Discurso durante a 30ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação com a posição brasileira no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Indignação com a posição brasileira no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Aparteantes
Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2013 - Página 10819
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, RESULTADO, ATUAÇÃO, PAIS, INDICE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REGISTRO, SETOR, DEMANDA, MELHORIA, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ENFASE, AREA, EDUCAÇÃO, DENUNCIA, FALTA, RECONHECIMENTO, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, BRASILEIROS, REFERENCIA, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, EXPECTATIVA, ORADOR, ESFORÇO, SOCIEDADE, MELHORAMENTO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde a cada um e a cada uma!

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senadora Ana Amélia, é muito conhecido o discurso do Primeiro-Ministro da Inglaterra, Churchill, quando, informando ao povo inglês que haveria uma guerra contra a Alemanha, ele pediu sangue, suor e lágrimas; que para vencer a guerra ia ser preciso esforço.

            Eu me lembrei disso ao ver as declarações e falas das autoridades do Governo brasileiro ao verem o novo indicador de desenvolvimento no Brasil. Saíram, primeiro, dizendo que havia alguns erros; segundo, que nós tínhamos avançado muito.

            Senadora Ana Amélia, se Churchill estivesse no Brasil, em vez de pedir sangue, suor e lágrimas, ia dizer: “Já estamos ganhando a guerra para os alemães”. E, se fizesse isso, teria perdido, até porque os próprios alemães usaram um pouco do tempo de guerra passando para o seu povo a ideia de que estava ganha a guerra, de que eram imbatíveis. Churchill, ao contrário, preferiu demonstrar as dificuldades que iam enfrentar, e lutar para vencer a guerra; e venceu.

            O que a gente vê no caso do Brasil é o país em 85º lugar no mundo - 85º lugar no mundo! - dizer que nós estamos avançando, em primeiro lugar. Segundo, dizer que houve um erro e que, se tivesse sido computado o que aconteceu entre 2004 e 2010, nós sairíamos da 85º para a 69º.

            Vamos supor que pulássemos para esse 69º lugar. É essa a posição que o Brasil deseja? Dá para a gente dizer que as coisas estão indo bem sendo o 69º país do mundo em desenvolvimento humano? Sendo o sexto na economia?

            O pior é que, se nós computássemos os dados que o MEC traz, era preciso computar também os mesmos dados dos outros países. Aí, eu creio que não melhoraríamos ou melhoraríamos muito pouco a nossa posição.

            Na verdade, se o IDH fosse completo, estaríamos muito mais atrás.

            Imagine, Senadora Ana Amélia, se, além do número de crianças na escola, do número de anos dessas crianças na escola, colocássemos a qualidade da educação. Não tenho dúvidas de que pioraríamos. Sabe por que, Senador? Porque alguns daqueles países que têm poucos alunos na escola têm até qualidade melhor do que a nossa, como foi o Brasil no tempo em que poucos iam à escola e que a qualidade da escola pública era muito boa. Se a gente considerasse a qualidade, o Brasil ficaria pior.

            Imaginem se a gente colocasse a desigualdade de renda e não apenas a renda. O Brasil é o terceiro pior do mundo. Imaginem se a gente considerasse, no cálculo do Indice de Desenvolvimento Humano, a violência no Brasil, em que posição nós estaríamos? Talvez alguns países em guerra pudessem piorar um pouquinho. Mas, fora esses, nenhum teria situação pior do que a do Brasil, tanto na violência, em geral, quanto na violência no trânsito. Que outro país tem a violência no trânsito que nós temos? Até porque os países pobres que estão atrás de nós quase não têm trânsito. Então, não há tantas mortes no trânsito.

            Imaginem que a gente colocasse o tempo de espera de um passageiro de ônibus. Raros países têm essa espera, até porque os mais pobres talvez nem esperem porque moram perto do trabalho, porque são cidades pequenas.

            E o tempo perdido na ida e na vinda? Hoje, houve uma matéria no Bom Dia, Brasil sobre o assunto. Imaginem se o Brasil incluísse, no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano, o tempo de deslocamento nas nossas cidades.

