Discurso durante a 187ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o julgamento do “mensalão” pelo STF.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre o julgamento do “mensalão” pelo STF.
Aparteantes
Alvaro Dias, Ana Amélia, Eduardo Suplicy, Roberto Requião, Tomás Correia.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2012 - Página 53350
Assunto
Outros > CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, PROCESSO, PAGAMENTO, MESADA, CONGRESSISTA, REGISTRO, IMPORTANCIA, ACOMPANHAMENTO, POPULAÇÃO, ANALISE, RESULTADO, ATIVIDADE, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MINISTERIO PUBLICO, COMENTARIO, ENFASE, PARTICIPAÇÃO, EX MINISTRO, CASA CIVIL, EX PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REFERENCIA, ASSUNTO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, cidadãos que nos acompanham pelos meios de comunicação do Senado da República, povo do Estado de Mato Grosso, em discurso proferido no Athénée Royal de Paris, em 1819, Benjamin Constant explica que a liberdade dos modernos, diferenciando esse direito, em sua essência, da liberdade dos antigos, seria, para cada um, o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos.

            E continua Benjamin Constant: é para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo, de dispor de sua propriedade, de ir e vir sem necessitar de permissão e sem ter que prestar contas de seus motivos ou de seus passos.

            Mas para que isso acontecesse, Senadores, foi preciso substituir o súdito pelo cidadão, permitir aos homens a participação na gestão dos bens públicos, trocar a vontade do rei pela vontade da lei, o que significa superar o governo dos coronéis e caudilhos pelo império do direito.

            E assim se forma a chamada República: a Constituição e as leis se colocam acima de todos. Repito: a Constituição e as leis se colocam acima de todos. O bem comum deve ficar imune aos caprichos particulares, às vontades arbitrárias e aos interesses menores de um ou outro partido. A República demanda respeito às instituições políticas, especialmente ao Parlamento, lugar de maior expressão da vida democrática.

            Contudo, Sr. Presidente, no Brasil, talvez por conta do espírito que privilegia a ética da aventura, como dizia Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil, faltava um passo importante para a concretização do ideário republicano, qual seja, a superação do coronelismo personalista, em que as elites econômicas e políticas se colocavam acima dos homens comuns, homens de bem e trabalhadores que não aceitam a existência de castas de privilegiados imunes à aplicação da lei.

            Por isso, Senadora Ana Amélia, só me resta aplaudir os rumos dados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal, já famosa pelo seu número, 470, mais conhecido como julgamento do mensalão, pois a Nação toda assiste à submissão das elites econômicas e políticas que governaram o País nos últimos anos aos ditames impessoais e incontestes da lei, superando o súdito pelo cidadão, a palavra do rei pela palavra da lei.

            Assim, o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil, conforme destacou o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, vai recebendo uma resposta merecida. Com a apreciação das inúmeras provas presentes nos autos, as condenações vão acontecendo.

            Por envolver sofisticados esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público, bem como pela vil tentativa de subordinar o Parlamento brasileiro ao imperialismo do Executivo da maneira mais torpe possível, ou seja, a compra de votos de Deputados, o caso abalou os alicerces desta República. Derrubou o então Ministro da Casa Civil, derrubou a cúpula da Câmara dos Deputados e até mesmo chegou-se a suscitar o impeachment do Presidente da República.

            Com efeito, explica a denúncia do Ministério Público Federal que o ex-Ministro, depois Deputado cassado, e agora cidadão condenado, José Dirceu, talvez o mais próximo interlocutor do então Presidente e Ministro mais influente de seu governo, arquitetou uma “sofisticada organização criminosa, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude”.

            Essas organização criminosa, Sr. Presidente, contava com a participação de empresários, banqueiros, políticos que agiram para desviar recursos públicos e compra de apoio político, com o objetivo de consolidar o projeto hegemônico de manutenção do poder nas mãos do partido que recém ascendera ao posto mais alto da República.

            Ainda segundo a denúncia do Ministério Público Federal, no depoimento que prestou na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e também na CPMI chamada dos Correios, Roberto Jefferson afirmou que o esquema pelo mesmo noticiado era dirigido e operacionalizado, entre outros, pelo ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, hoje um cidadão condenado pelo ex-Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, e por um empresário do ramo de publicidade de Minas Gerais, até então desconhecido do grande público, chamado Marcos Valério, ao qual incumbia a distribuição do vil metal. Vil metal, o chamado dinheiro sujo.

