Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Destaque ao artigo do Professor Dalmo de Abreu Dallari, publicado no site Observatório da Imprensa, intitulado “Índios, vítimas da imprensa”; e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • – Destaque ao artigo do Professor Dalmo de Abreu Dallari, publicado no site Observatório da Imprensa, intitulado “Índios, vítimas da imprensa”; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2012 - Página 8766
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, RECURSO REGIMENTAL, DECISÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), REFERENCIA, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ELIMINAÇÃO, EMBARGO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CONCESSÃO, ANISTIA, PRESO POLITICO, GARANTIA, LIBERDADE, CIRCULAÇÃO, SOCIALISMO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, INTERNET, ASSUNTO, CRITICA, IMPRENSA, DEPRECIAÇÃO, INDIO, ACUSAÇÃO, VENDA, TERRAS INDIGENAS, EMPRESA ESTRANGEIRA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Obrigado, meu caro Presidente Paulo Paim.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, eu aqui vou ler um artigo, que avalio de extraordinária qualidade e importância, do Profº Dalmo de Abreu Dallari, publicado no Observatório da Imprensa: “Índios, vítimas da imprensa”.

            Eu gostaria de agradecer aos quase 30 Senadores que assinaram o recurso que apresentei, diante da decisão equilibrada - por cinco a quatro -, tomada na última reunião da Comissão de Relações Exteriores.

            Com parecer favorável do Relator Pedro Simon, apresentei um requerimento, para que o Senado brasileiro solicite ao governo dos Estados Unidos - Executivo, Senado e Câmara - que acabe com o bloqueio/embargo referente a Cuba. Que possam fechar a prisão de Guantánamo e também conceder anistia aos cinco cubanos que são considerados heróis em Cuba e que são objeto do livro de Fernando Morais. Inclusive, eles foram objeto de apelo do presidente Jimmy Carter no ano passado, há um ano, quando visitou Havana. Eles já estavam há doze anos presos. Não havia senão a vontade da parte dele, que pedia às autoridades americanas que concedessem anistia. Por outro lado, também havia apresentado um requerimento, para que fosse feito um apelo às autoridades cubanas, a fim de que acabassem com os presos de consciência política, bem como pudessem dar liberdade às pessoas para entrarem e saírem de Cuba, os seus cidadãos, inclusive a blogueira cubana Yoani Sánchez.

            Por cinco a quatro, surpreendentemente, foi derrotado, mas cerca de 30 Senadores assinaram o recurso, que foi registrado, hoje, na Comissão de Relações Exteriores, logo que o Senador Randolfe Rodrigues leu o voto vencido. Acredito que, ainda hoje, poderemos examinar esse tema, se a Comissão de Relações Exteriores encaminhar a tempo, antes da Ordem do Dia.

            Quero aqui lembrar o que disse o Papa Bento XVI sobre a questão da liberdade em Havana, quando, para cerca de meio milhão de pessoas, celebrou a missa, lembrando o Hino da Benção, do livro de Daniel. Ali diz que:

Na primeira leitura que foi proclamada, os três jovens, perseguidos pelo soberano babilonense, antes preferem morrer queimados pelo fogo que trair a sua consciência e a sua fé. Eles encontraram a força de ‘louvar, glorificar e bendizer a Deus’ na convicção de que o Senhor do universo e da história não os abandonaria à morte e ao nada. De fato, Deus nunca abandona os seus filhos, nunca os esquece.

            Ora, ele está falando isso exatamente no contexto onde, no texto do Evangelho, que foi proclamado, Jesus revela-se como Filho de Deus Pai, o Salvador, o único que pode mostrar a verdade e dar a verdadeira liberdade. E exorta todos a acreditar, a permanecer na sua Palavra, para conhecerem a verdade, que redime e dignifica.

            “Com efeito [ressaltou Bento XVI], a verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica. Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa.”

            Mais adiante, disse:

Fé e razão são necessárias e complementares na busca da verdade. Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de razão. Certamente não é a irracionalidade que promove a fé cristã, mas a ânsia da verdade. Todo ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios.

