Discurso durante a 65ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de maior autonomia para os estados e municípios e de revisão do indexador das dívidas destes entes federados para com a União.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO. SENADO, ESTADO DEMOCRATICO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Necessidade de maior autonomia para os estados e municípios e de revisão do indexador das dívidas destes entes federados para com a União.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2012 - Página 14010
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO. SENADO, ESTADO DEMOCRATICO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, ADOÇÃO, PACTO FEDERATIVO, FATO, AUMENTO, DIVIDA, EMPRESTIMO, ESTADOS, REDUÇÃO, REPASSE, DINHEIRO, GOVERNO, REFERENCIA, CIDADE, RESULTADO, MUNICIPIO, RELAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, AUSENCIA, CAPACIDADE, EXECUÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO.
  • COMENTARIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, SENADO, RELAÇÃO, PACTO FEDERATIVO, FATO, DEBATE, REDISTRIBUIÇÃO, IMPOSTOS, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS).
  • TRANSAÇÕES, INTERNET, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, REFERENCIA, ESTADOS, MUNICIPIOS, RESULTADO, CONCESSÃO, GOVERNO BRASILEIRO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, AUTONOMIA FINANCEIRA, AUTORIDADE ESTADUAL, MUNICIPIO.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador João Ribeiro, caros Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, pacto federativo, essas duas palavras foram as mais insistentemente pronunciadas nas últimas semanas nesta Casa, Senador Valdir Raupp, disputando provavelmente com as referências à instalação da CPI do Cachoeira, que deve ter ocupado o primeiro posto, em diferentes comissões, discursos de plenário, audiência pública ou mesmo reuniões fechadas e, claro, na mídia brasileira.

            O Pacto Federativo nasceu com o advento da Constituição de 1988, na qual a forma federativa de Estado foi estabelecida como cláusula pétrea, no art. 60, § 4º, inciso 1º. Após 24 anos, nós, infelizmente, não temos muitos motivos para comemorar esta conquista. Na verdade, precisamos rediscuti-la e, claro, reformá-la.

            O Presidente do Senado, Senador José Sarney, definiu de forma simples a atual situação: “A Federação brasileira está esgarçando."

            A oportuna expressão do Presidente do Senado e ex-Presidente da República nada mais é que um resumo perfeito e acabado da atual e esdrúxula situação. Primeiro, é preciso reduzir o alto grau de endividamento dos Estados e dos Municípios brasileiros com a União, situação que fragiliza os princípios federativos da República do Brasil, gerando uma relação de permanente dependência dos entes federados ao Governo central.

            Já foi mencionado, nesta tribuna, que, em 2000, a dívida consolidada de Estados e Municípios era de R$199,3 bilhões e, mesmo com o pagamento de mais de 100% desse valor na última década, o total da dívida hoje passa de R$440 bilhões.

            Esse aumento descabido da dívida aconteceu, principalmente, pela política de juros adotada pelo Governo Federal e, claro, de forma unilateral e a adoção do Índice Geral de Preços, o IGP-DI, como indexador para corrigir os valores das dívidas.

            À época, o indicador era vantajoso para os Estados, quando as dívidas foram renegociadas. Mas, com o passar dos anos, o IGP-DI se tornou um indicador de inflação superior ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), ficando muito acima da inflação registrada até hoje. Ouso dizer até que se tornou um indicador de desestabilização das contas dos Estados.

            Esta situação, Sr. Presidente, é ainda mais grave no meu Estado do Rio Grande do Sul, que, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional, mantém um estoque da dívida de mais de R$40 bilhões. Vejam Srªs e Srs. Senadores, se o governo gaúcho optasse por trabalhar somente para o pagamento da divida com a União, teria que passar mais de dois anos sem pagar um funcionário público estadual sequer, sem promover nenhum investimento e sem pagar nenhum fornecedor, o que é, obviamente, impossível e impraticável.

            Existe a clara necessidade de revisão do indexador das dívidas, não pela taxa Selic, como propõe o Governo Federal. Seria um péssimo negócio para Estados e Municípios. Defendo a utilização do IPCA, índice proposto pelo Senador Francisco Dornelles, meu Líder e Presidente do meu Partido, e de forma retroativa. Caso contrário, serão mantidos os indevidos saldos devedores.

            Os empréstimos para os Estados precisam fazer parte de uma política pública do Governo Federal, já que o problema vivido pelos Estados hoje foi causado por medidas econômicas implementadas pela própria União, no final dos anos 90.

