Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Defesa da federalização da educação básica, solicitando, à Presidente Dilma Rousseff, resposta a carta enviada, por S. Exª, com propostas de mudanças no sistema educacional do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • – Defesa da federalização da educação básica, solicitando, à Presidente Dilma Rousseff, resposta a carta enviada, por S. Exª, com propostas de mudanças no sistema educacional do País.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Paulo Davim.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2012 - Página 36819
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, CRITERIOS, CALCULO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), MEDIDA, AVALIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PAIS, QUALIDADE DE VIDA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROPOSTA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, ALTERAÇÃO, SISTEMA DE EDUCAÇÃO, INCLUSÃO, INTEGRALIDADE, SISTEMA DE ENSINO, INVESTIMENTO, CAPACIDADE PROFISSIONAL, REAJUSTE, SALARIO, PROFESSOR, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESCOLHA, CIDADE, REFERENCIA, PAIS, ALCANCE, RESULTADO, LONGO PRAZO, COBRANÇA, RESPOSTA, DILMA ROUSSEFF.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, ontem e hoje tivemos a surpresa de ouvir declarações parecidas de duas figuras tão antagônicas na política, embora duas figuras com muito bom diálogo, pelo que se vê pela imprensa.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao receber o grande prêmio, e o Brasil inteiro deve se orgulhar desse prêmio - nós sempre dizemos que o Brasil não tem Prêmio Nobel; agora, se não tem o Nobel, tem algo perto do Nobel, que é o prêmio que o Presidente Fernando Henrique recebeu ontem nos Estados Unidos -, disse algo igual ou parecido com o que disse hoje a Presidenta Dilma.

            Eu fico satisfeito de ver essa convergência, Senador Paim. O que disse o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso foi que não se pode medir o futuro de um país apenas pelo produto interno bruto; o que disse hoje, de manhã, a Presidenta Dilma foi que não se pode medir a riqueza de um país pelo produto interno bruto, coerente, aliás, a Presidenta com o slogan do seu Governo, criado por ela, de que país rico é país sem pobreza.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso trouxe um debate mais intelectual, conceitual, sobre a ideia de buscar medir se um povo é ou não é feliz.

            Pessoas são felizes ou infelizes por razões pessoais; não dependem de governo, não dependem da política. Agora, as pessoas têm mais ou menos dificuldade para buscar a sua felicidade dependendo dos governos. Governos não dão felicidade a ninguém, mas o governo cria muita infelicidade a muita gente. Um governo, portanto, que não crie infelicidade e que elimine os entulhos que atrapalham a busca da felicidade, como o engarrafamento de trânsito, como a busca de trabalho, como uma fila para ser atendido por um médico, tudo isso provoca infelicidade. Se um governo elimina filas para se atendido na saúde, se faz com que o transporte público funcione bem, se faz com que a economia gere emprego, esse governo está ajudando as pessoas a buscarem, com mais facilidade, cada uma delas, sua felicidade.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso provocou esse debate ontem ao receber o prêmio, dizendo que é preciso medir o desempenho de um país pela felicidade que esse país tem em seu povo.

            A Presidenta Dilma foi mais prática. Ela disse, de maneira muito interessante, que país rico não é necessariamente o do PIB, mas aquele que cuida bem das suas crianças. Ela disse isso no momento em que lança, de fato, um programa que vai trazer certo cuidado especial para as crianças: o programa Brasil Carinhoso e o programa de creches.

            Mas o que quero dizer tanto ao Presidente Fernando Henrique Cardoso como à Presidenta Dilma é que, para um país ser melhor que o PIB mostra... E o Brasil é o contrário: o Brasil é muito pior que o Produto Interno Bruto mostra, porque, no Produto Interno Bruto, nós somos o 6º país do mundo, mas, no grau de felicidade - basta ver o que falou, há pouco, o Senador Paim -, nós não somos o 6º, se consideramos o número de mortos em acidentes de trânsito ou de acidentes de trabalho. Precisamos passar a medir se o Brasil vai bem ou mal, não pelo PIB, como disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso, como disse a Presidente Dilma, mas, por exemplo, se o País tem ou não tem corrupção. Esse é um indicador também do bem-estar, da felicidade, do orgulho de um país.