            Ora, eu tenho certeza de que o Papa Bento XVI, que, inclusive, ontem, encontrou o ex-Presidente e Comandante Fidel Castro, deve ter falado a ele da importância de se dar maior liberdade aos cidadãos cubanos e, inclusive, que aqueles que estariam na praça, mas que, por serem dissidentes, foram impedidos de estar na praça, onde o Papa celebrava sua missa, possam ganhar a liberdade, que possa uma pessoa como a Srª Yoani Sánchez também viajar, vir ao Brasil, por exemplo, e voltar a Cuba, porque assim ela poderá contribuir para que os cubanos possam conhecer melhor a verdade completa de que nos fala Bento XVI.

            Mas esse assunto será mais aprofundado no debate, quando aqui apreciarmos o recurso - possivelmente, ainda nesta tarde.

            Diz o Prof. Dalmo de Abreu Dallari no artigo de 27 de março de 2012, na edição 687 do Observatório da Imprensa: “Índios, vítimas da imprensa” - aliás, assunto que foi, aqui, tratado pelo Senador Mozarildo Cavalcanti, que, inclusive, apresentou requerimento na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional para que ele seja debatido por diversas autoridades. Eu, inclusive, sugeri, e foi aprovado, que, em virtude desse artigo tão bem fundamentado, o Prof. Dalmo Dallari também aqui compareça no dia em que houver essa audiência.

            Diz Dalmo de Abreu Dallari:

Os índios brasileiros nunca aparecem na grande imprensa com imagem positiva. Quando se publica algo fazendo referência aos índios e às comunidades indígenas o que se tem, num misto de ignorância e má fé, são afirmações e insinuações sobre os inconvenientes e mesmo o risco de serem assegurados aos índios os direitos relacionados com a terra. Essa tem sido a tônica.

Muitas vezes se tem afirmado que a manutenção de grandes áreas em poder dos índios é inconveniente para a economia brasileira, pois eles não produzem para exportação. E com essa afirmação vem a proposta de redução da extensão da ocupação indígena, corno aconteceu com a pretensão de reduzir substancialmente a área dos Yanomami, propondo-se que só fosse assegurado aos índios o direito sobre o pequeno espaço das aldeias. E como existem várias aldeias dentro do território Yanomami, o que se propunha era o estabelecimento de uma espécie de ‘ilhas Yanomami’, isolando cada aldeia e entregando a especuladores de terras, grileiros de luxo ou investidores do agronegócio a quase totalidade da reserva indígena.

Não é raro encontrar a opinião de alguém dizendo que ‘é muita terra para pouco índio’, o que autoriza a réplica de que quando somente um casal ou um pequeno número de pessoas ocupa uma grande mansão ou uma residência nobre com jardins, piscina e até quadra de tênis, usando um grande espaço que vai muito além do necessário para a sobrevivência, um índio está autorizado a dizer que ‘é muita terra para pouco branco’.

Créditos de carbono

Outro argumento que aparece com grande frequência na imprensa é a afirmação de que as reservas indígenas próximas das fronteiras colocam em risco a soberania brasileira, pois os índios não fazem a vigilância necessária para impedir a invasão ou a passagem de estrangeiros. Uma primeira resposta que se pode dar a essa acusação é que frequentemente, quando se registra uma ocorrência mais marcante relacionada com o tráfico de drogas, aparecem informações, às vezes minuciosas, sobre os caminhos da droga, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Várias vezes se mostrou que a rota dos traficantes passa perto de instalações militares brasileiras de fronteira, vindo logo a ressalva de que o controle do tráfico é problema da polícia, não dos militares. E nunca se apontou uma reserva indígena como sendo o caminho da droga, jamais tendo sido divulgada qualquer informação no sentido de que a falta de vigilância pelos índios facilita o tráfico.

E quanto à ocupação de partes de uma reserva indígena por estrangeiros, qualquer pessoa que tenha algum conhecimento dos costumes indígenas sabe que os índios são vigilantes constantemente atentos e muito ciosos de seus territórios.