            Relevante destacar que as imputações feitas pelo ex-Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas. Por isso, vamos aos fatos.

            Especialmente em relação ao núcleo político da quadrilha, formada pelo ex-Ministro José Dirceu, pelo ex-Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, pelo ex-tesoureiro do mesmo partido, Delúbio Soares e pelo publicitário Marcos Valério, ficou devidamente comprovada a prática do crime de corrupção ativa, conforme se extrai do relatório do Ministro Relator, Joaquim Barbosa, e dos votos dos demais ministros que já apreciaram a questão, além da provável condenação pelo crime de formação de quadrilha.

            Nesses votos, está claro que José Dirceu, hoje um cidadão condenado, foi apenado - ainda não apenado, mas ao menos a culpa já a ele está relacionada - com base na teoria do domínio do fato. O que seria esta teoria do domínio do fato, Senadora Ana Amélia? O Supremo, até agora comprovou que ele possuía conhecimento de tudo e fazia parte do primeiro escalão do governo e do esquema de compra de votos.

            Falando para o cidadão mais humilde, comprar voto de parlamentar é comprar consciência, Senador Tomás. É a mesma coisa de comprar uma decisão judicial. É comprar a vontade do cidadão expressa na verdade das urnas, que nos manda para esta Casa e para a Casa aí ao lado.

            Segundo o relatório do Ministro Joaquim Barbosa, o cidadão condenado, José Dirceu, participou de reuniões fechadas, jantares, encontros secretos, exerceu o comando e deu garantias ao esquema criminoso, além de coordenar a divisão de tarefas. Ainda segundo o Ministro Relator, o conjunto probatório sobre os pagamentos efetuados por Delúbio Soares e Marcos Valério a parlamentares - portanto, para comprar consciências - coloca o então Ministro da Casa Civil na posição central da organização e da prática como mandante das promessas de pagamento das vantagens indevidas a parlamentares, para apoiar o governo.

            Para demonstrar as fontes de sua convicção, o Relator leu depoimentos de Marcos Valério e Delúbio Soares, ex-Tesoureiro do PT, sobre o cidadão hoje condenado, José Dirceu. Afirmou que Delúbio tentou protegê-lo, mas depois admitiu a ligação do ex-Ministro com o operador do esquema - são as palavras do Ministro Relator. Ainda continua. Na análise de Joaquim Barbosa, os autos mostram que José Dirceu mantinha proximidade e influência superlativa - repito: superlativa - sobre os demais corréus, especialmente os dois núcleos publicitário e financeiro, afirmou o Ministro.

            Para a minha honra, concedo um aparte à Senadora Ana Amélia, digna representante dos gaúchos nesta Casa.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Pedro Taques, o senhor que honra o Senado e que traz, como grande patrimônio, na sua forma pessoal de como um Senador deve agir, representa a instituição que teve uma parte, um protagonismo fundamental nesse processo, que é o Ministério Público. Como tal, faço questão de cumprimentá-lo, no reconhecimento a essa instituição. No momento em que muitas instituições e as próprias lideranças, em todos os setores da vida nacional, enfrentam descrédito, desconfiança e, em algumas áreas, dúvidas sobre a qualidade dessas lideranças, vemos um crescimento da confiança da sociedade brasileira nesse julgamento, pela atitude reta, competente e independente do Supremo Tribunal Federal nesse processo. É gratificante para os cidadãos e cidadãs deste País verificarem a forma como os Ministros agiram e estão agindo na conclusão dos trabalhos, quando não se acreditava que o processo fosse dar algum resultado. O resultado é a certeza de que a justiça existe. Pode tardar, mas, nesse caso, não falhou. Mais ainda, Senador Pedro Taques, eu queria dizer que, para a instituição Congresso Nacional, é também relevante o fato de que tudo isso se originou de uma CPI feita no Congresso. As CPIs não são ineficazes, ineficientes. Elas têm seu significado, como a famosa CPI dos Correios, a que V. Exª acabou de se referir, pelo trabalho do Relator Osmar Serraglio e do Senador Delcídio do Amaral. Então, é bom reconhecer isso e o fato de o Procurador Antonio Fernando de Souza ter sido o primeiro a acolher a denúncia e encaminhá-la ao Supremo, e, depois, o atual Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel. Portanto, as instituições, com esse julgamento, saem fortalecidas, talvez até mais do que as pessoas. Mas convém ressaltar novamente o trabalho do Relator no Supremo Tribunal Federal, o mineiro de Paracatu, Joaquim Barbosa. Nós todos nos sentimos bem representados pela atitude que ele tomou, assim como os Ministros que ajudaram a confirmar um julgamento sério, sereno, de muita competência e de muito compromisso com a lei, a ordem e a dignidade no exercício da política e, sobretudo, no exercício de um julgamento que foi esse que orgulha a todos os brasileiros, dada a repercussão que está tendo, inclusive internacionalmente. Então, eu queria apenas reafirmar os cumprimentos a V. Exª pela análise que, técnica, política e institucionalmente, está fazendo a respeito do que vimos ontem no encerramento desse julgamento. Parabéns, Senador Pedro Taques!

