Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às coligações partidárias feitas para as eleições municipais; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES, REFORMA POLITICA. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. :
  • Críticas às coligações partidárias feitas para as eleições municipais; e outros assuntos.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2012 - Página 52479
Assunto
Outros > ELEIÇÕES, REFORMA POLITICA. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, VIAGEM, PAIS, ORADOR, OBJETIVO, APOIO, CAMPANHA, ELEIÇÕES, MUNICIPIOS, CRITICA, SENADOR, RELAÇÃO, PERDA, IDENTIDADE, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, BRASIL, RESULTADO, MISTURA, SIGLA, MOTIVO, ELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, CANDIDATO, ELEIÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FATO, CRIAÇÃO, PROJETO, OBJETIVO, EMANCIPAÇÃO, FINANÇAS, BRASILEIROS, SUBSTITUIÇÃO, PROGRAMA, TRANSFERENCIA, RENDA, REGISTRO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO ECONOMICO, PAIS, MELHORIA, COMBATE, CORRUPÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde, Senador Antônio Carlos Rodrigues, que preside a sessão, Senador João Ribeiro, Srs. Senadores, Srªs Senadoras. Embora não haja eleição no Distrito Federal nesse processo municipal, eu tive dedicado um bom tempo das últimas semanas ao processo eleitoral municipal em diversas partes do Brasil.

            Viajei de norte a sul, viajei por diversos Estados. Estive presente talvez em cem cidades. Senador Paim, nesses dias, em uma das vezes, fiz dez cidades em Santa Catarina.

            Quero aqui fazer não um balanço do resultado partidário, Senador Paim. Quero falar aqui de uma constatação - na verdade, duas - que essas eleições nos mostram para quem andou pelo Brasil e para quem leu com cuidado o noticiário. A primeira é a mistura partidária de siglas que nós vimos durante esse processo eleitoral, mostrando, com clareza, que os partidos perderam suas cores, cores no sentido de ideologia, no sentido de proposta, no sentido de identidade. Os partidos ficaram sem identidade, sem bandeira, sem proposta.

            Há pouco, ouvimos aqui o Senador Paulo Paim falando. Daria uma bela história o colete do Paim. Ele, num palanque, com um colete vermelho, que é a cor do PT, e, de repente, essa cor ser esdrúxula naquele palanque. Eu vivi isso, Senador Paim, em diversos palanques onde eu estive. Eu fiz campanha para números que eu nunca imaginei fazer, porque os números perderam a identidade de uma proposta, de uma ideologia. Os partidos perderam as cores. Nós transformamos os Partidos em siglas eleitorais não propositivas. E esta é uma tragédia política que um país pode atravessar por falta de clareza de propostas antagônicas em nível nacional. Em cada cidade mesmo, as alianças dessa eleição eram diferentes das alianças de quatro anos atrás e lamento dizer que, provavelmente, diferentes daquelas que ocorrerão daqui a quatro anos. Nós misturamos tudo. Nós ficamos absolutamente parecidos os chamados partidos, mas, na verdade, siglas.

            Em uma das cidades, o meu Partido chegou a apoiar um candidato, uma pessoa respeitável inclusive. Não tenho constrangimento ético com essa pessoa, mas terminei fazendo pronunciamentos por um candidato do PSOL, com o qual eu me sentia mais identificado, porque - e eu disse na minha fala a favor do Freixo, candidato do Rio de Janeiro pelo PSOL -, os partidos ficaram muito parecidos. Mas ainda existe o lado de lá e o lado de cá. E eu não quero sair do meu lado, ainda que, de repente, por razões eleitorais, a sigla à qual a gente pertence ponha o pé no outro lado. Mas isso faz parte do jogo. O que não faz parte do jogo é descaracterizar as propostas. Você se aliar a outro faz parte, sim, do jogo, sobretudo no segundo turno. Porque o primeiro é feito para a gente votar no mais próximo, e o segundo é feito para a gente votar no menos distante daquilo que a gente pensa.

            Essa misturada é o que mais me chamou a atenção nesta eleição. E não é a primeira vez. Em 2002, já foi assim. Em 2006, foi assim. Em 2010, foi assim. Até quando a gente vai continuar sem uma reforma partidária que traga de volta o debate ideológico? Até quando?

