Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 23 anos da promulgação da Constituição Federal e a criação dos Estados do Amapá, Roraima e Tocantins.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 23 anos da promulgação da Constituição Federal e a criação dos Estados do Amapá, Roraima e Tocantins.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/2011 - Página 40436
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, SENADOR, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, ESTADO, ESTADO DO AMAPA (AP), ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO TOCANTINS (TO), COMENTARIO, HISTORIA, ELABORAÇÃO, CARTA, ORDEM CONSTITUCIONAL.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, cidadão brasileiro que veio nesta tarde comemorar a Constituição, uma pergunta inicial deve ser feita: temos algo a comemorar ou temos muito a lamentar, Sr. Presidente? Mas, antes de respondermos a essa indagação, Senador Mozarildo, Senador Alvaro, permitam-me um momento de egoísmo, um momento de contar uma passagem de minha vida por ocasião da promulgação da Constituição.

            No dia 5 de outubro de 1988, eu estava me preparando para ir à faculdade, estava no meio do curso de Direito na faculdade de Taubaté, no interior do Estado de São Paulo, onde eu tive a honra de estudar. Quando saía, repentinamente senti uma saudade terrível, uma saudade doida da minha família, especialmente da minha mãe, que continuou morando, como a minha família, na cidade em que nasci, em Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso. Peguei o telefone, Senador Mozarildo, e, como acontece às vezes quando a gente vai falar com quem ama, fiquei tão emocionado que não soube o que dizer. Então fiz a ela, a minha mãe, a pergunta mais despropositada que se pode fazer para um cuiabano como eu, como parte da minha família, que lá chegou em 1720, Sr. Presidente. Perguntei a ela: “Mãe - com a voz já chorosa, Senador Mozarildo -, está fazendo muito calor aí, em Cuiabá?” “Ah, meu filho - respondeu a minha mãe, sentida, percebendo de imediato o que acontecia -, vem aqui me ver porque está geando desde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em São Benedito, até a ponte de Várzea Grande - que separa Cuiabá desta segunda maior cidade do nosso Estado”.

            Minha lembrança desse ocorrido é tão forte porque, naquele mesmo dia, pouco antes, às quatro da tarde, foi promulgada a Constituição Brasileira de 1988. As rádios divulgaram a notícia, a televisão mostrou as imagens, os professores falaram durante a aula. Eu me recordo dos professores de Direito Constitucional, neste dia, nesta noite, falando a respeito da nova Constituição.

            Eu não tinha como saber que, vinte e três anos depois, eu teria concluído o meu Curso de Direito, tornado Procurador do Estado de São Paulo e, depois, Procurador da República. Como eu poderia imaginar, Senador Mozarildo, que, um dia, o bom povo do Mato Grosso, iria me confiar este mandato de Senador da República, que eu luto dia e noite para honrar?

            Há vinte e três anos, Senador Alvaro, juntei no coração a saudade materna com a alegria daquele novo tempo que surgia. Hoje, desta bancada no Senado da República, eu renovo a mesma emoção e tomo a palavra para dizer que a Constituição está sentida, está chorosa, ligando para o povo brasileiro como um filho distante, pedindo sua proteção e sua lucidez, porque nós, Srs. Senadores, nesses vinte e três anos, não fomos brasileiros o bastante para fazer todas as leis que ela, a Constituição, esperava que fizéssemos. Não fomos capazes disso; porque nós, Senadores, nesses vinte e três anos, argumentamos que as promessas que ela fez - ela, a Constituição - não foram mais do que promessas. E nós sempre argumentamos isso, porque continuamos acreditando que os brasileiros serão pacientes para sempre, e os brasileiros já estão impacientes, Sr. Presidente; porque, nesses vinte e três anos, nós desprotegemos quem nos protege, ferimos quem nos acalenta, faltamos com quem nunca nos faltou, que é a Constituição da República.

            Tratamos nossa Constituição como se fosse provisória, vigente até a próxima alteração ou até a próxima eleição, até a próxima emenda ou, quem, sabe, até a hora em que, de tanto descumpri-Ia, resolvamos fazer outra para melhor descumprir. A Constituição provisória para um país injusto, Srs. Senadores.

            A Constituição de 1988 foi o grande momento legislativo da história do Brasil. É o que eu penso. Nada se compara a ela, a Constituição de 1988. A Constituição de 1824 foi feita pelo Imperador, depois da dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, a partir de 1823. Uma Constituição criada para defender os portugueses contra os brasileiros que aqui já haviam nascido. Portanto, a Constituição de 1988 é uma Constituição bem melhor do que a Constituição de 1824. Ela é melhor do que a Constituição de 1891, que foi feita por milicianos descontentes com o Imperador, apesar do trabalho do grande Rui Barbosa, baiano, que ali se encontra, que quis, quase como um mimetismo, copiar a Constituição americana, mas era impossível copiar a história dos Estados Unidos, a antropologia, a sociologia americana. A Constituição de 1988 é bem melhor do que a Constituição de 1891. É bem melhor do que a Constituição de 1934, que foi feita por um poder sem força. É bem melhor do que a Constituição de 1937, que foi feita por um poder sem direito, uma Constituição autoritária. Se retirarmos, Srs. Senadores, o grande respiro democrático de 1946, veremos que nunca houve uma Constituição como a nossa de 1988, com ambição de grandeza que as constituições do regime de exceção, de 1967 e 1969, sequer professaram.