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia. Seu aparte traz luzes ao meu humilde discurso.

            Antes de continuar meu pronunciamento, gostaria de abrir dois pontos na fala de V. Exª: o primeiro deles é sobre a importância de uma comissão parlamentar de inquérito. Esse julgamento do mensalão surge de uma investigação levada a cabo em uma comissão parlamentar de inquérito, uma comissão mista, formada por Deputados e Senadores. E nós estamos vivendo o momento de outra comissão parlamentar mista de inquérito, a chamada CPI do Cachoeira. E, segundo a imprensa, já existiria um acordo entre dois grandes partidos para encerrar a CPI do Cachoeira.

            Muito bem. Encerrar a CPI do Cachoeira, como eu disse ontem na CPI, é nós entendermos que o cidadão brasileiro pode cair no conto do vigário, é nós jogarmos debaixo do tapete o lixo. E esse lixo está podre, fedendo. Ele está podre e fedendo, Senadora e Senadores, porque hoje nós temos condições de chegar até aos financiadores de campanhas eleitorais. Explico: foi afastado o sigilo da Delta, restou comprovado que milhões de reais, quase R$700 milhões, foram para pessoas jurídicas fantasmas, empresas laranjas. E agora nós pedimos o afastamento da quebra do sigilo bancário dessas pessoas jurídicas de fachada, pessoas jurídicas que só existem para praticar crimes. E nós... Nós não. Alguns Parlamentares já estão a dizer que essa CPI precisa fechar suas portas. Isso é entender que o cidadão brasileiro é bobó cheira-cheira, como dizem na minha cidade de Cuiabá. É entender que o povo é bobo, Senadora. Isso não é possível.

            Este é o primeiro ponto. Eu me manifestei ontem. Eu e o Senador Randolfe não concordamos com o encerramento da CPI. Precisamos prorrogar o prazo. E existem aqueles que dizem o seguinte: “Ah, a Polícia Federal está a investigar.” A Polícia Federal pode estar a investigar, mas nós não podemos abrir mão de nossas prerrogativas constitucionais. Encerrar a CPI, ou seja, não prorrogá-la é enganar o cidadão brasileiro. Este é o primeiro ponto.

            O segundo ponto que eu gostaria de ressaltar é sobre a importância do ex-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando, sua importância, sua serenidade no oferecimento da peça inicial, da denúncia do caso do mensalão. E, agora, a condução pelo Dr. Gurgel, o que mostra a independência do Ministério Público.

            Se lermos a Constituição como um todo, veremos, na Constituição, a independência em dois momentos: no art. 2º e no art. 127, § 1º. Independência quer dizer ausência de subordinação. Ele deve a sua consciência apenas à Constituição da República.

