Discurso durante a 147ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Tristeza pelo resultado obtido no quadro de medalhas pelo Brasil nas Olimpíadas de 2012, enfatizando a falta de investimento na educação de crianças para identificação de talentos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE, EDUCAÇÃO.:
  • Tristeza pelo resultado obtido no quadro de medalhas pelo Brasil nas Olimpíadas de 2012, enfatizando a falta de investimento na educação de crianças para identificação de talentos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2012 - Página 41157
Assunto
Outros > ESPORTE, EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, BRASIL, OLIMPIADAS, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, SETOR, EDUCAÇÃO, IMPORTANCIA, IDENTIFICAÇÃO, ATLETA PROFISSIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, ontem o mundo inteiro assistiu ao fim de um evento que empolga toda a população mundial, que são as Olimpíadas.

            O Brasil, por um lado, teve uma razão especial para assistir a este final, porque ali vimos, pela televisão, o Prefeito do Rio de Janeiro recebendo a bandeira das Olimpíadas. A partir de agora, como se diz, a bandeira está conosco. Faltam 1.562 dias para concluirmos a Copa. Na verdade, faltam 1.500 dias para iniciarmos a Copa. Temos este curto período para organizá-la.

            O mundo inteiro viu, inclusive, uma bonita encenação no final, feita pelo Brasil, na conclusão dos trabalhos. Até aí, Senador Mozarildo, tudo muito bem. Mas, quando nós vamos ver resultados do Brasil nessas Olimpíadas, nós começamos a perceber a fraqueza, a fragilidade, a pobreza do Brasil no que se refere à disputa internacional por medalhas de ouro. E o mais grave é que, quando lemos hoje os jornais, a impressão que temos é de que há uma preocupação, mas que vamos superar tudo isso até 2016.

            É com tristeza, Senador Mozarildo, que digo que esqueçamos 2016. Não há a menor possibilidade de o Brasil dar um salto no número de medalhas de agora até 2016. Não há como! Pode subir, mas não há como dar um salto. Não há como chegar às 45 dos Estados Unidos, às 38 da China, às 29 da Grã-Bretanha, às 24 da Rússia. Não há como chegarmos lá! Por uma razão: as medalhas de ouro que um país consegue dependem de três coisas, e nós temos duas, mas nos negamos a fazer a terceira.

            Depende da população. Quanto maior a população, mais chance tem um país de ter talentos capazes de se apresentarem como os melhores do mundo. E o Brasil tem 200 milhões de habitantes. O Brasil podia ser perfeitamente um dos países com o maior número de talentos entre todos os países do mundo.

            Temos também um PIB - a segunda coisa necessária - que é o sexto do mundo. Se fôssemos olhar pelo Produto Interno Bruto, que é fundamental para que um país tenha a energia necessária a ser investida no desenvolvimento da capacidade do talento individual, deveríamos ser o sexto país do mundo.

            Se fosse pela população, deveríamos ser o 5º país do mundo, mas fomos o 22º país do mundo.

            Fiz umas contas, Senador, que mostram a situação triste em que estamos. Para os Estados Unidos, um país riquíssimo, o Produto Interno Bruto maior do mundo, cada medalha equivale a US$328 bilhões; para a China, que teve 38 medalhas, isso já cai para US$192 bilhões, que seria, vamos supor, o custo do Produto Interno Bruto necessário para fazer uma medalha de ouro; para a Grã-Bretanha, cai para US$83 bilhões; para a Rússia, cai para US$77 bilhões; para a Coreia do Sul, US$88 bilhões; e quando chega ao Brasil, cada uma das três medalhas de ouro “custou” - entre aspas - US$831 bilhões. Ou seja, a proporção de medalha para o PIB é de US$831 bilhões para cada medalha.

            Veja bem, para os Estados Unidos, que são riquíssimos, apenas US$328 bilhões. Para um país como a Hungria, custou US$18 bilhões cada uma. Não é o dinheiro que se gasta, quero insistir; é uma comparação da riqueza: quanto de riqueza em função do número de medalhas.

