Pela Liderança durante a 223ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2012 - Página 65372
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, LUIZ GONZAGA, MUSICO, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, ARTISTA, CULTURA, PAIS, ANALISE, CONTEUDO, OBRA MUSICAL, DENUNCIA, NATUREZA SOCIAL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Vicente Claudino; Senador Ciro Nogueira; Senador Inácio Arruda, a quem nós temos de agradecer pela iniciativa deste evento; Deputado Federal Osmar Júnior; Sr. Aurélio Melo, maestro da Orquestra Sinfônica de Teresina; cantor João Cláudio Moreno; Chambinho do Acordeon, a quem devo a grande emoção que senti ao assistir ao filme, quero dizer que foi um dos filmes que mais me tocaram em toda a minha vida e que ser pernambucano ajudou.

            Aqui, digo ao Fagner que ele tem razão, que o Luiz Gonzaga é cearense, porque nós o fizemos em Pernambuco e o demos de presente ao Brasil, e o Ceará faz parte do Brasil. Da mesma maneira, o Ceará fez Fagner e o deu de presente ao Brasil. Por isso, você também é pernambucano. (Palmas.)

            Creio que esta é uma sessão que raramente se faz, Senador Inácio Arruda, com uma homenagem a um poeta, a um filósofo, a um ecologista, a um crítico social, a um nacionalista, a um cantor, como foi Luiz Gonzaga. E nós deveríamos fazer mais isso, porque um país é feito pelos seus poetas. É ilusão achar que um país é feito pelos seus generais e pelos seus políticos ou é até descoberto pelos seus navegantes. Enquanto um poeta não canta, enquanto o seu canto não chega ao povo, o país não existe.

            É claro que o Nordeste pode ter sido muito mais trabalhado, na prática, desde Maurício de Nassau. Foi trabalhado, intelectualmente, por Celso Furtado, por Josué de Castro, por Gilberto Freyre. Mas, enquanto Luiz Gonzaga não fez seus poemas e suas músicas, que nos tocaram o coração, o Nordeste não existia. Eu digo Luiz Gonzaga simbolizando Patativa e outros poetas.

            Pernambuco existe quando a gente se balança ao ouvir o frevo. É o músico, é o poeta que faz com que um país chegue ao coração das pessoas que nele moram. Sem os poetas, podemos até ter uma carteira de identidade de brasileiros, mas não há alma. É o poeta, é o músico que faz a alma. E um país tem de ser, sobretudo, sua alma.

            Por isso, nós estamos aqui, no Centenário de Luiz Gonzaga, homenageando-o, agradecendo-lhe por tudo que fez para que nós descobríssemos e colocássemos dentro de nós o sentimento de Brasil e - não podemos deixar de citar, porque o regionalismo faz parte de um país - o sentimento de Nordeste. Aí é preciso dizer que o sentimento de Luiz Gonzaga é muito mais do que de Pernambuco, é do Nordeste - é, portanto, brasileiro.

            Eu não vou aqui lembrar a vida de Luiz Gonzaga, que já foi tão lembrada. Eu queria mencionar alguns pontos da obra dele que me tocam como tudo aquilo que ele foi. Peguei pequenos pedacinhos, por exemplo, do filósofo. Eu podia buscar muita coisa do filósofo Luiz Gonzaga, mas eu queria tocar aqui em uma música que se chama A Mulher do Meu Patrão, em que ele mostra o vazio da vida de uma mulher que já tem tudo resolvido e a compara com a labuta de uma mulher do povo.

Sartre adoraria ter visto isso, porque é uma aula de existencialismo. É uma aula de existencialismo aquela sua música.

