************

           O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar que, hoje, na Subcomissão Permanente do Trabalho e Emprego, promovemos audiência pública para debater "A integração sul-americana no contexto da crise mundial: a perspectiva empresarial".

           A audiência encerrou a primeira fase do ciclo de debates que a subcomissão está realizando para discutir a integração da América do Sul.

           Foram três grandes debates: O primeiro sobre a perspectiva da defesa do mercado interno no contexto da crise.

           O segundo sobre a perspectiva dos trabalhadores e por fim o 3°, hoje, sobre a ótica do setor empresarial, com a presença dos senhores: José Carlos de Assis, economista e professor da Universidade Estadual da Paraíba; João Carlos Nogueira, diretor da Construtora Odebrecht e Klauss Curt Müller, d ire to r-executivo da ABIMAC e o senador Inácio Arruda.

           Ainda este ano, teremos uma reunião com o IPEA e outra com mulheres e jovens.

           Durante o debate foram apresentadas informações relevantes, que mostraram os desafios que o Brasil e os outros 11 países sul-americanos ainda têm que enfrentar para que se consolide e se forme um bloco econômico, político e social coeso e uma unicidade de interesses e objetivos.

           João Carlos Nogueira ressaltou que um dos fatores que limita e dificulta a possibilidade de integração sul-americana é a deficitária infra-estrutura física da região. Segundo ele, um dos gargalos é a ausência de integração rodoviária, hidroviária, ferroviária e energética.

           Salientou também que as exportações de serviços de engenharia podem contribuir para alavancar o número de serviços prestados dentro da América do Sul.

           Klauss Curt Muíler, da ABIMAC, apresentou a importância dos Investimentos Estrangeiros Diretos, o IED, para a América do Sul. Segundo ele, a parcela de comércio do Brasil ainda é muito pequena quando comparada aos investimentos das demais nações sul-americanas.

           Por fim, o economista, José Carlos de Assis, disse que a crise mundial financeira, que afeta as economias na Europa e na América do Norte, representa uma ameaça direta aos países em desenvolvimento.

           Neste sentido, os países sul-americanos, que não compõem um bloco econômico coeso, seriam potenciais vítimas dos mercados americano, europeu e chinês.

           Srªs e Srs. Senadores. quero lembrá-los que apresentei em 11 de maio deste ano, o PLS 232/2011, que define a concessão de benefícios aos projetos que favoreçam a integração da região para dar início aos debates.

           O projeto foi enviado para a Comissão do MERCOSUL e está sob relatoria do Senador Pedro Simon.

           De lá para cá, ocorreram três audiências públicas e diversas reuniões de trabalho, e também recebemos sugestões pela internet.

           O resultado dos debates resultou na Sugestão n° 4 de 2011, apresentada hoje pela INTERSUL, ao término da audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

           Faço questão de ler, na íntegra a justificativa do projeto, que sintetiza o total dos debates.

           JUSTIFICAÇÃO

           A crise financeira mundial colocou em marcha um processo de grandes transformações em escala global que têm afetado profundamente as economias e as sociedades.

           As economias dos países industrializados avançados, no ocidente e no Japão, estão às voltas com uma já prolongada situação de estagnação que pode prolongar-se por anos, resultante em grande parte das insuficiências e contradições de suas próprias políticas internas e que, para seu enfrentamento, vêm recorrendo a ajustes fiscais cujo efeito último é o de reduzir ainda mais sua demanda interna.

           A única região que se recuperou do impacto inicial da crise e reiniciou um processo firme de crescimento tem sido a Ásia, seguida de outros países emergentes, como o Brasil.

           O foco propulsor tem sido a China, influindo em seu entorno asiático, mediante o impacto de sua demanda de produtos manufaturados e de matérias primas em países em desenvolvimento.

           O Brasil tem se beneficiado desse processo, porém à custa de uma crescente dependência de exportações de matérias primas em detrimento de manufaturados, cuja participação nas exportações vem caindo sistematicamente.

           Desde a reunião do G-20, no Canadá, no primeiro trimestre do ano passado, houve uma ruptura na orientação de política econômica para superar a estagnação nos países industrializados avançados.

