Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Balanço dos trabalhos desenvolvidos nos 100 dias de atividade da CPMI da Violência contra a Mulher.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO, DIREITOS HUMANOS.:
  • Balanço dos trabalhos desenvolvidos nos 100 dias de atividade da CPMI da Violência contra a Mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2012 - Página 23707
Assunto
Outros > FEMINISMO, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, COMBATE, VIOLENCIA DOMESTICA, OBJETIVO, APURAÇÃO, SITUAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, FATO, RESULTADO, INVESTIGAÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, BAIXA, QUALIFICAÇÃO, POLICIAL, TRATAMENTO, MULHER, VITIMA, VIOLENCIA, DEMORA, JUDICIARIO.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Srªs Senadoras, Srs. Senadores; expectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado; Srª Presidenta Senadora Marta Suplicy; senhoras e senhores, a CPMI, Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, completou 100 dias de atividades, momento oportuno para fazermos um balanço sobre a situação de violência vivida pelas mulheres brasileiras.

            Instalada em fevereiro deste ano para investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar as denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação dos instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência, a CPMI tem apurado inúmeras situações de violação dos direitos humanos das mulheres, que merecem ser objeto de reflexão por parte desta Casa e demais poderes públicos.

            Este balanço inicial reflete as contribuições de 18 audiências realizadas nesta Casa, de diligências realizadas e de audiências em seis Estados brasileiros: Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Alagoas. A situação de descaso com a vida das mulheres é semelhante em todo o País, e é sobre isso que devemos refletir e atuar energicamente.

            A situação da violência contra mulheres no Brasil agravou-se nas últimas décadas. Os homicídios de mulheres aumentaram a ponto de o Brasil ser o sétimo país em morte de mulheres. Por sua vez, a baixa resolutividade desses crimes demonstra a incapacidade de nossas polícias de concluírem a grande maioria dos inquéritos policiais instaurados. Pesquisas apontam que, na maioria dos casos, apenas 10% dos homicídios são investigados com sucesso no País. A falta de estrutura das polícias e sua baixa qualificação técnica contribuem para o agravamento desse quadro, que é semelhante nos casos de violência doméstica. Igualmente, a demora no julgamento dos homicídios de mulheres por parte do Poder Judiciário reflete a incapacidade de realizar a justiça em prazo razoável. Vários são os exemplos de acusados que utilizam inúmeros recursos processuais para protelar o julgamento e atingir a prescrição. Lembremos que o caso de Maria da Penha só não prescreveu por que foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

            Inobstante o Brasil possuir uma das melhores legislações de violência doméstica do mundo - a Lei Maria da Penha -, sua aplicação por parte do sistema de justiça enfrenta enormes resistências. Observamos que não são raros os casos em que as mulheres procuram o sistema de justiça em busca de proteção e não são atendidas. Exemplo trágico dessa peregrinação e omissão foi a morte de Fernanda Rodrigues Crisóstomo, no Estado do Espírito Santo, em fevereiro deste ano. Após peregrinar por mais de 30 dias, na busca de uma medida protetiva, sem que nenhum dos poderes do sistema de justiça (Delegacia da Mulher, Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Judiciário) cumprisse o seu dever, Fernanda foi assassinada por seu ex-companheiro.

            Esse é um exemplo emblemático de uma conjugação de falhas de todo o sistema de justiça, que requer uma apuração rigorosa por parte das instituições envolvidas. A CPMI, por sua vez, já tomou as providências cabíveis. No entanto, o alerta que faço aqui é para que as instituições públicas realizem suas atribuições com zelo e não tolerem, em nenhum caso, atitudes individuais que violem a lei e que levem a situações dramáticas e irreversíveis, como esse caso de morte.

            Outro exemplo evidente de omissão do sistema de justiça diz respeito à morte de Renata Rocha Araújo, ocorrida em Belo Horizonte, no último dia 16 de maio. Renata solicitou, por duas vezes, medida protetiva contra seu ex-companheiro. O magistrado local, alegando falta de provas e o fato de que a Lei Maria da Penha não foi criada para destruir a família e o casamento, indeferiu o pedido da medida. Resultado: Renata foi assassinada.

            Casos como esses demonstram a absoluta incompreensão dos poderes públicos sobre a violência doméstica e sobre a Lei Maria da Penha, que foi criada para proteger as mulheres dentro de famílias e casamentos violentos, que exemplificam a dura realidade da violência cotidiana vivida pelas mulheres brasileiras.

            É inaceitável que o Brasil, com a sexta maior economia do mundo, com uma Constituição garantidora de direitos e tendo firmado tratados internacionais de proteção de direitos humanos das mulheres, não considere a violência doméstica, sexual e urbana contra mulheres como um problema social grave, que deve ser enfrentado com seriedade.

