Discurso durante a 224ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à Medida Provisória que permite o uso dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço nas obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • Críticas à Medida Provisória que permite o uso dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço nas obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2011 - Página 52919
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • APREENSÃO, CRITICA, ORADOR, RELAÇÃO, ARTIGO, PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO (PLV), REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RECURSOS, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, OBRAS, OLIMPIADAS, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, NECESSIDADE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, VETO (VET), MATERIA.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, volto à tribuna para falar sobre Fundo de Garantia e para, mais uma vez, externar minhas preocupações com o PLV nº 29, proveniente da Medida Provisória nº 540. Essa Medida Provisória, Srª Presidenta, editada no âmbito do Programa Brasil Maior, lidando, primariamente, com medidas tributárias, acabou incluindo - e isso foi feito não por parte da Presidenta, mas por parte dos Deputados - um artigo que trata do uso do Fundo de Garantia para as obras dos Jogos Olímpicos e também da Copa do Mundo.

            Todos nós sabemos que o Fundo de Garantia, quando foi criado, tinha um objetivo muito definido: a construção de casa própria e a indenização do trabalhador. Então, não posso concordar, Srª Presidenta, com o fato de que esses recursos, pertencentes aos trabalhadores, para garantir a sua proteção, sejam utilizados para outros fins e enxertados em uma medida provisória na qual, quando foi apresentada, não podíamos mexer porque diziam que ela voltaria para a Câmara dos Deputados.

            Tenho conversado com as centrais e com as confederações e tenho visto que a preocupação é geral, Srª Presidenta, com o uso indevido do Fundo de Garantia. Todos sabem, Senadores e Senadoras, que o Fundo de Garantia foi criado ainda nos anos 70 - em setembro, esse Fundo completou 45 anos -, com o objetivo de substituir a antiga estabilidade decenal como sistema de proteção do trabalhador, que era, ao final das contas, desvantajoso para o próprio trabalhador. Trata-se, portanto, de um mecanismo pensado, primariamente, para proteger o trabalhador que perdeu, naquela oportunidade, a estabilidade no emprego. Secundariamente, é um patrimônio importante para o trabalhador, que pode, como sabem todos, utilizá-lo em ocasiões específicas, como, por exemplo - eu dizia -, na compra da casa própria.

            Em 2007 - reconheço -, a Lei nº 11.491 criou o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS), pela aplicação de recursos do FGTS destinados a investimentos e empreendimentos do setor de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento. Foram, então, destinados, à época, R$5 bilhões do patrimônio líquido do FGTS para integralizar as cotas do FI-FGTS. Parcelas adicionais de até R$5 bilhões podem ser aplicadas, respeitando-se o limite posto na lei.

            São esses os recursos, Srª Presidenta, que se quer agora tornar disponíveis para os projetos relacionados à Copa do Mundo e às Olimpíadas.

            Vejamos, Senadores e Senadoras, que a intenção original que presidiu a criação do Fundo de Investimento associado ao FGTS foi a de tornar disponível para obra de infraestrutura parte do recurso desse Fundo, que, em junho deste ano, chegava a quase R$20 bilhões. Isso, embora seja uma aplicação de uso original do Fundo, mantém o caráter eminentemente social, para que esse patrimônio do trabalhador represente o investimento no projeto, o que, no final das contas, vai reverter em benefícios para todos.

            Mas me parece que essa nova previsão introduzida - eu diria, enxertada - pelo PLV nº 2.911 na Câmara estende, de forma inadequada, o uso de recursos administrados pelo Fundo de Investimento, primeiro, porque atrela o uso desses recursos, que têm de ter uma mirada mais ampla, a eventos particulares e pontuais, mesmo que o PLV preveja um limite temporal preciso. Isso abre, Srª Presidente, no meu entendimento, um precedente que pode ser danoso para a estabilidade necessária para a administração do Fundo.

            Por mais relevante que possam ser para o nosso País neste momento os eventos globais como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, não se justifica que coloquemos à sua disposição recursos que têm como destino principalmente o FGTS, que é do trabalhador, para obter a casa própria e a sua indenização. Os defensores desse uso vão dizer que a lei já prevê o emprego do FGTS, por meio do Fundo de Investimento, para financiar obras de infraestrutura. É disso, afinal, que tratamos também aqui. É preciso garantir a infraestrutura necessária para a boa realização desses eventos, estrutura que, de resto, vai permanecer depois da sua realização, produzindo, portanto, benefícios duradouros, mas setoriais, não beneficiando diretamente o trabalhador. Mas temos de ver que os investimentos orientados para a realização da Copa e dos Jogos Olímpicos, por mais amplos que possam ser, são direcionados a um fim específico e não necessariamente representam o melhor uso de recursos em termos de retorno que se poderia conseguir com eles para os trabalhadores - e me refiro, principalmente, aos mais pobres. Além do mais, vão beneficiar apenas localmente alguns setores, atingindo aquelas cidades que vão abrigar os eventos.

