Discurso durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da instalação da Comissão de Juristas criada para elaborar o Anteprojeto de Código Penal.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • Registro da instalação da Comissão de Juristas criada para elaborar o Anteprojeto de Código Penal.
Aparteantes
Sergio Souza.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2011 - Página 43238
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INSTALAÇÃO, SENADO, COMISSÃO, PARTICIPAÇÃO, JURISTA, TAREFA, ELABORAÇÃO, ANTEPROJETO, CODIGO PENAL, OBJETIVO, ATUALIZAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, CODIGO.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Srª Presidente.

            Eu quero também cumprimentar as crianças. Ver criança no Senado é uma aleluia para a República, porque o futuro pertence a vocês. Parabéns pela oportunidade de aqui estarem! Nós nos sentimos honrados com a presença de cada um de vocês aqui. Muito obrigado.

            Srª Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, um novo Código Penal para o Brasil.

            Em cerimônia realizada nesta terça-feira, Srª Presidente, dia 18, o Senado Federal instalou a comissão de 15 juristas para elaborar um anteprojeto de Código Penal.

            São estudiosos, advogados, promotores, procuradores e juízes de pensamentos diversos, Srs. Senadores, representativos do debate jurídico-penal brasileiro, que durante 180 dias prestarão serviços não remunerados à Nação brasileira.

            O Código Penal é uma lei essencial para a proteção da sociedade e dos indivíduos, já que, acima de tudo, a legalidade é uma garantia para o cidadão, conquista da civilização moderna que apenas admite a cominação de penas e sua execução a partir de regras claras, previamente aprovadas e publicadas.

            No entanto, Srª Presidente, em contraste com uma dinâmica social cada dia mais veloz, globalizada e tecnológica, nosso atual Código Penal é oriundo de 1940. Muito bem, o Código está quase se aposentando compulsoriamente: 1940. É óbvio que ele recebeu uma revisão na sua parte geral em 1984.

            Como bem lembrou o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, em seu discurso de instalação da Comissão, na terça-feira passada, o Código Penal brasileiro

foi elaborado na vigência do regime do Estado Novo [portanto, nós estávamos em uma ditadura]; atravessou o regime liberal de 1946 e as constituições impostas pelo regime militar; e há 23 anos conflita com as mudanças da carta constitucional de 1988. [E ainda continua a fala de S. Exª o Presidente desta Casa:] Ocorreram mudanças fundamentais nos direitos individuais, sociais e difusos. A sociedade de informação chegou com as novas tecnologias, que permitem crimes inimagináveis em 1940, [como os que ocorrem hoje via Internet]”.

            Nossa lei penal nasceu atrelada às fontes do passado liberal individualista, fazendo com que, em detrimento da própria vida e dos direitos difusos e coletivos, seja privilegiada a proteção do patrimônio individual.

            Assim é que todo penalista sabe muito bem o que fazer se um indivíduo, por exemplo, usa uma chave falsa para furtar uma televisão, por exemplo, de um Município do Estado do Mato Grosso, da Srª Maria, do Município de Colniza, do Sr. José, no Município de Acorizal, no Estado do Mato Grosso - um indivíduo pega uma chave falsa para furtar uma televisão - mas encontra grandes dificuldades legais para punir alguém que comete crimes de natureza difusa, coletiva ou mesmo transindividuais, como no caso dos responsáveis pela quebra de um grande banco ou crimes contra a humanidade. E aqui cito o mais importante: crimes com vítimas difusas, a corrupção.

            Estamos preparados para furto de televisão, mas não estamos preparados para tratarmos a corrupção na medida em que merece esse tipo de conduta que viola a paz social.

            Só para se ter uma ideia, Srs. Senadores, o furto qualificado desta televisão - crime sem violência à pessoa -, tem pena prevista de 02 a 08 anos - repito: de 02 a 08 anos de reclusão - enquanto que o homicídio culposo, que trata do bem jurídico maior que é a vida, possui pena de 01 a 03 anos reclusão.

