Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a guerra fiscal que estaria dificultando o desenvolvimento do País.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre a guerra fiscal que estaria dificultando o desenvolvimento do País.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2012 - Página 16294
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO DE RESOLUÇÃO, ASSUNTO, UNIFORMIZAÇÃO, ALIQUOTA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PRODUTO IMPORTADO, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, GUERRA, NATUREZA FISCAL, ESTADOS, CRITICA, CONCENTRAÇÃO, TRIBUTOS, UNIÃO FEDERAL, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paim, quero fazer algumas considerações sobre a guerra fiscal, que tem dificultado o desenvolvimento do País.

            Em primeiro lugar, Senador, quero deixar claro que votei a favor da Resolução nº 72, que pretende acabar com a guerra fiscal dos portos. Mas votei no sentido de manifestar o meu apoio a qualquer medida que pretenda pôr fim a esta disputa entre Estados e mostrar, com clareza, a minha contrariedade a uma disputa que prejudica o Brasil e empregos e trabalhadores brasileiros.

            No entanto, encomendei à minha assessoria um trabalho mais completo sobre isso, que foi redigido pelo tributarista Heron Arzua em parceria com o economista Maurílio Schmitt, que pretende com clareza verificar as origens desse problema todo.

            Essa guerra fiscal é responsabilidade dos Estados brasileiros? Como ela surgiu? Vamos ao texto por mim encomendado, que leva o nome, Senador Paim, de “Guerra Fiscal. Texto e contexto”. Nós precisamos estabelecer com clareza o contexto que deu início à guerra fiscal no Brasil.

      “A Constituição Federal (a "Constituição Cidadã", na expressão de Ulysses Guimarães, ao promulgá-la em 1988), promoveu repartição das rendas tributárias em maior volume para Estados e Municípios, deixando, todavia, um cheque em branco para a União reconquistar sua participação no sistema tributário, mediante a invocação uma palavra mágica: "contribuições sociais" [duas palavras mágicas, na verdade].

      Como essas contribuições [Senador Paim] não são partilhadas com Estados e Municípios, a União foi progressivamente abocanhando parcelas de renda a esse título (PIS, Cofins, Csll).

      Logo, a “guerra fiscal”, como substrato da recomposição do poder político definido pelo maior volume de recursos tributários contido no respectivo erário, já se iniciara tão logo a “Carta Cidadã” saiu às ruas (Tão apenas para registro, a nossa Constituição de 1988 recebeu, até março de 2012, 70 emendas).

      Até 1996, os Estados tinham, como uma de suas fontes de receita tributária, a derivada da competência de exigir o ICMS sobre produtos primários e semielaborados exportados.

      Com o advento da Lei Kandir, em de setembro de 1996, essa fonte secou.”

            E abro aqui um destaque para relembrar que, neste plenário, a Lei Kandir recebeu apenas um voto contrário, que foi o voto deste Senador que ora ocupa a tribuna. O meu foi, isoladamente, o único voto contrário à Lei Kandir, que iniciou o processo de valorização da primarização da econômica brasileira.

      “Embora a União assumira o dever legal de ressarcir os Estados das perdas dessa receita advinda das atividades de exportação, a partir de 2005, ela reduziu significativamente a consignação nos orçamentos federais dos valores a serem repassados. Os Estados, a seu turno, foram deixando de devolver para as empresas exportadoras, ao tempo e à hora, os créditos de ICMS por elas acumulados.

      A União passou, sistematicamente, a ampliar suas receitas tributárias mediante a incidência de contribuições sociais [notadamente] (PIS e Cofins) sobre produção e consumo, bases econômicas clássicas de percussão do ICMS. E mais: instituiu, também, a cobrança de PIS e Cofins nas importações. (As contribuições sociais representam receita exclusiva da União não partilháveis com Estados e Municípios.)

      Não é de estranhar, portanto [Senador Paim], que, à míngua de um programa harmônico e articulado entre União, Estados e Municípios para extrair recursos da sociedade pela via dos tributos se gerou um ambiente propício à estimulação, à disputa por receita pública.

      Cada Estado, assumindo sua condição de ente subnacional, tratou, autonomamente, de manejar instrumentos próprios para incentivar o florescimento e a expansão de negócios em seu respectivo território, mediante a concessão de benefícios fiscais os mais variados, mesmo à revelia do Confaz.

      Esse panorama foi sendo desenhado ao longo dos anos e o arcabouço legal para implementar a dita “guerra fiscal” foi erigido em um contexto de forte expansão da carga tributária brasileira como proporção do PIB (hoje, Senador Paim, em torno de 36%).