            E o que eu acho mais importante é que, talvez, em raros momentos no passado, foi tão importante, Senador Paim, ter clareza de uma proposta alternativa para o Brasil. Porque, nesses 20 anos, nós experimentamos avanços imensos, dentro de uma social democracia brasileira, tropical, caracterizada pela democracia, pela estabilidade monetária, por programas generosos - positivamente, finalmente, neste País - de transferência de renda e por um modelo econômico, que já tem 50 anos, do crescimento, baseado no agronegócio e na produção metal mecânica.

            Só que, Senador Paim, a sensação que tem quem estudar direitinho é que isso se esgotou. Por exemplo, a democracia que nós estamos sustentando há mais de 20 anos, com a coerência de todos os políticos, sem exceção - ninguém está defendendo desestabilizar a democracia -, está incompleta. Ela é incompleta por falta de partidos com nitidez. Ela é incompleta pela possibilidade de compra de votos, pelas contribuições privadas, que amarram os eleitos aos contribuintes de suas campanhas, pela corrupção. É uma democracia que precisa dar um salto. E nenhum dos Presidentes - Fernando Henrique, Lula e Dilma - teve a ousadia de trazer para cá uma proposta de reforma política que complemente a democracia, que, em 20 anos, está ficando velha. Mas, se jogamos críticas neles, vale a pena perguntar: e nós, que já estamos aqui há alguns anos, o que fizemos? Porque esta pode ser uma iniciativa do Congresso. Não precisa esperar o Presidente. A gente podia estar fazendo essa reforma política. Não estamos. Está se esgotando o item da democracia, da forma como nós temos, Senador Paim. Está se esgotando.

            Há uma ânsia por uma democracia mais sólida, por uma democracia em que não se precise da chamada judicialização da política, em que as regras sejam permanentes e não dependam do que alguns juízes dizem a cada momento. Por incompetência nossa de fazer boa lei aqui dentro, permite-se a interpretação, exige-se a interpretação. É bem-vinda, muitas vezes, a interpretação, mas não é o ideal.

            Como haver um financiamento de campanha que não amarre os políticos eleitos aos seus contribuintes? Como fazer essa complementação? Esse momento exige isso, e esse debate não se viu nessas eleições. É certo que essas eleições são municipais, e a principal preocupação do eleitor é com seu quotidiano, se o lixo vai ser limpo, se o transporte vai funcionar, se o posto de saúde vai estar aberto, se as escolas vão ensinar. É claro que esse é o compromisso maior, mas sou de um tempo em que a gente debatia o local nas eleições municipais e o internacional, e o nacional, e a ideologia, e a visão diferente, e a cor do candidato. Hoje, a gente não discute mais a cor do candidato. No máximo, a gente discute como é que ele vai cuidar dos estacionamentos de automóveis, como é que ele vai tratar a tarifa de ônibus. Falta completar a democracia.

            Segundo, há programas positivos neste Brasil, nos últimos 20 anos, de transferência de renda. Houve transferências de renda sob a forma inicial de bolsa-escola e sob a forma seguinte de bolsa-família, o vale alimentação e outros programas desses. E, antes disso, ainda no regime militar, sim, veio o vale transporte, a aposentadoria rural. Esses gestos caracterizam as últimas décadas e mostram generosidade com a parcela excluída, mas isso também tem de dar um salto. Temos de dar um salto, Senador Paim, da transferência de renda para a emancipação do povo, fazendo com que, neste País, ninguém precise receber ajuda, salvo aqueles que são portadores de algum tipo de deficiência que lhes impede de ter uma atividade, uma remuneração, uma renda própria.

            Quem está discutindo como fazer essa emancipação? A discussão se dá em torno de quem aumenta o número de bolsas-famílias, não de quem consegue dizer como fazê-las desnecessárias para a população. Essa inflexão é um debate ideológico, o debate da generosidade versus o debate da emancipação, como houve, Senador Paim, durante a escravidão. Muitos defendiam a Lei do Ventre Livre, a proibição do tráfico, a Lei do Sexagenário, mas poucos defendiam a abolição. O vale de hoje, a bolsa de hoje equivale à Lei do Ventre Livre, equivale à Lei do Sexagenário. A aposentadoria rural nada mais é do que a Lei do Sexagenário nos tempos de hoje. Felizmente, ela existe. Felizmente, existe a bolsa, como felizmente existiu a Lei do Sexagenário. Mas foi preciso esperar ainda, se não me engano, 3 ou 4 anos para chegar a Lei Áurea, da abolição. O debate “generosidade versus emancipação” não se viu nessa campanha.