            Tomamos conhecimento hoje também de que a Fifa justificou, de certa maneira, a impossibilidade de reaver dinheiro de propina recebido por cartolas brasileiros, dizendo que é uma tradição a corrupção nos países latino-americanos, inclusive o Brasil. A moralidade faz parte da riqueza de um povo. Eu me lembro de que o Ministro Aldo Rebelo foi muito duro com a Fifa, quando ela disse que o Brasil merecia um pontapé porque não estava fazendo as obras na velocidade que devia. Eu espero que ele faça um protesto, dizendo que, aqui, isso não existe ou que diga que existe e que estamos lutando contra, mas eu espero que ele não fique calado. Eu espero que não fique calado o Governo brasileiro diante dessa afirmação da Fifa.

            O meio ambiente é outro item que indica se um país vai bem ou vai mal. Às vezes, para proteger uma floresta, tem de o Produto Interno Bruto não crescer muito, porque, para ele crescer muito, em geral, tem de se derrubar florestas. Mas, hoje, a gente só mede pelo Produto Interno Bruto. Uma árvore em pé não tem valor na economia brasileira. Se Fernando Henrique e a Presidenta Dilma consideram que não basta o Produto Interno Bruto para decidir se um país vai bem ou vai mal, comecemos a proteger nossas florestas, nossos rios, o ar das nossas cidades.

            E a gente não tem visto isso com clareza por parte do Governo, até porque essa declaração da Presidenta seria boa se tivesse vindo quando o PIB estava crescendo, mas está vindo quando o PIB está estagnado. Dá a impressão até de que não é por uma conversão de percepção de como se mede o bem-estar de um país. Dá até a impressão de que é uma desculpa para o mau desempenho da economia.

            A distribuição de renda é um indicador se um país está bem ou não está bem. A segurança nas ruas é um indicador. A distribuição da propriedade, do capital e da terra é um indicador. O tempo livre de um trabalhador é um indicador. E eu não vejo, Senador Paim, a luta pelas 40 horas de trabalho semanais. Um país que trabalha 40 horas semanais, ainda que o PIB não cresça - até por causa disso, suponhamos -, ainda que não haja um aumento da produtividade, é um país com melhor bem-estar, porque o trabalhador vai ficar mais tempo com a sua família, vai sobrar mais tempo para o lazer, para a cultura.

            Esse conjunto de itens de que eu falei - corrupção, meio ambiente, distribuição de renda, segurança, distribuição da terra, distribuição do capital, tempo livre - tem um denominador em comum: eles vêm da educação. A educação é capaz de distribuir renda. Não há outro caminho para fazer uma distribuição séria.

            A gente pode dar bolsas famílias, que tiram as pessoas da pobreza extrema, mas não faz com que a renda fique mais bem distribuída. É uma ilusão, é uma mentira falar em distribuição da renda porque algumas pessoas deixaram de passar fome. Deixar de passar fome é deixar de passar fome, e isso é muito importante. A África precisa, sobretudo, disso. Na África, não basta a distribuição de renda. É preciso jogar comida dos aviões e paraquedas. A renda não se distribui, mas a fome diminui.

            O meio ambiente será protegido por uma questão de educação, uma questão de educação que não apenas mude a mentalidade daqueles que consideram que o que importa é a destruição da floresta para aumentar o Produto Interno Bruto e a melhoria da qualidade do próprio Produto Interno Bruto. Tudo isso vem da educação.

            Uma vez que a Presidenta falou isso, eu quero cometer, talvez, uma indiscrição, Senador Davim, ao ler aqui uma carta que eu enviei em 8 de julho, mas de 2011. Até hoje não recebi nenhum comunicado dizendo se chegou ou não chegou, embora eu a tenha entregue, no Palácio do Planalto, à Ministra Chefe da Casa Civil. É uma carta que traz uma proposta para a educação brasileira, uma proposta que pode não ser boa, pode não ser a melhor, certamente não é a melhor - a melhor não existe -, mas merecia um estudo, merecia um comentário, merecia dizer: encaminhamos para o Ministério da Educação para estudar.

