Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do significado do termo “república” pelo transcurso, terça-feira última, dos 122 anos da Proclamação da República.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • Análise do significado do termo “república” pelo transcurso, terça-feira última, dos 122 anos da Proclamação da República.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2011 - Página 47761
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, SISTEMA DE GOVERNO, REPUBLICA.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Presidente Moka, antes da iniciar a minha fala, quero cumprimentá-lo pela assunção à 2ª Vice-Presidência desta Casa, eleição merecida que prova que o Senado está em bom caminho, porque colocar essa responsabilidade nas mãos de V. Exª é reconhecer não só o trabalho digno que V. Exª faz aqui, mas a sua conduta pessoal e sua conduta política.

            Fica aqui os meus cumprimentos pela assunção ao cargo de Vice-Presidente.

            Srªs. e Srs. Senadores, na terça-feira passada, nós atingimos 122 anos da República. O que é República? Qual a importância desse tema hoje na atual quadra que passa a República Federativa do Brasil? Senador Moka, Presidente desta sessão, República é daquelas palavras chamadas de viajantes, palavras que tem um sentido, mas muda o seu sentido tendo em conta o momento em que estão sendo proferidas: o espaço em que estão sendo ouvidas. Palavras viajantes!

            A palavra República tem uma dimensão, um sentido em um momento histórico, e ela muda esse seu sentido de acordo com o momento histórico. Poderia aqui citar, Presidente, que, 340 anos antes de Cristo, República tinha um sentido. Aristóteles dizia que existem três formas de governo: a monarquia, governo de um só - a monarquia pode se transformar em uma tirania, Senador Pimentel -, a aristocracia, governo de mais de um, porém poucos - a aristocracia pode se transformar em uma oligarquia - e República, governo de muitos. Mas a República, governo de muitos, segundo Aristóteles, poderia se transformar em uma demagogia. Ele disse isso 340 a.C. Essa era a dimensão do termo República naquele momento histórico.

            Em 1513, Maquiavel, na capa do seu famoso livro O Príncipe, fala que só existem duas formas de Estado: principados, que conhecemos hoje como monarquia, ou Repúblicas. Para Maquiavel, Senador Cristovam Buarque, as expressões monarquia e República tinham sentidos diversos. A monarquia era o governo vitalício, hereditário e irresponsável. Diferente da República, que era um governo eletivo, temporário e responsável. Aquele, na República, que exerce parcela da soberania do Estado é responsável pelos seus atos de forma administrativa, civil, penal e também política.

            Qual o sentido, a dimensão do termo “República” hoje? Seria virtudes cívicas? República, como sinônimo de confiança política. E faço uma indagação, Srs. Senadores: é possível formar uma verdadeira República sem ética na política e abdicando das virtudes cívicas como qualidades essenciais dos governantes? Isso é possível? Isso não é possível. Não é possível uma República sem ética na política.

            E continuo. Essa questão, ainda distante da agenda nacional - e muito distante da agenda nacional -, revela-se essencial quando se trata de pensar a República brasileira, o problema da legitimidade e confiança na representação política e de governo. Qual a confiança que a sociedade tem em relação aos políticos na República Federativa do Brasil? Políticos que exercem a Presidência da República e até a vereança do menor Município deste País? A essa pergunta temos de responder.

            Com efeito, deve-se, Senador Cristovam, aos humanistas cívicos italianos da época do Renascimento o resgate do debate sobre a importância da liberdade política e da participação ativa nas coisas da cidade, para que se possa falar em República. Por essa razão, o tema das virtudes retorna ao debate como elemento central do ideal republicano. Virtudes, Senador Cristovam. Com muita honra, passo a palavra a V. Exª mais à frente e continuo meu raciocínio.

            Isso significa que a formação do bom governo demanda, desde antes, a educação para as disciplinas humanísticas, como ética, como filosofia, como política, como retórica, como condição essencial para que o homem possa adquirir a sabedoria necessária ao exercício da liberdade política. E aqui nós não estamos a tratar de um preconceito burguês que entende que só a educação formal é importante. Não é isso. Saber é diferente de sabedoria, como nós todos aqui muito bem sabemos.

