Discurso durante a 223ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2012 - Página 65365
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, LUIZ GONZAGA, MUSICO, COMENTARIO, HISTORIA, ATIVIDADE ARTISTICA, IMPORTANCIA, CANTOR, MUSICA BRASILEIRA, DENUNCIA, NATUREZA SOCIAL.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Chambinho está a cara do Luiz Gonzaga. Se eu pudesse fazer igual a João Cláudio Moreno, eu iria dizer como estava a cara dele.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores; Deputados e Deputadas; convidados que aqui comparecem; os nossos músicos da Orquestra Sinfônica do Piauí; o cantor e compositor Raimundo Fagner; o nosso amigo Valdonys; o nosso Chambinho, também cantor e agora ator, cantando para o Brasil inteiro; João Cláudio Moreno, cantor, compositor e humorista; nosso companheiro de Senado Ciro Nogueira; nosso colega Osmar Júnior, Deputado Federal pelo Piauí; nosso Presidente, João Claudino, que acompanha esta sessão e a dirige com o sentimento de que estamos prestando uma homenagem a um dos maiores brasileiros, sempre temos a ideia de que as personalidades da vida política são os que ascendem aos postos do Senado, da Câmara Federal, das Assembleias, das Câmaras de Vereadores, aos cargos do Executivo ou à imortalidade dos juízes, principalmente do Supremo Tribunal Federal e das cortes de apelação, as cortes superiores, mas eu digo que, muitas vezes, não. O nosso mundo é feito deste tipo de gente, gente simples e, como nos disse aqui o Fagner: um homem humilde e simples que era o Luiz Gonzaga. A música cantou o Luiz Gonzaga de ouro, Bê de Paiva, nosso companheiro e amigo.

            Nós estamos, aqui, neste dia, em uma sessão que o nosso Presidente já qualificou como uma sessão do Congresso Nacional, para homenagear um homem que chamamos de rei, rei de primeira grandeza da arte que a nossa Nação produz: Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião. E esse é o principal gênero de música popular brasileira - ombro a ombro com o samba, está o baião. É o ritmo do Nordeste, do sertão, do interior do Brasil.

            E estamos num ano especialíssimo - em outras épocas, absolutamente trágico - para o Nordeste brasileiro: estamos em uma das maiores secas de todos os tempos.

            Para nós, mais jovens, é uma das maiores dos últimos 40 anos, dessas que nós tivemos a oportunidade de ver e sentir. E ele que disse:

Setembro passou

Outubro e Novembro

Já tamo em Dezembro

Meu Deus, que é de nós,

.....................................

Assim fala o pobre

Do seco Nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz

            Assim cantou Luiz Gonzaga a música do cearense Patativa do Assaré, contando a todo Brasil a saga dos nordestinos fugindo da seca que tanto sacrifício nos impõe, essa seca que vivemos agora, neste dezembro do centenário do Gonzagão. A maior seca dos últimos 40 anos. A seca terrível, que tudo devora.

            Estamos buscando criar, neste início do século 21, possibilidades maiores de enfrentar esse fenômeno da natureza, em especial, com a interligação das nossas bacias hidrográficas. Mas de muito ainda padece, digamos assim, a nossa região.

            A voz forte de Gonzaga ainda ecoa, dirigindo-se para as autoridades, buscando quebrar os entraves. Uma obra para atender o povo do nordeste não pode durar 10 anos. O Zé Dantas, ao lado de Humberto Teixeira e de tantos outros, buscou Luiz Gonzaga, com a sua voz forte, para denunciar o descaso, a enrolação, a burocracia, os mestres da burocracia, os mestres da auditagem, que seguram ou impedem que a velocidade possa ajudar o povo do Nordeste.

            Digo isso, companheiro, para mostrar que o centenário do Gonzagão ocorre diante de mais uma tragédia, fruto da ação da natureza que o homem, com toda a ciência, ainda não teve a capacidade de dar solução.

E assim vão deixando

Com choro e gemido

Do berço querido

Céu lindo azul

....................................

O pai, pesaroso

Nos filho pensando

E o carro rodando

Na estrada do Sul

            Procura um futuro melhor, buscando trabalho e êxito, como fez Gonzaga na primeira metade do século passado. Era um brasileiro de origem humilde. Sua mãe era trabalhadora na roça e feirante; seu pai era agricultor, sanfoneiro de oito baixos. Foi o segundo filho de Januário dos Santos e de Dona Ana Batista de Jesus. Veio ao mundo na Fazenda Caiçara, em 13 de dezembro de 1912, dia de Santa Luzia. Não teve Januário dos Santos como sobrenome, como seus oito irmãos e irmãs.