            Gostaria de ressaltar a importância disso e também a importância do Ministro Relator, Joaquim Barbosa, que saiu do Ministério Público Federal para o Supremo Tribunal Federal. A importância do Joaquim Barbosa, que, agora, vem sendo criticado, até com argumentos preconceituosos, em razão da cor da sua pele e aqui nos faz lembrar um grande ser humano: Martin Luther King. O cidadão não pode ser julgado pela cor da sua pele. Ele não pode ser julgado se é pobre ou rico, se é Senador ou trabalhador. Ele só pode ser julgado pelo ser caráter, pela sua honestidade, pela capacidade de trabalho, e o Ministro Joaquim Barbosa está a demonstrar isso.

            Muito obrigado.

            Antes de voltar à minha fala, eu aqui concedo um aparte ao digno representante do Estado de Rondônia, Senador Tomás Correia.

            O Sr. Tomás Correia (Bloco/PMDB - RO) - Senador Pedro Taques, eu queria saudar V. Exa nesta tarde e dizer, apenas para não interrompê-lo por muito tempo, que me chama a atenção um aspecto desse julgamento. A primeira peça a que V. Exa se refere é a denúncia muito bem elaborada, muito bem feita. Mas há outro aspecto interessante: a defesa dos acusados ficou a critério dos melhores juristas nacionais. Dentre eles...

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Juristas não sei, mas grandes advogados.

            O Sr. Tomás Correia (Bloco/PMDB - RO) - É. Dentre eles, um dos maiores advogados do Brasil, ex-Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e outros não menos relevantes. Então, ali assistimos, por semanas, à sustentação que fez a defesa e a peça acusatória também. E, agora, estamos assistindo ao julgamento. Confesso a V. Exª que é uma aula de cidadania ouvir esse julgamento, porque foi garantida a defesa absoluta aos acusados, com o que há de melhor na advocacia nacional. Então, ouvi, ontem, um dos acusados dizendo que ia mostrar sua inocência, prová-la posteriormente. E fiquei a pensar: como, se o Supremo é a última instância nessa matéria? Como poderia, posteriormente, provar para quem, mostrar para quem sua inocência? Eu até gostaria que realmente tudo o que foi dito não fosse verdade. Que bom para a Nação se as acusações não fossem verdadeiras. Mas, infelizmente, apesar da grande defesa dos acusados, resta agora o julgamento com as condenações tipificadas devidamente e com a prova muito robusta, deixando claro que os crimes efetivamente foram cometidos. Então, eu queria saudar V. Exª e dizer que V. Exª traz um tema atual nesta tarde e refere-se a um momento histórico da Nação. Ressalto, por fim, a transparência do Judiciário hoje. Antigamente, esses processos eram julgados até em sessões secretas. Hoje, a Nação inteira tem a oportunidade de ver, de participar, de criticar ou de elogiar. Portanto, cumprimento V. Exª e agradeço o aparte.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Tomás, pelo aparte, que enriqueceu a nossa fala.

            Quero dizer a V. Exª que o advogado é imprescindível para a administração da justiça e para a existência do próprio Estado. Isso está previsto no art. 133 da Constituição da República. Agora, você julgar uma causa em razão de o advogado ser medalhão, isso não é possível. E o Supremo Tribunal Federal assim decidiu. Aliás, a Ministra Cármen Lúcia deu um pito, uma carraspana nos advogados ontem, porque entenderam que caixa 2 é algo que poderia ser tolerável, como falarei daqui a pouco. Advogado é imprescindível.

            Essa questão do recurso além do Supremo Tribunal Federal, o Supremo Tribunal Federal é o encerramento dos debates. Falar em recorrer à Organização dos Estados Americanos é direito de espernear, mas o direito de espernear não se encontra na Constituição. Advogados que dizem isso são advogados que, no mínimo, data venia - para usar o juridiquês -, não leram a Constituição da República, como disse o Ministro Joaquim Barbosa, porque a Constituição da República afirma que o nosso Estado é soberano, e soberania, aqui, é um poder político supremo e independente. Não existe, aqui, a possibilidade de recurso.

            No mais, é aquele discurso de quase 99% dos presos, dos presidiários das penitenciárias nacionais, de que são inocentes e de que houve perseguição. É um direito, até humano, reclamar, mas a Constituição encerra o julgamento no Supremo Tribunal Federal.

