Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato de casos de corrupção envolvendo a ferrovia Norte-Sul.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Relato de casos de corrupção envolvendo a ferrovia Norte-Sul.
Aparteantes
Eduardo Braga.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2012 - Página 33460
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CONSTRUÇÃO, FERROVIA, LIGAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO CENTRO OESTE, REGISTRO, DESVIO, DINHEIRO, PUBLICO, PARALISAÇÃO, OBRAS, NECESSIDADE, CONCLUSÃO, FATO, POSSIBILIDADE, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), TRANSPORTE, PRODUÇÃO.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amigos que nos assistem e nos ouvem pelos meios de comunicação da Agência Senado, venho falar agora de uma das realidades mais tristes da corrupção e do descaso com o dinheiro público que venho combatendo incansavelmente nesta Casa: a história e o estado atual da chamada ferrovia Norte-Sul.

            Perguntará o cidadão de Mato Grosso, Estado que tenho a honra de aqui representar: o que eu tenho a ver com isso? O que o Estado de Mato Grosso tem a ver com a ferrovia Norte-Sul? Essa não é uma ferrovia de interesse só dos Estados de Goiás e Tocantins?

            Não, não é. A Norte-Sul tem tudo a ver com a vida do Estado de Mato Grosso. Essa é a linha que centralizará todo o tráfego ferroviário do País. A carga que sai de Mato Grosso, especialmente aquela que for transportada pela futura Fico, a chamada Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, precisará passar pela ferrovia Norte-Sul para chegar aos grandes centros consumidores e aos portos de exportação. As poucas linhas atuais, já completamente congestionadas, Srª Presidente, jogam toda a nossa carga, a carga do Estado de Mato Grosso, em Santos, também congestionado e caro. Mato Grosso fica hoje sem trem e sem porto para chegar aos seus mercados consumidores dos produtos que exportamos.

            Com a Norte-Sul e seus ramais, teremos como chegar com toda a nossa produção, hoje de 31 milhões de toneladas e e3 29 milhões de cabeças de gado bovino, por trem, diretamente ao Sudeste, e levá-la também por trilho para exportação em outros portos mais convenientes, como o Porto de Itaqui, no Maranhão, Ilhéus, na Bahia, e Vitória, no Espírito Santo.

            Mato Grosso será, portanto, um dos maiores clientes da ferrovia Norte-Sul. Há muito tempo esperamos que esteja pronta.

            Mas, ao longo de vários anos, o que constatamos foram irregularidades em profusão: superfaturamentos, licitações viciadas, preços acima do mercado. Os gestores anteriores da Valec - a administração do famoso Sr. Juquinha - conseguiram a autêntica façanha de ter formalmente reconhecidos pelo Tribunal de Contas da União um total de no mínimo R$82 milhões de sobrepreço. Repito: R$82 milhões de sobrepreço (Acórdãos 1.922 e 1.923, do Tribunal de Contas da União, ainda, de 2011), além de uma série de outros contratos que tiveram indícios apontados de prejuízo ao Tesouro e que continuam em processo de responsabilização no TCU (cito os Acórdãos 2.143, de 2008, 468 e 2.478, de 2010). Não por acaso, Srª Presidente, o Ministério Público Federal informa oficialmente que o famoso Juquinha, ex-Presidente da Valec, teve a prisão temporária decretada e cumprida no último dia 6 de julho e teve seus bens e de familiares apreendidos por suspeitas de superfaturamento nas obras da ferrovia Norte-Sul, em uma operação cujo nome veio a calhar, chamada de “trem pagador”. O cidadão é um verdadeiro Midas, onde toca vira dinheiro. Seu patrimônio chega hoje, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, a mais de R$60 milhões para um servidor público. Imaginemos que esse cidadão seja aquele personagem mitológico que onde encosta vira ouro. É o chamado bucaneiro pirata dos recursos públicos.