            Eu pergunto a V. Exªs, pergunto aos brasileiros: que valor damos à liberdade se com o documento que a assegura somos tão irreverentes? Não terá ela maior significação do que as nossas vaidades?

            Nossas crianças não recebem uma Constituição em cada escola do ensino médio, mas, por ironia, recebem, e as lojas vendem, um Código de Defesa do Consumidor. Eu quero aqui dar a notícia de que hoje, no dia em que a Constituição atinge 23 anos, a juventude do PDT no meu Estado está a distribuir mil constituições em uma praça que recebe o nome de Praça Ipiranga, no centro Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso. Mil constituições estão sendo distribuídas!

            Não há árvore fértil que nos dê tantos frutos como a Constituição. Não temos o dia da Constituição, como temos o Dia da Independência, como temos o Dia da Proclamação da República, mas é a Constituição que nos legitima como representantes do povo, nesta Casa e na Câmara dos Deputados.

            É ela quem impede que um Poder assuma todos os outros Poderes. O Legislativo não pode ser maior que a Constituição. O Judiciário não pode ser superior à Constituição. O Executivo não pode ser imperial de forma que venha a violar a Constituição. É ela, Senadores, que faz com que cada brasileiro - de São Paulo, de Roraima, do Amapá, do Estado de Mato Grosso, do Paraná - se sinta irmão e, sobretudo, cidadão.

            Querem pôr a Constituição num ataúde e transportá-la no féretro dos interesses passageiros!

            Alguns falam em uma nova Constituição. Não saberão que um novo texto só vai criar insegurança jurídica? Não saberão que as Casas legislativas, os tribunais, os quartéis, as pessoas nas ruas e bares terão, a cada vez, que perguntar qual a lei que vale em nosso País?

            Não precisamos de outra Constituição, porque a nossa já diz que devemos construir uma sociedade livre, justa e solidária. É o quanto basta, Senadores. Se nós acabássemos com todos os livros, se acabássemos com todos os códigos, essa única expressão já seria o bastante: a construção de uma sociedade que seja livre, justa e solidária. Não precisamos de nova constituinte, porque o Congresso de 1986 esteve à altura da missão que os tempos lhe deram.

            A Constituição é a espinha da cidadania, o coração dos fortes, o abrigo dos fracos, a esperança dos desgraçados. As constituições não podem servir a dois senhores: servem aos desgraçados, mas não podem servir aos covardes - e temos de reconhecer a existência de muitos covardes na República. A Constituição de 1988 serve aos desgraçados, aos desprotegidos, aos que padecem de injustiça.

            O que virá substituí-la? Essa pergunta deve ser feita.

            O que querem com uma nova Constituição? Essa questão deve ser levantada.

            Nós, que somos os brasileiros, que honramos nossos homens e mulheres ilustres, que choramos pela mãe distante, que rimos quando nossos filhos riem, que nos metemos a olhar para o mundo sem temer rivais, não podemos deixar que nossa espinha seja substituída por cartilagens eleitoreiras.

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Fora do microfone.) - Aos 23 anos, a Constituição brasileira clama por regulamentação e por efetividade. Deu vida a um país onde mato-grossenses, paulistas, nordestinos, brasileiros se sentem confiantes e se sentem cidadãos.

            Um dia, há de nos servir para nos livrar dos corruptos de todos os jaezes, inclusive corruptos de oportunidades, inclusive corruptos de prioridades. Vamos zelar por ela, antes que apaguem tudo o que se conseguiu, antes que comece a gear em Cuiabá.

            Srs. Senadores, Sr. Presidente, peço mais dois minutos para encerrar a minha fala.

            A Constituição de 1988 é diferente das anteriores. É uma Constituição que traz o indivíduo, traz o ser antes do Estado. As nossas Constituições anteriores tratavam, primeiro, do Estado, depois, do indivíduo. A nossa Constituição de 88 quis dizer, ao tratar primeiro do indivíduo e depois, da construção do Estado, que o Estado nada mais significa do que um instrumento, um meio, um veículo, para que nós tenhamos o indivíduo respeitado na sua mais profunda dignidade.

            Por isso, neste dia, temos que louvar a Constituição, mas, sobretudo, temos que lamentar a discussão a respeito de uma nova Constituição. Esta, mais do que escrita, esta, mais do que uma folha de papel, precisa ser concretizada, precisa ser vivida.

            Assim, Srs. e Srªs Senadoras, convido-os a todos para que possamos defender a Constituição. Convido-os a todos para que possamos viver a Constituição.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/2011 - Página 40436