            Para minha honra, Sr. Presidente, concedo um aparte ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Senador Pedro Taques, V. Exª, com conhecimento jurídico, aborda questões essenciais decorrentes desse julgamento histórico pelo Supremo Tribunal Federal. E esse julgamento, certamente, supera as expectativas. Havia um pessimismo enorme em relação à resposta que o Supremo poderia dar à sociedade brasileira. Da minha parte, sempre houve esperança e confiança, e várias vezes tive a oportunidade de manifestar-me em respeito, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal do nosso País. Decorre, agora, desse julgamento, uma enorme responsabilidade para a classe política. O Supremo condena o mensalão e, provavelmente, coloca na cadeia alguns dos seus artífices principais. Mas o modelo está vigente. O sistema está vivo. Ele tem que ser destruído, tem que ser sepultado. Nós não podemos admitir mais essa tese de que só se governa instalando um balcão de negócios. Porque governabilidade não tem que rimar com promiscuidade, e nós temos a esperança de que, um dia, um presidente assuma o poder neste País e demonstre que é possível governar sem instalar um balcão de negócios. Em relação à CPMI Cachoeira, para ser sucinto e não tomar o seu tempo, eu gostaria de dizer que compartilho da sua posição. Nós não podemos admitir - sequer discutir - o encerramento dessa Comissão, porque ela não cumpriu ainda o seu dever. Nós temos que aprofundar as investigações em relação ao desvio do dinheiro público, especialmente através da empresa Delta. Estamos apenas no início desse trabalho, então temos que ter tempo. Essa CPMI não pode terminar em 2012, ela tem que ter prosseguimento em 2013. É muito importante, porque é descomunal o desvio de dinheiro público. Nós estamos juntos e vamos insistir para que essa CPMI seja prorrogada.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias. Quero concordar com V. Exª em razão desta palavra desgastada chamada governabilidade que, a meu juízo, hoje no Brasil, é um eufemismo para a bandalheira e para a submissão do Legislativo ao Executivo. É transformar o Legislativo nacional em um puxadinho, como já disse várias vezes, de um presidencialismo monárquico, de um presidencialismo imperial. A independência do Legislativo e a não hipertrofia, superforça do Executivo, é importante para a democracia.

            Continuo, Sr. Presidente.

            Segundo o Ministro relator, ficou provado - provado - que Marcos Valério e Delúbio Soares não agiram sozinhos e que José Dirceu era quem exercia “o controle dos atos executórios do qual se ocupou na negociação dos recursos empregados e reuniões com líderes parlamentares escolhidos para receber vantagens indevidas”.

            Sr. Presidente, cidadãos brasileiros, inúmeras são as provas. Apenas para exemplificar, em viagens a Portugal, José Dirceu enviou Marcos Valério como seu representante.

            A polêmica viagem em questão foi realizada por Valério; o ex-Secretário do PTB, Emerson Palmieri, e o ex-advogado das agências, Rogério Tolentino. O Presidente do PTB, Roberto Jefferson, afirmou que foi José Dirceu quem lhe pediu para enviar um representante para a reunião em Portugal. O objetivo seria negociar um aporte de oito milhões de euros a ser dividido entre os dois partidos políticos. Em seu depoimento, Palmieri afirmou que Valério se apresentou como representante do PT.

            O Relator enfatizou que Valério estava presente nas reuniões em Portugal com possíveis doadores e, no Brasil, com bancos que concederam empréstimos fajutos, fraudulentos. Ele ressaltou que o publicitário não tinha qualquer negócio com as empresas portuguesas em que esteve, apenas falava como representante do governo brasileiro. Imagine: um cidadão desqualificado falando como representante do Estado brasileiro, representante do governo brasileiro. Isso está nos autos - isso está nos autos -, mas não está na Constituição. Quem pode falar pelo Estado brasileiro, de acordo com o art. 84 da Constituição, é o Presidente da República, com fundamento no próprio art. 76 da Constituição.

            Quanto a José Genoino, ficou comprovado que ele fazia negociações com os partidos envolvidos.

            E aqui eu quero ressaltar, Senador Suplicy, a história do cidadão José Genoino. Ele tem história! Mas nós não estamos a julgar história. O Supremo Tribunal não está julgando história, não está julgando um partido político. Está julgando fatos, fatos, fatos! Poderiam ser do PDT, o Partido de que faço parte; poderiam ser do PSDB ou de qualquer outra sigla. Nós estamos julgando no Supremo, hoje, fatos, e os fatos, de acordo com o próprio Supremo Tribunal Federal, encontram-se comprovados.