            Muito bem, Srª Presidente, hoje, em 2012, todos os contratos dos trechos até Anápolis, em Goiás, já foram encerrados e pagos. Eu, sinceramente, esperava que o prejuízo tivesse acabado, que não viéssemos a ouvir mais notícias ruins sobre a Norte-Sul. Mas estava enganado. Eu estava redondamente enganado, Srª Presidente.

            A Norte-Sul foi paga, mas não foi entregue.

            A Valec divulgou, semana passada, na imprensa, que concluiu um levantamento físico das obras de todo o trecho construído entre Palmas e Anápolis. É estarrecedor, Srª Presidente, senhores cidadãos que nos veem e nos ouvem pela Agência Senado. É estarrecedor. Esse levantamento aponta que ficaram pendências de nada menos que R$400 milhões - repito: R$400 milhões - em estruturas e trilhos que foram mal instalados e problemas de toda ordem, Senador Eduardo Braga: ausência de proteção de taludes, falta de drenagem, aterros mal construídos, vias sob efeito de instabilidade e erosão. São também pátios e outras obras necessárias à operação da ferrovia, que constavam dos contratos firmados com as empreiteiras, mas não foram entregues. Também vieram à luz uma série de problemas nos registros da execução contratual, serviços tidos como feitos que não faziam parte dos objetos dos contratos. Isso, de acordo com as palavras da própria Valec.

            Uma verdadeira herança maldita, Sr. Líder do Governo nesta Casa. Agora, os atuais gestores da Valec anunciam que talvez vão licitar de novo algumas obras que já tinham sido contratadas ou aditivar os contratos antigos para incluírem esses reparos. Mas eles mesmos reconhecem que grande parte dessas obras tem que ser exigida das empreiteiras originais, porque era responsabilidade contratual delas que não foi cumprida. Imaginem: a União assina contrato com as empreiteiras e elas não cumprem sua função. A própria Valec, empresa da União responsável pelo setor ferroviário, que está aqui a dizer isso.

            Para minha honra, concedo um aparte a S. Exª, o Senador Eduardo Braga, digno representante do Estado do Amazonas.

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Meu caro Senador Pedro Taques, V. Exª aborda, efetivamente, um dos temas que foi notícia durante todo final de semana neste País, voltado para a Valec, que, originalmente, tinha a responsabilidade de administrar a ferrovia Norte-Sul, que interligava o Centro-Oeste ao litoral, por meio do Maranhão, criada na gestão do nosso Presidente Sarney na Presidência da República. Depois, durante o governo do Presidente Lula, a Valec ganhou uma outra dimensão, com a Leste-Oeste e outras ferrovias que acabaram sendo implementadas pela necessidade de o Brasil ter infraestrutura para crescer exatamente em regiões produtivas, como é o caso do Estado que V. Exª representa neste Senado, o Estado do Mato Grosso, que é grande produtor de grãos, etc. Obviamente, graças à transparência e graças às ações da nossa Presidenta Dilma, que tem tido sempre a responsabilidade de enfrentar qualquer questão sem nenhum compromisso com o malfeito, foi possível transformar, com absoluta transparência, todas as ações em relação a esses contratos. E, mais do que isso, V. Exª tem razão, quando apontados débitos e falta de cumprimento de contrato, é dever do Poder Público contratante daquela obra buscar seus contratados originais para que executem plenamente o contrato, a fim de que não restem aditivos e, assim, não restem obras complementares a serem licitadas. O Brasil precisa avançar inclusive em relação a esses modelos. É claro, é notório, este Senado e a Câmara dos Deputados atestaram isso quando acabaram aprovando um regime diferenciado para as obras da Copa, para as obras das Olimpíadas e, agora, mais recentemente, para as obras do PAC, o que demonstra que, quando elaboramos a 8.666, o Brasil vivia outro momento, e agora o Brasil precisa encontrar mecanismos que assegurem contratos mais eficientes e uma fiscalização cada vez mais transparente. Creio que os órgãos de comando, controle e fiscalização estão cada vez mais atuantes e creio que o pronunciamento de V. Exª é meritório, porque alerta este Senado sobre uma questão importante. Mas, ao mesmo tempo, é importante reconhecer os avanços que têm acontecido na área do transporte ferroviário brasileiro, inclusive aquém das nossas necessidades. Nós precisaremos, obviamente, com uma ação firme do Governo Federal, fazer com que esses gargalos da nossa infraestrutura sejam resolvidos. Resumo, para concluir, meu caro Senador Pedro Taques: é oportuno o pronunciamento de V. Exª, dizendo que o Brasil cresceu nos últimos tempos em função de um bônus demográfico importantíssimo para a nossa macroeconomia. Nas palavras do Presidente Executivo de um dos maiores bancos privados da América Latina, o Bradesco, agora homenageado em Londres como um dos bancos mais eficientes do mundo, “Se o Brasil cresceu até então em função do bônus demográfico, o Brasil crescerá, nos próximos dez anos, em função do bônus de infraestrutura que o Brasil terá”. Para enfrentar esse bônus de infraestrutura, é necessário que possamos ter um marco regulatório cada vez mais eficiente e transparente para que casos como esse não se repitam. Portanto, quero aqui louvar o pronunciamento de V. Exª e marcar a posição do Governo de combate a todo e qualquer mal feito, venha de onde vier, o enfrentamento, a informação transparente e uma ação cartesiana, no sentido de fazer com que o respeito à coisa pública, o respeito ao dinheiro público esteja em primeiro lugar em quaisquer que sejam as ações do Governo brasileiro.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Eduardo Braga. Concordo inteiramente com V. Exª.