           Antes havia um consenso geral contra o protecionismo e a favor de estímulos fiscais. Os Estados Unidos, nisso apoiados pela China, advogaram a manutenção de estímulos fiscais para a recuperação da demanda interna.

           A Europa, mergulhada em profunda crise fiscal, seguiu o caminho inverso, o do ajuste, sob forte pressão da Alemanha, da França e da Inglaterra.

           As conseqüências dessa orientação política para o Brasil e demais países da América do Sul podem ser devastadoras a médio prazo, mesmo porque, com a vitória dos republicanos na Câmara, também os Estados Unidos dificilmente poderão sustentar uma política de estímulo fiscal. Ao contrário, o Governo Obama está sendo pressionado para também aprofundar cortes fiscais, sob o argumento da necessidade de consolidação fiscal a médio e longo prazos, objetivo que se quer compatível com o recente programa de estímulo à geração de emprego proposto pelo presidente.

           Diante dessa situação, a única válvula de crescimento desses países ricos passa a ser o estímulo à demanda oriundo de um aumento sustentado das exportações.

           Com efeito, desde o ano passado, em seu pronunciamento sobre o estado da União, o presidente Obama colocou como objetivo estratégico do país a duplicação das exportações em cinco anos.

           No Japão, o ministro da Fazenda dirigiu uma circular aos executivos das corporações japonesas sugerindo a reorientação de suas exportações para os países emergentes, citando nominalmente o Brasil, tendo em vista a estagnação nos países ricos. Na União Européia, considerando que praticamente todos os países estão sob alguma forma de ajuste fiscal, o objetivo explícito deste é gerar excedentes exportáveis para o resto do mundo. A China, por sua vez, mantém sua estratégia exportadora e de fortes superavits comerciais.

           Assim, temos uma situação singular em que uma avalanche de exportações oriundas dos países ricos e da China tentarão pousar simultaneamente sobre os países emergentes e em desenvolvimento.

           A conseqüência poderá ser a destruição parcial ou total de estruturas produtivas internas, sob as circunstâncias de um dumping industrial e comercial sem precedentes.

           Não surpreende que, nesse contexto, os países ricos se tenham se empenhado politicamente na total abertura comercial mediante a aceleração da Rodada de Doha, aí incluindo setores que os países em desenvolvimento ainda tentam preservar, como os de serviços e os de compras governamentais.

           Diante dessa ameaça, não há soluções simples. Não podemos simplesmente fechar nossas fronteiras através de políticas protecionistas, pois seríamos considerados párias no mundo e submetidos a fortes retaliações. Podemos, porém, procurar melhorar as nossas perspectivas explorando espaços ainda vagos nas relações econômicas internacionais. Um desses espaços é o do investimento produtivo.

           E o investimento que nos interessa é aquele que, formalizando e fortalecendo um bloco econômico, abra espaço para a ampliação de mercados e para a interação de cadeias produtivas, com aumento geral do emprego e da renda regional.

           O objetivo estratégico é, pois, aprofundar o processo já iniciado de integração da América do Sul.

           Este é o caminho para o fortalecimento de nossas estruturas produtivas. Não deve ser visto como de interesse exclusivo brasileiro, na medida em que nossos vizinhos e parceiros estão no mesmo barco em que estamos, não obstante o estágio em que esteja seu desenvolvimento industrial.

           De fato, a integração será o mais forte propulsor de seu desenvolvimento industrial, através da exploração sustentável e a transformação de seus recursos naturais, da qualificação de sua mão de obra, da expansão da manufatura, gerando empregos de qualidade que dificilmente existem quando se trata exclusivamente de exploração de recursos naturais para exportação in natura.

           O projeto de integração sul-americana não pode ser uma tarefa exclusiva de governos.

           Os governos fizeram sua parte, criando a Unasul, um foro político de convergência de idéias e de iniciativas diplomáticas. Precisamos dar conteúdo econômico e social a essa iniciativa grandiosa.

           Compete aos cidadãos da região ajudar a construir a atmosfera favorável ao aproveitamento de oportunidades de investimentos integradores, estimulando parcerias no campo econômico, social e cultural, e contribuindo no campo legislativo para a consolidação do processo de desenvolvimento sustentável em toda a região.