            Por sugestão do padre, foi batizado de Luiz, porque nasceu no dia de Santa Luzia; Gonzaga, por causa do nome de São Luiz Gonzaga; Nascimento, porque dezembro é o mês de nascimento de Jesus.

            Ainda menino, começou a acompanhar o pai nos bailes. Com 14 anos, comprou sua primeira sanfona de oito baixos, e passou a tocar sozinho. Em 1930, com 17 anos, fugiu de casa após uma surra que levou da mãe - disse-nos João Cláudio Moreno, que vocês viram ali, toda cena que o João Cláudio Moreno fez para dar aquela pisa no Luiz Gonzaga. Eita cabra! -, porque tomou umas cachaças para ter coragem de enfrentar o pai da namorada que não queria o relacionamento de um sanfoneiro com a filha.

            Exu, sua cidade, é pernambucana, mas está ali, ligado ao Ceará, porque o Exu é ali daquela região do Cariri, daquelas partes altas e baixas do Cariri, que reúne o Ceará, uma ponta do Piauí, o Pernambuco e também a Paraíba.

            Bem mais próximo, foi para o Crato - aquela fuga -, vendeu a sanfona e embarcou para Fortaleza, onde pretendia sentar praça. Mesmo menor de idade, ingressou no Exército e serviu no 23º Batalhão de Caçadores.

            Eis como contou essa passagem de sua vida a autora de Vida de Viajante, a Saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus:

Quando me apresentei ao sargento, ele me perguntou quantos anos eu tinha, e eu respondi 21 anos, que era a idade aceitável. Com isso, se ajeita e o Exército dava até certidão. Eu era taludinho, trabalhou na enxada, então ele acreditou. Eu menti, porque, se desse a minha idade, não ingressava. Alistei-me em julho, início de agosto, já estava no mundo, na Paraíba, defendendo uma fronteira. Era recruta, analfabeto, sem jeito para nada, no meio dessa revolução.

            O País vivia a chamada Revolução de 30, liderada por Getúlio. No Exército, onde permaneceu por 9 anos, melhorou sua alfabetização precária e viajou em missões para o Piauí, Rio de Janeiro, Minas, Mato Grosso. Durante a Guerra do Chaco, conheceu a polca paraguaia. Passou no concurso de corneteiro do Exército de 1933, e foi elevado a tambor corneteiro de primeira classe, em janeiro de 1933, ganhando o apelido de Bico de Aço. Foi quando aprendeu algumas noções de harmonia. Era disciplinado e dedicado, porém, também cometeu seus deslizes, por exemplo: cumpriu pena de 4 dias de detenção por ter estragado duas baquetas de tambor - meu Deus do Céu! -. Aprendeu, durante o serviço militar, tocar violão; depois, aprendeu tocar sanfona de 48 baixos. Comprou uma sanfona de 80 baixos, pagando prestações adiantadas em uma loja em São Paulo e, quando foi buscá-la, Raimundo Fagner, descobriu que era um logro - havia sido roubado.

            Ele pagou de longe e quando foi receber não existia. Mas conseguiu, com o dinheiro que carregava, comprar uma outra, abaixo do custo. Ao retornar a Minas, cumpriu mais quatro dias de prisão por ter se ausentado do quartel, em Ouro Fino, sem autorização. Foi atrás de sanfona? Mais quatro dias de cadeia. É assim, meu Deus.

            Em 1939 deixou o Exército e rumou para o Rio de Janeiro, de onde embarcaria de volta para Pernambuco. Enquanto esperava o navio, começou a tocar nas ruas do Mangue, área dos prostíbulos do Rio de então, a troco de moedas numa latinha. O dinheiro foi bom, ele desistiu de voltar. Logo foi chamado para tocar dentro dos bares, onde a gorjeta era segura, a cerveja grátis e estava protegido da chuva. Gonzaga tentou adaptar-se aos costumes, músicas e sotaques do Rio, mas um dia um grupo de estudantes cearenses, de quem ficou amigo, pediu-lhe para cantar músicas do Sertão nordestino. Atendeu ao pedido e tocou, pela primeira vez para o público de um bar no Rio, as músicas que tocava em sua terra natal:

            ''Parecia que o bar ia pegar fogo. O bar tinha lotado, gente na porta, na rua, tentando ver o que estava acontecendo no bar. Aí peguei o pires. Na terceira mesa ,estava cheio. Aí eu gritei: 'Me dá um prato!' Daqui há pouco, o prato estava cheio. Aí pedi uma bandeja. E pensei: agora a coisa vai ", relembrou.