            Qual é o mais importante para o senhor, Sr. Mário, da cidade de Cuiabá, a sua televisão ou a vida do semelhante? Temos certeza de que o cidadão de bem entende que é a vida do semelhante.

            Desde a sua elaboração, Srs. Senadores, a população do Brasil quase decuplicou, deixou de morar principalmente nos campos, porque nós vivíamos numa sociedade que era rural e veio para as áreas urbanas. A referência de formação de bando ou quadrilha, por exemplo, Senador Sérgio. V. Exª é um jurista e sabe bem disso: o art. 288 do Código Penal trata de quadrilha ou bando, foi pensado tendo em conta o bando de Lampião. Imaginemos o bando de Lampião, assim o nosso Código pensa em cangaceiros de Lampião ainda, pouco semelhantes às quadrilhas que hoje têm tentáculos internacionais e até mesmo tentáculos políticos, como nós todos sabemos.

            Fica expresso, assim, que há um notável grau de atraso e falta de sintonia contemporâneas de segurança e proteção da população, o que reflete nos inúmeros dados revelados por pesquisa do Ibope, contratada pela Confederação Nacional das Indústrias, divulgada na data de ontem.

            Da população, 51% qualificam a segurança no País como péssima ou ruim - 51% da população -; 79% da população já presenciaram algum tipo de crime ou situação de violência nos últimos 12 meses; 30% disseram ter sofrido diretamente com a violência em caso de roubo ou furto nos últimos 12 meses; 80% dos entrevistados mudaram de hábito em razão da violência - deixaram de andar com dinheiro, aqueles que têm dinheiro -; 63% aumentaram os cuidados ao sair de casa; 54% da população - pasmem! - têm evitado sair à noite e o último dado, que se faz interessante: 8% viram algum ser humano ser morto num período de 12 meses. Oito por cento da população presenciaram a prática de um homicídio.

            Com muita honra, passo a palavra ao Senador Sérgio, que, tenho certeza, trará luzes à minha fala.

            O Sr. Sérgio Souza (Bloco/PMDB - PR) - Obrigado, Senador Pedro Taques, pelo aparte. Primeiro, quero enaltecer V. Exª pela iniciativa de vir à tribuna do Senado Federal, desta Casa, para falar de assunto tão importante. Inclusive, eu acompanhei, ontem, esse lançamento no Gabinete da Presidência desta Casa, com a presença de Ministros do STJ, de juristas e de outros Parlamentares. A reforma do Código Penal é muito importante, e o Senado Federal está dando esse primeiro passo com a formação dessa comissão composta pelos maiores juristas do Brasil. Do meu Estado, o jurista René Dotti integra essa comissão. Mas nós temos que aprimorar esse Código de tal forma, Senador Taques, que ele passe a ter uma aplicabilidade dentro do contexto para que nós venhamos a diminuir a criminalidade no nosso País, ou seja, para que o cidadão brasileiro tenha uma sensação de que realmente está sendo feito algo em prol dele e que não há impunidade, porque a sensação de impunidade neste País é que leva, cada vez mais, ao aumento da criminalidade. Então, quero parabenizar V. Exª e dizer que o Senado Federal está realmente dando início ao debate necessário para que nós possamos reduzir a criminalidade no nosso País. Obrigado.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Sérgio. A sua fala trouxe mais luzes a esta humilde pregação que faço aqui por um novo Código Penal. Peço à Presidência que incorpore a sua fala a este pronunciamento. V. Exª muito bem honra o Estado do Paraná nesta Casa.

            Esses dados, Srª Presidente, mostram que, enquanto os criminosos estão soltos, os cidadãos não estão podendo circular livremente. Essa pesquisa, publicada ontem, isso revela.

            Por essas razões, é imprescindível uma releitura do sistema penal à luz da Constituição de 1988, que, ao direcionar o Brasil rumo à construção de um Estado social e democrático de direito, superou velhos dogmas do liberalismo clássico e contemplou, em seu texto, os direitos sociais como direitos fundamentais e, junto a eles...

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Posso continuar, Srª Presidente? (Pausa.) Acabou o tempo. Peço, se possível, que eu tenha...