            Então, quando a gente vê a Presidenta dizer que tão importante ou mais do que o Produto Interno Bruto é cuidar bem das crianças, ela deveria tentar fazer um esforço maior pela educação brasileira. E a gente não vê esse esforço.

            Agora mesmo está o Governo contra 10% do Produto Interno Bruto para a educação. Eu não defendo que precisemos de 10% ou de 12% ou de 8%. Eu vou dizer nessa carta quanto eu dizia, Senador Paim, de que precisava. Já adianto: 6,4% do PIB para a educação de base. Mas não cheguei a isso pela percentagem; cheguei a isso pelo cálculo de quanto custa pagar R$9 mil a um professor por mês, quanto custa reconstruir as escolas deste País, para que elas sejam bonitas e confortáveis, como podemos equipar essas escolas para que elas tenham o que há de mais moderno hoje - lousas inteligentes, computadores, televisão - e implantar horário integral.

            Isso foi dito - e eu não vou ler toda a carta. Começo dizendo que, apesar dos esforços e resultados de ministros e governos dos últimos 20 anos, as exigências educacionais do mundo moderno crescem mais rapidamente do que nossa educação evolui. Portanto, a brecha cresce. A brecha entre as necessidades educacionais e o grau de educação está piorando no Brasil.

            Ao mesmo tempo, a desigualdade com a educação que se distribui entre a parcela rica e a pobre está aumentando essa brecha. Podemos até dizer que houve uma melhora por termos mais crianças na escola, mas a educação das parcelas ricas da população cresceu muito mais rapidamente. Então, a brecha está aumentando.

            A simples evolução, como vem ocorrendo, não será suficiente para atender às necessidades educacionais do Brasil no Século XXI, porque a educação hoje é o berço tanto da igualdade quanto do progresso econômico. O berço do progresso econômico, o berço da igualdade está na educação.

            Mais do que evolução, será preciso um salto, o que não ocorre em pouco tempo em um país. Só ocorre se for rápido em cada cidade.

            Aqui eu acho que está uma novidade que eu venho defendendo, pela qual venho lutando. Nós vamos fazer uma revolução ao longo dos anos, como aconteceu com a economia. A industrialização foi em São Paulo. Não havia aeroporto em todas as cidades do Brasil, ao mesmo tempo. Começamos com dois, porque, se fosse com um só, o avião não sairia. Não é Senador Mozarildo? Ou sairia e não teria para onde ir, ou teria de voltar. Mas começamos em duas - não sei quais.

            Eu defendo que façamos a revolução em uma cidade. Todas as escolas dessa cidade seriam da melhor qualidade. Depois, faríamos em outra, em outra, em outra. Como fazer isso? A ideia consiste em fazer uma revolução em cidades escolhidas, cidades com escola básica ideal. E avançaríamos - avançaríamos apenas, não é um salto - na qualidade de todo o sistema educacional vigente. É aqui que o PNE falha. É aqui que o Ministro Mercadante tem razão em dizer que se preocupa, pois de onde virá o dinheiro? Eu me preocupo ainda mais: para onde vai o dinheiro?

            Hoje, se jogarmos 10% do PIB na educação, estaremos jogando fora pelo menos uns 3% dele. O sistema não é capaz de absorver. Por exemplo, se amanhã aumentarmos o salário de todos os professores, não haverá o aumento da qualidade, na mesma proporção, se não tivermos formação de professores, se eles não tiverem dedicação ao ensino, se eles não souberem usar os modernos equipamentos e se não tivermos sistema de avaliação permanente, para verificar se o professor está realmente trabalhando. Se amanhã comprarmos milhões de computadores, eles ficarão engavetados, porque não se sabe como usá-los; não há segurança para deixar o computador nas escolas, Senador Paim. Hoje, na maior parte das escolas, o computador desaparece em uma, duas semanas. Se quebrar, não há um sistema que permita consertá-lo. É aí que entra a palavra sistema.

            Precisamos de um sistema educacional novo. Como os CEAPs, só que em escala pequena, em um tempo passado, 30 anos atrás. Hoje, não é o prédio que é mais importante. Hoje, o importante é o professor, mas com equipamentos.

