Pela Liderança durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a decisão do Ministro Dias Toffoli de participar do julgamento da ação penal envolvendo os acusados por crimes relacionados ao caso “Mensalão”. (como Líder)

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
CORRUPÇÃO.:
  • Considerações sobre a decisão do Ministro Dias Toffoli de participar do julgamento da ação penal envolvendo os acusados por crimes relacionados ao caso “Mensalão”. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2012 - Página 38675
Assunto
Outros > CORRUPÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PARTICIPAÇÃO, JULGAMENTO, PAGAMENTO, PROPINA, MESADA, CONGRESSISTA, FATO, DECISÃO, CRIAÇÃO, PREJUIZO, NEUTRALIDADE, IMPARCIALIDADE, PROCESSO, MOTIVO, APROXIMAÇÃO, RELACIONAMENTO, REU, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sra. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, cidadãos que nos acompanham pela Agência Senado, tenho acompanhado, Sra. Presidente, as notícias que revelam a decisão do Ministro Dias Toffoli de participar do julgamento da Ação Penal n° 470, processo que julgará os acusados por crimes relacionados ao famigerado mensalão do primeiro governo do Presidente Lula.

            Estarrecido com essa possibilidade, Senador Aloysio, não pude deixar de lembrar um curto poema escrito no século XVIll por François Andrieux., intitulado O Moleiro de San-Souci, que revela os primórdios do Estado de direito alemão, bem como a importância da autonomia do Poder Judiciário e da independência judicial perante os reis, déspotas e governantes.

            Conta a história que Frederico II, o Grande, Rei da Prússia, filósofo, amigo de Voltaire, construiu o Palácio de Sans Souci, que existe até hoje, na região onde havia um antigo moinho.

            Com a perspectiva de expansão do Palácio, Sra. Presidente, o rei entendeu que o moinho precisava ser removido para dar lugar a novos aposentos. Todavia, o moinho pertencia a um moleiro que, chamado pelo rei para ouvir a decisão que determinava a sua remoção, recusou de forma veemente tal possibilidade. Naquele moinho, havia trabalhado o pai do moleiro, e ele disse isso a Frederico II, o Grande. E, naquele moinho, o moleiro disse ao rei que desejaria que seus filhos também trabalhassem. O rei se irritou, e, então, o moleiro respondeu: "Ainda há juízes em Berlim". O rei aceitou a resposta e permitiu que o moleiro ali permanecesse.

            A resposta do moleiro, Sra. Presidente, revela algo de suma importância para todos nós que vivemos em democracias constitucionais: o processo de desvinculação da justiça do poder real, ou seja, a desvinculação dos juízes em relação às forças políticas dominantes. Ela expressa, com todo vigor, a importância do princípio da legalidade, que, ao determinar a substituição da vontade do rei pela vontade da lei, mostra que os juízes não devem obediência a autoridades políticas, mas apenas ao Direito e à Constituição. Mais do que isso: ela manifesta a confiança de que há quem zele pela lei, independentemente da condição dos indivíduos, de seu partido, de seu grupo de amigos e de suas ideologias.

            Por isso, a Constituição de 1988, em seu art. 95, estabelece aos juízes as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Tudo isso, Senador Aloysio, existe em nossa ordem jurídica para garantir a isenção e imparcialidade nos julgamentos; para concretizar o mandamento constitucional inscrito no art. 5°, de que todos são iguais perante a lei e para repelir qualquer juízo de exceção, conforme o próprio art. 5°, inciso 37.

            Mais ainda, Srs. Senadores: a cláusula do devido processo legal, prevista no inciso 54 do art. 5º da Constituição, impõe que o julgamento seja feito por um juiz sem comprometimento com as partes e com o objeto da causa, o que chamamos de imparcialidade ou capacidade subjetiva.

            Assim, para que haja um julgamento justo, ou seja, um julgamento sem excessos nem insuficiência, é imprescindível - repito: é imprescindível - que o juiz esteja em situação plena de isenção de ânimos. E o devido processo legal não apenas funciona como garantia dos réus, mas é a cláusula que assegura à sociedade que o Direito será bem cumprido.

            Ora, Srs. Senadores, no momento em que o Procurador-Geral da República oferece a denúncia penal, e ela é recebida, a Constituição exige que seja cumprido o devido processo em todos os seus termos, direito estruturante da República que os cidadãos esperam que seja observado.