           A velocidade com que os acontecimentos mundiais se sucedem exige de nós pressa na execução, a partir de uma formulação estratégica que atenda efetivamente os interesses de todos os países da América do Sul. Do contrário, seremos engolidos por iniciativas externas, à margem dos nossos interesses.

           Devemos buscar, no âmbito de toda a América do Sul, alianças entre os parlamentos e parlamentares, trabalhadores, empresários, mulheres, juventude, a fim de dar aos nossos governos amplas condições sociais e políticas para aprofundarem o projeto integracionista. Com esse objetivo, procuraremos, especialmente, estimular que, em todos os países da região, se multipliquem iniciativas de criação de Frentes Parlamentares pela Integração da América do Sul e outros movimentos sociais e políticos pela integração.

           É preciso considerar que a situação mundial, em face da crise patrimonial bancária nos Estados Unidos e da crise fiscal na Europa, não mudará a curto e mesmo a médio prazo.

           Nos Estados Unidos, existem em circulação hipotecas imobiliárias no montante de cerca de 6 trilhões de dólares, dos quais 3,5 trilhões de recebimento duvidoso e entre 1,5 e 2 trilhões de calote certo.

           Isso significa que os bancos estão compelidos a realizar lucros quase exclusivamente sem risco e a curto prazo, para não correrem riscos de quebra quando as hipotecas forem vencendo.

           Com isso, não emprestam para pequenas e médias empresas; e como este é o setor que gera cerca de 65% de emprego no país, a taxa de desemprego não cai e o consumo não se firma.

           Na Europa, a crise financeira foi transformada pelos governos em crise fiscal. Para salvar os bancos muitos estados - Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e agora Itália - acabaram, eles próprios quebrando, ou sob ameaça de quebra.

           É para supostamente consolidar a situação fiscal desses estados - ou seja, reduzir drasticamente seus déficits e suas dívidas - que os mercados pressionam por ajustes.

           Tais ajustes significam cortar gastos públicos para comprimir o mercado interno e gerar excedentes exportáveis. As conseqüências dessas políticas são visíveis: neste e no próximo ano, as próprias agências multilaterais estão prevendo crescimento em torno de mero 1% nos Estados Unidos e na União Européia, e 2% negativos no Japão.

           Esse quadro, para o Brasil e para a América do Sul, surge agravado com os primeiros sinais de desaceleração da China, o grande mercado de commodities que suportou a boa performance das economias sul-americanas nos últimos três anos.

           Não se espera que haja uma desaceleração chinesa muito forte, mas o fato é que as autoridades do país vêm dando demonstrações reiteradas de sua preocupação com uma inflação de 6,5% que, para eles, é entendida como elevada. Nos últimos oito meses até agosto, o Banco Central chinês aumentou a taxa básica de juros cinco vezes e, na mesma medida, adotou mecanismos de redução do crédito.

           Assim, mesmo que a desaceleração chinesa seja suave, ela terá repercussões mundiais e na América do Sul. Também nesse caso, não temos outra saída a não ser buscar, pela integração, o caminho do investimento regional e do desenvolvimento comum.

           Assim, a crise financeira e de estagnação econômica nos países industrializados avançados, em alguns aspectos mais profunda e extensa que os da Grande Depressão dos anos 30, expõem os países da América do Sul, e notadamente o Brasil, a riscos sem precedentes para sua estrutura produtiva e seu mercado de trabalho, em face de uma previsível escalada de pressões concorrenciais no setor de manufaturas, superpostas à já avassaladora concorrência chinesa, e de uma já sinalizada queda de preços e quantidades exportadas de commodities, até aqui responsáveis por um quadro externo circunstancialmente favorável.

           Essas condições mundiais, totalmente fora do controle dos países emergentes ou em desenvolvimento, os quais não tiveram qualquer responsabilidade em sua eclosão e em seus desdobramentos, colocam como um imperativo de proteção do parque produtivo regional, e sobretudo de seu mercado de trabalho, o aprofundamento do projeto de integração da América do Sul como um campo específico de desenvolvimento, de geração de emprego e renda, e de melhoria do bem-estar social de suas populações.