            Foi assim que, no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, na Rádio Cruzeiro do Sul, onde se apresentava com frequência, ele saiu da nota três - que era a que ele conseguia com as músicas que ele tocava famosas vindas da Europa e não sei de onde - que sempre recebia ao cantar valsas e tangos, e alcançou a nota cinco a máxima! -, ganhou 150 mil réis de prémio e a admiração do Ary e do radialista, cantor e compositor Almirante, que assistiu sua apresentação. Pouco depois, conheceu Zé do Norte (Alfredo Ricardo do Nascimento, autor de Mulher Rendeira), que o contratou para o programa A Hora Sertaneja, da rádio Transmissora, que atualmente chama-se rádio Globo.

            Sua primeira gravação foi como sanfoneiro de Genésio Arruda e Januário França na canção A Viagem de Genésio, em 5 de março de 1941. Sua participação impressionou os diretores da gravadora. Nove dias depois, gravou seus primeiros discos: Véspera de São João e Numa Serenata; e Vira e Mexe e Saudades de São João Del-Rei.

            "Quando eu comecei a cantar minhas músicas nos cabarés, nos dancings, o povo achou graça, E quem vende graça ganha dinheiro ".

            Em 1945, venceu a resistência da gravadora e pôde, finalmente, cantar num disco. Gravou a mazurca Dança Mariquinha, dele com seu primeiro parceiro, Miguel Lima. Era seu vigésimo quinto disco. Nesse ano, em 22 de setembro, nasceu Gonzaguinha, filho de sua companheira de então, Odaléia Guedes.

            Nesse período, Luiz Gonzaga, querendo um parceiro nordestino, procurou o músico cearense Lauro Maia, que lhe apresentou o primo, também cearense, de Iguatu, Humberto Teixeira, Iguatu e Exu, juntou:

            "Eu queria cantar o Nordeste, Eu tinha a música, tinha o tema, O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta que saberia escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto pra me ensinar as coisas que eu não sabia. Eu sempre fui um bom ouvidor. Cheguei até a enganar que era culto! (...) No primeiro encontro com Humberto, em dez minutos já havíamos escrito a letra de No meu pé de serra. (...) Essa letra dizia a saudade que eu sentia do Nordeste. E tanto eu quanto Humberto ficamos emocionados quando terminamos a peça. Sentimos que tinha começado um caminho. E eu senti que estava nas mãos do autor que eu sempre sonhara ".

            A segunda parceria dos dois fez história: Baião, lançada em 1946. A terceira foi Asa Branca, lançada em 1947.

            Segundo Dominique Dreyfus, o termo 'baião', sinônimo de rojão, já existia, designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola, que permite ao violeiro testar a afinação do instrumento e esperar - e o Fagner deve saber disso mais do que eu - a inspiração, assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe. No repente ou no desafio, cuja forma de cantar é recitativa e monocórdia, o 'baião' é a única sequência rítmica e melódica.

            "O grande estalo de Luiz Gonzaga foi de perceber a riqueza desse trechinho musical, de sentir que ele carregava em si a alma nordestina, e foi saber, através da sanfona cromática, engrandecer, enriquecer, dar volume a esse rojão melodicamente tão rudimentar. "

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, m 1946, a toada Olá seu Generá, de Gonzaga com Jeová Portella, foi censurada. Ela dizia:

Ai seu generá, Feijão cum cove que talento pode dar? Cadê a banha pra panela refoga? Cadê açúcar por café açucara? Cadê o lombo, cadê carne de jabá? Que quarqué dia as coisas tem que melhora. Que sem comida ninguém pode trabaiá. Seu generá Feijão cum cove que talento pode dar?

            Na época, presidia o Brasil o general Eurico Gaspar Dutra, e a música só foi liberada depois que os autores mudaram o nome para Feijão cum Cove e o refrão para “Aí o que será?”...

            Nesse período, voltou a Araripe, com saudade da família, após quase 17 anos de ausência.

            Foi recebido com alegria e orgulho pelo povo, como contou Marisa Alencar, sua colega de infância.