            Ele foi um filósofo. Eu creio que, como poeta, é tudo dele, mas há um verso que eu creio, aliás, dois, que eu escolhi que para mim são muito importantes. Um é quando ele diz, em “Amor da Minha Vida”: “Trocastes por saudade a felicidade de meu coração”. Esse é um verso que se pode colocar como um dos maiores versos de um poeta da língua portuguesa, “trocastes por saudade a felicidade de meu coração”. Como também quatro palavrinhas - podíamos até dizer duas - do final, o último verso de “A Morte do Vaqueiro”, quando ele diz: “só lembrado do cachorro”. Vejam que conteúdo essas palavrinhas têm. O vaqueiro sofreu, o vaqueiro morreu, o vaqueiro foi enterrado e “só lembrado do cachorro”. É a maneira mais completa de falar o que é uma pessoa pobre, mas que teve lealdade, a lealdade do seu cachorro.

            O Prof. Luiz Gonzaga não precisava falar tanto do “ABC do Sertão”, em que ele toca diretamente na ideia de educação, mas o que eu acho importante do Professor, Senador Inácio - o senhor talvez aceite isso melhor do que muitos -, é como ele conseguiu mostrar ali que há imperialismo até na maneira como a gente diz as letras. Nós somos obrigados a dizer as letras da maneira como um padrão da cultura mais forte nos faz dizer, e ele se rebela a isso. E aí é que há um outro lado Luiz Gonzaga, o Luiz Gonzaga nacionalista, que faz um verdadeiro hino à Petrobras, que faz uma poesia a Paulo Afonso, começando a citar Delmiro Gouveia. Ele ali demonstra o nacionalista, que, talvez, Senador Mozarildo, tenha a ver com a influência maçom que foi feita para ele, porque há um nacionalismo grande.

            E há aquilo que talvez seja o mais comum na sua obra e o mais atual: um grande ecologista. As músicas e os poemas de Gonzaga são dignos do mais atual sentimento ecologista. A própria “Asa Branca”. “Asa Branca” é uma música ecologista, em que ele mostra que um pássaro sente quando a chuva está voltando.

            Não são os meteorologistas apenas, não é a ciência que mostra as coisas. São as relações entre as partes da natureza, que conversam entre elas, como “Acauã” também é uma conversa pelo outro lado da seca.

            Ele foi um ecologista em “Asa Branca”. Ele foi um ecologista para mim maravilhoso no que se chama “Apologia ao Jumento”, em que ousa fazer uma apologia daquilo que nós todos usamos como sinônimo de algo negativo. E ele põe isso na música: agradecemos ao jumento tudo aquilo que ele faz, chamando de jumento tudo aquilo de que não gostamos. Não com essas palavras.

            A “Apologia ao Jumento” é um exemplo do ecologismo mais radical, que é o ecologismo que respeita cada espécie de vida, que não aceita a ideia arrogante do antropocentrismo, que despreza os outros animais. A “Apologia ao Jumento” mostra que cada animal merece ser respeitado e que um dos grandes defeitos da civilização industrial é essa visão fria, arrogante dos antropocêntricos.

            E, finalmente, o “Xote Ecológico”, que é absolutamente completo. Ele coloca ali todo o sentimento que tem da ecologia. Não é por outra coisa que ele diz - vale a pena lembrar - o seguinte: “Não posso respirar, não posso mais nadar”. Vejam que maneira poética de dizer! A gente usa livros e livros para falar sobre projeções e projeções de dióxido de carbono e de tanta coisa. “Não posso respirar, não posso mais nadar. A terra está morrendo, não dá mais para plantar”. Que força! É o que está acontecendo. A única coisa que a gente precisa mudar aqui é que a terra para ele está com T minúsculo, o solo. Basta a gente colocar o T maiúsculo para falar do Planeta, e essa frase diz tudo: a Terra, o Planeta, está morrendo. Não dá mais para plantar. “E, se plantar não nasce; se nascer, não dá”. É o que estamos vendo hoje no mundo, em alguns lugares mais do que em outros.

            “Até pinga da boa é difícil de encontrar.” Aqui ele mostra que a crise ecológica leva a um sofrimento e a um sacrifício dos aspectos do lazer, dos aspectos do prazer. Quando a gente destrói a natureza, não é só a natureza que morre; é a nossa vida, é o nosso lado lúdico, que, no caso, ele simboliza na “pinga da boa”.