            Continuo: a prova cabal do envolvimento do cidadão Genoino no esquema criminoso - sua defesa insistia que ele era quase uma rainha da Inglaterra, sem qualquer ingerência nas finanças do PT - foi a comprovação de que o petista atuou conscientemente como avalista de empréstimos fraudulentos no valor de R$3 milhões. Esses recursos foram, na interpretação da própria Corte do Supremo Tribunal Federal, simulados junto ao Banco Rural para dar ares de veracidade à origem do dinheiro movimentado pelo famoso “valerioduto”.

            Na verdade, conforme o próprio Supremo Tribunal Federal atestou no julgamento do famoso mensalão, o empréstimo juntou-se a diversas frentes de desvio de recursos, inclusive com a usurpação dos cofres públicos, para a distribuição de propina no Congresso Nacional. Repito: propina no Congresso Nacional. E repito mais uma vez, Senador Requião: comprar consciência de parlamentar é a mesma coisa que comprar uma sentença judicial. É você violar a verdade das urnas. “Ah, mas o julgamento é ideológico” - poderia ser do PDT, do PMDB, do PT ou de qualquer outro partido político.

            “Na condição de líder da agremiação, ...”

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Mais terrível ainda, Senador...

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Já permito o aparte a V. Exª. Só vou terminar o meu raciocínio.

            "Na condição de líder da agremiação, Genoino não poderia desconhecer o esquema", afirmou o Ministro Luiz Fux.

            "Genoino admitiu ter assinado empréstimos em nome do PT tendo como avalista Marcos Valério, demonstrando assim a proximidade entre o acusado e o empresário". Quem atestou isso foi o Ministro Joaquim Barbosa.

            Quanto a Delúbio Soares, restou provado que ele operacionalizava os pagamentos, indicando os valores a serem pagos e quem seriam os beneficiários do esquema.

            Para minha honra, concedo um aparte, Sr. Presidente, a S. Exª, o digno representante do Estado do Paraná, Senador Requião.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Só uma observação, Senador Pedro Taques.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Poderiam ser várias, em razão da experiência e competência de V. Exª.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Mais terrível do que a compra de opinião é haver, no Congresso Nacional, opinião à venda. A minha preocupação, agora, não é mais repisar a correção de alguns malfeitos, graves malfeitos, pelo Supremo Tribunal Federal, mas é fazer com que prossiga essa atividade. A observação que eu quero fazer é a seguinte: se o mensalão do PSDB tivesse sido punido, não teria havido mensalão do PT, porque o PT acabou instrumentando os mesmos malandros que compravam votos na reeleição do Fernando Henrique no Congresso Nacional. Então, vamos ver agora se não estamos diante - e é o que me parece estarmos - de um moralismo de ocasião, um julgamento duro, mas de oportunidade, e o esquecimento do processo que deu origem a esses desvios. Eu gostaria de ver a CPI do Cachoeira prorrogada, os sigilos quebrados. E já me disponho - soube que V. Exª e o Randolfe estão com um abaixo-assinado - a assiná-lo. E gostaria que o Senado inteiro o assinasse, e que se quebrassem de uma vez os sigilos da Delta, dos políticos, e aprofundássemos isso. Senão, passa a ser uma espécie de moralismo encontrável em loja de conveniência de posto de gasolina, uma condenação dura em determinados momentos e para determinadas tendências ideológicas. E a complacência absoluta em relação a outras. É aquela coisa do velho Tachito Somoza no seu país: para os amigos, tudo; para os indiferentes, justiça; e, para o inimigos, chumbo.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Concordo inteiramente com V. Exª. O DNA, segundo alguns, deste caso do mensalão, encontra-se em Minas Gerais no chamado mensalão do PSDB. Nós temos de falar do PSDB, do PDT, do PQP, do que for, Senador Requião. Não interessa o partido político. O que interessa são os fatos.