            Junto a eles, a exigência de ações políticas positivas por parte do Estado visando à sua implementação. Como consequência, Srª Presidente, a tutela do direito se desloca para o lugar da proteção coletiva da sociedade, tendo a dignidade da pessoa humana como valor central do sistema jurídico.

            Nesse contexto, o bem jurídico constitucional transcende o âmbito individual e passa a englobar também os direitos difusos coletivos e individuais homogêneos, o que implica maior proteção da sociedade a partir de dois vetores básicos, que me permito citar. Primeiro, a proibição de excesso e a proibição da proteção deficiente, Srª Presidente. Não podemos fazer o mais, mas também não podemos deixar de fazer o que se apresenta como necessário, aliado à compreensão de que os direitos fundamentais também possuem eficácia entre os particulares.

(Interrupção do som.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para concluir, Senador.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Por isso, o primeiro grande desafio da comissão será delimitar os bens jurídicos essenciais, aqueles que mereçam a solução última do Direito Penal, retirando dessa seara delitos de menor potencial ofensivo, para, então, dosar a pena a partir do binômio prevenção/repressão, tendo em vista a proibição de excesso combinada com a proibição de proteção insuficiente.

            Não podemos permitir, Srª Presidente, que o Direito Penal do Brasil continue só pensando na senzala. Temos de fazer com que o Direito Penal no Brasil também penetre na casa-grande. Não podemos entender que o Direito Penal, como ocorre hoje, tenha feito a opção pelos pobres, tal como a Teoria da Libertação.

            Meu tempo encerrou, e eu não quero ser comparsa na prática de irregularidades, mesmo sendo irregularidades regimentais. Desta feita, se estou aqui a defender um Código Penal que possa trazer limites à nossa atuação, o nosso limite aqui é o Regimento. Assim...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - ... solicito a V. Exª, nos termos regimentais, que este pronunciamento possa ser incorporado aos Anais desta Casa para celebrar essa Comissão Especial de Juristas, que, penso, em 180 dias, terá um trabalho e poderá trazer resultados úteis e efetivos para a sociedade brasileira.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PEDRO TAQUES

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            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, cidadãos e cidadãs brasileiros, em cerimônia realizada nesta terça-feira, dia 18/10, o Senado Federal instalou a comissão de 15 juristas para elaborar um anteprojeto de Código Penal.

            São estudiosos, advogados, promotores, procuradores e juízes, de pensamentos diversos, representativos do debate jurídico-penal brasileiro, que durante 180 dias prestarão serviços não remunerados à nação.

            O Código Penal é uma lei essencial para a proteção da sociedade e dos indivíduos, já que, acima de tudo, a legalidade é uma garantia para o cidadão, conquista da civilização moderna que apenas admite a cominação de penas e sua execução a partir de regras claras, previamente aprovadas e publicadas.

            No entanto, em contraste com uma dinâmica social cada dia mais veloz, globalizada e tecnológica, nosso atual Código Penal é oriundo do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, com revisão de sua parte geral pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984.

            Como bem lembrou o Presidente desta Casa, Sen. José Sarney, em seu discurso de instalação da Comissão, o Código Penal brasileiro “foi elaborado na vigência do regime do Estado Novo; atravessou o regime liberal de 1946 e as constituições impostas pelo regime militar; e há 23 anos conflita com as mudanças da carta constitucional de 1988. Ocorreram mudanças fundamentais nos direitos individuais, sociais e difusos. A sociedade de informação chegou com as novas tecnologias, que permitem crimes inimagináveis em 1940, com o mundo da internet”.

            Nossa Lei penal nasceu atrelada às fontes do passado liberal-individualista, fazendo com que, em detrimento da própria vida e dos direitos difusos e coletivos, seja privilegiada a proteção do patrimônio individual.

            Assim é que todo penalista sabe muito bem o que fazer se um indivíduo usa uma chave-falsa para furtar uma televisão em minha casa durante as férias, mas encontra grandes dificuldades legais para punir alguém que comete crimes de natureza difusa, coletiva ou mesmo transindividuais, como no caso dos responsáveis pela quebra de um banco ou crimes contra a humanidade.