            Então, precisamos - e o PNE está longe disso - criar um novo sistema educacional, enquanto o atual, antigo, vai desaparecendo.

            Eu calculo que levaríamos 20 anos para chegar a todo o Brasil, em um, dois anos, chegaríamos a uma cidade, a uma cidade inteira. E, aos poucos, isso vai se espalhando.

            A carta continua, Srs. Senadores: todas as escolas do Brasil seriam melhoradas, mas, ao mesmo tempo, todas as escolas de determinadas cidades seriam radicalmente revolucionadas. Teriam seus professores selecionados pelo Governo Federal, com uma carreira nacional, como tem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Ministério Público, a Justiça, o Congresso.

            Com salários atraentes, que eu considero o mínimo, para atrair os melhores quadros do Brasil, R$9 mil por mês; com um regime especial de formação e exigências específicas de dedicação, inclusive com uma estabilidade relativa, porque a estabilidade tem de ser para impedir que o governador demita, que o prefeito demita, que o presidente demita, que o diretor da escola demita. Mas a estabilidade não pode ser para proteger quem não trabalha; não pode ser para proteger quem não é avaliado corretamente. Essa é uma estabilidade nociva ao País. A estabilidade é para não permitir que ninguém possa demitir, mas tem de permitir que uma avaliação demita.

            Os prédios seriam reconstruídos e receberiam os mais modernos equipamentos pedagógicos.

            Todas as crianças teriam, pelo menos, seis horas de atividade escolar por dia. Esse é um novo regime, esse é um novo sistema. O resultado seria que, de imediato, o ensino nessas cidades teria a qualidade que nós esperamos para, daqui a vinte anos, o Brasil inteiro ter; teria uma qualidade que tem a Coreia, que tem a Finlândia. É uma espécie, isso que eu proponho, de CIEP mais moderno por cidade, não por unidade escolar.

            Em 20 anos, esse novo sistema estaria implantado em todo o Brasil. O custo dessa proposta é em função do número de cidades com essa educação implantada a cada ano. Pode ser mais depressa ou mais devagar, mas seriam atendidas, no primeiro ano, 3,5 milhões de crianças, em 200 cidades pré-selecionadas, por exemplo, com média de 70 mil habitantes a cidade, e não se começaria pelas grandes, porque não teremos fôlego, a um custo de R$9 mil anuais, por aluno, que corresponde exatamente a R$9 mil por mês por professor.

            É uma mágica interessante. Se você tem 30 alunos por sala, o valor do salário, por mês, do professor é o mesmo valor do ano por aluno. Isso custaria R$40,3 bilhões. Nesse custo, está incluído o salário do professor: R$9 mil. É preciso dizer que é o equivalente à media paga na Coreia do Sul, na Finlândia e no Chile.

            Não falamos de Estados Unidos, não falamos dos países mais ricos, contratando 120 mil professores por ano. O Brasil tem dois milhões. Então, é um processo lento para o Brasil, mas é um processo rápido para a cidade que for escolhida.

            Nesse mesmo ano em que tivermos essas 200 cidades, o sistema tradicional teria uma evolução. O novo sistema é que teria a elevação dos seus salários.

            Na minha proposta, nas cidades onde esse novo sistema for adotado, chegando aí os professores federais com R$9 mil, os professores locais que não passarem no concurso para a nova carreira receberiam um aumento que elevasse o salário para R$4 mil, ou seja, mais que dobraríamos o salário, mas não igualaríamos àqueles da carreira federal.

            Alguns podem dizer que é absurdo se ter dois regimes. Mas não já existe? Já! Você tem uma escola municipal de um lado da rua e uma escola federal do outro lado da rua, o salário é diferente, a carreira é diferente. Você tem de um lado o colégio Pedro II e do outro uma escola municipal no Rio com salários diferenciados, porque passaram em concursos diferenciados, porque têm qualificações diferenciadas, porque têm exigências diferenciadas.