      Diante disso, também é perfeitamente admissível entender-se que os benefícios fiscais concedidos pelos entes tributantes (União, Estados e Municípios) representam tão somente um eufemismo justificador da atenuação de ônus tão elevado para um país como o nosso em desenvolvimento.

      Tenho em conta que as relações entre Estado e cidadão devem se pautar pelos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, outro valor - o da moralidade pública - há de impor a convalidação de todos os procedimentos, todos os atos praticados pelo cidadão ([normalmente chamado de] contribuinte), ao ser proclamada a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de determinado preceito que contemple minoração da carga tributária por via de incentivos fiscais, ora aqui tidos aqueles concedidos pelos Estados sem arrimo em deliberação do Confaz.

      Infere-se dessas considerações que a ausência de uma política estratégica para a Nação prosperar economicamente, as órbitas subnacionais de poder político (Estados e Municípios) continuarão a erigir, por iniciativa própria, ferramentas para talhar, balizar os seus respectivos programas de desenvolvimento.

      A título ilustrativo, o Projeto de Resolução do Senado nº 72, de 2011, no qual eu votei favoravelmente, recentemente aprovado e propalado como marco de extinção da “guerra fiscal” dos portos, logo receberá reação dos Estados atingidos (1) mediante medidas judiciais por ofensa ao art. 152 da Constituição de 1988 e ao processo legislativo - que, para o caso, requereria lei complementar, segundo os expertos [especialistas em Direito Constitucional]; e (2) mediante a construção de benefícios alternativos no âmbito de seus territórios que compensem, parcial ou integralmente, o tratamento tributário praticado até o advento da dita Resolução.

      Providência similar, com engenho e arte, há de ser adotada pelos administradores públicos dos entes subnacionais - informa-nos a evolução histórica dessa seara - sempre que ocorrer a retirada de algum incentivo fiscal do mundo jurídico.

      Tudo assim considerado, é necessário concluir que, no Brasil, ainda viceja elevada instabilidade no campo tributário a impor embaraços à planificação segura e sem sobressalto dos negócios. É que o sistema de tributação brasileiro foi modelado de sorte a extrair recursos da sociedade preponderantemente pela via de incidência dos denominados tributos “indiretos” que se incrustam nos preços dos bens e dos serviços. (Mais de 75% da receita tributária da União, Estados e Municípios, são levadas aos erários pelas pessoas jurídicas. Percebe-se, de conseguinte, que os nossos governantes aprenderam muito bem as lições do Ministro das Finanças do Rei Luís XIV, Jean-Baptist Colbert (século XVII), segundo o qual “a arte da tributação consiste em arrancar o máximo de penas de um ganso com o mínimo de grasnidos”. As empresas, entes abstratos, não foram dotadas do poder de grasnir, embora lhes sejam arrancadas tantas penas.”

            Estou chamando a atenção do Plenário deste Senado porque, na verdade, estamos com a Resolução nº 72, a qual teve o meu apoio, levando ao âmbito do Judiciário essa questão. Temos uma brutal concentração da renda nas mãos da União para viabilizar superávit primário e pagamento de juros nessa política que, a meu ver, já está esgotada, de manter o desenvolvimento nacional e o contentamento das classes D e C através da multiplicação do consumo.

            Com o financiamento aberto, o subprime e os derivativos avançam no Brasil através dos empréstimos consignados que agora a nossa Presidenta tenta rebaixar nesse confronto à banca nacional e que vêm provocando tantos reclamos. Mesmo sem serem gansos, estão a grasnir os bancos em protesto contra a tentativa do Brasil de reduzir os seus ganhos.

            De qualquer forma, o caminho da reforma tributária passa pela reforma econômica. Ela só será possível quando tivermos um concerto de política de desenvolvimento estabelecido pela União, Estados e Municípios, pondo fim a essa absurda concentração que só leva à vantagem os rentistas e os banqueiros.

            Estou fazendo esse parecer do Maurílio Schmitt e do Heron Arzua chegar às mãos de todos os Senadores desta Legislatura. Vamos apoiar a medida inspirada pelo Governo Federal, através de uma resolução do então líder do Governo, Romero Jucá, mas, ao mesmo tempo, vamos manter os olhos abertos para o equívoco de deixar nas mãos do Judiciário, em centenas de contendas, a possibilidade de Estados e Municípios planejarem o seu próprio desenvolvimento na falta de uma política orgânica e nacional.

            Obrigado pela tolerância do tempo, Sr. Presidente. Aliás, mais uma vez obrigado pela tolerância do tempo nesta terça-feira, que mais parece uma segunda ou quarta-feira, com uma ausência quase absoluta de Senadores no plenário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2012 - Página 16294