            Só para se ter uma ideia, o furto qualificado de minha televisão - crime sem violência à pessoa, tem pena prevista de 02 a 08 anos de reclusão, enquanto que o homicídio culposo - que trata do bem jurídico maior: a vida - possui pena de 01 a 03 anos de detenção!!!

            Isto significa que o sujeito que age com imprudência, imperícia ou negligência e, em razão dessa ação, acaba ceifando uma vida humana, recebe a pena máxima de 03 anos que será convertida em penas alternativa - pena está que é a mesma pena do crime de interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico art. 266 do CP.

            Desde a sua elaboração, a população do Brasil quase decuplicou, deixou de morar principalmente nos campos e veio às cidades.  A referência de formação de  "bando" do nosso Código são os cangaceiros de Lampião, pouco semelhantes às quadrilhas que hoje têm tentáculos internacionais e até políticos.

            Fica claro, assim, que há um notável grau de atraso e falta de sintonia contemporânea referente a segurança e a proteção da população. Esta realidade é evidenciada pela pesquisa IBOPE divulgada pela CNI, que de forma estarrecedora, revela a dimensão da problemática:

i)     51% qualificam segurança do país como péssima ou ruim

ii)     79% presenciaram algum tipo de crime ou situação de violência nos últimos 12 meses.

iii)     30% disseram ter sofrido diretamente com a violência em caso de roubo e furto nos últimos 12 meses.

iv)     80% dos entrevistados mudaram de hábito em razão da violência: deixaram de andar com dinheiro (63%), aumentaram cuidados ao sair de casa ou do trabalho (57%), evitam sair à noite (54%)

v)     8% viram alguém ser assassinado no período de 12 meses.

            Esses dados mostram que, enquanto os criminosos estão soltos, os cidadãos não podem circular livremente.

            Por essas razões, é imprescindível uma releitura do sistema penal à luz da Constituição de 1988 que, ao direcionar o Brasil rumo à construção de um Estado social e democrático de Direito, superou velhos dogmas do liberalismo clássico e contemplou em seu texto os direitos sociais como direitos fundamentais e, junto a eles, a exigência de ações políticas positivas por parte do Estado visando sua implementação.

            Como consequência, a tutela do Direito se desloca para o lugar da proteção coletiva da sociedade, tendo a dignidade da pessoa humana como valor central do sistema jurídico.

            Nesse contexto, o bem jurídico constitucional transcende o âmbito individual e passa a englobar também os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, o que implica em maior proteção da sociedade a partir de dois vetores básicos: a proibição de excesso e a proibição da proteção deficiente1, aliados à compreensão de que os direitos fundamentais também possuem eficácia entre os particulares:

            Como bem ensina um dos membros da Comissão, o Prof. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves:

            “O reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que teve no acórdão Lüth, da Corte Constitucional Federal Alemã (Bundesverfassungsgericht, BverfGE) um momento expressivo, implica que pessoas privadas são titulares destes direitos nas relações que, entre si, estabelecem.

            O Poder Público, o Estado, não necessariamente ocupará um dos pólos de um conflito envolvendo tais direitos. Demandas entre indivíduos podem ser pautadas por direitos fundamentais e não apenas reclamos dirigidos à organização estatal. Naquele famoso julgado, de 1958, tratava-se de verificar se a regra do Código Civil que obriga à indenização, em face de prejuízos causados por alguém, deveria ceder ou ser interpretada em face do direito constitucional à livre manifestação 
do pensamento ou se, ao contrário, não haveria razão para “constitucionalizar” o direito privado.

            A decisão, marco da constitucionalização do Direito, foi no sentido de que toda a legislação infraconstitucional merece leitura constitucional. Se os particulares são titulares de direitos fundamentais em suas relações privadas, contudo, significa que, eles próprios podem, reciprocamente, ser também ofensores destes direitos. Nesse caso, surge para o Poder Público o dever de atuar como garantidor, impedindo que particulares lesionem posições fundamentais de outros particulares.