           Como se sustenta nesta exposição, este passou a ser o caminho virtualmente único para a efetiva continuidade do desenvolvimento econômico e social da América do Sul.

           A integração não é mais de um objetivo romântico ou de apelo oriundo de apenas afinidades culturais e políticas, embora isso, obviamente, tenha também sua importância e seu peso.

           Contudo, o desafio maior é econômico. Na medida em que as políticas econômicas dos países centrais europeus, todos eles sob ajuste fiscal, e somando-se agora os Estados Unidos, passam a dar prioridade absoluta ao aumento das exportações, nossos parques industriais correm o risco, a curto prazo, de serem submetidos a um verdadeiro dumping de importações dos países ricos, sem considerar as provenientes da China e dos demais países asiáticos, que mantêm suas estratégias exportadoras.

           O perigo, para o Brasil e outros países sul-americanos que têm algum grau de industrialização, ou que aspiram a tê-lo, é iminente, porque a nova onda importadora, como observado, se sobreporá à onda chinesa e de outros países exportadores asiáticos. No caso do Brasil, o setor industrial vem sofrendo, além disso, o stress da valorização do real e os altos juros.

           Como conseqüência, as exportações de manufaturados vêm caindo sistematicamente em nossa balança comercial, com perspectivas ainda mais desanimadoras para o futuro, caso não se dê continuidade a políticas cambiais mais favoráveis às exportações.

           No campo social, é a indústria e a exportação de serviços, não a produção e exportação de commodities minerais e agrícolas, que gera os melhores empregos e as mais amplas cadeias produtivas, além de possibilitar maior segurança no balanço de pagamentos pela diversificação de exportações. Não que a economia das commodities seja prejudicial ao Continente.

           Ela apenas não é suficiente. A indústria, além de desenvolver seu próprio espaço na produção de bens diversificados, induz o desenvolvimento de uma importante cadeia de serviços, igualmente fundamental para a expansão do emprego de qualidade. Finalmente, a boa performance das commodities sul-americanas, em termos de exportação, está sendo altamente dependente de importações da China, o que é um risco para o caso de alguma desaceleração econômica daquele país determinada pela luta contra uma inflação que já ultrapassa os 6%.

           Com efeito, nos últimos oito meses, o Banco Central da China já aumentou a taxa básica de juros cinco vezes seguidas, enquanto o ritmo de aumento de importações, em maio, caiu de 28% para 17%.

           Não podemos, nem o Brasil nem os demais países sul-americanos, simplesmente fechar nosso mercado aos países industrializados avançados pelo levantamento de barreiras tarifárias generalizadas contra seus produtos manufaturados.

           Seríamos discriminados como protecionistas e considerados párias no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

           Contudo, na medida em que a América do Sul, a partir de um programa comum de investimentos e empreendimentos de integração, caminhe para ser um bloco econômico integrado, poderemos ter uma política tarifária protetora comum, mesmo que seja temporária, sem ferir as regras da OMC.

           O Brasil teria um mercado ampliado na América do Sul, e os demais países da região teriam um amplo mercado no Brasil, replicando aqui, eventualmente, a vitoriosa experiência sócio-econômica do Mercado Comum Europeu.

           É necessário, portanto, estimular o aprofundamento da integração econômica da América do Sul, completando o processo que, no plano político, foi iniciado com a criação da Unasul e, no plano comercial, com o Mercosul.

           Insistimos na integração produtiva, não apenas nos acordos de livre comércio, que dificilmente levam ao desenvolvimento. Para isso é preciso buscar soluções mais ágeis, como incentivos a empreendimentos de caráter econômico que estejam diretamente relacionados à integração regional, que é o objetivo da Lei proposta, a qual, uma vez aprovada no Brasil, poderia servir de inspiração para leis similares nos demais países da América do Sul.

           No caso brasileiro, aponta-se, com razão, que o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) destinado aos investimentos é baixo. Também se afirma que a tributação excessiva é um entrave ao desenvolvimento produtivo.

           Por outro lado, é sabido que o art. 14 da Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal -LRF) restringe a possibilidade de concessão de incentivos ou benefícios de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

           Como, então, facilitar o investimento produtivo mediante alteração legislativa sem ocasionar perda de receita fiscal?