            As cidades poderiam ser escolhidas - todos me perguntam - com base em alguns critérios: o tamanho, porte pequeno; a história, se a cidade tinha alguma tradição educacional para se começar por essas, porque aí veremos o resultado e as outras querem copiar; o compromisso, cidades cujos prefeitos e governadores apresentem história de relação com a educação e vontade de participar também eles do financiamento dessa revolução.

            Como pode ser visto por quadros que foram entregues, esse processo de substituição de um sistema que vai desaparecendo por outro que vai chegando, em 20 anos, faria com que todos os gastos fossem 6,4% do PIB. O governo está preocupado porque não dá para gastar 10%? Está aqui como fazer, não chega a 10%, chega a menos agora e vai diminuindo se o PIB crescer bem. Se incluirmos o ensino superior, deve chegar a 7% ou 7,5% do PIB, bem abaixo dos 10%, ou seja, sabendo o que fazer e como fazer.

            Continuei a carta que mandei para a Presidente dizendo:

Senhora Presidenta, o peso dos custos será bastante menor ao longo dos anos se levarmos em conta o impacto da educação sobre a taxa de crescimento do PIB [porque educar cresce a economia], como também pela redução quase automática nos custos dos programas sociais.

            Na medida em que essas crianças forem sendo educadas, a Bolsa Família deixa de ser necessária, os programas de desemprego começam a diminuir a necessidade de proteger pessoas porque o emprego virá. É um dado plenamente reconhecido pelo IPEA, do Governo Federal, que investir em educação apresenta um elevado retorno econômico, social, financeiro e fiscal. Essa Revolução na Educação traria um retorno muitas vezes superior aos investimentos que apresentei.

            Nossa evolução é mais lenta do que o aumento nas exigências e a consequência é o aumento na brecha educacional.

            Em um País que tem... Faz tanto tempo a carta que aqui dizia a sétima economia mundial... Nem sétima somos mais, somos a sexta, mas como ilusão, porque é uma sexta baseada no preço das commodities que podem cair a qualquer momento, na demanda que é fixa para o mundo, mas que pode reduzir para o Brasil se começarem a produzir em Moçambique ou em outros países soja, ou se descobrirem uma mina de ferro. A única demanda, que é crescente, é de produtos de alta tecnologia. E nisso somos zero, com exceção dos aviões da Embraer.

            Isso permitiria fazer aquilo que a gente tem que fazer, que é uma economia do conhecimento. Inclusive é preciso dizer que o erro do PNE, além de só ter intenções, de não ter propostas, além de propor 10% do PIB sem dizer como se chegou a esse valor, é que deveríamos pensar algo diferente de Plano Nacional de Educação. Deveríamos pensar um plano nacional de construção de um sistema do conhecimento no Brasil. Um plano nacional para o conhecimento. Educação é uma parte disso.

            Sr. Presidente, eu não vou ler todos os detalhes da carta, mas eu digo aqui também que apresento essas sugestões em resposta às manifestações de interesse e do entusiasmo da Sra. Presidenta ao falar dos resultados recentes de Olimpíadas de Matemática e do desempenho especial dos alunos das escolas federais.

            Eu a ouvi elogiando um colégio militar do Rio de Janeiro pelos ganhos de medalhas em Olimpíadas de Matemática. O que eu estou propondo é apenas espalhar essas escolas. É fazer com que as escolas, como a Pedro II, institutos de aplicação, escolas técnicas e escolas federais se espalhem, se ampliem e que, de um número de poucas centenas que são hoje, cheguem a duzentas mil no Brasil.

            Seria uma ingenuidade propor isso para hoje, para amanhã. Não é ingenuidade propor isso para vinte anos. Não é! É perfeitamente possível: os recursos existem. Falta levar adiante aquilo que a Presidenta disse: “que um País não pode medir seu desempenho apenas pelo PIB, que deve medir o seu desempenho por outros indicadores também”. E eu até diria: sobretudo esses outros, e perceber - e isso talvez seja difícil de convencer - que todos estes outros itens, como a ética, o fim da corrupção, como a melhor distribuição de renda, como a distribuição do capital, a distribuição da terra, a segurança, a redução de mortes no trânsito, tudo isso tem como elemento central, embora não único, a educação da nossa população que começa pelas crianças.