            Finalmente, há dois itens. A responsabilidade fiscal, que felizmente penetrou todo o tecido político, começa a ser relaxada. Os últimos indicadores -superávit fiscal, aumento de gastos, queda da receita - permitem acender uma luz muito vermelha no que se refere à aplicação da responsabilidade fiscal, uma conquista praticamente tão importante quanto foi a democracia no Brasil.

            Mas não é só o relaxamento com a Lei de Responsabilidade Fiscal. É o fato de que não basta haver uma Lei de Responsabilidade Fiscal, mas de que é preciso haver um controle maior dos gastos públicos, de que é preciso haver uma máquina mais eficiente funcionando, de tal maneira que se gaste menos fazendo mais, e isso a gente não tem. Até hoje, quando a gente quer saber se um prefeito é bom para a educação, a gente pergunta quanto ele gasta, não quantos meninos terminam o ensino médio com qualidade. Devia ser o contrário, devíamos perguntar quem gasta menos fazendo mais, não, como no Brasil, quem gasta mais, mesmo fazendo menos.

            Finalmente, depois de defender uma mudança, uma inflexão - isto vai exigir ideologia, vai exigir um debate de ideias, vai exigir propostas antagônicas, que nós não vimos -, além de completar a democracia, de tornar a Lei de Responsabilidade Fiscal viável, sem nenhum problema, de transformar a generosidade em emancipação, é preciso mudar o modelo econômico que o Brasil tem há 50 anos, que é o modelo da exportação de bens primários, seja ferro ou seja soja, que já dura 500 anos. O modelo da indústria metal-mecânica, sobretudo a indústria automobilística, já dura 50 anos. É preciso substituir tudo isso por um modelo que carregue a distribuição de renda dentro do produto, não passando pelo Tesouro.

            A indústria de automóveis privada é uma indústria concentradora; a indústria de ônibus é uma indústria distributiva. É isto que a gente tem que fazer: uma indústria distributiva que respeite o meio ambiente e uma política econômica baseada na alta tecnologia, que é o que vai fazer a economia do futuro.

            Esse debate da inflexão, da dobra, da mudança de rumo na economia para um modelo adaptado ao século XXI, e não um modelo de meados do século XX, faltou nessa eleição. Nessa eleição, é tolerável. É uma eleição municipal. As coisas estão voltadas para o seu cotidiano, mas, em 2014 - eu lamento -, pode ser que, mais uma vez, esse debate não venha. Pode ser que, mais uma vez, a gente fique sabendo quem respeita ou não a responsabilidade, e não quem a aprimora; quem defende ou não defende a Constituição, e não quem melhora a democracia. Pode-se ficar num programa de manter as bolsas permanentemente, e não dizer: “nós vamos defender que, neste País, todos tenham Bolsa Família e o que for preciso”, mas vamos garantir que, em breve, isso não será mais necessário, embora enquanto um brasileiro precisar disso vai receber.

            Finalmente, um modelo econômico diferente que não dependa de fazer as cidades inviáveis, como é hoje; que as cidades brasileiras tenham um modelo econômico baseado na indústria automobilística. Não funcionam mais as cidades. As cidades estão parando, e a gente insiste em continuar com um modelo econômico que precisa de cidades paradas, engarrafadas.

            Eu espero, Senador Paim - e lhe concedo o aparte - que, a partir de agora e em 2014, o debate de ideias, de propostas, de concepções de futuro entre no discurso político.

            Só para dar um exemplo de como isso não virá agora, ao ler os principais jornais hoje sobre a principal cidade brasileira, onde haverá eleição no segundo turno, que é São Paulo, a gente vê que o grande debate vai ser sobre corrupção: quem é o pai e quem não é o pai do mensalão, quem tem um passado limpo e quem não tem um passado limpo. Isso devia ser o óbvio. Como não é o óbvio, é preciso que se discuta isso. Felizmente, discute-se isso, mas não basta. Não basta a corrupção para dizer que o futuro do País vai ser melhor. É preciso mais do que eliminar a corrupção no comportamento dos políticos. É preciso eliminar a corrupção nas prioridades das políticas, e sobre isso a gente não está nem falando. A gente fala como se corrupção fosse apenas uma questão de comportamento, e não uma questão de opção, de rumo do País.

