Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 7 do corrente, acerca da inconstitucionalidade da Medida Provisória que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 7 do corrente, acerca da inconstitucionalidade da Medida Provisória que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2012 - Página 6445
Assunto
Outros > JUDICIARIO. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, DISCORDANCIA, ORADOR, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RELAÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, TRANSFORMAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), LEGISLATURA, FATO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, FORMALIDADES, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, APOIO, ORADOR, REFERENCIA, ABERTURA, AÇÃO PENAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, RELAÇÃO, SEBASTIÃO CURIO, EX SENADOR, MOTIVO, CRIME, SEQUESTRO, TEMPO, DITADURA, MILITAR, BRASIL.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, OBJETIVO, REGULAMENTAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RELAÇÃO, DIREITO, RESPOSTA.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Jayme Campos, que preside esta sessão.

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, podemos desmatar à vontade, pois seremos anistiados, Senador Jayme. Soneguemos à vontade, pois teremos logo um Refis e pagaremos em suaves e numerosas prestações a nossa dívida com o Tesouro. Votemos medidas provisórias em desacordo com a Constituição, que seremos perdoados pelo Supremo Tribunal Federal.

            Estamos precisando, Sr. Presidente, frear as exceções, que passaram a ser regras, e dar exemplos, porque a palavra convence e o exemplo arrasta.

            Na quarta-feira passada, dia 7 de março de 2012, o Supremo Tribunal Federal, a despeito de contemplar uma norma expressa na Constituição Federal, julgou, por maioria de votos, parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.109, que contestava a validade da Medida Provisória nº 366, de 2007, convertida na Lei nº 11.516, de 2007, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

            No julgamento, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a criação do instituto pela ausência de parecer prévio de comissão mista de Deputados e Senadores. E, com a modulação de efeitos, fixou o prazo de dois anos para que o Congresso Nacional saneasse o vício.

            Em poucas palavras e sem juridiquês, o Supremo Tribunal Federal disse o seguinte: aquilo que a sociedade brasileira pensava que era lei não é lei, porque ofende a Constituição da República.

            Ofende a Constituição da República porque a medida provisória foi convertida em lei em desobediência à Constituição, que diz que ela deveria ser aqui tratada por essa comissão mista de Deputados e Senadores. Ou seja, em outras palavras, a medida provisória não seguiu nesta Casa a receita. E se nós não seguirmos a receita, o bolo desanda, a maionese dá dor de barriga, como nós todos sabemos.

            Muito bem, no dia seguinte, entretanto, após apresentação de questão de ordem pelo Advogado-Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams, o Supremo Tribunal Federal voltou atrás em sua decisão e preferiu manter a inconstitucionalidade da medida provisória. Voltou atrás. O Supremo Tribunal Federal, julgando uma reclamação, voltou atrás.

             Muito bem, o que isso significa? O Supremo Tribunal Federal fixou os efeitos vigorantes apenas em relação às medidas provisórias enviadas ao Congresso a partir do dia seguinte à decisão, constitucionalizando, portanto, as medidas provisórias elaboradas ao arrepio da Constituição Federal.

            Ao arrepio significa que as medidas provisórias foram aprovadas nesta Casa em violação à Constituição da República, apesar de respeitar a decisão da Corte Constitucional, uma vez que, em uma democracia, as decisões judiciais devem ser obedecidas, mas elas devem sofrer uma análise desta Casa sim, porque, na democracia, não existe nada que seja não criticável.

            Apesar de respeitar a decisão da Corte Constitucional, eu me resguardo, Sr. Presidente, o direito parlamentar de discordar do seu posicionamento. Parece-me, aliás, que essa decisão nos mostra a aquiescência viciada de um Poder da República, o Judiciário, sobre o outro, o Executivo.

            Imaginem: o Supremo Tribunal Federal não pode concordar com esse tipo de pedido do Poder Executivo.

            Apesar de o art. 62, § 9o, da Constituição Federal expressamente consignar que "caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional", sempre foi considerada uma norma constitucional morta, uma norma constitucional que não produz efeitos, e mais de 500 medidas provisórias já haviam sido convertidas em leis sem contemplação de sua formalidade. Ou seja, fizeram de conta que essa norma da Constituição era uma folha de papel sem qualquer significado.

            Isso mesmo, mais de 500 medidas provisórias foram por nós aqui aprovadas, Sr. Presidente. Salários-mínimos foram aumentados e instituições foram criadas sem a devida formalidade exigida pela Constituição.

            Nós não estamos obedecendo à Constituição. Essa prática injustificada, apoiada na Resolução nº 1, de 2002, desta Casa, declarada inconstitucional pelo Supremo, é motivada pela pressa desenfreada e facilidade de negociação que o Executivo sempre desenvolve para aprovar as inovações legislativas de seu interesse.

            Mas é preciso que fique claro que "o parecer da comissão mista, em vez de formalidade desimportante, representa uma garantia de que o Legislativo seja efetivamente o fiscal do exercício da função legiferante pelo Executivo”. O Poder Executivo não pode, Srs. Senadores, legislar como regra. No entanto, como eu disse inicialmente, no Brasil, a exceção se transforma em regra. O próprio Ministro Fux, Relator da ADI citada, disse isso na sua manifestação.

            Essa, até então ineficaz, norma constitucional, portanto, é que garante a esta Casa, garante ao Congresso Nacional, como representante, lá na Câmara, do povo, e aqui no Senado, representante da Federação, a função de controlador diretamente o Poder Executivo, uma possibilidade eficaz de análise da atipicidade legislativa do Poder Executivo.