            Imaginem se colocássemos a desigualdade na educação. As pessoas se esquecem. Temos as crianças na escola, temos qualidade e outro indicador, que é a desigualdade. Temos 7,2 anos de escolaridade, na média. Se formos destrinchar isso, vamos ver que a parcela rica do Brasil tem dos 4 anos aos 18 anos garantidos; então, são 14 anos. Se a média é de 7,2 anos, é porque muita gente não fica mais de três anos na escola.

            A educação deveria ser medida pelo número de crianças na escola e pelo tempo que elas ficam, em média, na desigualdade que nós temos, no País, desse tempo, e na qualidade das escolas. Pioraria muito se nós considerássemos o problema da desigualdade.

            E se a gente analisasse o índice de leitura? Somos um dos mais pobres. Se nós analisássemos a qualidade de edificações nas escolas públicas, os salários dos professores, se nós analisássemos, por exemplo, as formas degradantes de trabalho... Até hoje nós temos, inclusive, trabalho escravo.

            E se nós analisássemos como enfrentamos as catástrofes naturais, Senador? Este País está vivendo, há anos, uma das piores secas que já viveu na história, e a Presidenta Dilma ainda não foi ver com seus próprios olhos o que acontece no Nordeste. Nós somos um país que não enfrenta bem as suas catástrofes, porque não tem a educação suficiente.

            Se nós analisássemos o índice de analfabetismo, nós pioraríamos. Se nós analisássemos a relação do nosso Produto Interno Bruto com a produção de bens de alta tecnologia, nós pioraríamos, porque a quantidade do nosso PIB é alta - somos o sexto país -, mas a qualidade do nosso PIB é baixa. Este é um País que tem o Produto Interno Bruto alto baseado na produção de produtos agrícolas e produtos de mineração.

            Imaginem se nós levássemos em conta o grau de endividamento, a percentagem de jovens na universidade; se nós levássemos em conta o índice de desnutrição e o índice de obesidade, dois índices negativos que nós temos; se nós analisássemos a ocorrência de doenças endêmicas - o dengue, por exemplo, no Rio de Janeiro e em outras cidades; se nós analisássemos a distribuição da propriedade da terra, a distribuição da propriedade do capital industrial - ou seja, eu digo distribuição, mas, na verdade, é concentração disso; se nós colocássemos no IDH o número de meninos trabalhando em vez de estarem na escola - e, aí dentro, o número de meninas e meninos vivendo na prostituição por pobreza -, o IDH seria muito pior.

            E se colocássemos o número de presos? Nós somos, provavelmente, o segundo país do mundo em número de presos em proporção ao número de habitantes. Imaginem em que posição do IDH nós estaríamos se levássemos em conta a quantidade de presos que nós temos no Brasil, Senador Randolfe; imaginem se nós colocássemos no cálculo do IDH o número de meninos e meninas adolescentes presos neste País; imaginem se nós colocássemos a criminalidade de menores, como estaria o nosso IDH? Se colocássemos a violência contra as mulheres; se colocássemos a poluição urbana; o comprometimento de alimentos por agrotóxicos; se nós colocássemos nessa avaliação o grau de endividamento das famílias, pioraríamos.

            E se colocássemos a carga fiscal? Senador, imaginem, se colocássemos a carga fiscal, em que posição estaríamos no IDH, porque um país que tem uma carga fiscal pequena até se explica que não tenha boas escolas, porque não tem dinheiro para isso. Mas como pode acontecer isso num país que tem uma boa carga fiscal? De quase 40% é a carga brasileira. Como explicar a nossa situação de tantas dificuldades?

            Por tudo isso, Senador, é que eu lamentei ver o nosso Governo, as suas autoridades, comemorando avanços irrelevantes, tentando encontrar desculpas, em vez de assumir, Senador Randolfe, a tragédia que nós vivemos.