            Se vamos para a população, creio que é chocante também. Numa rápida análise enquanto eu estava aí sentado: se tomarmos a proporção da população chinesa, que é mais de seis vezes maior que a nossa, eles deveriam ter 18 a 20 medalhas, mas tiveram 38. Os Estados Unidos têm uma vez e meia a população do Brasil, então, era para ter tido seis, ou seja, nós tivemos três, eles teriam seis, mas tiveram 46. A Grã-Bretanha era para ter uma, se a gente fizesse proporcionalmente ao número de habitantes, comparando os habitantes da Grã-Bretanha com os habitantes do Brasil.

            A Coreia do Sul, que teve treze, era para não ter nenhuma, porque a sua população é bem menor do que a nossa. Onde está o erro? Está no terceiro ponto fundamental para que um país tenha muitas medalhas: primeiro, a população; segundo, a riqueza; terceiro, a escola.

            O senhor, há pouco, disse que até saúde tem como condição preliminar, não para cada pessoa, mas para o conjunto de um país, a sua educação: país educado cuida melhor de sua saúde. Uma pessoa sozinha, individualmente, não, porque depende de sua biologia, depende de acidentes biológicos que fazem você ficar doente, mesmo educado. Mas um país para ter medalhas, para ter sucesso em competições como as Olimpíadas, ele precisa ter população, porque quanto mais população maior o número possível de talentos; tem que ter um Produto Interno Bruto para poder canalizar recursos para que aquelas pessoas se transformem em grandes heróis do atletismo, do esporte em geral; e precisa da escola, porque na escola é que nós peneiramos os talentos.

            Quando se procura ouro - não falo em medalha de ouro -, quando se procura brilhante em um garimpo, o que faz o garimpeiro? Ele pega uma peneira e vai tirando a água até que ficam as pedrinhas, até que fica o ouro. No esporte, a peneira é a escola! As pessoas entram na escola e ali dentro, pela prática desportiva desde idade muito pequena, vão surgindo aqueles que demonstram talento. E é na escola que demonstramos, além disso, persistência, porque talento sozinho não dá campeão. Só depois é que esses com talento e persistência são levados para lugares especiais onde começam a treinar com o vigor necessário para uma medalha de ouro. Já não é na escola, já é uma coisa especial para os atletas de altíssimo nível, demonstrado na escola.

            Claro que, aqui e ali, há algumas pessoas que não precisam passar pela escola. Aqui e ali descobre-se um maratonista que na rua se mostrou muito competente. Aqui e ali isso pode acontecer, mas é raro. É raro! O futebol, por exemplo, no Brasil, tem sido muito bom, porque a gente não precisa tanto de escola, porque, como não vão à escola, jogam futebol na rua e aí termina-se descobrindo grandes atletas através dos clubes. Mesmo assim, cada vez mais um jogador de futebol se faz na escolinha do clube. O Barcelona é um exemplo especial disso. É graças a uma escolinha de futebol, onde os meninos também estudam, que se formam os grandes craques. É aí que está a tragédia brasileira.

            A nossa vergonha de ter apenas três medalhas de ouro, quando países muito menores e mais pobres do que o Brasil tiveram um desempenho tão melhor, decorre de que nossas crianças, todas elas, não estão na escola com instalações, com tempo, com orientação para praticarem os esportes. Por isso somos tão fracos em atletismo, a mais especial das categorias que necessitam da escola.

            Por isso, é com tristeza que digo: esqueçam 2016! Vamos fazer uma bela Copa, uma bela Olimpíada, é bem possível. Vamos fazer um show de abertura talvez melhor do que o dos ingleses, um show de conclusão melhor do que o dos ingleses. Podemos fazer uma festa até melhor, até por que vamos gastar R$60 bilhões para fazer a Copa, mas, em medalha, não vai dar tempo de conseguir um conjunto de atletas em condições de obter muitas medalhas, porque, para ter muitas medalhas, precisamos investir hoje nos meninos e meninas de cinco anos de idade. E, de cinco anos de idade até chegar à Copa, vão ser necessários quinze anos. Então, não será a próxima, nem a seguinte, nem a seguinte, talvez a seguinte, se a gente começasse a fazer hoje, mas ninguém está vendo quem quer que seja falando em começar hoje pela escola.