            Srª Presidenta, talvez, não houvesse, sob outros pontos de vista, a mesma prioridade para receber esse tipo de investimento. Portanto, o atrelamento dos recursos desse Fundo, que pertence a todos os trabalhadores, a esses eventos específicos pode gerar distorções que vão representar, no final das contas, um desrespeito à sua finalidade e mesmo à sua sanidade.

            Há uma segunda razão, Srª Presidenta. O fato de eu ser contra essa extensão do uso de recursos do FGTS para financiar obras relacionadas à Copa e às Olimpíadas tem a ver com o que me parece ser certa vagueza do PLV que aprovamos. No seu art. 46, que justamente introduz essa possibilidade de utilização dos recursos do FI-FGTS, é feita referência a projetos de infraestrutura aeroportuária e de operações urbanas consorciadas de transporte e mobilidade humana, finalidades já cobertas de forma geral, ou seja, sem atrelamento à Copa ou às Olimpíadas pela norma que regulamenta o funcionamento do FI-FGTS.

            Mas ali também, Srª Presidenta, há referência - vejam bem! - a empreendimentos hoteleiros e a empreendimentos comerciais, o que me parece que foge inteiramente do espírito do FGTS. Há aí uma latitude muito grande. Agora, vamos dar aos recursos que pertencem ao trabalhador uma destinação bem precisa: o financiamento de empreendimentos hoteleiros e comerciais. Isso não me parece prudente, Srª Presidenta. Não é justo abrir essa possibilidade. O FGTS, repito, é um patrimônio de todos os trabalhadores brasileiros, criado numa rede de proteção para os empregados, e deve ser usado primariamente como tal. Se for para compartilhar esse patrimônio, que seja com seus verdadeiros donos, os trabalhadores. Temos de preservar o caráter eminentemente social do Fundo. Não faz sentido destinar esses recursos para financiar - repito - projetos hoteleiros e comerciais, o que pode representar uma perigosa privatização de um patrimônio acumulado dos trabalhadores.

            O PLV aprovado seguiu, Srª Presidenta, para a sanção. Espero que a nossa Presidenta Dilma vete o projeto. Não entendo razão alguma para ele ser mantido.

            Eu me lembro, Srª Presidenta, de que, num debate na Comissão de Seguridade Social - o projeto nem era de minha autoria, era de autoria de outro Senador -, perdi a votação por um voto, porque eu queria que o dinheiro do Fundo de Garantia fosse assegurado para o trabalhador quando ele estivesse na eminência de perder a sua casa própria. Disseram-me que não dava para votar aquela lei que eu queria, que o trabalhador poderia perder a sua casa. Por outro lado, agora, vejo que enxertaram aqui um dispositivo para que o dinheiro possa ser destinado à construção de empreendimentos hoteleiros e comerciais. E se disse que o dinheiro não podia ser usado pelo trabalhador que estava com as prestações atrasadas de sua casa no Sistema Financeiro - o dinheiro voltaria para o Sistema, ou seja, para o FGTS. Mas, para hotel e comércio, o recurso pode ser usado. Aí, não dá!

            Só espero que essa matéria seja vetada pela Presidenta Dilma, porque essa é a posição de todas as centrais e confederações e, tenho certeza, de todos os trabalhadores.

            Esse é o pronunciamento que eu tinha a fazer. Considere-o na íntegra, já que eu o comentei e não o li na íntegra.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final de novembro, aprovamos aqui no Senado Federal o PLV nº 29, de 2011, proveniente da Medida Provisória nº 540. Essa MP, Sr. Presidente, editada no âmbito do Programa Brasil Maior e lidando, primariamente, com medidas tributárias, acabou incluindo um artigo que trata do uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - em particular, do Fundo de Investimento do FGTS, criado pela Lei nº 11.491, de 2007 - em projetos associados à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016.

            Ora, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, por mais louváveis que sejam as intenções dos que defendem o uso do FGTS para esses fins, não posso concordar que esses recursos, pertencentes primariamente aos trabalhadores para sua proteção, sejam utilizados para outros fins que não esse mesmo.

            O artigo do PLV que trata dessa possibilidade de se usar os recursos do FI-FGTS em projetos ligados aos dois grandes eventos esportivos não estava na Medida Provisória tal como originalmente editada. Cheguei a apresentar Emenda para retirar essa previsão, mas minha proposta não foi apreciada pelo Relator da matéria na Casa. O fato é, Sr. Presidente, que considero abusivo esse uso de recursos que são uma garantia de segurança para os trabalhadores.

            Como sabem os nobres colegas Senadores e Senadoras, o FGTS foi criado, ainda nos anos 1960 (em setembro deste ano, aliás, completou 45 anos), com o propósito de substituir o antigo sistema de estabilidade decenal como sistema de proteção do trabalhador, que era, no final das contas, desvantajoso para os próprios trabalhadores. Trata-se, portanto, de um mecanismo pensado primariamente para proteger o trabalhador, em especial na hipótese de encerramento da relação de emprego sem justa causa. Secundariamente, é um patrimônio importante para o trabalhador, que pode, como sabem todos, utilizá-lo em ocasiões específicas, como na compra da casa própria.