            É intolerável que as instituições de justiça continuem a promover a conciliação em conflitos domésticos em detrimento da proteção à integridade física e psíquica das mulheres.

            É inadmissível que continuemos a ocupar o sétimo lugar de país mais violento do mundo e que a violência contra mulheres seja naturalizada em decisões judiciais e em omissões do sistema de Justiça.

            É inconcebível que uma mulher morra neste País porque não conseguiu obter uma medida de proteção.

            É impensável que um crime de homicídio praticado contra mulheres demore mais de dez anos para ser levado a júri popular.

            É incompreensível que casos de violência sexual estejam aumentando sem que os poderes públicos, em todas as suas esferas, tomem medidas sérias para a investigação e punição dos ofensores.

            Essas são algumas das situações com que temos nos deparado nas investigações que a CPMI vem realizando.

            Mas devo reconhecer que há avanços nas políticas públicas nos últimos anos, principalmente a partir da estruturação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que é responsável por grande parte da formatação das políticas de atendimento às mulheres, como o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. No entanto, ainda estamos muito longe do ideal, pois não temos uma rede realmente articulada no País.

            Ressalto que todos os Estados brasileiros assinaram o Pacto Nacional e obrigaram-se a realizar ações concertadas com todos os poderes públicos para prevenir e erradicar a violência contra as mulheres. No entanto, observamos que as obrigações institucionais relativas ao Pacto não vêm sendo executadas em conformidade com os acordos firmados.

            A grande maioria dos governos estaduais, senão a totalidade, não está destinando verbas adequadas para o cumprimento das ações pactuadas. Por exemplo, as delegacias de mulher, cujos inquéritos relativos à Lei Maria da Penha superam em números absolutos às demais delegacias especializadas, como as de homicídio, trabalham com o mesmo número de profissionais que as demais delegacias. Isso demonstra a total incompreensão dos governos sobre o tema.

            Da mesma forma, os juizados de violência doméstica têm de três ou quatro vezes mais processos que varas de família ou varas criminais, mas o mesmo número de servidores. Isso demonstra a insensibilidade de grande parte do Poder Judiciário na criação de juizados especializados e na implementação da Lei Maria da Penha.

            O cumprimento da legislação que envolve prevenção, assistência e punição da violência contra mulheres requer o compromisso de todos os Poderes, inclusive desta Casa.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Srª Presidenta, solicito um pouquinho mais de tempo para concluir a minha prestação de contas. 

            Omissões dos poderes públicos reforçam o ciclo da violência, promovem a impunidade e ativam o sexismo em nossa sociedade.

            No entanto, a força dos movimentos de mulheres nos Estados tem feito avançar o debate e as políticas públicas específicas para as mulheres. Da mesma forma, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito tem conseguido importantes compromissos dos poderes públicos em todos os Estados em que estivemos, o que nos faz acreditar que, em curto prazo, poderemos ter uma melhora nas políticas públicas destinadas às mulheres.

            Por fim, quero registrar e congratular os integrantes da CPMI, Senadoras e Senadores, Deputadas e Deputados, em particular a Presidenta, Deputada Federal Jô Moraes, pelo empenho e participação firme nos trabalhos realizados até então e, fundamentalmente, por sua compreensão de que a violência contra a mulher atinge a todas nós mulheres e é consequência do exercício do poder patriarcal presente em todas as instituições públicas e privadas.

            Finalizo conclamando aos Senadores e Senadoras desta Casa para que coloquem em sua agenda política e em sua plataforma de ação prioritária de mandato o tema da violência contra mulheres. Cobrem de forma persistente dos governos e dos demais poderes dos seus Estados o cumprimento do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Com isso, estarão contribuindo não apenas com a CPMI, mas, fundamentalmente, com a instauração de um Estado democrático de verdade, pois não há menor possibilidade de se construir um país verdadeiramente moderno, justo e avançado, tolerando-se práticas tão atrasadas e nefastas contra as mulheres.

            A tarefa de todas e de todos os integrantes da CPMI, e nossa, como Relatora, será apontar instrumentos para mudar essa realidade, apurar responsabilidades e contribuir para a construção de uma noção de civilidade que não admita a violência contra mulheres. Essa é uma tarefa de todas e de todos nós, não apenas como parlamentares, mas como cidadãs e cidadãos comprometidos com o aprofundamento da democracia.

            Esta Casa, através dessa CPMI e de todos os nossos mandatos, tem a oportunidade de contribuir decisivamente, em cada Estado desta Federação, para a superação desse triste cenário e consolidar a democracia como um valor universal, cujo primeiro exercício de aprendizagem começa dentro de casa.

            Era o que tinha a dizer, Srª Presidenta, e agradeço pelo tempo que me foi concedido.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2012 - Página 23707