            Eu faço essa fala, Senador Mozarildo, antes de lhe passar ao aparte porque eu gostei de ver a declaração da Presidenta Dilma pela primeira vez a meu ver desde o seu slogan de que “País rico é País sem pobreza”, de que não é o PIB que mede se um país vai bem ou vai mal, como ela tem insistido, como o Ministro Mantega só fala nisso, sem trazer a outra dimensão.

            Fico satisfeito, também, quando vejo o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso trazendo essa dimensão que até pouco tempo atrás dizia-se que era um pouco de loucura falar em levar em conta a felicidade das pessoas, como elas se sentem no país onde elas vivem. Isso é um bom despertar, mas é preciso, depois de despertar, caminhar. E eu não vejo como caminhar seriamente, dar um salto, Senador Eurípedes, se não for através de uma revolução na educação. Eu não vejo outra forma de fazer a revolução se não for pela federalização da educação de base. Eu não vejo como federalizar se não for ao longo de anos. Eu não vejo como federalizar espalhando novos professores pelo Brasil, colocando uma escolinha aqui, outra escolinha ali, como os CIEPs. Só colocando todas as escolas de uma cidade desse tipo; depois; outra cidade e outra cidade. Em 20 anos, teríamos um Brasil do qual o Presidente Fernando Henrique Cardoso poderia dizer “está caminhando para a felicidade” e que a Presidenta Dilma poderia dizer “mesmo sem crescer tanto, é um Brasil melhor do que antes”.

            Era essa a minha fala, Senador Paim, mas o Senador Mozarildo pediu para dar um aparte; e eu, com muito prazer, passo a ele.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Cristovam, como sempre, V. Exa. aborda esse tema da educação que, não há dúvida, é prioritário. Eu tenho sempre dito, como médico, embora apareça nas pesquisas que a maior queixa, a maior preocupação do brasileiro é a saúde, o que é saúde é consequência da educação. Como uma pessoa pode ter noção de cuidados básicos de prevenção, por exemplo, para evitar adoecer se ela não tiver educação? Como podemos priorizar emprego se a mão de obra não está qualificada? Enfim, todos os outros importantes setores da Nação, com certeza, sem educação, vão ficar deficientes. Eu quero, portanto, cumprimentar e dizer que é mais importante mesmo... Não vou dizer a V. Exa. que sou completamente a favor da tese de federalizar a educação; mas, com certeza, o que há que ter é a priorização efetivamente, neste País, da educação, porque, sem isso nós não vamos melhorar os indicadores de saúde, não vamos melhorar os outros indicadores porque, como - repito - um ato simples haveria de convencer uma pessoa de que ela tem que lavar as mãos antes das refeições, escovar os dentes e evitar certas coisas se a pessoa não estiver educada? E como também evitar que essa pessoa tenha um bom emprego se ela não estiver qualificada por meio de uma boa educação? Portanto, parabéns a V. Exa..

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu agradeço, Senador Mozarildo, não apenas por trazer uma dimensão que eu não coloquei, que é a saúde. Eu não a coloquei, foi uma falha; segundo, por lembrar...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... que tem tudo a ver saúde com educação das pessoas; a terceira porque, ao levantar com muita franqueza, que não tem certeza da federalização, faz-me lembrar que eu defendo a federalização da carreira, a federalização dos prédios, mas com descentralização gerencial. Por exemplo, eu duvido que haja uma cidade neste País que não queira uma escola técnica, ela é federal; eu duvido que não tenha uma que não queira universidade pública, ela é federal; agora, é gerenciada pelo reitor, a outra é gerenciada pelo diretor e o prefeito pode até ter um papel. Eu até radicalizo, Senador Mozarildo, eu imagino um dia as escolas serem tão descentralizadas na gestão que os pais, os professores, os funcionários e os alunos mais velhos gerenciem a escola; agora, com a carreira nacional, com o salário garantido e com avaliação federal.

            Então, é federalização com descentralização gerencial e com liberdade pedagógica. O Governo não tem como impor decentemente um padrão pedagógico para todas as escolas. Nós vivemos um momento em que a educação está sendo reinventada a cada dia e é preciso deixar que as pessoas inventem a educação nas suas escolas. Para isso é preciso liberdade (plena liberdade!) e avaliar depois os resultados.