            Agora, discordo de V. Exª, se V. Exª me permite, Senador Requião, a respeito do moralismo que V. Exª está a dizer. Nós não podemos, sob a desculpa de não julgar um caso, argumentar que outro caso não foi julgado. O Supremo Tribunal Federal não está sendo moralista, udenista, lacerdista. O Supremo Tribunal Federal está julgando fatos, e os fatos são comprovados. Esses fatos. O Partido dos Trabalhadores não cometeu crime. Quem cometeu crimes foram aqueles que praticaram aquelas condutas incriminadas no Código Penal, como corrupção, como formação de quadrilha.

            Portanto, nós esquecermos esses fatos, em razão de fatos pretéritos, não é justificativa constitucional.

            E também, se V. Exª me permite, nós temos, sim, que entender que aquele que vende a sua consciência, nesta Casa e na Casa ao lado, merece, sim, uma reprimenda do Supremo Tribunal Federal, porque o Direito Penal não serve só para a senzala, o Direito Penal serve para a casa grande também. O Direito Penal não pode ser igual à Teologia da Libertação, que fez opção pelos pobres. O Direito Penal tem que fazer opção por aquele que comete fatos, e o Supremo Tribunal Federal está a julgar fatos.

            Eu quero render a minha homenagem ao Supremo Tribunal Federal, e continuo já me encaminhando para o final.

            A Ministra Carmen Lúcia afirmou que a admissão da prática de ilícitos lhe causou “desconforto” - ela fazendo referência aos advogados. Em suas palavras, a Ministra disse: "A própria defesa assume isso e tenta dizer: 'Ora, brasileiros, o ilícito é normal'. A ilegalidade não é normal, Sr. Presidente. No Estado de direito, o ilícito há de ser processado e, se comprovado, punido.”

            Para minha honra, concedo um aparte ao Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Caro Senador Pedro Taques, V. Exª, desde os primeiros dias aqui no Senado Federal, ganhou o respeito de todos nós pela maneira como tem se conduzido, inclusive de maneira muito reta e severa, a exemplo das suas observações relativas à Comissão Parlamentar Mista do caso Cachoeira. Eu quero concordar com o Senador Roberto Requião e, com V. Exª e o Senador Randolfe, me disponho a assinar o requerimento de prorrogação dos trabalhos, uma vez que quase todos os membros, inclusive o próprio Relator e o próprio Presidente, afirmaram - pelas suas entrevistas que ouvi - que ainda há o que se fazer para completar o desvendar da história de maneira mais completa. No que diz respeito ao julgamento do STF relativamente a membros do Partido dos Trabalhadores, com os quais muito convivi nesses 32 anos - fui colega e membro do Diretório Nacional, colega no Congresso Nacional, e conheço-os muito, embora não tenha feito parte das decisões que ali estão sendo objeto de averiguação -, eu tenho uma concordância com V. Exª. Acho que, algumas vezes, V. Exª me ouviu dizer, aqui da tribuna, que eu gostaria muito de ouvir do Presidente da República e dos chefes do Poder Executivo, em qualquer nível, que venhamos todos nós Parlamentares sempre tomar decisões à luz do que avaliamos como sendo do interesse público e nunca por qualquer vantagem que tenha sido colocada para nós. Eu tenho por norma não fazer indicações de pessoas a cargos públicos ou mesmo no setor privado, e também nunca aqui votei porque foi ou não considerada uma emenda que eu tivesse apresentado. Acho que sempre temos que votar de acordo com o interesse maior do que percebemos ser melhor para o povo brasileiro, para a Nação. A mim me dói a decisão de condenação até agora feita com respeito a José Genoino, a José Dirceu, a Delúbio Soares. Eles manifestaram a sua preocupação, manifestaram que se consideram inocentes. José Dirceu expressou, num documento divulgado à imprensa, à opinião pública, no seu blog, datado de ontem, que ele ainda faz questão e vai lutar até o fim para provar a sua inocência, que não se deixará abater, que não vai abandonar. E, na avaliação dele, a condenação da Suprema Corte não é justa, porque não haveria as provas suficientes - na avaliação dele, há ausência de provas -, e o Estado de direito democrático, os princípios constitucionais não aceitam juízo político e de exceção. Por outro lado, hoje há uma carta divulgada por Miruna Genoino em defesa de seu pai, Deputado José Genoino, que a considero comovente. Eu acho, inclusive, que cabe que eu a leia aqui, hoje, na tribuna do Senado Federal. Eu vou fazê-lo, porque quero assegurar àquelas pessoas que tiveram postos de comando e de direção de meu Partido o maior direito de defesa. Sim, eles foram defendidos por advogados considerados dos melhores do Brasil, que são respeitados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Acho importante o que V. Exª mencionou relativo às palavras da Ministra Carmen Lúcia. Aliás , V. Exª não mencionou esta parte, mas eu a ouvi quando ela estava dizendo: a questão relativa ao uso de caixa dois...