            Srs. Senadores, no momento em que o Procurador-Geral da República, a partir de amanhã, começar a ler o seu relatório, o seu parecer sobre o famigerado escândalo do mensalão, nesse instante, quem falará pela boca do Procurador-Geral da República será a sociedade brasileira, porque ele representará, naquele instante, a defesa da sociedade brasileira.

            Muito bem, em contrapartida, caso o magistrado verifique que, no caso a ser apreciado, existam fatores que maculem sua isenção ao decidir, o Direito determina que ele tem o dever - repito: o Direito determina que ele tem o dever - de se declarar impedido ou suspeito, a depender da situação concreta.

            É assim que deve funcionar o Poder Judiciário em uma democracia. É assim que se constrói uma verdadeira República. No entanto, essa viga mestra do Estado de direito é colocada em xeque, Srs. Senadores. É vilipendiada, quando um Ministro da mais alta Corte de Justiça da Nação, ante tantos motivos para sua suspeição, insiste em permanecer atuando no caso.

            Sabemos. Srs. Senadores, que nunca um julgamento será 100% neutro ou imparcial. Aliás, a neutralidade é um preconceito da Revolução Francesa em face dos seus juízes, que faziam parte de um Estado que não aquele a que pertencia a burguesia. Essa neutralidade, como nós todos sabemos, não existe, tendo em vista que a natureza humana não a permite. Todos nós temos história, convicções, preconceitos, ideologias. Como seres existenciais, não podemos saltar para fora do nosso mundo vivido e julgar a partir de um olhar indiferente aos nossos valores. Dentro de cada um de nós existe um ser, e esse ser possui uma força incontrolável que Freud denomina de inconsciente. Nós não podemos controlar essa força.

            Todavia, os compromissos assumidos pelo Ministro Dias Toffoli em sua carreira pregressa, bem como as circunstâncias específicas do julgamento da ação penal do mensalão, mostram, data vênia, para usar o “juridiquês” - data vênia, com todo respeito, com toda licença -, que ele não reúne condições mínimas para julgar com isenção.

            Com efeito, há pelo menos três fatores objetivos e incontroversos que comprovam o que acabei de dizer. Primeiro, grande parte da carreira advocatícia do Ministro Dias Toffoli foi atrelada à sua atuação como advogado do Partido dos Trabalhadores, principal Partido político envolvido no escândalo. Existe alguma mácula em ser advogado de partido político? É óbvio que não. Essa é uma atividade lícita e imprescindível para a administração da Justiça, nos termos do art. 133 da Constituição da República. De todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo entre os indicados pelo ex-Presidente Lula, Toffoli é o que teve maior militância e proximidade ideológica com o Partido dos Trabalhadores. Isso é um pecado? Absolutamente! Aliás, a Constituição exige que o cidadão, ou ao menos assim deseja, tenha uma participação político-partidária. Isso faz parte da democracia, é bom, e nós queremos render homenagens ao Ministro Toffoli em razão de sua militância político-partidária, que não pode ser criminalizada. É algo importante para a democracia. E ele teve uma especial relação com os líderes do chamado “núcleo político” do mensalão. E aqui me utilizo de uma expressão do Procurador-Geral da República em suas alegações finais e no memorial apresentado na semana passada ao Supremo Tribunal Federal. Repito: além de especial relação com os líderes do chamado “núcleo político” do mensalão, ou seja, os líderes do PT que formaram o epicentro do escândalo. Por exemplo, o ex-Ministro José Dirceu, o Deputado José Genoíno e o ex-Tesoureiro Delúbio Soares.

            Sabendo que uma decisão condenatória pode comprometer a história de seu antigo Partido - mais uma vez, quero render homenagens pela participação político-partidária do Ministro -, o Ministro teria condições subjetivas para bem apreciar as provas levantadas? Teria ele condições psicológicas - e nós estamos a tratar de capacidade subjetiva ou imparcialidade - para enfrentar a verdade, que pode manchar a história do Partido do qual ele fez parte a vida toda? É preciso lembrar que os ditos empréstimos que levaram ao mensalão serviram para saldar dívidas financeiras e políticas do PT com seus aliados.

            Segundo motivo: o Ministro Dias Toffoli era homem de confiança do ex-Presidente Lula e do ex-Ministro José Dirceu. Este último réu no processo do mensalão, tendo sido Assessor Jurídico da Casa Civil, quando o Ministro era o José Dirceu, que o Procurador-Geral da República dá o nome de líder da quadrilha, e Advogado-Geral da União do governo Lula. Ora, não há de se esperar que a confiança fosse recíproca? Se assim não fosse, ele não teria sido nomeado Advogado-Geral da União.