            A partir dessa concepção, “operou-se novo desenho do chamado postulado da proporcionalidade, ao qual se acresceu, para além da proibição do excesso (ubermassverbot) a proibição da proteção insuficiente (untermassverbot). Sua construção dogmática alcançou, portanto, os seguintes elementos: necessidade, adequação, justa medida, proibição do excesso, proibição da proteção insuficiente. Com eles, a proporcionalidade, técnica de solução de conflitos entre direitos fundamentais ou caminho de justificação de restrição de direitos por parte da autoridade pública, ganhou contornos mais adequados aos desafios a que se propunha.” (Paráfrase do livro “Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção de Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988”. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007).

            Por isso, o primeiro grande desafio da Comissão será delimitar os bens jurídicos essenciais - aqueles que mereçam a solução última do Direito Penal, retirando desta seara delitos de menor potencial ofensivo e para então dosar a pena a partir do binômio prevenção-repressão, tendo em vista a proibição de excesso, combinada com a proibição de proteção insuficiente.

            Mais ainda, será necessária uma sistematização e readequação da proporcionalidade entre os delitos e as penas.

            O atraso do Código Penal fez com que inúmeras leis esparsas fossem criadas para atender a necessidades prementes, também chamadas de legislação de urgência.

            Temos hoje algo como 117 leis penais em vigor, com previsão de aproximadamente, 1.757 tipos penais, entre crimes e contravenções.

            Como consequência, tem-se o prejuízo total da sistematização e organização dos tipos penais e da proporcionalidade das penas, o que gera grande insegurança jurídica, ocasionada por interpretações desencontradas, jurisprudências contraditórias e penas injustas - algumas vezes muito baixas para crimes graves e outras muito altas para delitos menores, como já demonstrei.

            E isso não é tudo.

            O processo de globalização que se expande a partir da década de 90 do século passado, conduz a sociedade mundial a uma dinâmica cuja velocidade das transformações não encontra precedentes históricos.

            Em decorrência, o Estado, para manter a soberania que lhe resta, deve estar atento para regular novos processos e interações sociais, econômicas e políticas, respondendo rapidamente às demandas da chamada “sociedade de risco”.

            No campo da segurança pública essa situação se torna dramática, pois o progressivo fomento do pensamento economicista e a impossibilidade de atendimento das inúmeras demandas e desejos alimentados por essa lógica são fontes inesgotáveis para a escalada global do crime organizado e de outras formas de interação contrárias à legalidade.

            A criminalidade disputa, com o poder público, o domínio de áreas territoriais, bem como do coração da juventude. A violência é endêmica, cabendo ao Brasil a honra duvidosa de ser um dos campeões mundiais em homicídios, roubos, furtos, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

            Sei que apenas a mudança legislativa não muda a realidade. É preciso implantar políticas públicas, fiscalizar sua execução e, mais do que tudo, vontade de toda a sociedade civil e da classe política em construir uma Nação mais segura.

            Um novo Código Penal não serve de panacéia, não é um “Emplasto Brás Cubas”, resolvendo por si só graves problemas sociais. Sua colaboração é oferecer um marco jurídico claro do que é estritamente proibido pela sociedade, a ponto de sujeitar os infratores a sanções e à prisão, reduzindo a quantidade de leis esparsas.

            O novo Código deve possibilitar que os merecedores de cárcere sejam presos e os que não a mereçam sejam beneficiados com medidas alternativas.

            Sua tarefa é oferecer um regime proporcional de criminalizações e descriminalizações, sem privilegiar segmentos sociais ou punir com a prisão apenas a criminalidade “dos pobres”.

            As regras não deverão distinguir “casa grande” e “senzala”. Tipificar o terrorismo e condutas ofensivas à segurança nacional, acolher o Tratado de Roma e os crimes contra os Direitos Humanos, bem como reforçar o combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, ao tráfico de drogas e à corrupção são, também, imperativos. Não há contradição entre punir e zelar pela dignidade da pessoa humana.

            O Estado Democrático de Direito não pode renunciar à sua tarefa de prover segurança pública para todos.


1 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em: www.leniostreck.com.br. Acesso: abril/2011.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2011 - Página 43238