Ele não tinha esquecido nada daqui. Continuava usando o vocabulário daqui, valorizando as coisas daqui, que antigamente ninguém dava valor. Porque quem saia daqui para adquirir condição melhor tinha até vergonha de dizer que era nordestino. Gonzaga não, ele fala das coisas daqui, da rede onde se dorme, da comida que se come, e com o linguajar daqui.

            Aproveitou a visita para dar seu primeiro show na região onde nasceu e o destinou para arrecadar dinheiro para reparar o Hospital São Francisco, do Crato, que estava em ruínas. Uma característica que permaneceria até o fim de sua vida: a ajuda aos necessitados, a solidariedade com o povo sofrido.

            Em 47, adotou o chapéu de couro, inspirado no acordeonista do Rio Grande do Sul, Pedro Raimundo, que usava bombacha, botas, chapéu gaúcho, guaiaca e chicote. Mas seu chapéu foi proibido na Rádio Nacional, onde ele e Pedro Raimundo tinham contrato. A Rádio, no entanto, aceitara a indumentária do artista gaúcho, sem problemas. Mas suas apresentações fora da Rádio sempre eram com o chapéu nordestino.

            Em 53, adotou o gibão de couro, a cartucheira, a sandália e o chapéu maior, mais parecido com o de Lampião.

            Embora sem militância partidária, Gonzaga participava das campanhas dos políticos com que simpatizava, fazendo apresentações gratuitas nos comícios e também jingles.

Eu sempre tive uma vocação para estar ao lado dos governos eleitos, [afirmou explicando o seu ponto de vista]. Quem chega com ambulância, remédio, quem dá emprego, ajuda, quem faz barragens? São os governos, nunca foi a oposição, dizia ele.

            Com Humberto Teixeira compôs a música para a campanha a governador de José Américo, “Paraíba” - o escritor não ganhou, mas a música se eternizou com o célebre refrão “Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor”.

            Em 50, começou a parceira com Zé Dantas, outro gigante, de quem havia gravado “Vem Morena”, um ano antes. Essa música, só do Zé, ele colocou como parceria a pedido do autor, que não queria que o pai soubesse que andava compondo e lhe suspendesse a mesada. Foi seu segundo maior parceiro, que trouxe para as suas canções mais sentimento ainda do povo nordestino.

            A partir dos anos 50, formou banda própria, com instrumentos usados no nordeste: sanfona, zabumba e triângulo. Antes, era acompanhado por pandeiro, bandolim, cavaquinho e violão - a. formação de acompanhamento do choro e do samba. O trio instrumental de sua banda passou a ser adotado por todos os grupos do gênero nordestino.

            Luiz Gonzaga mudou o curso da história da música do Brasil. Segundo José Lins do Rego:

Ele trouxe o sentimento melódico das extensões sertanejas, das léguas tiranas, das asas brancas, do gemer dos aboios. As tristezas dos violeiros se passaram para sua sanfona. O que nos prende ao cantar de Gonzaga é o que nos arrebata em Noel, é a simplicidade da melodia, é a doce música que ele introduz nas palavras, a magia dos instrumentos, a candura de alma tranquila que se derrama nas canções.

            Ele foi também o precursor das canções de protesto que surgiram nos anos 1960, com “Vozes da Seca”, parceria feita com Zé Dantas em 1953: "Mas, Doutor, uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão". Mas esta não é a característica principal de suas músicas. Elas abordam, principalmente, crônicas sobre o Nordeste, sua cultura, sua sociedade, seus modos de vida, sua fala:

Eu ia contando as coisas tristes do meu povo, que demanda do Nordeste pro Sul e pro Centro-Sul, em busca de melhores dias, de trabalho. Porque lá chove no período exato, lá se sabe o que são as estações. No Nordeste, as intempéries do tempo são todas erradas, quando é pra chover não chove. Então, o povo vai procurar trabalho no Sul, e o Nordeste vai se despovoando... Então, minha música representa a luta, o sofrimento, o sacrifício de meu povo. Eu denuncio, critico os governos, mas com certo cuidado, para não me envolver com aqueles que gostam de incentivar a violência.

            A partir do final dos anos 1950, Gonzaga deixou de frequentar os noticiários e programas das rádios, jornais e revistas das capitais, mas continuou juntando de 5 mil a 10 mil pessoas, nas praças do interior. Percorreu o País todo. Ia de carro, caminhonete, avião, barco, jumento, do jeito que desse e cantava nas praças, coretos, circos, quartéis, auditórios das rádios, nos cinemas, na carroceria de caminhão. Para garantir essas apresentações, promovia produtos: cachaça, café, fumo, vinho, sabonetes, lojas locais e, com isso, não cobrava ingresso, quando a cidade era muito pobre. "Eu chegava à cidade do interior com meus discos, cantava na praça pública, vendia meu peixe. Foi sempre no Nordeste que eu me arrumei", disse.