            Muito bem, sinceramente, chega a ser desumano, Sra. Presidente, que o Ministro Toffoli participe desse julgamento. Isso compromete o seu psicológico, o seu emocional.

            Um terceiro e último motivo: até o ano de 2009, o Ministro Dias Toffoli era sócio, em escritório de advocacia, da Sra. Roberta Maria Rangel, atualmente, ao que consta, sua namorada. A Sra. Roberta Maria Rangel trabalhou na defesa de outros acusados do mensalão, quais sejam, o Professor Luizinho, então Líder do governo na Câmara, e o ex-Deputado Paulo Rocha. Em relação a esses réus, entendo que, para além de mera suspeição, que é de ordem íntima, de foro íntimo, que se encontra na economia do seu psicológico, configura-se situação de impedimento legal, pois o art. 134 do Código de Processo Civil determina que o juiz não pode atuar no processo quando houver cônjuge ou parente consanguíneo, ou afim, em linha reta ou colateral até segundo grau, postulando como advogado.

            Por certo, Sra. Presidente, a postulação não é atual, mas o fato de ter trabalhado anteriormente no caso em favor dos réus pessoa tão próxima ao magistrado contamina de maneira irreversível a sua decisão.

            Muito bem. Como se isso não bastasse, o Código de Processo Penal determina, no seu art. 252, de maneira expressa, com clareza ímpar, com clareza solar de meio-dia, o seguinte: “O juiz não poderá exercer a jurisdição no processo em que:

            I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da Justiça ou perito".

            Sra. Presidente, todos nós sabemos que, hoje, o conceito de cônjuge não mais se restringe à coabitação. Não mais se restringe à coabitação! Os chamados casais modernos moram em casas separadas, e a Constituição permite isso, num conceito mais pós-constitucional, num conceito de uma nova entidade familiar, sem a necessidade de coabitação, e isso significa o que o latinório dá o nome de more uxorio. Todos nós sabemos que hoje, repito, o conceito de cônjuge não mais se restringe à coabitação ou à exigência do casamento formal. O próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu na união homoafetiva que isso não é necessário. Quando se trata de proteção aos direitos fundamentais e às garantias processuais, sabe-se que a noção de cônjuge se estende às pessoas que vivem em união estável ou companheirismo.

            Assim, tendo em vista que a imparcialidade do magistrado é garantia própria do devido processo legai, resta evidente que não cabe, nesse caso, interpretação restritiva e inadequada da palavra cônjuge.

            Por isso, concordo com o jornalista Josias de Souza quando afirma que: "Nunca antes na história centenária do Supremo um ministro carregou na biografia tantas razões para declarar-se impedido de atuar num processo". Ainda assim, as notícias dão conta de que ele atuará. É preciso, então, voltar à história de O Moleiro de Sans-Souci.

            A existência de juízes em Berlim faz lembrar que, mesmo antes da Revolução Francesa, já reluzia em toda a Europa o compromisso com um Judiciário independente. E essa independência é essencial, é pilar central do Estado de direito.

            Quando a politização da Justiça se faz presente, a República não vai bem, Sra. Presidente. Quando forças políticas poderosas e dominantes impõem, ainda que de forma velada, a presença de um ministro no julgamento de caso tão polêmico e com inúmeras consequências para o processo democrático, o Estado de direito é ferido de morte, e o absolutismo, hoje travestido de coronelismo, retoma todo o seu poder.

            Por isso, é preciso ter coragem e dizer com todas as letras - e vou dizer: a existência de motivos de suspeição e de impedimento, ainda que inerentes ao foro íntimo - a suspeição -, implica o dever de o magistrado se declarar como tal e de não participar do julgamento. A República não admite que o magistrado, de forma discricionária, decida se pode ou não participar, pois o Direito, nesse caso, não lhe assiste. Cabe, então, a S. Exa., o respeitável Ministro Dias Toffoli, cumprir seu juramento de zelar pela Constituição e declarar-se suspeito e impedido para participar desse julgamento. Se não o fizer, o Plenário do Supremo Tribunal Federal poderá tomar uma decisão nesse sentido.

            A Nação brasileira precisa que haja juízes não em Berlim; precisa que haja juízes na Suprema Corte.

            Muito obrigado, Sra. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2012 - Página 38675