            Assim, "ação direta, possibilidade de agir praticada pelos cidadãos de maneira independente de suas inclinações pessoais e seus desejos, a partir da qual se elabora a lei e a ela se submete, sem recair em dominação". Logo, a liberdade política se funda na democracia, ao mesmo tempo em que por esta é alimentada, fazendo com que a vida republicana deva ser pautada pela busca da excelência nas instituições e na ação dos governantes.

            Um bom governante, Srs. Senadores, um ministro de Estado, um senador, um governador deve ser guiado pela virtude que se expressa, conforme ensina Sêneca, em quatro aspectos:

"1. refrear os desejos

2. dominar o medo

3. tomar as decisões adequadas

4. dar a cada um o que lhe é devido".

A partir dessas ações se concebe as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça. Cada qual comportando os seus deveres específicos, como elementos que sustentam a República construída a partir do decoro, da firmeza de princípios e de total harmonia dos atos políticos com a grandeza que esteja acima das coisas menores.”

            Passo a palavra a V. Exª, Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Taques, eu não podia deixar de pedir um aparte, mas queria deixar para sua decisão o momento oportuno. Como o senhor passou, eu quero colocar, primeiro, é sintomático que o dia 15 de novembro se transformou em um feriado sem se comemorar o fato; passou em branco. As pessoas só sabiam que era um dia de ir para a praia, se não tivesse sido um dia de chuva, como foi. Mesmo os que foram para a rua lutar contra a corrupção não sabiam que estavam usando o dia da República e ainda menos sabiam o que o senhor está nos mostrando aqui: o casamento entre República e ética. A gente precisava ter um debate grande aqui sobre República, até para recuperar o conceito. Cento e vinte e dois anos depois, a sensação que a gente tem por não entender o que o senhor está colocando é que a República foi proclamada, mas não foi construída. Nós não temos uma República na linha do que o senhor está falando. Não é República um sistema em que haja falta de respeito à coisa pública, e não há forma mais explícita de falta de respeito à coisa pública do que a corrupção; é a maior das formas de desrespeito. Nós confundimos República com presidencialismo, não é o mesmo. E às vezes a gente confunde monarquia com não República. Do ponto de vista social, as monarquias europeias são mais republicanas do que o Brasil. Não faz muito, eu vi a foto de um filho de um príncipe da Dinamarca indo para a escola pública com os filhos dos mais simples trabalhadores da Dinamarca. Isso é República, mesmo que tenha um rei. Nós precisamos, sim, entender o que quer dizer República e começarmos a construí-la no Brasil. E isso exige alguns pontos: primeiro, acabar com a corrupção no comportamento dos dirigentes, como o senhor mesmo disse, citando, inclusive, grandes autores; segundo, entender que não há República quando não há ética nas prioridades; quando há uma corrupção nas prioridades não há República. E o Brasil está cheio de corrupção nas prioridades. Os recursos são usados para servir às minorias, às aristocracias. Senador Simon, a ocupação da Rocinha, que nós todos temos que apoiar como uma iniciativa correta, é prova de que este País não é uma República. Não se precisa invadir nem ocupar um pedaço do território do próprio país. Se você tem que ocupar um pedaço do território do mesmo país, a causa pública não foi praticada, tanto é que a gente invade para transformar uma favela em bairro. Se a gente tivesse feito o bairro antes de virar favela, não precisava invadir. Senador Simon, eu fiquei chocado quando eu vi a bandeira do Brasil subindo, como se fosse uma grande vitória de um exército contra um país estrangeiro, mas aí eu pensei, Senador Simon: será que não é, de fato, um país estrangeiro? Esse lado de cá é a 7ª potência econômica do Brasil, o lado de lá é a 84ª potência do País em índice de desenvolvimento humano. Aquela bandeira foi a bandeira da 7ª potencia ocupando o 84º lugar no IDH. Não há República. Nós precisamos construir a República, para isso nós precisamos entender o que é República, e nesse entendimento do que é República o senhor está ajudando bastante. Pena que seja um discurso e que, depois, a gente não continue esse debate. Eu concluo, lembrando e prestando uma homenagem àquele que mais falou aqui em República do tempo em que estou aqui, que foi Jefferson Péres. Jefferson Peres costumava falar do pacto republicano. Nós não construímos ainda um pacto republicano. Somos um presidencialismo a serviço de uma aristocracia que é 1%, 2%, 3%, 5% da população mais privilegiada e que recebe a maior parte dos recursos públicos que são colocados a sua disposição e não da causa pública, do res publica como se fala de uma maneira mais refinada. Parabéns pelo seu discurso e, oxalá, a gente pudesse debater isso com mais tempo. Como podemos nós construir a República porque lá o pessoal do Deodoro, até hoje, não construiu ainda.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado pelo seu aparte, Senador Cristovam Buarque.