            A Presidenta Dilma deveria ter ido à televisão, em cadeia nacional, para dizer: “Vocês viram como é baixo o Índice de Desenvolvimento do nosso País? Vocês viram que vergonha nós estamos passando? Vocês estão percebendo a guerra que temos que fazer para superar isso? Eu preciso de vocês. Vocês, professores, precisam ir mais à escola. Vocês, prefeitos, governadores, precisam cuidar melhor da educação. Pais, vocês precisam cuidar da educação dos seus filhos!”.

            O Governo Federal assumiu o compromisso de que daria todos os recursos necessários para que o Brasil vencesse a guerra. Era a hora de a Presidenta pedir sangue, suor e lágrimas, para que pudéssemos vencer essa vergonha, essa guerra que temos que fazer contra a pobreza de desenvolvimento humano, ao lado da riqueza de desenvolvimento econômico. Mas ela preferiu outro caminho. Por quê? Porque prefere vender ilusão a enfrentar a realidade. Prefere passar a ideia de que está bem a mostrar que as coisas não vão bem. E quem passa ilusão não melhora a realidade. A realidade só é melhorada por quem assume a tragédia, define as metas e usa os recursos para chegar aonde a gente quer. Enquanto o Brasil preferir a ilusão de que já foi pior, nós não vamos melhorar, não vamos melhorar suficientemente.

            É pena, muita pena que o Governo brasileiro, que a Presidenta Dilma não tenha aproveitado este momento para reconhecer a tragédia que vivemos, para oferecer um caminho, uma alternativa, para que, dentro de alguns anos, pudéssemos sair da vergonhosa 85ª posição! Ou seja, 84 países, alguns muito pequenos, alguns muito pobres, estão em posição melhor que a brasileira.

            A Presidenta não aproveitou a oportunidade para dizer que essa é uma realidade, para reconhecer as dificuldades, inclusive pedindo desculpa pelo seu tempo, mas deixando claro que a culpa não é desse Governo somente. Aliás, a culpa não é só de governo, a culpa é de uma realidade social e econômica. E a culpa não é só desse Governo, mas é da história de 500 anos.

            Em vez de aproveitar isso e cumprir o papel de estadista, conduzindo-nos, pedindo sangue, suor e lágrimas, para superar as dificuldades, em nome das nossas crianças e do nosso futuro, preferiram vender a ilusão de que as coisas não estão ruins. Passaram a ideia de que teria havia erro no cálculo, sem lembrar que, mesmo que tivesse havido erro - e acho que não houve -, teríamos partido do 85º lugar para o 69º lugar, o que não é um grande salto.

            Sr. Presidente, quero concluir, deixando aqui meu lamento, minha tristeza. Eu estaria disposto a dar sangue, suor e lágrimas para que este País tivesse uma posição melhor no IDH, mas a Presidenta não pediu isso. Ela passou a ideia, Senador Randolfe, de que está tudo ótimo, de que está tudo bem, de que estamos melhorando, de que basta ter paciência. É claro que, se ela tivesse dito isso na Inglaterra daquela época, ela não teria ganhado a guerra. Só ganhou a guerra porque disse: as coisas não estão bem, preciso de sangue, suor e lágrimas de cada cidadão e cidadã do país. Assim, venceram a guerra. Nós vamos continuar perdendo a nossa guerra, enquanto não assumirmos os erros do passado, as inconsistências do presente e a falta de ambições para o futuro.

            Concluo, dizendo que, embora eu tenha falado o tempo todo do Índice de Desenvolvimento Humano, que é calculado com base na renda, na saúde e na educação, o principal ponto que leva o Brasil lá para baixo é a educação. Na renda, nós estamos lá em cima. Se não fosse o PIB, estaríamos em centésimo lugar. A renda levanta, a saúde mantém, mas a educação puxa para baixo. Talvez fosse mais fácil resolver essa situação, mas isso não será resolvido enquanto não percebermos que o problema existe. Nenhum problema é resolvido se não se assume que ele existe, e o Governo brasileiro tem preferido vender ilusões a comprar as dificuldades que precisamos adotar, para enfrentar o problema e resolvê-lo.