            Mas a sede e o apetite arrecadadores da União, todos nós sabemos, são ainda maiores. Além de lucrar com a cobrança das dívidas de Estados e Municípios, o Governo Federal centraliza a arrecadação dos tributos e impõe dificuldades adicionais a Governadores e Prefeitos na hora de realizar investimentos públicos.

            Antes da Constituição de 1988, a fatia tributária dos Municípios era pequena, como IPTU e taxas que garantiam serviços como manutenção das escolas rurais, estradas vicinais e limpeza urbana, entre outros. Os investimentos e serviços essenciais à população eram garantidos pela União e pelos Estados. Mas isso ficou no passado.

            Depois de 1988, novas regras para repartição dos recursos foram estabelecidas, e na prática o Governo Federal foi criando tributos novos, repassando diferentes responsabilidades aos Municípios, sem que houvesse o repasse de dinheiro suficiente para honrar os novos compromissos, até porque, quando o Governo cria uma contribuição, essa contribuição não entra no conjunto das receitas para formar o Fundo de Participação de Estados e Municípios. Então, fica só na mão da prima rica da Federação, que é o Governo Federal ou a União.

            Um caso específico é o piso salarial dos professores, uma conquista justa de uma das categorias de trabalhadores mais importantes do País, mas impossível para Estados e Municípios honrarem, porque o Governo Federal não garante os repasses financeiros necessários para honrar aquilo que a própria União determina.

            Na prática, o jogo está assim: a união concentra os tributos arrecadados e os Municípios concentram as responsabilidades com a população, a responsabilidade executiva. Mas é no Município que as riquezas são produzidas e é nele que os cidadãos vivem e consomem. É também no Município que os recursos de impostos são gerados para serem entregues aos Estados e à União e, posteriormente, retornarem ao seu local de origem. Mas o que chega nos Municípios é muito menos do que o que deles sai.

            Dados da Confederação Nacional de Municípios mostram que a União hoje concentra 60% da carga tributária e executa menos de 30% dos investimentos públicos do País. Os Municípios concentram 15% da carga tributária e executam mais de 30% dos investimentos públicos do País.

            Atualmente, a União mantém mais de 390 programas federais na área social, impondo aos Municípios a responsabilidade de executá-los sem terem recursos suficientes para isso.

            No programa Saúde da Família, por exemplo, o Governo Federal repassa R$ 7 a 9 mil para garantir o trabalho de uma equipe de atendimento, mas o custo real é de até R$ 32 mil por equipe.

            O Bolsa Família, carro-chefe dos programas sociais do Governo, tem o cartão de identificação da família participante e o depósito bancário garantidos pelo Governo Federal, mas o trabalho de cadastramento é todo feito por quem, senhoras e senhores? Pelos Municípios, que têm, com isso, apenas o ônus desse programa.

            O Senado tem tentado desfazer essas distorções. Estamos discutindo a redistribuição do ICMS nas transações eletrônicas e lembro aqui a Resolução nº72, que acaba com a chamada guerra dos portos e estabelece a alíquota de 4% para o ICMS interestadual cobrado em produtos e bens importados.

            A Resolução nº 72 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Assuntos Econômicos e só precisa, agora, passar pela votação no Plenário do Senado, prevista para esta quarta-feira. Foi aprovada até aqui porque a maioria dos Senadores sabe que manter a guerra dos portos é fragilizar ainda mais nossa Federação e, sobretudo, fragilizar a indústria nacional e a geração de empregos.

            Por isso é que essa Resolução tem o apoio também das centrais sindicais de trabalhadores.

            Mas o que se viu no calor do debates desse tema foram argumentos racionais e também apaixonados, que mostraram que essa aprovação não vai resolver os problemas da Federação brasileira. O que se faz com resoluções como essa é apagar focos de incêndio. Mas não elimina o perigo iminente de um desastre maior, ou seja, a falência de Estados e Municípios.

            Também é preciso ressaltar a atuação da Comissão Especial, liderada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, que trabalha aqui no Senado na revisão das questões federativas. Essa comissão, Senador Alvaro Dias, criada com grande senso de oportunidade pelo Presidente José Sarney, tem o objetivo de examinar, sob o ponto de vista jurídico, constitucional e acadêmico, o que se pode mudar no tal pacto federativo.

            Não há momento mais adequado para o trabalho da comissão de especialistas .Eles estão debruçados em quatro temas considerados prioritários:

1)     Distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados;

2)     Sistema de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o ICMS;

3)     A distribuição dos royalties do petróleo; e

4)     O indexador das dívidas dos Estados junto à União.

           Vejam só que nessa pauta não há a palavra “Município” ou “municipalismo.”

           Tenho apenas uma genuína preocupação, portanto, quando leio essa pauta de trabalho: não vejo em nenhum momento a comissão falar sobre a frágil situação dos Municípios, os chamados primos pobres da Federação.