            Por dever de honestidade intelectual, esse famoso Juquinha foi afastado naquela faxina que foi feita no Ministério do Transporte em que o lixo não pôde ser jogado para baixo do tapete. Lixo. Porque corrupção é lixo, nós todos sabemos disso. Foi feita aquela faxina.

            Agora, em Mato Grosso existe um ditado - em Cuiabá, particularmente - que diz que depois da porta arrombada é que vamos colocar a tranca ou tramela. O ideal seria que os órgãos de fiscalização da União tivessem, de forma preventiva, descoberto esses fatos. Porque o Tribunal de Contas da União, desde 2008, dá conta dessa realidade na Valec. O trabalho da Valec é importantíssimo. Agora, a corrupção que campeia na Valec é digna de filmes de Hollywood, nós todos sabemos disso.

            Muito obrigado pelo seu aparte.

            Continuo, Srª Presidente.

            Pior ainda, o trecho hoje em operação foi concessionado a uma empresa privada, que é responsável pela sua manutenção, mas parte da via concedida pode não ter sido entregue nas condições previstas na licitação, exatamente porque a construção não foi entregue à Valec nas condições contratadas com as empreiteiras.

            Imaginem os senhores o perigo que corre o País com isso, Srª Presidente. Quanto mais vai ter de ser gasto para consertar o que deveria ter sido entregue perfeito pela empreiteira, e não foi? Quanto tempo mais a ferrovia vai ficar sem poder operar porque não foi feita de maneira adequada, Srª Presidente? Quanto tempo mais os produtores do Estado de Mato Grosso esperarão pela Fico, que ainda não saiu do papel, porque se a Fico sair do papel não terá interligação com essa ferrovia que nós estamos aqui a debater?

            O atual presidente da Valec deu o primeiro passo, é bom que se diga, para enfrentar essa questão: verificou, em campo, quais os problemas concretos em cada quilômetro de linha. Foi uma medida correta, mas o que é que vai fazer agora? O que é que nós vamos fazer agora?

