Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a respeito da política econômica praticada no Brasil.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Comentários a respeito da política econômica praticada no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/2013 - Página 1194
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ECONOMISTA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS, REFERENCIA, ELOGIO, POLITICA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, APREENSÃO, SITUAÇÃO, EMPREGO, BRASIL, FATO, INSUFICIENCIA, QUALIFICAÇÃO, CAPACIDADE PROFISSIONAL, PESSOAS, AMBITO NACIONAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Jorge Viana, que bom que V. Exª agora preside os nossos trabalhos! Eu gostaria de comentar alguns aspectos do desenvolvimento de nossa política econômica e aqui assinalar duas contribuições importantes.

            A primeira delas diz respeito à economia com juros, que tem sido utilizada para elevar o custeio. Em editorial do Valor Econômico, há o registro de que a diminuição da taxa de juros vem sendo muito positiva para a economia brasileira, ainda que precisemos examinar isso com alguns cuidados. Diz o editorial do Valor Econômico de ontem:

Ofuscada pelos truques e artifícios contábeis utilizados pelo governo para fechar suas contas no fim do ano passado, uma boa notícia na área fiscal passou despercebida [é justamente isto que quero salientar]: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública caíram muito em 2012, em comparação com o ano anterior, como resultado da redução continuada da taxa Selic pelo Banco Central.

A despesa do setor público com juros diminuiu de 5,71% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 para 4,85% do PIB no ano passado - uma expressiva redução de 0,86 ponto percentual do PIB ou R$ 22,8 bilhões. A economia com juros foi maior do que o gasto no ano passado com o Bolsa Família, principal programa social do governo.

Este é um fato notável. Aos poucos, em ritmo às vezes considerado lento por alguns, a taxa real de juros brasileira vai se aproximando dos padrões internacionais e o gasto do setor público com o serviço de suas dívidas vai se tornando um peso menos opressivo para os contribuintes.

É importante não esquecer que a despesa com juros chegou a superar 9% do PIB na década passada, o que colocava o Brasil como um triste caso a despertar a curiosidade das demais nações. Essa é uma distorção que começa a ser corrigida.

A queda do pagamento de juros abriu um espaço considerável nas contas públicas, mas não se refletiu no principal indicador fiscal, que é o resultado nominal - critério utilizado pelos países desenvolvidos e por quase todos os emergentes, pois considera todas as despesas, inclusive as financeiras. O déficit nominal do setor público brasileiro saiu de 2,61% do PIB em 2011 para 2,47% do PIB no ano passado - uma redução de apenas 0,14 ponto percentual do PIB.

O déficit nominal nada mais é do que a despesa com juros menos o superávit primário. Se a despesa com juros caiu muito e não houve diminuição expressiva também do déficit nominal, a explicação é que o superávit primário foi reduzido.

Dito de uma maneira mais simples: o resultado fiscal registrado em 2012 mostra que a economia feita com a redução dos pagamentos de juros foi usada pelo governo para pagar outras despesas primárias.

A meta do superávit primário do setor público para 2012 era de 3,1% do PIB. O resultado obtido foi equivalente a 2,38% do PIB, segundo informou o Banco Central na semana passada. Mas se dessa conta forem excluídos os R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) - usados para aumentar o superávit do governo federal -, o superávit efetivo ficou em 2,1% do PIB estimado para o ano passado. Ou seja, o resultado fiscal ficou um ponto percentual do PIB abaixo da meta. O superávit primário caiu porque o governo elevou as despesas primárias.

A questão agora é saber em que foi utilizada a economia com os juros das dívidas. O economista Mansueto Almeida, em seu blog na internet, conta que a despesa primária federal cresceu de 17,52% do PIB em 2011 para 18,24% do PIB no ano passado - uma elevação de nada menos do que 0,72 ponto percentual do PIB.

O aumento, sempre em comparação com o PIB, ocorreu, segundo o economista, nas despesas com o INSS, com gastos sociais (transferências de renda, como o Programa Bolsa Família, a Lei Orgânica da Assistência Social, etc.), saúde e educação e o que ele chama de custeio administrativo, onde inclui os gastos com os subsídios do Programa de Sustentação de Investimento (PSI), do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e com as despesas de passagens aéreas dos servidores, entre outros.