            No início dos anos 1960, Gonzaga "saiu de moda", com a ascensão da Bossa Nova e, depois, da Jovem Guarda, mas sempre pontuava no repertório de vários artistas que então surgiam. Talentos que despontaram nos anos 1960 e eram meninos ou adolescentes nos anos 1950 cresceram ouvindo, gostando e aprendendo a tocar sanfona, por causa do filho de Januário, como Gilberto Gil, na Bahia, ou Milton Nascimento, em Minas. Em 1965, Geraldo Vandré gravou “Asa Branca” no seu disco Hora de Lutar, e, em retribuição, Gonzaga gravou, em 1968, “Caminhando e Cantando”, de Geraldo Vandré.

            Nesse mesmo ano, Gilberto Gil afirmou: "O primeiro fenômeno musical que deixou lastro muito grande em mim foi Luiz Gonzaga, a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil".

            Ocorreu, então, algo inusitado. O jornalista e radialista Carlos Imperial espalhou o boato de que os Beatles iriam gravar “Asa Branca”: “Todo mundo correu em cima. Chama pra programa, paga cache e não sei o quê, gravei programa, ganhei dinheiro e Carlos Imperial na maior gozação do mundo, divertiu-se o rei do baião”. Os Beatles não gravaram, mas o grego Demis Roussos gravou “White Wings”, a versão inglesa da canção sertaneja, nos anos 1970.

            A relação de Gonzaga com o Ceará e do Ceará com Gonzaga, nesta coisa regional nossa lá do pé do Ceará, vai além, muito além das parcerias ou gravações com artistas da terra. Aliás, Luiz Gonzaga - digamos assim - é cearense: recebeu esse título da Assembleia do meu Estado, em 1975.

            Assim como tantos de nós, Fagner ficou encantado com sua música. O primeiro show que ele viu, quando criança, foi Luiz Gonzaga numa praça em Fortaleza: "Isso me marcou profundamente a vida toda, ele foi e continua sendo um incentivo, um exemplo, um espelho pra minha geração" - pode até dizê-lo depois. No seu segundo LP - e havia isso; o pessoal não sabe o que é, mas LP existia -, Fagner fez grande sucesso com a regravação de “Riacho do Navio”. É verdade, foi um sucesso enorme!

            Em 1971, no exílio, Caetano fez sua versão de “Asa Branca”, que Luiz Gonzaga ouviu no Ceará. E disse então:

Um dia, em Fortaleza, estava passando em frente a uma loja de discos e o vendedor me chamou:

- Ô Seu Luiz, o senhor já ouviu a Asa Branca cantada por Caetano Veloso?

(Vai cantar também, João Cláudio Moreno, a parte do Caetano? O Fagner faz a voz do Luiz Gonzaga; e você, do Caetano.)

- Não ouvi ainda não.

- Quer ouvir?

- Agorinha! - e entrei na loja. Ele me deu a capa enquanto colocava o disco na vitrola. Essa capa, com uma fotografia dele com aquele casaco de inverno, expressava tanta tristeza, mas tanta tristeza, que meus olhos se encheram de lágrimas. Quando tocou o disco, aí eu chorei por dentro de mim. Mas, quando ele fez aquela gemedeira do cantador sertanejo, aí eu não aguentei, chorei feio! Foi uma das maiores emoções que eu tive na vida.

            Era a turma no exílio cantando “Asa Branca”.

            onzaga nunca teve parada. Em 1977, tornou-se verbete da Enciclopédia Universal Britânica, com foto em cores.

            Em 1980, apresentou-se para o Papa. E alguém sabe onde foi? No Castelão, Fortaleza, durante a primeira visita de João Paulo II ao Brasil.

            Em 1982, fez seu primeiro show em Paris e para lá voltaria em 1986.

            Em 1984 recebeu seu primeiro Disco de Ouro (100 mil cópias vendidas) pelo LP Eterno Cantador e, depois, recebeu outro, pelo LP Danado de Bom.

            Em 1984, recebeu o Prêmio Shell, que antes havia sido concedido apenas a Pixinguinha, Dorival Caymmi e Tom Jobim.