            “Cadê a flor que estava aqui?” A flor não está mais, e as que estão não vão durar muito. Esse é um sentimento que é difícil colocar numa frase, num verso. E ele responde: “Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu” - e ainda há gente que nega isso! “E o peixe que é do mar? Poluição comeu. E o verde onde é que está? Poluição comeu.” E ele conclui: “Nem o Chico Mendes sobreviveu”.

            Isso mostra a sua visão crítica social, que, talvez, mais forte esteja não numa música composta por ele, mas, sim, em “Triste Partida”, simbolizada por ele, mesmo que Patativa tenha sido o autor. Eu escutei ali que ele até queria que fosse dele, Patativa, e que era a sua música preferida.

            Eu lembro o primeiro dia em que ouvi “Triste Partida”. Eu lembro. Eu estava fora do Brasil, naquele período em que tantos de nós ficamos fora. Apesar de pernambucano, eu nunca havia escutado “Triste Partida”. Foi tão importante, que eu lembro quando foi. Eu lembro o que eu senti. Eu lembro que quis ouvir outra vez. E, de lá para cá, muitas vezes eu ouvi essa música, que conta os aspectos de quando se planta, a espera para plantar, que não é permitido, o dia em que você tem que ir embora, a venda do cavalo, a venda do que tem e aquela frase tremenda, que diz que sempre tem um fazendeiro doido para comprar aquilo que os retirantes têm que vender para ir embora. Ele diz que o fazendeiro, feliz, comprou tudo o que ele tinha e depois vai contando a vida em todas as partes.

            “Por terras alheias nós vamos vagar.” Quando diz “por terras alheias nós vamos vagar”, lembra não apenas o Brasil, mas também vira um internacionalista. Há 2 mil anos, os judeus vagaram. Agora, os palestinos vagam. E 50 milhões de seres humanos hoje são refugiados. Estão vagando, sem bandeira, sem carteira de identidade, sem passaporte, sem pátria, sem hino.

            Ele foi capaz de falar tudo isso, mas o final de “Triste Partida”, a meu ver, é o mais forte de tudo. Não apenas só vê cara estranha, trabalha um ano, dois anos, três anos, mas nunca ele pode voltar. Por quê? Porque só vive devendo.

            Essa é uma crítica social das mais profundas. E aqui não são só os nordestinos que vão para São Paulo. Essa é a realidade do Brasil de hoje, do mundo de hoje, em que nós acabamos com a escravidão de vender seres humanos e criamos a escravidão da dívida. A dívida para consumir, para trocar de carro, para comprar uma casa na praia e, às vezes, até para comer, comprando fiado. Esta é a ideia: “Só vive devendo”. Depois, vem: “Saudade...”.

            E diz:

Distante da terra

Tão seca mas boa

Exposto à garoa

A lama e o paú

Meu Deus, meu Deus

Faz pena o nortista

Tão forte, tão bravo

            E vejam a conclusão: “Viver como escravo/No Norte e no Sul”.

            Esse é um hino, um hino com a carga crítica da realidade em que vivemos. Tirem “faz pena o nortista” e coloquem, em vez de “nortista”, “o trabalhador”, e se tem o sentimento completo. Tirem “o trabalhador” e coloquem “o ser humano” no mundo de hoje, e se tem isto: “Viver como escravo no Norte e no Sul”, viver como escravo aqui ou ali, viver como escravo de um sistema perverso, de uma civilização maldita, que nos escraviza dizendo nos libertar.

            Luiz Gonzaga nos mostrou isso, porque ele era um poeta. E foi preciso que eu, como professor, lesse e analisasse o poema dele, para poder entender o que eu penso.

            Esse é o grande poeta, aquele que faz a gente descobrir o que é que a gente pensa. Foi um grande poeta, foi um grande filósofo, foi professor, foi nacionalista e foi um grande brasileiro, nascido em Pernambuco e doado ao Brasil, como Fagner nasceu no Ceará e foi dado de presente ao Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2012 - Página 65372