Os investimentos em 2012 (excluindo desse conceito as despesas com o programa Minha Casa, Minha Vida, considerado gasto de custeio) caíram, segundo Mansueto, em comparação com o PIB. Em 2011, os investimentos ficaram em 1,15% do PIB e, no ano passado, em 1,09% do PIB.

Ou seja, o espaço fiscal aberto pela queda da despesa com o pagamento de juros não foi ocupado pelos investimentos em infraestrutura, tão essenciais para a retomada do desenvolvimento. O mais preocupante é que o aumento das despesas, na maioria dos casos, tem caráter permanente, o que significa que o espaço fiscal já foi definitivamente ocupado.

            Acho interessante este editorial do Valor Econômico, de um lado, porque ressalta a diminuição significativa que tem havido nas taxas de juros da economia brasileira, o que representa um passo saudável que vem caracterizando a política econômica do Governo da Presidenta Dilma Rousseff, sobretudo sob o comando do Ministro da Fazenda, Guido Mantega.

            Mas há também outro aspecto que eu hoje gostaria de assinalar, objeto de um artigo ontem publicado no Valor Econômico pelo eminente professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Saboia, sob o título: “Pleno Emprego?”.

A redução acentuada da taxa de desemprego do país ao longo dos últimos anos tem levado muita gente a afirmar que o Brasil estaria vivendo uma situação de pleno emprego ou, pelo menos, de quase pleno emprego. Se, por um lado, esse fato seria positivo do ponto de vista dos trabalhadores, que se beneficiariam de uma maior demanda com melhores salários e condições de trabalho mais favoráveis, por outro, seria um risco para a inflação e para o próprio crescimento econômico, na medida em que haveria cada vez mais dificuldades de contratação de pessoal, especialmente quando se trata daqueles com maior nível de qualificação.

            O Professor João Saboia faz considerações muito relevantes a respeito. Prossegue:

Na realidade, estamos longe de tal situação e ainda há muito espaço para a inserção de mais pessoas no mercado de trabalho, além de melhor utilização da atual força de trabalho. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE deixam isso claro. A PME conta apenas uma parte do que está ocorrendo no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que cobre somente seis regiões metropolitanas. De qualquer forma, os principais centros urbanos do País estão cobertos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. Tais regiões representam cerca da quarta parte da população economicamente ativa do País. No último mês de dezembro a taxa de desemprego não passava de 4,6%, indiscutivelmente um valor bastante baixo, tanto na comparação com os dados da PME nos últimos anos, quanto na comparação com o que acontece atualmente no resto do mundo. Mas uma análise mais atenta dos dados traz novas informações.

            Ressalto que ainda ontem, em sua mensagem, a Presidenta Dilma Rousseff justamente enfatizou a taxa de desemprego bastante baixa ocorrida em dezembro passado.

Mas, segundo a Pesquisa Mensal do Emprego, havia 23,4 milhões de pessoas ocupadas naquele último mês. Destas, pouco mais da metade estava empregada com carteira assinada, situação típica dos melhores empregos no setor formal da economia. As demais eram trabalhadores por conta própria (4,1 milhões), empregados sem carteira assinada (3,7 milhões), funcionários públicos ou militares (1,8 milhão) e empregadores (1 milhão). Entre o pessoal ocupado, havia 3 milhões de sub-remunerados, recebendo menos que o salário mínimo horário, e 480 mil trabalhando poucas horas, embora disponíveis para jornadas maiores.

Verifica-se, portanto, que parcela importante dos "ocupados" poderia ser muito melhor aproveitada, trabalhando mais horas, sendo remunerada com salários mais elevados e participando do setor formal da economia. Uma das consequências de tais mudanças seria um inevitável aumento da produtividade do trabalho e, consequentemente, maior potencial de crescimento econômico para o País.

Com relação aos trabalhadores desempregados, totalizavam 1,1 milhão em dezembro, sendo constituídos, principalmente, por pessoas jovens, do sexo feminino e de nível de escolar relativamente elevado - 55% são mulheres; 41% têm no máximo 24 anos; e 59% possuem no mínimo o 2º grau completo. Curiosamente, o elevado número de pessoas desempregadas com nível de escolaridade alto para o padrão do País refiete o próprio aumento dos anos de estudo da população brasileira verificado nos últimos anos [assinala João Saboia].