            Em 1985, recebeu uma homenagem internacional de sua gravadora, a RCA, o Nipper de Ouro, e dois Discos de Ouro por Sanfoneiro Macho.

            Seu próximo LP, Forró de Cabo a Rabo, de 1986, recebeu dois Discos de Ouro e seu primeiro de Platina.

            O Rei do Baião ajudou a promover inúmeros músicos, como Dominguinhos, que conheceu em 1954, em Garanhuns.

            Dominguinhos se apresentava com os irmãos, numa feira, para ganhar uns trocados. O garoto, com seus 14, 15 anos, tocava uma oito baixos. Gonzaga prometeu-lhe uma sanfona melhor.

            Apoiou Jackson do Pandeiro, coroou Carmélia Costa, como a rainha do baião, e Marinês, como a rainha do xaxado. "Quem tem talento não tem medo de perder. Eu botei um mundo de artistas cantando na minha linha e que é que deu? Reforcei as minhas criações e saí lucrando até hoje", afirmou.

            Generoso e solidário com os humildes, como maçom favoreceu Exu e outras cidades com seu trabalho. Com o lucro do livro O Sanfoneiro do Riacho da Brígida, Vida e Andanças de Luiz Gonzaga, que ditou a Sinval Sá, publicado em 1966, construiu uma escolinha no Araripe e pagou o salário da professora durante quatro anos.

            Com o Padre João Câncio, organizou a Missa do Vaqueiro, em 1970 - você já cantou lá, Fagner? -, o que serviu para organizar esses trabalhadores em defesa de seus interesses, das suas lutas, que era a luta pela reforma agrária, no meio da ditadura militar. Então, imagina a sabedoria, a sapiência de como enfrentar o adversário sem ele nem saber que você o estava enfrentando. Olha a genialidade do Luiz Gonzaga!

            Arregimentou - isto aqui ele que está dizendo, viu, Fagner? - Fagner, Gilberto Gil, João do Vale, João Bosco, Sivuca e Chico Buarque para fazerem shows para socorrer as vítimas da seca que arrasou o Nordeste de 1979 a 1984.

            Ninguém entende isso no Brasil, não, porque não se sabe o que é uma seca, um período de estiagem que vai de 1979 a 1984. E sabe o que aconteceu em 1984? Uma enchente que quase arrasou o Nordeste todo. Você imagina como é que são as coisas. Não se entende, não, Cristovam, no Brasil, o que é uma estiagem prolongada, que arrasa com a economia. Todo socorro que se der é pouco, porque a economia já foi, absolutamente, destruída.

            E são esses homens que Luiz Gonzaga arrebanhou para cantar em defesa do Nordeste brasileiro; e criou a Fundação Vovô Januário com o mesmo objetivo.

            Participou do show do Primeiro de Maio de 1984, promovido pelo Centro Brasil Democrático, em favor dos sindicatos de trabalhadores.

            Como escreve Dominique Dreyfus:

Luiz Gonzaga fazia parte da categoria “gênio" e, portanto, tinha todas as características que cabem aos gênios: era sensível, sonhador, encantador, sedutor, inteligente, engraçadíssimo, generoso, mas também violento, autoritário, instável, imprevisível, impaciente, cheio de contradições. E também terrivelmente só, sofrido, “incompreendido".

            Luiz Gonzaga casou com Helena das Neves Cavalcanti, em 1948. Em 1987, assumiu publicamente o relacionamento que tinha há 12 anos com Edelzuita Rabelo. Morreu em 2 de agosto de 1989 de infarto, mas já em função de um câncer na próstata e metástase na estrutura óssea do cantor.

            O cordelista José João dos Santos, Azulão, registrou:

Foi Luiz Lua Gonzaga

Que o Brasil todo se ufana

Dele nascer no Nordeste

Na gleba pernambucana

O filho de Januário

E dona Maria Santana.

Adeus a Luiz Gonzaga

Zeloso, amigo e irmão.

Uma estrela que brilho

Levou depois seu clarão

Agora descança em paz

O grande Rei do Baião.

            Viva Luiz! Luiz Gonzaga do Exu! Luiz Gonzaga do Iguatu, do Pernambuco, do Ceará, do Piauí, da Paraíba! Luiz Gonzaga do Nordeste! Luiz Gonzaga brasileiro, filho, humilde, do nosso povo!

            Viva Luiz Gonzaga! (Palmas.)


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