            Eu sou daqueles que fala o que faz e faz o que fala. Nós temos que debater a República, mas concordo com V. Exª que, mais do que debatermos, temos que concretizar esses ideais da República.

            V. Exª tem uma expressão que diz que enquanto um brasileiro não conseguir ler na bandeira Ordem e Progresso não temos um País democrático e muitos brasileiros não sabem ainda ler Ordem e Progresso na nossa bandeira. Isso prova que não temos uma República.

            Repetindo Sêneca:

"1. refrear os desejos

2. dominar o medo

3. tomar as decisões adequadas

4. dar a cada um o que lhe é devido".

            O que é um Senador da República, Senador Pedro Simon que me honra com a sua presença? É aquele sênior de idade, alguns de pouca idade, mas por isso a Constituição afirma que para ser Senador o mínimo é 35 anos, que busca os ideais da República e os ideais da República hoje, diferentes daqueles de Aristóteles, diferentes daqueles de Maquiavel, os ideais da República hoje se revelam na busca da temperança, na busca da ética, a partir do decoro, da firmeza de princípios e a total harmonia dos atos políticos com a grandeza que esteja acima das coisas menores".

            Esse é o papel de um Senador da República que busca, com sua experiência, alcançar esses ideais. Pois bem, nesses aspectos, ações virtuosas são aquelas que conseguem reproduzir os valores morais constituídos no plano da comunidade. Valores como justiça, coragem, honra e prudência são elementos centrais à avaliação da ação política por parte da própria comunidade.

            Fui eu quem escreveu isso? Não. foi Fernando Filgueiras. Honestidade intelectual, honestidade cívica. Não podemos nos adonar de algo que não escrevemos.

            Pois bem, Senador Moka, é sobre esse aspecto que se assenta a legitimidade do governo e se forma o juízo político que, como sabido, não se identifica como juízo de legalidade, este, o juízo de legalidade, é caracterizado pela presunção de inocência e da necessidade de provas para a condenação. Esse é o juízo de legalidade.

            O juízo político se assenta na confiança, que significa fidúcia, confiança, por parte da sociedade civil e dos homens educados para a prática das virtudes - educado, aqui, não no sentido formal, por óbvio -, de que seus representantes reproduzem na esfera governamental a busca pela excelência através de ações virtuosas, o que importa em responsabilidade política perante seus atos.

            Por isso, a República se diferencia da Monarquia. Na Monarquia existe a irresponsabilidade e, na República, nós temos a responsabilidade, inclusive política. Daí por que a exigência e cobrança dos membros do governo pela sociedade civil é ato de mais pura expressão da liberdade política que se espera republicana, pois não é possível construir uma nação próspera com corrupção, não é possível construir uma nação com excessos, com compadrios, com feudos partidários incrustados nos ministérios, não é possível - outra grave consequência desse nosso presidencialismo imperial de coalizão é a total submissão do Poder Legislativo e dos partidos políticos em nosso País.

            República, hoje, tem o sentido de republicanismo, de honestidade cívica, de dever de ser honesto, dever de pagar tributos, dever de comparecer às sessões do Senado, dever de ser honesto, honesto nas mais variadas áreas. Este, a meu juízo, é o significado da República na atual quadra em que nós vivemos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade de falar a respeito da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2011 - Página 47761