Um dos dados mais interessantes divulgados mensalmente pela Pesquisa Mensal de Emprego, porém muito pouco utilizado pelos analistas, é o referente à população não economicamente ativa, correspondendo àqueles que não trabalham nem buscam emprego, não sendo, portanto, considerados nem ocupados nem desempregados. A maior parte dos 18 milhões de pessoas da população não economicamente ativa é constituída por crianças e idosos, mas uma parte substantiva poderia estar participando do mercado de trabalho se a economia estivesse crescendo a taxas mais elevadas. Havia nela, por exemplo, 2,1 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar, das quais 1,7 miihão estavam disponíveis para trabalhar.

Dessas últimas, cerca de 750 mil haviam participado do mercado de trabalho nos meses anteriores. O total de pessoas da População Não Economicamente Ativa que estava disponível para trabalhar representava um número bem superior ao 1,1 milhão de desempregados encontrados pela Pesquisa Mensal de Emprego em dezembro.

Caso elas estivessem efetivamente procurando emprego naquele mês, a taxa de desemprego mais que dobraria.

Tendo em vista que a geração de emprego no País tem se concentrado no setor terciário (comércio e serviços), onde usualmente os postos de trabalho exigem menor nível de qualificação e pagam salários menores, a eventual transformação de parte das pessoas atualmente na População Não Economicamente Ativa em trabalhadores ocupados poderia ocorrer sem maiores dificuldades no futuro, reforçando o argumento de que ainda nos encontramos muito longe do que possa ser considerado como pleno emprego.

Em outras palavras, se a economia se recuperar nos próximos anos, haverá um verdadeiro batalhão de trabalhadores potenciais que poderá ser mobilizado para ser incorporado ao mercado de trabalho. Claro que isso não significa que está tudo sob controle e que não seja necessário aumentar cada vez mais a qualidade da mão de obra brasileira com a melhoria do ensino público e continuidade do aumento da escolaridade da população, além do fortalecimento do ensino técnico de segundo grau. Pelo contrário, tais medidas devem ser uma preocupação constante e são fundamentais para a elevação do nível de qualificação e de produtividade do trabalho.

Resumindo, o País está distante do que poderia ser considerada uma situação próxima ao pleno emprego, tanto pelo fato de que muitas pessoas atualmente ocupadas estão sendo subutilizadas e se encontram em situação bastante precária e de baixa produtividade, quanto pelo grande volume de pessoas que estão disponíveis para serem absorvidas pelo mercado de trabalho a qualquer momento, desde que a conjuntura econômica seja mais favorável.

            Assinalo aqui, Presidente Jorge Viana, que essa é tipicamente uma colaboração de grande significado de um excelente economista brasileiro. Estou preparando, Sr. Presidente, uma sugestão à Comissão de Assuntos Econômicos -- será presidida, conforme a indicação do nosso Partido, pelo Senador Lindbergh Farias, daqui para a frente. Já conversei com S. Exª, com nossa Bancada e com o Senador Welllington Dias no sentido de fazermos algumas proposições, e gostaria de fazê-las suprapartidariamente. Até conversei hoje com o Senador Aloysio Nunes, pois gostaria de que ele ajudasse a completar a lista de eminentes economistas brasileiros. Poderíamos fazer uma sequência de debates, tal como nos brindou o Senador Fernando Collor ao presidir a CRE -- Comissões de Relações Exteriores, no ano passado e nos últimos dois anos. Toda segunda-feira, ao final da tarde, tivemos lá debates muito interessantes. Quem sabe a Comissão de Assuntos Econômicos possa, da mesma forma, realizar uma sequência de debates. Estou propondo uma lista de mais de 30 economistas que, certamente, será enriquecida com outras sugestões.

            Acredito que até a primeira reunião da Comissão de Assuntos Econômicos possamos, então, aprovar uma sequência de debates sobre a política econômica brasileira. Assim, examinaremos a possibilidade de construirmos uma sociedade civilizada e justa, onde os princípios de justiça possam ser contemplados ao mesmo tempo em que combinamos ações para alcançarmos maior crescimento econômico possível. A justa distribuição da riqueza, a erradicação da pobreza absoluta são medidas que devem estar juntas com o estímulo a formas solidárias de produção, formas cooperativas, com a implementação do microcrédito e de todos os tipos de política econômica e social que sejam compatíveis com o objetivo da construção de uma sociedade justa, de um Brasil justo e solidário.

            Assim, Sr. Presidente, aqui concluo esta reflexão.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/2013 - Página 1194