            Precisamos, Srª Presidente, acompanhar. O Congresso Nacional, durante muito tempo, limitou-se a aprovar mais e mais dinheiro para essa grande obra. A fiscalização do Tribunal de Contas da União, ano após ano, relatava os grandes problemas dessa ferrovia, mas o dinheiro seguia correndo para a Norte-Sul. Ninguém parou para ver o que o seu Juquinha e outros comparsas desse cidadão estavam fazendo com esse dinheiro - e, segundo o Ministério Público Federal, coisa boa é que não era. Tanto que ele foi preso, encontra-se bem preso e espero que continue preso, porque a sociedade brasileira não aguenta mais ver o corrupto na rua.

            Precisamos romper esse círculo vicioso de omissão, Srª Presidente. Precisamos olhar de perto o que vai ser feito com essa ferrovia, que é tão importante e já custou tanto ao povo brasileiro.

            Eu vou tomar a frente desse desafio, Srª Presidente. Já oficiei diretamente ao Presidente da Valec, pedindo cópia desse levantamento e uma relação das providências para cada pendência identificada. Se a atual gestão tiver a intenção de moralizar a Valec, de dar transparência a todas essas questões aqui relatadas, vai responder rapidamente a essa requisição, sem a necessidade dos procedimentos formalizados do requerimento de informações.

            Vamos cumprir o papel de fiscalizar, conforme determina a Constituição da República. Se os atuais gestores quiserem resolver essa questão e preservar o interesse público, que pertence a todos nós - e eu acredito que queiram -, a nossa fiscalização vai ajudar nessa solução, dar respaldo às medidas de saneamento que, certamente, vão ser difíceis de enfrentar, e a resistência tem de ser feita por todos nós. Vamos acompanhar passo a passo a solução dos estragos que foram feitos na Norte-Sul, e chamar à responsabilidade aqueles que causaram esses estragos, Srª Presidente.

            Esta herança maldita tem que ser resolvida. O Congresso não pode mais se omitir. O povo brasileiro precisa da Norte-Sul funcionando, mas também precisa muito dos recursos que foram perdidos nessas irregularidades, nesses ilícitos, nesses crimes. Recursos foram roubados. Vamos atrás disso, vamos combater esse bom combate. É esse o compromisso que tenho com os eleitores do Estado de Mato Grosso e do Brasil. E aqui, Srª Presidente, vou continuar a honrar os votos que recebi e o compromisso político que assumi com o povo de minha terra.

            Um segundo tema, Srª Presidente, ainda no tempo que me resta.

            Eu quero aqui louvar a prisão daquele cidadão em Goiás, o Aprígio, que estava a ameaçar membros do Ministério Público, mandando e-mails, correspondências eletrônicas a procuradores da República, dando conta do seu desassossego e ameaçando membros do Ministério Público. Ainda bem que a Polícia Federal - e aqui quero parabenizar a Polícia Federal - desbaratou esse covil de canalhas que ameaça servidores públicos no exercício da função.

            Agora eu queria ouvir S. Exª o Desembargador Tourinho, que determinou que estávamos diante de uma quadrilha para a prática de contravenção penal. Nós estamos, Dr. Tourinho, mexendo com uma organização criminosa. Nós temos de dar nome aos bois ou aos touros. Nós estamos a tratar de uma organização criminosa que ameaça servidores públicos no exercício de sua função. Eu queria ouvir o cidadão Tourinho. Ameaças aos arts. 310 e 312 do Código de Processo Penal dão conta de que esses servidores públicos estão sendo ameaçados. Se aqueles que fazem parte de organização criminosa tentam modificar a convicção daqueles que estão a investigar, como policiais, membros do Ministério Público e magistrados, é caso de prisão preventiva.

            Quero crer que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e que o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, que são juízes “antenados” - para usar um termo moderno - com a realidade brasileira, não permitirão que membros dessa organização criminosa possam permanecer em liberdade.

            Srª Presidente, muito obrigado pela oportunidade de falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2012 - Página 33460