            Eu gostaria de passar a palavra ao Senador Davim.

            O Sr. Paulo Davim (Bloco/PV - RN) - Senador, eu gostaria de parabenizá-lo pela lucidez de seu pronunciamento. O senhor fala com propriedade sobre este tema, o senhor aborda soluções possíveis para o Brasil na área da educação. Eu também concordo que o olhar sobre a educação deve ser com esse grau de responsabilidade. No Brasil, todas as áreas que são consideradas prioritárias se transformam em carreira de Estado: é assim com a Magistratura, é assim com a área tributária, é assim no Ministério Público, é assim com os delegados, é assim, enfim, com a Receita. Muitas outras carreiras são contempladas, mas educação não consegue ser prioridade, da mesma forma que a saúde não. Eu defendo a carreira de Estado para os servidores da saúde, porque eu acredito que educação e saúde são responsabilidades do Estado e, portanto, o Estado tem que dispensar um olhar mais carinhoso, mais responsável para essas duas áreas. Eu entendo também, Senador, que saúde e educação não podem estar dissociadas. Elas precisam caminhar juntas, porque a primeira ação de saúde não começa com a prescrição do médico; ela começa com informação, e essa informação precisa ser dada nas escolas. Nós precisamos ensinar o nosso povo a ser saudável, nós precisamos ensinar à criança, desde tenra idade, ao jovem a cuidar bem do seu corpo, a cuidar bem do meio ambiente, a cuidar da saúde. Nós precisamos ter essa preocupação, e eu não consigo enxergar ainda por que (qual a justificativa?), a grade curricular não contempla disciplinas que informem, que ofereçam instrumentos para as crianças, os adolescentes e os jovens a serem saudáveis? Eu estudei na antiga Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, hoje Instituto Federal.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Paulo Davim (Bloco/PV - RN) - Na época em que lá estudei, Senador, havia uma disciplina chamada Programa de Saúde que nos ensinava e nos dava instruções para sermos saudáveis, para cuidarmos da nossa saúde, do nosso corpo. E como foi importante essa formação sobre saúde nos bancos escolares. Foi importante! E todas as pessoas da minha geração têm uma visão diferente sobre a saúde. Portanto, acho que são dois setores estratégicos para qualquer governo. Mais uma vez, parabenizo a lucidez do seu pronunciamento. Parabéns, Senador. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu o agradeço, Senador Davim. Acho que esse discurso está muito coerente com o seu livro, elaborado com seus discursos aqui, que tratam, sobretudo, de meio ambiente e de saúde; portanto, de educação, que é o une os dois.

            Sr. Presidente, quero concluir dizendo que, embora fuja da minha maneira tradicional de ser, do cuidado com que eu procuro me comportar, muito respeitosamente, quero aqui cobrar da Presidenta que, pelo menos, diga que recebeu esta carta um ano atrás; pelo menos dizer que mandou estudar e que tudo isso é uma grande besteira. Ou dizer que ainda há muitas dúvidas e que quer discutir essas dúvidas.

            O que eu acho é que não está direito isso ficar esquecido em alguma gaveta do Palácio do Planalto porque não chegou à mão dela.

            Isso é o resultado de muitos anos, de uma vida, talvez, de preocupação com o assunto, de meses de dedicação de assessores meus trabalhando na elaboração, na quantificação do custo para chegar a esse valor exato. Nós não “chutamos” 10%! Nós, eu e assessores meus, trabalhamos com cuidado nisso.

            Eu acho que merecem um mínimo de respeito o tempo que nós dedicamos para elaborar e à figura de um Senador, afinal de contas, que se tem dedicado a isso, que foi Ministro do governo, que é este também, da época do Presidente Lula, e que quer colaborar. Quer colaborar para que a Presidente seja coerente ao dizer que progresso não é, necessariamente renda; que progresso é cuidar de criança, e que diga: “Eu estou fazendo.” Não apenas com algumas creches, o que já é bom, mas com uma revolução na educação brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2012 - Página 36819