            Sr. Presidente, essa é a minha fala, mas o Senador Randolfe pediu um aparte, que, com o maior prazer, incorporo ao meu discurso.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Cristovam, quero comungar da preocupação de V. Exª em relação aos números do IDH que ouvimos e que foram veiculados nesta semana. Primeiro, não há alterações substanciais, pois continuamos na mesma classificação que estávamos na última avaliação, embora tenha sido dito que, em alguns setores, em alguns segmentos, notadamente na renda, como V. Exª destaca, houve alguma melhoria. Isso significa que pouco importa nós estarmos entre as dez economias do mundo, pouco importa nós sermos a quinta, a sexta, a sétima ou a oitava economia do mundo, se, concretamente, não há distribuição do conjunto da riqueza, se a concentração da renda continua sendo uma lamentável chaga na vida nacional. Senador Cristovam, quero concluir este aparte, citando o senhor, citando uma obra sua. Nesse fim de semana, quero comunicar que, no livro Reaja!, o senhor disse que se inspirou em outra obra, Indignai-vos!, do filósofo francês. Nesse fim de semana, fiz questão de ir atrás do livro Indignai-vos! e entendi por que V. Exª nele se inspirou para escrever Reaja!. Então, quero concluir este aparte ao Cristovam, fazendo uma citação do Cristovam. No livro Reaja!, V. Exª, Senador, diz algo com que concordo plenamente. A lógica não pode ser “façamos um país rico para melhorar a educação”, mas tem que ser o inverso: façamos a educação, melhoremos a educação, para, então, termos um país rico!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Quero concluir, já que tenho algum tempo, lembrando alguns países que estão na nossa frente. E não vou citar os primeiros, como Noruega, Austrália, Estados Unidos etc. Vou citar países como, por exemplo, a Argentina, que está bem melhor do que a gente - está no 45º lugar, e nós estamos no 85º lugar -; Seychelles, umas ilhazinhas perdidas; Croácia, que acaba de sair de uma guerra civil de muitos anos; Bahrein; Bahamas.

            Sou até bom conhecedor de Geografia, mas há países que estão em situação melhor do que a do Brasil e que não sei onde ficam. Eu vou mostrar aqui. Estão na frente do Brasil a Bielorússia - é claro que conheço -; o Uruguai; Montenegro, um pedacinho que também estava em guerra civil até pouco tempo, porque fazia parte da velha Iugoslávia. Sabiam que existe um país chamado Palau? Pois esse país está na 52ª posição, e nós estamos no 85º lugar. Eu confesso que, com todos meus conhecimentos de Geografia, não sei onde fica Palau. Todos estes estão na nossa frente: Kuwait, Rússia, Romênia, Bulgária, Arábia Saudita, Cuba. Cuba, com todas as dificuldades, está na posição 58, e nós estamos na de número 85. Também estão na nossa frente: Panamá; México; Costa Rica; Granada; Sérvia, outro país em guerra; Malásia; Líbia; Antígua; Trinidad e Tobago; Cazaquistão; Albânia; Venezuela - falta muito -; República Dominicana; Geórgia; Líbano; São Cristovão - confesso que, apesar do nome, eu não sabia qual era esse país -; Irã; Peru; Ucrânia; Macedônia; Maurícius; Bósnia; Azerbaijão; São Vicente e Granadinas - não tenho a menor ideia de qual é a sua capital -; Omã; Jamaica. Depois, chega-se ao Brasil.

            É possível uma coisa dessas? É possível não reconhecer que é uma tragédia essa posição? E o Governo prefere dizer que as coisas não estão mal, que as coisas estão bem, que nós estamos melhorando e que a guerra já está ganha a pedir a todos nós sangue, suor e lágrimas, para vencer a guerra contra essa vergonha que é o desenvolvimento humano degradante que nós temos.

            Lamento que, vivendo ilusões, o Governo está passando ilusões. E, vivendo de ilusões, nós não saímos para uma realidade melhor.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2013 - Página 10819