            Eu espero que esta eleição, que não é a primeira que nos traz esta reflexão, seja a última em que nós não discutimos para onde é que queremos que vá o Brasil. Que seja a última em que a gente pense que está indo muito bem, quando nós estamos melhorando, mas não estamos mudando o suficiente para garantir a verdadeira melhoria no longo prazo.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu queria falar, mas quero passar o aparte para o Senador Paim, de quem eu ouvi o discurso, o percurso dele pelo Rio Grande, os resultados obtidos pelo Partido dos Trabalhadores. E aí eu me congratulo com o Prefeito Fortunati, de Porto Alegre, um dos candidatos cujo nome defendi, um grande nome, que foi do Partido dos Trabalhadores, que é do Partido Democrático Trabalhista, uma figura formidável, cujo presente não precisa repudiar em nada o passado, como eu não repudio nada do meu passado, e que teve uma vitória tão brilhante para a Prefeitura de Porto Alegre.

            Senador Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, Presidente João Ribeiro, eu faço um aparte a V. Exª mais ou menos nessa linha. Eu ia, inclusive, comentar que o PDT fez uma aliança ampla, total e irrestrita em Porto Alegre e também em Caxias, minha cidade. Uma das alianças mais amplas, mas nem por isso, na linha do que V. Exª falou, o Fortunati, a quem eu quero muito bem, meu amigo pessoal, como V. Exª, em plena campanha, ele foi para o Mercado Público, marcou uma coletiva e disse: “Como o Cristovam, eu voto no Paim”. Isso teve até alguns problemas para ele no processo eleitoral, mas ele, em nenhum momento, negou: “Voto e votaria de novo”. Então, eu quero também, neste momento, cumprimentar V. Exª - V. Exª esteve em Porto Alegre, fez campanha para o Fortunati; o meu candidato era o Villaverde, da base de governo do PT -, como também a nossa querida do PCdoB, a Manuela, que ficou em segundo lugar. Mas quero dizer que Fortunati, de fato - inclusive foi o meu Líder na bancada do PT -, é um grande quadro do PDT, como o foi do PT, e tem posições muito firmes e muito claras. Mas eu quero ir além: em Caxias do Sul, minha cidade natal, ganhou no primeiro turno também - eu acho que é a segunda cidade mais importante do Estado; a primeira é Porto Alegre, e a segunda é Caxias - o Alceu Barbosa Velho, do PDT, numa aliança ampla, mas também com posições muito claras, defendendo o trabalhismo. Acho que é bom vermos que o programa guiou o debate, em Porto Alegre, do Fortunati, do Alceu Barbosa, da Manuela e do Villaverde, e o povo fez sua opção. Todos os partidos da base de nosso Governo. Concordo com V. Exª também - sei que V. Exª viajou pelo País - de que é preciso, de fato e de direito, de uma reforma política e que haja, principalmente, o Financiamento Público de Campanha. O que eu percebi nessas eleições? Os candidatos mais pobres não se elegeram. Peguemos os candidatos a vereadores. Não tinham a mínima chance. Vi cidades todas pintadas pelos grandes partidos e pelos vereadores dos grandes partidos, e aqueles vereadores mais pobres escrevendo praticamente em rascunho, em pedaços de papel, seu número. Há uma diferença muito grande quanto ao poder econômico e às eleições, por isso seria fundamental assegurar o Financiamento Público de Campanha. Mais uma vez, meus cumprimentos ao seu pronunciamento. Concordo - e V. Exª sabe de minha admiração - com seu ponto de vista.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador Paulo Paim. Mas não é só a admiração mútua, é que nós somos do mesmo lado. Independente de estarmos em uma sigla ou noutra, nós somos do mesmo lado. Há pessoas com as quais me sinto do mesmo lado em todas as siglas. Vou dizer de novo: todas, sem exceção. E em todas, eu repito, inclusive a minha, há pessoas que não são do nosso lado, porque tudo se misturou.

            E eu resumo, Senador João Ribeiro, dizendo que, se me perguntarem quais foram as características centrais dessas eleições, eu diria: uma misturada das siglas de hoje e um vazio de ideias para o futuro.

            Vamos fazer com que 2014 seja diferente: que nós nos organizemos por lado e tenhamos propostas alternativas para o futuro do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2012 - Página 52479