            Já estão falando em colocar mais dinheiro. Isso a gente tem, com um PIB enorme, o sexto do mundo. Já tem gente falando em usar e criar escolas específicas de atletismo, o que nós temos condições; mas não vamos ter, através disso, a condição de dar o grande salto, que vai exigir investimentos desde a idade mais jovem. É difícil, quase impossível, fazer um jogador de futebol depois dos quinze anos de idade. Um jogador de futebol bom começa a jogar aos cinco. É difícil fazer um pianista muito bom depois dos quinze anos de idade. Quase tudo que exige muito talento exige a identificação desse talento na primeira infância e o acompanhamento desse talento ao longo da idade. E, quando é o caso, quando se tem o acompanhamento com a persistência pessoal, a gente tem o campeão.

            Eu quero, Senador Mozarildo, concluir dizendo que, nessas Olimpíadas, o que mais me emocionou não foram as medalhas; o que mais me emocionou foi o pedido de desculpas do nosso atleta Diego Hypólito ao Brasil por um erro que ele cometeu.

            Diego, você não tem que pedir desculpas a ninguém. Aquele erro qualquer um comete.

            Acho, aliás, incrível que alguns consigam chegar até o fim daquelas ginásticas. Quem tem de pedir desculpas ao povo brasileiro somos nós, os políticos, os dirigentes deste País, que não temos investido, ao longo de 50 anos, na educação das nossas crianças, para que essas crianças que têm talento sejam identificadas, que esse talento seja acompanhado e, aí sim, cobrar persistência daqueles que têm vocação, como ele, o Diego. Aquela falha é uma falha que qualquer um pode cometer.

            Você fez tudo que era preciso como ser humano, como indivíduo, para ter o resultado pleno de uma medalha de ouro, e as circunstâncias não deixaram.

            Aí, até a sorte influi muito. Agora, nós não temos desculpas. Nós, que há 50 anos - então, não sou eu individualmente, não é o Senador Mozarildo, não é nenhum sozinho -, somos os líderes deste País, ou a gente não consegue porque não tem preocupação com o assunto, ou a gente não consegue porque quer colocar dinheiro em outras coisas; ou a gente não consegue pela incompetência de fazer prevalecer a vontade da gente. Ficamos na teoria, não conseguimos ter a força. Outros conseguem força e não colocam o dinheiro corretamente.

            Eu lamento, mas é uma ilusão desses que estão falando que a gente pode fabricar campeões a partir dos 15 anos ou 20 anos de idade, desses que acham que a gente pode construir campeões apenas através das ações dos responsáveis especificamente pelas Olimpíadas, o COB. Não! Não é aí que se cria o campeão. A fábrica de campeões chama-se escola; a fábrica de campeões está no lugar onde a gente faz a peneira para identificar os talentos; onde começamos as ações para dar os primeiros passos com esse talento sendo acompanhado com auxílio, com técnicos; para, só depois, entrarem as instituições que trabalham diretamente com aqueles que já demonstraram talento, que já demonstraram persistência e que precisam apenas de apoio.

            Nós invertemos tudo. Estamos querendo começar pelo apoio, sem identificar os talentos entre 200 milhões. Não basta identificar talentos entre os poucos heróis que conseguiram sair. E os que nós perdemos?

            Nós não ganhamos as eleições porque transformamos nosso País em um crematório de talentos. Nós queimamos os nossos talentos. Da mesma maneira que queimamos os nossos talentos intelectuais por não lhes darmos escolas, nós queimamos os nossos talentos desportivos por não lhes darmos também a escola, onde é o início da identificação de talento, seja intelectual, seja físico; seja para profissões liberais, seja para atividades esportivas.