           Esta proposição apresenta uma solução: em vez de conceder benefícios fiscais para setores específicos da economia -o que só poderia ser feito caso atendidos os requisitos do art. 14 da LRF -,propomos conceder algum tipo de benefício fiscal para novos projetos a serem apresentados e aprovados pela Casa Civil da Presidência da República.

           Ao restringir a aplicação da proposição a novos projetos, que deverão ser previamente aprovados para a concessão dos benefícios, não teremos qualquer impacto negativo à arrecadação fiscal, de modo a não violar o art. 14 da LRF.

           Tão ou mais importantes que os incentivos fiscais são os incentivos financeiros nos financiamentos por bancos públicos que se propõe serem dados aos empreendimentos de integração sul-americana.

           É o caso de acesso prioritário aos financiamentos com taxas de juros especiais das agências financeiras e bancos regionais, ou mesmo a bancos públicos, como o BNDES, autorizado a fazer operações fora dos limites nacionais, bem como a Corporación Andina de Fomento (CAF) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

           A Lei, uma vez aprovada, abrirá caminho para uma orientação dos governos a essas instituições financeiras para garantir essa prioridade.

           Também se poderá pleitear acesso prioritário, com taxas de juros especiais, nos financiamentos do futuro Banco do Sul, que se encontra em constituição.

           Na realidade, caso seja incluída essa provisão na institucionalização desse banco, grande parte do problema de financiamento dos empreendimentos de integração produtiva da América do Sul estará equacionada.

           O Banco do Sul não só operaria a partir de uma forte base de capital próprio, como poderá ser o selo de confiança para atrair capitais financeiros não especulativos de outras partes do mundo, em especial dos Fundos Soberanos, para os bons projetos aprovados por ele na região. Para isso, ele está sendo estruturado com alto grau de profissionalização, a partir de assistência técnica de instituições financeiras sêniores da própria região, como o BNDES.

           Um incentivo indireto de extrema eficácia para os projetos de integração sul-americana é a instituição junto aos órgãos dos Executivos regionais, conforme proposto, de guichês únicos especializados para a tramitação burocrática dos respectivos processos de autorização e licenciamento.

           Com isso se poderá garantir uma mais rápida tramitação desses processos, com menores custos de tempo, reduzindo a burocracia envolvida.

           Em contrapartida, propõe-se que os projetos, como requisito para o recebimento dos incentivos mencionados, contemplem a execução de contrapartidas sociais e culturais, notadamente qualificação da mão-de-obra e desenvolvimento sócio-econômico e ambiental das comunidades situadas na região dos empreendimentos.

           Desse modo, estamos conjugando, em um mesmo projeto, três importantes objetivos: integração sul americana, incentivo ao desenvolvimento econômico sem perda de receitas tributárias e desenvolvimento social.

           Insista-se que a plena eficácia desses incentivos dependerá de que uma legislação similar seja adotada nos demais países da América do Sul.

           A iniciativa brasileira, nesse contexto, poderá ser um primeiro passo para que seja replicada no âmbito do Mercosul e, finalmente, dos demais países sul-americanos.

           Quero lembrá-los de que as sugestões que deverão contribuir e muito para o texto final do Projeto estão abertas à população de todo o Brasil.

           A integração é fundamental não só para o incremento das economias dos países, mas para fortalecer a indústria, o desenvolvimento das relações comerciais, políticos e sociais.

           Para finalizar, gostaria de homenagear aqueles homens e mulheres que lutam pela integração dos povos americanos.

           “Si Somos Americanos", do poeta chileno Rolando Alarcon.

           "Se somos americanos

           Somos irmãos, meus senhores.

           Temos as mesmas flores

           Temos as mesmas mãos.

           Seremos bons vizinhos

           Repartiremos o trigo

           Seremos bons irmãos,

           Se somos americanos

           Não teremos fronteiras

           Cuidaremos das sementes

           Seremos todos iguais:

           Brancos, Negros, índios, Mestiços

           Se somos americanos dançaremos

           o samba, o forró, o tango, a milonga,

           a marinera, a refalosa...

           Se somos americanos

           Seremos uma única canção".

           Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2011 - Página 39213