            Mas, Sr. Presidente, as exceções estão sendo transformadas em regras na República Federativa do Brasil.

            Um segundo tema, Sr. Presidente, que eu gostaria de trazer a esta Casa, foi a denúncia, oferecida pelo Ministério Público Federal, em desfavor do famoso Coronel do Exército Sebastião Curió, conhecido como Major Curió.

            O Ministério Público Federal, acertadamente, ajuizou ação contra ele pelo sequestro de militantes políticos durante a guerrilha do Araguaia (1972-1975), a qual ajudou a combater. É a primeira denúncia criminal apresentada contra um oficial por crimes cometidos durante a ditadura militar.

            Em 1979, como nós todos sabemos, foi editada a Lei de Anistia que impediu o julgamento e a condenação pelos crimes cometidos durante a ditadura. Essa lei, Sr. Presidente, foi questionada, em 2010, no Supremo Tribunal Federal (STF), que reafirmou sua validade. No ano passado, no entanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a apurar e punir os crimes praticados durante a ditadura.

            Assim, a ação possui absoluta pertinência e não contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal. É sabido na área jurídica que o crime de sequestro, caracterizado como crime permanente, não está sujeito à prescrição até que seus efeitos cessem, o que não ocorreu até hoje.

            Os Procuradores da República que assinam a ação contra Curió o responsabilizam pelo desaparecimento de participantes da guerrilha, organizada pelo PCdoB na Amazônia.

            Até hoje não se sabe o paradeiro das vítimas. O crime continua acontecendo até que sejam encontrados os restos mortais desses brasileiros.

            Muito bem, alguns dizem e perguntam: “Por que só agora?”. Porque agora que as provas, a investigação do Ministério Público chega a bom termo. Aliás, essa não é uma novidade na República, no mundo, porque o Uruguai fez isso, a Argentina fez isso, o Chile fez isso, a África do Sul fez isso.

            Estamos a tratar de uma justiça de transição. Não há paz sem que ocorra justiça. A Lei de Anistia não é uma borrachinha no passado. A Lei de Anistia não pode encobrir crimes contra a humanidade.

            A decisão do Supremo Tribunal Federal trata da compatibilidade da Lei de Anistia com a Constituição da República. Mas a decisão do Supremo não fez a discussão a respeito da Lei de Anistia com os tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil é signatária.

            Assim, Sr. Presidente, trata-se, portanto, de uma arbitrariedade sendo saneada depois de quase 30 anos e que não merece a impunidade.

            Qual é a repercussão disso nas nossas vidas? Hoje, temos o chamado efeito ou princípio da repetição. A mesma violência, Senador Paim, que era praticada naquele tempo ainda é praticada hoje. E não conseguimos acabar, por exemplo, com a violência da força policial, efeito de repetição.

            Um terceiro tema, Senador Jayme Campos, que preside esta sessão, que gostaria de aqui tocar: hoje, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça um projeto que trata do direito de resposta. Projeto do Senador Requião, que tive a honra de relatar.

            Alguns dizem que esse projeto está a trazer para o Brasil a censura. Alguns dizem que esse projeto estaria a trazer para a República Federativa do Brasil uma limitação do direito fundamental da imprensa. Quero aqui afastar esse tipo de argumento.

            A Constituição da República, no art. 5º, inciso V, já garante o direito de resposta. Está ali escrito no art. 5º, inciso V da Lei Fundamental da República. O que fizemos foi a regulamentação desse dispositivo constitucional.

            A liberdade de imprensa é sagrada. A nossa Constituição estabelece o direito fundamental de todos termos informações verdadeiras. E essas informações devem ser trazidas pela imprensa. Não existe imprensa boa ou imprensa ruim. O que existe é uma imprensa que divulgue fatos que sejam verdadeiros.

            Liberdade de imprensa nós todos devemos assegurar, e a Constituição garante essa liberdade de imprensa, a Constituição veda a censura, e é bom que assim seja. Esse projeto não trata do conteúdo da matéria a ser veiculada, esse projeto apenas regulamenta o que está escrito na Constituição da República.

            Alguns dizem, Senador Jayme Campos, que nós não precisaríamos de uma lei regulamentando o art. 5º, inciso V, da Lei Fundamental da República. Aliás, isto ocorre na Alemanha. Na Alemanha, não se exige a regulamentação. Agora, de outro lado, existem aqueles que aceitam a necessidade de regulamentação para que tenhamos um processo, um procedimento, uma ação própria para o direito de resposta, que está previsto na Constituição da República.

            A Lei de Imprensa, a Lei nº 5.250, de 1965, foi reconhecida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no dia 30 de abril de 2009. Do dia 30 de abril de 2009 até hoje, data do reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, nós não temos regulamentação a esse dispositivo.

            Encerro, Senador Jayme Campos, dizendo que nós não podemos limitar a imprensa, nós não podemos censurar a imprensa. A Constituição da República garante isso e eu defendo, nesta Casa, e defendo, nesta oportunidade e nesta tribuna, que a imprensa tem o dever fundamental de criticar os homens públicos. Nós que viemos para a vida pública temos a nossa intimidade, Senador Cyro, relativizada, porque do contrário ficaríamos em casa. A imprensa tem a obrigação de fiscalizar os Senadores da República, a imprensa tem a obrigação de fiscalizar as nossas atuações. Este projeto do Senador Requião, por mim relatado na Comissão de Constituição de Constituição e Justiça, apenas regra o procedimento do chamado direito de resposta.

            Obrigado, Sr. Presidente.

            Eram essas as considerações que eu gostaria de fazer nesta tarde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2012 - Página 6445