            Não adianta prometer 2016 se não vamos fazer o dever de casa correto para 2024 e 2026.

            É claro que temos de fazer algum esforço. É claro que vai ser uma vergonha muito grande ficar com três medalhas de ouro e o 22º lugar tendo as Olimpíadas dentro do Brasil.

            Aumentemos de três para cinco, para seis, mas para chegarmos aonde chegou a Coreia, aonde chegou a Inglaterra, aonde chegaram os Estados Unidos, a Rússia, a Alemanha, a França, a Itália, a Hungria, a Austrália, todos esses na nossa frente, países pequenos, com PIB pequeno, para chegarmos lá, só se começarmos a investir agora, olhando o médio e o longo prazo.

            Não adianta investir quando a pessoa já é campeã. Tem de investir quando a pessoa é criança, até para saber quem tem vocação, quem tem talento, quem tem veia de campeão e quem não tem.

            Então, Senador Mozarildo, eu quero aproveitar o fato de ter assistido, ontem, a essas Olimpíadas, a conclusão, de ter visto, com frustração, os nossos resultados, para pedir desculpas aos nossos atletas, e não para ouvi-los pedindo desculpas como ouvi o Diego Hypólito.

            Eu quero, como político brasileiro, pedir desculpas ao Brasil pela baixa performance que temos tido ao longo de décadas. Não foi só ontem.

            Nós, Senador Mozarildo, comemoramos os pouquinhos, porque nos comparamos conosco.

            Eu ouvi gente dizendo: “Mas, em Atenas, tivemos menos; em Atlanta, tivemos menos; em Pequim, tivemos menos; em Moscou, tivemos menos, ou mais, ou igual”.

            Não temos que nos comparar conosco de um ano para o outro. Nós temos que nos comparar com o mundo. E comparados com o mundo, nós fracassamos rotundamente, por sermos um dos mais populosos países do mundo, por sermos um dos mais ricos países do mundo do ponto de vista do Produto Interno Bruto. E esse fracasso não vem dos atletas; esse fracasso vem de nós, políticos, de nós, líderes deste País, que não somos capazes ou de entender onde está a peneira dos talentos, que é a escola, ou de entendermos e não conseguirmos fazer prevalecer as nossas ideias.

            O senhor, Senador Mozarildo, falou da federalização da educação. Não há outro caminho para termos grandes medalhas ou um número grande de medalhas a não ser federalizando a educação de base, fazendo com que as escolas deste País sejam todas boas, da maior qualidade, o que não é possível graças apenas ao poucos recursos dos nossos prefeitos. Eles não têm recursos para isso. Só a União. A União que federalizou as universidades, que tem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, tantas instituições que funcionam bem nacionalmente, só a União vai ser capaz de fazer isso. A federalização da educação é um caminho necessário para que o Brasil se saia bem em tudo, inclusive nas Olimpíadas dos anos futuros. Na economia também, porque cada vez mais a economia vai ser fruto do conhecimento. Mas nós insistimos em não entender ou insistimos em não fazer.

            Vamos tirar proveito de um fracasso para entender onde erramos. Não é no PIB, porque o nosso é grande; não é na população, porque a nossa é grande. É na escola, onde nós não queremos fazer com que ela tenha condições de peneirar, de identificar os talentos e de acompanhá-los na primeira infância.

            É isso, Sr, Presidente, que eu tenho para colocar neste dia seguinte ao encerramento dessas Olimpíadas, a última antes da próxima nossa, que será no Brasil.

            Não tenho dúvidas de que vamos fazer as Olimpíadas, do ponto de vista da organização, de forma competente. Mas, lamentavelmente, eu tenho poucas dúvidas também de que nós vamos conseguir chegar lá, além de organizadores, também como campeões. Como organizadores, vamos conseguir; como campeões, não vejo como, em quatro anos.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2012 - Página 41157