            Em 2007, a Lei nº 11.491 criou o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS), caracterizado pela aplicação de recursos do FGTS, destinado a investimentos em empreendimentos dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento. Foram então destinados 5 bilhões de reais do patrimônio líquido do FGTS para integralização de cotas do FI-FGTS. Parcelas adicionais de até 5 bilhões podem ser aplicadas, respeitado o limite posto na Lei. São esses recursos, Sr. Presidente, que se quer agora tornar disponíveis para os projetos relacionados com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

            Vejam, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, que a intenção original que presidiu a criação do Fundo de Investimento associado ao FGTS foi a de tornar disponíveis para obras de infraestrutura parte dos recursos desse fundo, que, em junho deste ano, chegava a quase 20 bilhões de reais. Isso, embora seja uma ampliação do uso original do fundo, mantém o caráter eminente social que esse patrimônio dos trabalhadores representa, ao investir em projetos que, no final das contas, vão reverter em benefício para todos. Mas me parece que essa nova previsão, introduzida pelo PLV nº 29/2011, estende de forma inadequada o uso dos recursos administrados pelo fundo de investimento, e isso por duas razões.

            Primeiro, porque atrela o uso desses recursos, que têm de ter uma mirada mais ampla, a eventos particulares e pontuais. Mesmo que o PLV preveja um limite temporal preciso, isso abre um precedente que pode ser danoso para a estabilidade necessária para a administração do fundo. Por mais importantes e relevantes para nosso País, neste momento, que sejam esses dois grandes eventos globais (cujo significado, sabemos todos, ultrapassa em muito o sentido primariamente esportivo que carregam), não se justifica que coloquemos à sua disposição recursos que têm uma destinação tão importante quanto a do FGTS.

            Os defensores desse uso vão dizer que a Lei já prevê o emprego de recursos do FGTS, por meio do Fundo de Investimento, para financiar obras de infraestrutura - e é disso, afinal, que se trata também aqui: garantir a infraestrutura necessária para a boa realização desses eventos, estrutura que, de resto, permanecerá depois de sua realização, produzindo, portanto, benefícios duradouros. Mas temos de ver que os investimentos orientados para a realização da Copa e dos Jogos Olímpicos, por mais amplos que possam ser, são direcionados a um fim específico e não necessariamente representam o melhor uso dos recursos em termos do retorno que se poderia conseguir com eles. Além do mais, beneficiarão apenas localmente, atingindo só aquelas cidades que abrigarão os eventos esportivos e que, talvez, não tivessem, sob outros pontos de vista, a mesma prioridade para receber investimentos. Portanto, o atrelamento dos recursos desse fundo, que pertence a todos os trabalhadores, a esses eventos específicos pode gerar distorções que podem representar, no final das contas, um desrespeito à sua finalidade e, mesmo, à sua sanidade.

            Uma segunda razão, Sr. Presidente, para que eu seja contra essa extensão do uso dos recursos do FGTS para financiar obras relacionadas à Copa e às Olimpíadas, tem a ver com o que me parece ser uma certa vagueza do PLV que aprovamos. No seu artigo 46, que justamente introduz essa possibilidade de utilização dos recursos do FI-FGTS, é feita referência a projetos de infraestrutura aeroportuária e de operações urbanas consorciadas, de transporte e mobilidade urbanos - finalidades já cobertas, de forma geral, ou seja, sem atrelamento à Copa ou às Olimpíadas, pela norma que regulamenta o funcionamento do FI-FGTS. Mas há ali também referência a “empreendimentos hoteleiros” e “empreendimentos comerciais”, que, me parece, fogem inteiramente ao espírito que presidiu a criação do FI-FGTS. Há aí uma latitude muito grande: vamos agora utilizar recursos que pertencem aos trabalhadores, com uma destinação bem precisa, para financiar empreendimentos hoteleiros e comerciais? Não me parece muito prudente, Sr. Presidente - para não falar muito justo - abrir essa possibilidade.

            Sr. Presidente, o FGTS é um patrimônio de todos os trabalhadores brasileiros, criado como uma rede de proteção para os empregados, e deve ser usado primariamente como tal. Se for para compartilhar esse patrimônio, que seja com os seus verdadeiros donos, que são os trabalhadores. Temos de preservar o caráter eminentemente social desse fundo. Não faz sentido destinar esses recursos para financiar projetos hoteleiros e comerciais, o que pode representar uma perigosa privatização de um patrimônio acumulado por todos os trabalhadores.

            O PLV aprovado seguiu para sanção. Espero que a nossa Presidente Dilma analise com carinho e considere a adequação dessa previsão, garantindo o respeito a esse fundo que pertence, afinal, aos trabalhadores brasileiros.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2011 - Página 52919