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Vou falar agora.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...é algo considerado ilegal e que deve assim ser considerado. E - V. Exª tem conhecimento - eu aqui apresentei projeto no sentido de que todo e qualquer partido venha a colocar, em tempo real, na sua página eletrônica da Internet, todas as contribuições do Poder Público e de pessoas físicas e jurídicas. Eu recomendo ao meu Partido que coloque isso em prática de pronto, até sem esperar a aprovação desse projeto. Eu fiz assim, assim agi em 2006, quando fui candidato, sem utilizar qualquer recurso não contabilizado ou caixa dois. Proponho que isso seja feito por todo o meu Partido. Muito obrigado.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Muito obrigado, Senador Suplicy.

            Entendo o momento histórico que V. Exª está a viver e respondo com grande Ortega y Gasset: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias.” V. Exª, em razão do seu determinismo histórico, nas palavras de Marx, tem uma ideologia e a evolução histórica junto com esses cidadãos, mas nós não estamos julgando a história. Nós estamos julgando fatos.

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT) - Precisamos do julgamento, sim, do mensalão do PSDB.

            Já me encaminho para o final, Sr. Presidente.

            Enfim, gostaria de ressaltar que, além do evidente assalto aos cofres públicos, o caso Mensalão causou uma profunda mácula na democracia brasileira: sem a disposição de participar do jogo democrático, de ouvir o contraditório, de construir um país que saiba conviver com as diferenças, as elites partidárias envolvidas preferiram a via autoritária, de imposição de suas verdades e suas concepções de mundo em detrimento da sociedade brasileira, o que só seria possível através da subordinação do Parlamento por meio da compra de votos.

            Não satisfeitos com as possibilidades de convencimento político existentes, essas elites, quiçá influenciadas, Senador Suplicy, pelas baforadas de nobres charutos cubanos, adotaram o "mensalón" porque não tinham condições de implantar o "paredón", revelando, assim, todo o viés não democrático presente em seu projeto de manutenção de poder.

            Ao corromper o Legislativo, os que se pretendiam donos do poder agrediram, de forma inconcebível, a democracia republicana, alterando a expressão da vontade do povo e, portanto, a própria legitimidade da lei.

            Como premissa fundamental da atividade legislativa, Sr. Presidente, só se pode considerar como lei aquilo que o povo decidiu para si mesmo, ensinava o Abade Sieyès.

            Dessa forma, esses atos desonestos, realizados por párias da vida pública, são verdadeiros atentados contra a soberania do povo, delegada aos congressistas na forma de representação popular.

            Felizmente, quis o destino que hoje as instituições democráticas prevalecessem. Cabe ao Parlamento não se render ao presidencialismo imperial reinante em nosso sistema, e ao Supremo Tribunal Federal cumprir o que manda a Constituição.

            Encerro a minha fala, Sr. Presidente, dizendo que um partido político não está sendo julgado, o Partido dos Trabalhadores. Esses fatos poderiam ter sido praticados por membros do PDT, o Partido de que faço parte, e eu estaria aqui fazendo o mesmo discurso.

            Nós precisamos cobrar o julgamento do chamado mensalão do PSDB. Precisamos cobrar esse julgamento. E o Supremo Tribunal Federal vai fazer esse julgamento.

            Não posso encerrar, sem lamentar a decisão do Ministro Toffoli de participar do julgamento do seu ex-chefe, o que compromete a sua capacidade subjetiva, a sua imparcialidade, porque ele tem comprometimento psicológico com a causa. Isso é lamentável para o Estado democrático de direito!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2012 - Página 53350