Noticiário recente é bem revelador do tratamento errado ou malicioso dado às questões relacionadas com terras indígenas. Em matéria de página inteira, ilustrada com foto de 1989 - o que já é sintomático, pois o jornal poderia facilmente obter foto de agora e não usar uma de 23 anos atrás - o jornal O Estado de S. Paulo coloca em caracteres de máxima evidência esta afirmação alarmante: ‘Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras na Amazônia’.

            Eu quero dizer, Senador Paulo Paim, que eu fui parado por inúmeras pessoas, nos últimos dias, para comentarem: “Mas, como é que isso pode?” Bem, o Prof. Dalmo Dallari aqui esclarece muito bem:

Como era mais do que previsível, isso desencadeou uma verdadeira enxurrada de cartas de leitores, indignados, ou teatralmente indignados, porque os índios estão entregando terras brasileiras da Amazônia a estrangeiros. Na realidade, como a leitura atenta e minuciosa da matéria evidencia, o que houve foi a compra de créditos de carbono por um grupo empresarial sediado na Irlanda e safadamente denominado ‘Celestial Green Ventures’, sendo, pura e simplesmente, um empreendimento econômico, nada tendo de celestial.

Mas a matéria aqui questionada não trata de venda de terras, como sugere o título.

Por ignorância ou má fé a matéria jornalística usa o título berrante ‘Índios vendem direitos sobre terras na Amazônia’, quando, com um mínimo de conhecimento e de boa-fé, é fácil saber que, mesmo que quisessem, os índios não poderiam vender direitos sobre terras que ocupam na Amazônia ou em qualquer parte do Brasil.

Com efeito, diz expressa e claramente o artigo 231 da Constituição brasileira:

‘São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens’.

Nesse mesmo artigo, no parágrafo 2°, dispõe-se que ‘as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes’. E o parágrafo 4° estabelece uma restrição muito enfática, cuja simples leitura deixa bem evidentes o erro e a impropriedade da afirmação de que os índios venderam seus direitos sobre suas terras na Amazônia.

Diz muito claramente o parágrafo 4°: ‘As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis’. Acrescente-se a isso tudo, o que já seria suficiente para demonstrar a má fé do título escandaloso dado à matéria, que o art. 20 da Constituição, que faz a enumeração dos bens da União, dispõe, também com absoluta clareza: ‘São bens da União: XI. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’.

Com base nessas disposições constitucionais, fica absolutamente fora de dúvida que os índios não têm a possibilidade jurídica de vender a quem quer que seja, brasileiro ou estrangeiro, seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, na Amazônia, em Goiás, na Bahia, em São Paulo, no Rio Grande do Sul [dos Senadores Paulo Paim, Pedro Simon e Ana Amélia] ou em qualquer outra parte do Brasil.

Se, por malícia, alguém, seja uma pessoa física, uma empresa ou qualquer instituição, obtiver de um grupo indígena uma promessa de venda de algum desses direitos estará praticando uma ilegalidade sem possibilidade de prosperar, pois, como está claramente disposto na Constituição, esses direitos são inalienáveis. E ainda de acordo com a Constituição é obrigação da União, que é a proprietária das terras indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nessas terras.

Em conclusão, o título escandaloso da matéria jornalística aqui referida está evidentemente errado pois afirma estar ocorrendo algo que é juridicamente impossível segundo disposições expressas da Constituição brasileira.

            (Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Comportando-se com boa-fé e respeitando os preceitos da ética jornalística [e eu espero que o jornal O Estado de S. Paulo, o Sr. Ruy Mesquita e todos os seus editores e jornalistas que escreveram essa matéria levem em consideração estas importantes reflexões do jurista Dalmo Dallari], a imprensa deveria denunciar qualquer ato de que tivesse conhecimento e que implicasse o eventual envolvimento dos índios, por ingenuidade e ignorância, na tentativa da prática de alguma ilegalidade. Mas, evidentemente, é absurda, errada e de má fé a afirmação de que os índios vendam direitos sobre terras na Amazônia.

[Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP.]

            Ele é autor de muitos livros na área de Direito, inclusive sobre o que são os direitos da cidadania.

            Espero, Sr. Presidente, que possa o jornal O Estado de S. Paulo levar em consideração essas importantes observações do jurista Dalmo de Abreu Dallari.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2012 - Página 8766