           Creio que a prioridade da comissão está concentrada nos Estados e não nos Municípios, entes que integram o nosso capenga sistema federativo.

           Com muito prazer, concedo o aparte ao Senador Alvaro Dias, ex-Governador do Paraná, e que conhece muito bem essas questões.

           O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Obrigado, Senadora Ana Amélia. É pertinente a preocupação de V. Exª. Os Municípios estão sufocados. São os entes federativos que mais perderam, a partir da Constituinte de 1988, quando demandas foram repassadas, responsabilidades foram conferidas aos Municípios brasileiros, sem a contrapartida de recursos suficientes para atender a essa nova demanda. Os Municípios estão sufocados. Alguns prefeitos se julgam verdadeiros tesoureiros, cuidando do caixa apenas, sem possibilidade de investimentos mais significativos. A área de saúde, por exemplo, é um drama; há Municípios que investem boa parte do seu orçamento em saúde pública, porque a União não assumiu a sua responsabilidade. Então, é evidente que a rediscussão do pacto federativo passa, de forma imprescindível, por uma atenção aos Municípios, a célula mater da Federação. Sem isso, estamos jogando para a frente um gravíssimo problema. Creio que há tempo ainda para que esse apelo que V. Exª faz seja ouvido pela comissão de especialistas a fim de que os Municípios sejam a preocupação primeira dessa rediscussão do pacto federativo. Parabéns a V. Exª.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Agradeço muito a V. Exª, Senador Alvaro Dias, que, como disse, foi governador e conhece profundamente, sentiu na carne essa fragilidade da Federação, porque a concentração dos recursos na mão da União torna muito frágil a Federação. Por isso, os Estados estão endividados.

            E V. Exª lembrou com muita propriedade o caso da saúde. A legislação em vigor determina que os Municípios apliquem 15% da sua receita líquida corrente em saúde. A média nacional é de 23% da aplicação das receitas. Em alguns Municípios, como o Município de Panambi, no meu Estado, o prefeito aplica 33,8% da receita líquida em saúde. Os Estados deveriam aplicar, pelo que determina a legislação, 12%. O Rio Grande do Sul é o que menos aplica, menos de 6%, Senador Mozarildo Cavalcanti. E a União sequer aplica 10%, que é o que pretendíamos com a Emenda nº 29, que tentamos aqui aprovar.

            Portanto, sobrecarrega os entes mais frágeis da Federação, que são os Municípios, numa área crucial que é exatamente a saúde. E é lá, no Município, que as pessoas vivem e moram e, claro, há uma pressão muito grande sobre os administradores municipais na hora de as pessoas exigirem o serviço que prezam, porque pagam muito imposto.

            Mas diria também que, no caso, estamos perdendo uma grande chance de discutir a redistribuição do bolo tributário; a regulamentação das competências entre os Poderes; o custeio da saúde e da educação no País; e a geração de despesas e obrigações por parte do Governo Federal, sem garantir aos Municípios o custeio dos programas lançados pelo Governo Federal, que costuma fazer festa com chapéu alheio.

            Vamos aproveitar este momento para unir as propostas em uma única oferta de solução, rediscutindo o pacto federativo e evitando que o sistema tributário e fiscal vire um monstro, um verdadeiro Frankenstein, ou uma meia-sola.

            Nesse processo, todo cuidado deve ser levado em conta para que os avanços introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal sejam mantidos. A Lei de Responsabilidade Fiscal introduziu, no setor público, a cultura da eficiência do gasto. Com limites para o endividamento, Municípios, Estados e União passaram a ter mais zelo com os recursos públicos, fazendo justiça ao cidadão que paga seu imposto. Não podemos abrir mão desse instrumento de controle do gasto público.

            A dependência extrema dos entes federativos à União não chegaria a esse ponto se os recursos que são pagos pelos cidadãos, na forma de impostos ou contribuições, não fossem concentrados nos cofres na União, a prima rica da nossa frágil federação. Promover a manutenção de dívidas impagáveis serve apenas para manter a dependência política de prefeitos e governadores ao Governo central. Se o Brasil deseja realmente ser uma República Federativa, precisa conceder autonomia aos Estados e Municípios, promovendo o aumento da qualidade de gestão do recurso público e, consequentemente, o aumento da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs, gaúchos e gaúchas, brasileiros e brasileiras.

            Caso contrário, vamos continuar fazendo discurso sem ver, na prática, alguma alteração sensível que melhore a vida dos administradores municipais e também dos governadores dos Estados.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2012 - Página 14010